ARTIGO – Joias e evidências bem reluzentes. Por Marli Gonçalves

As joias são belas, enormes, vistosas, e brilham muito no conjunto esplendoroso repleto de diamantes em penduricalhos combinando com brincos, anel e relógio. Parece avaliado em três milhões de euros, mas especialistas juram que vale muito mais, pela marca, qualidade, outras comparações. Chegaram displicentes, jogadas nas costas, na mochila, de um descuidado aspone que tentava passar assoviando alegremente e deixou até quebrar as pernas do cavalinho dourado que acompanhava o mimo.

JOIAS DIAMANTE

Ainda não estou totalmente convencida se esse aspone sabia exatamente o que portava, tal desleixo. Se tudo era tão bonitinho e certo porque é que não foi o próprio ministro quem trouxe o presentinho em suas coisas? O que mais de bem significativo assim passou pela portinha nesses últimos anos? Lembra tanto a forma das quadrilhas de tráfico internacional de drogas que a gente fica confusa. O muambeiros contratados seguem juntos, mas somente um é denunciado. Enquanto esse coitado se esgoela para se librar do rolo, e os policiais e controladores se aglomeram em volta dele, os outros passam.

De tudo o que a gente já viu ou ouviu esses últimos dias esta é uma das histórias mais mal contadas de nosso tempo, embora com toda a lógica quando se pensa nos envolvidos, desde o país de origem das joias, a Arábia Saudita, o caminho delas até aqui, as outras caixas que agora sabemos passaram, lindas, leves e soltas pela porta, os “mulas”, e para quem se destinariam. Um dos pontos principais é que embora esse imbróglio brilhante milionário já tenha mais de um ano antes de ser descoberto pela imprensa, aquela pessoa que seria – deveria ser, ao menos – sua principal interessada, Michelle Bolsonaro, garante publicamente que nada sabia delas. Vejam só! Confiável ela não é, mas porque diria que não sabia, se isso compromete muito e ainda mais o ex-presidente, o marido que deixou abandonado lá no auto exílio americano passeando de chinelos em supermercados e lojas de departamento baratas? Que alguma coisa esquisita acontece nesse casal, também é óbvio. Fora as rusgas com a familícia completa, os Filhos do Capitão.

Quase todo dia, e creio que outros jornalistas até bem mais atuantes na política também devem receber a mesma pergunta por onde passam, seja no elevador, no supermercado, no meio da rua, quanto encontro alguém – pessoas simples, amigos de outras áreas – a pergunta sempre é se acho que Jair Bolsonaro será preso; quando isso vai acontecer, e qual será sua pena. A experiência faz com que responda que, infelizmente, não sei, mas acrescento que duvido-ó. O mais difícil é explicar essa previsão – depois de saber e enumerar tantos malfeitos, crimes, ordens absurdas e suas consequências mortais cometidas pelo nome que adoraria poder esquecer para sempre. Tento: “É a política nacional que permite, com seus eternos acertos, chavões, acordos, tomaládácá, chantagens, subornos, imoralidade, falta de preparo de quadros, corrupção, impunidade” … E muito mais diria ou listaria se tivesse algumas horas a mais e não precisasse cuidar da vida, e que não está fácil para ninguém.

O caso das joias agora é só mais um detalhe, entre tantos acompanhados ao longo de mais de 45 anos como jornalista, e claro que não estou falando só dessa desgraça mais recente que se abateu sobre nós, mas também dos anos de ditadura, a lenta chegada na democracia que duramente tenta sobreviver a ferro e fogo girando igual bambolê, repetindo suas falhas e lideranças, as respostas não dadas.

Agora nos restará esmiuçar essas reluzentes evidências, que todos os diplomatas garantem ser de valor inimaginável mesmo em troca de agrados entre mandatários. Normalmente são presentes bem mais baratos e representativos da cultura de cada país. Apareceu uma lista que enumera que o serzinho ganhou 618 bonés, 44 relógios, 74 facas, 448 camisas de futebol (e só usava as falsas) e, ironia, 245 máscaras de proteção facial (viriam com seringas de vacina?), entre muitos outros mimos, estes listados em seu acervo pessoal. Justo para onde tentou muitas vezes resgatar a aprendida e chiquetérrima caixinha de veludo, inclusive dois dias antes de sua partida para a Terra do São Nunca, de onde dificilmente sairá tão cedo. 19.470 itens oficiais.

Mas esqueceram dos tantos outros mimos feitos pelos árabes e que ainda saberemos o que agradecem tão efusivamente, e pelo visto durante os quatro anos, inclusive um fuzil e uma pistola, valiosos, com seu nome grafado, que o ex-presidente ganhou diretamente, em 2019, das mãos de um príncipe da família real.

Ele bateu o pé e queria mesmo é o conjunto do colar. Afinal, os diamantes são eternos, não é mesmo?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Fênix, o que todos nós somos. Por Marli Gonçalves

Tenho pensado – e, mais do que pensado, a tenho mesmo evocado – na fênix, essa bela ave mitológica cheia de mistérios, de penas vermelhas e outras de vários tons, douradas a sua longa e bela cauda e garras. Símbolo da vida, da morte, e dos inúmeros ciclos pelos quais sobrevoamos. Representa a esperança, e especialmente o fato de que é necessário dar a volta por cima nas situações adversas, e renascer. Nem que seja das próprias cinzas.

Conta-se que as lágrimas da fênix podem curar qualquer doença, ao contrário das nossas que às vezes apenas vertem sem parar, e já nem sabemos porque tão incontroláveis, se escoam para algum rio mágico que carrega nossas mágoas, os desconsolos. Cantada em verso e prosa desde a Antiguidade, desenhada pelos artistas mais requintados, imaginada com toda a sua mágica, a fênix traz em si o sonho da imortalidade, mas também as mudanças que passamos no decorrer dos anos. Nos lembra a vida marcada por queimaduras, os momentos que morremos internamente, e dali, assim como ela, saímos. Nós mesmos saímos daquele ninho em combustão. Ninguém mais. Todos somos fênix.

Ainda era muito menina quando soube dela, a vi em ilustrações e histórias dos livros de fábulas e mitos que acabaram por me ensinar muito da vida, e me encantei. Aliás, sempre me encantei por seres mitológicos, as sereias, as ninfas, Pégaso, os centauros, e até com as malvadas hidras e suas cabeças que renascem assim que cortadas. Gosto de pensar que há um mundo mágico onde as coisas funcionam diferente deste, terreno, trágico.

Tentei até contar quantas vezes até hoje eu mesma abriguei em mim uma fênix. Mas perdi a conta; foram muitas. Mesmo. Perdas, rompimentos, travessias, desilusões, cortes, saúde, amores, para em seguida ressurgir, mesmo que trazendo em minhas penas as marcas, até cicatrizes. Igual a ela, há o momento que paramos o canto feliz e entendemos a melodia triste que antecede o fogaréu.  Como disse, as fábulas muito me ensinaram, de fé, dos fatos, da vida, dos humanos, da moral da história. Das raposas, do coelho, da tartaruga, da coruja, dos sapos, do jacaré; da meninice da garota do leite às atitudes da gente simples capaz de carregar um cavalo nas costas.

Portanto, nada melhor do que a imagem da fênix para uma reflexão de fim de ano, de futuro, de ciclos, especialmente não só desse que estou particularmente passando, mas do que todos nós, enfim, estamos passando, finalizando, enfrentando adversidades nunca vividas, como a pandemia, morte de ídolos que considerávamos realmente imortais, tais os feitos, as marcas e o sucesso de suas vidas, reis e rainhas, com ou sem trono.

Falo ainda do ciclo tenebroso que se fecha com o fim do governo infernal, assombroso e cinzento que termina junto com este ano, deixando, inclusive, atrás de si, cinzas e muita destruição, ódio e divisões.  E governo esse que curiosamente será sucedido por uma fênix – um líder político renascendo de sua própria destruição e que precisará contar com esse aprendizado e com as forças do Universo para se recompor completamente e virar reconstrução, renascimento e a esperança de toda uma nação.

2023 chegando, e ao pensar numa mensagem positiva, me ocorreu apenas esta: que todos consigamos seguir como o fazem as fênix. Nesse eterno recomeçar, dando a volta por cima, voltando sempre a cantar bonito e a voar para o horizonte, lá onde o Sol nasce e morre todos os dias.

Feliz Ano Novo! Que, calorosos, sigamos juntos e misturados, em busca de nos eternizar, na fantasia e na realidade.

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MARLI - FÊNIX

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Não resisti a mais imagens:

ARTIGO – Recordações, referências e revisões. Por Marli Gonçalves

Recordações despertadas por gatilhos. São lances de memória que explodem junto com os fatos e as coisas do presente, esse momento que logo vira passado, tão efêmero que é. O passado é assentado em algum lugar da memória, volta em golfadas. O futuro, ah, este é sempre o daqui a pouco.

Deve haver alguma gaveta, caixinha, miolo, não é possível que não seja assim, onde guardamos algumas lembranças, as especiais, que ficam arrumadinhas lá dentro até que algo acontece no caminho da vida, vira a chave e a abre, de lá retirando e nos fazendo reviver vividamente o outrora, seja bom, muito bom ou ruim, muito ruim. Esse gatilho chega com tamanha intensidade que é incontrolável. E só seu.

Aí está a questão que me incomoda não é de hoje. De alguma forma estas lembranças estavam guardadas também com outra pessoa ou pessoas que as viveram ou presenciaram. Deveríamos poder sempre consultá-las quando vêm à margem, de forma que pudéssemos checar se na tal gaveta onde guardadas estavam se modificaram, perderam ou ganharam sentido. Daí necessitar de referência.

Estou perdendo todas as minhas referências, e esse vazio – com o passar dos anos – causa uma profunda angústia. Muitas dessas pessoas partiram, e levaram com elas a possibilidade de comprovação de muitas coisas que eu contaria, por exemplo, em uma autobiografia que um dia talvez ousasse escrever. Chego a ter um pouco de inveja de quem tem mais amigos das décadas de vida. Tenho muito poucos e os mantenho como se fossem joias, mesmo que distantes. Triste que em cada uma das décadas que vivi alguns dos principais coadjuvantes foram levados. Várias formas. Muitos, nas epidemias, de Aids; agora nesta que vivemos de forma tão dolorosa nos últimos três anos. E agora? Quem vai me ajudar a recuperar com mais precisão as aventuras de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos atrás?

Já os amores, alguns desses foram levados pelo vento, ainda nem lembro bem porque ficaram pelo caminho, por melhores que tenham sido no seu tempo. Os terríveis, e os vivi, sou eu mesma que tento assassinar de novo a cada lembrança nas vezes que chegam para a revisão. Alguns, muito bons, estão por aí ainda, mas não posso acioná-los, embora até devesse, por considerar que jamais deveriam ser esquecidos por nenhum dos lados como a mim parecem agora estar sendo – tal a intensidade, forma e o tempo de sua duração.

Tudo isso para dizer que também, igual você talvez, andamos perdendo muitos outros tipos de referências, Gal Costa, Erasmo Carlos, para citar algumas, e as suas mortes funcionaram como as tais chaves que guardavam as gavetas que se escancaram ao ouvir as melodias e letras que embalaram nossa existência em várias fases da vida. Elas escavam o passado sem qualquer controle possível.

Me vi esses dias com pouco mais de nove anos de idade, nas areias da praia de José Menino, em Santos, percebendo quando ocorreu o meu primeiro amor, e o quanto foi platônico. Lembrei o nome! Ivo. Vejam só. Era o namoradinho de uma amiga minha, mas desta não recordo de jeito nenhum como se chamava. Adivinhem, claro, qual música – aparecendo na biografia de Erasmo – despertou e resgatou esse sentimento com todas as sensações daquele tempo tão longínquo e esquecido até essa semana.

Não sei se já contei, também, que passei minha infância ali na Rua Augusta, que era o caminho dos ídolos da Jovem Guarda e todos seus amigos a caminho da então gloriosa TV Record. Quando podia, esperava na porta do prédio que eles passassem em seus carrões. Absolutamente apaixonada pelo Ronnie Von, “Meu bem” (Hey Girl), fazia questão de manter os cabelos lisos e compridos, com uma franja que jogava igual a ele quando cantava, alguns devem recordar exatamente esse movimento; era o príncipe dos sonhos naquele momento. Até há bem pouco tempo, inclusive, ainda me sentia intimidada quando – já bem crescida- o encontrava pela cidade.

Vejam só como eram belos e perenes os ídolos de outros tempos, e o que explica a comoção causada com as suas partidas. E como é grande o medo de continuar perdendo os meus próprios registros pelo olhar de outros. A torcida continua. Aquela. Vocês sabem qual.

https://youtu.be/_SpOyKv02rg

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MARLI GONÇALVES – Foi lindo respirar o ar da torcida pelo Brasil, a primeira vez em anos que pareceu todos torcerem em uma só direção, sem divisões. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Corações partidos. Por Marli Gonçalves

Coeur_qui_batSempre achei superbonito aqueles casais que, para consagrar seus amores, mostram-se amarrados, carregam coisas complementares em pedaços e que, quando juntas, retomam a unidade, completando-se de forma romântica. Feitas de material nobre, as peças podem ser moedas, anéis, chaves,/cadeado, e o coração, este cortado em duas partes com ziguezague que se encaixam perfeitamente. Infelizmente, nesse nosso amor por uma sociedade justa e moderna agora estamos divididos e tão cedo ou dificilmente essas nossas partes se juntarão, nessa ciranda cirandinha. kjvhearti_e0

O anel que tu me deste era vidro e se quebrou… Despedaçou. Quebrados. Cacos. Olha só os mil pedacinhos. Honra, amizade, ética, coerência, inteligência, educação, bom senso, preocupação com o melhor para todos, com o que é relevante, com a liberdade de pensar diferente, com a lógica. Não. O legal é brigar, né? Parecemos aqueles casais que já não se suportam, mas vivem sob o mesmo teto, esquecendo que amanhã a casa – e o teto – será a mesmo, mas por rabugice provocam-se ao limite. Não se falam no café da manhã. Mas de noite fazem as pazes, fazem amor e dizem que assim é muito melhor, que fica mais gostoso e selvagem.

imagesQMSV01QYVamos fazer uma DR? Discutir o relacionamento? Não consigo vislumbrar os próximos dias com exatidão, embora creia que se o casal não se separa de vez acaba convivendo de combinação, se acomodando, que assim fica melhor. Neste teatro, nós somos os filhos, pelos quais em geral os pais garantem que se sacrificam, até descobrirem que isso pouca importância teve para os próprios. Mas como irmãos não conseguiremos assim tão rápido bater palmas, dar as mãos, mandar beijinhos, dançar em roda, todos juntos. A violência e virulência dessa campanha eleitoral, aliás, desse ano todo, desses tempos, de tanta coisa, copa, petrobras, aviões, aeroportos, deixará marcas indeléveis, senão entre pessoas, entre lugares, entre regiões, entre Estados. A mim lembrou tristemente – passa como um filme – as tantas artimanhas que usamos e que passamos para chegar aqui ao regime democrático, afrontado agora com tantos tapas e poucos beijos e o que é pior, por tão poucas diferenças.

Agora quem combatíamos está lá formando o barro, junto com seus velhos amigos. Os mesmos que querem nos convencer que a verdade é una, querendo que fiquemos na mesma cama de casal, que emprestemos nossas escovas para certos bigodes, que a gente sente junto no sofá para ver a novela, de mãos dadas. É quase neurótica a política brasileira, tarja preta, de remédio e de censura. Tirem as crianças da sala. Não é por menos que 35 milhões de brasileiros se abstiveram, ignoraram, se recusaram, simplesmente se recusaram. Acho fato mais grave de todos.

imagesUUNVYQ3STudo parecia dialético, ou um ou outro, sem escalas, como se fossemos laranjas cortadas, mas nem é bom falar muito de laranjas nesse momento,

Batemos bumbo para maluco dançar. Palhaços com maquiagem borrada, nos descabelando por nada. Nos desunimos igualzinho a aqueles casais que brigam porque um deles escutou a maledicência de outras pessoas, estas sim, interessadas em nos separar. Certamente cada um de nós sabe o que é ou passou por isso em sua vida particular, de alguma forma, e isso só trouxe a desgraça, a tristeza, o ódio, o ciúme. O monstro da destruição. Quero ver agora é dissipar a mentira lançada, a insídia infiltrada em quem necessita do apoio social como a própria vida.

Gostaria que tudo fosse verdade. Nesses dias todos nós, bois Garantido ou Caprichoso, convivemos com outros bois, de outras cores, dentro de nossos currais. Ou como marinheiros bêbados, pendendo para a direita demais ou para a esquerda demais, para o radicalismo de lá, de cá. Tudo junto e misturado. Muito esquisito.imagesNBNQGGOL

À frente, teremos revelações, dias duros, mar instável, rios secos. Nada diferente do que tivemos até hoje, mas com gravidade espetacular. Quem falou, tem de provar. Se provar, quem se defende vai ter de sapatear e até ficar rouco para saltar dessa embarcação.

Um novo Brasil será descoberto. E acreditem que vamos ter muita gente nova aportando na praia, tentando nos catequizar. Quem sabe poderemos unir, sei lá, os arcos e as flechas?

São Paulo, 2014heartMarli Gonçalves é jornalista – Oposição tem de ser normal. Procura-se adeptos para ela. Candidatos precisam ser sérios, variados, homens e mulheres, e pretenderem lutar (mesmo) pelo bem comum.

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