ARTIGO – Bubuias e cucuias. Por Marli Gonçalves

Vamos de bubuias e cucuias, assuntos aleatórios que descrevem bem muitas das situações que acompanhamos, ficamos e onde vamos parar. Palavras sonoras, claras, e de fácil entendimento. Principalmente para quem já ficou de bubuia e foi pra cucuia. Muitos, essa semana.

BUBUIA - CUCUIA

Há alguns dias foi o aniversário de meu pai, que, então, faria 104 anos. Mas ele resistiu só até os 98. Datas são sempre estranhas porque ou nos fazem festejar, ou lembrar de muitas coisas, muitas vezes sofrer dependendo do que marcam. Bateu uma saudade imensa do meu caboclinho amazonense, mas também veio, recorrente, acreditem, uma lembrança engraçada. E por motivos óbvios: as tempestades que abateram São Paulo, os carros boiando, e o Datena se esgoelando no Brasil Urgente, das tardes (tenho a impressão que ele fica feliz com esse assunto). Era um programa que papai não perdia, sentadinho na sua poltrona. E em dias de chuva ficava ali vendo, contando, os carros todos de “bubuia”, como ele se expressava, feliz de estar protegido.

Sempre fui encantada pela palavra bubuia, sonora, vibrante, boa de falar e de escrever. No Amazonas, estar de bubuia é estar à mercê das águas, entregue à própria sorte. Como tantos estiveram esses dias e como tantos estarão ano após ano com qualquer chuva mais forte na cidade total e cada vez mais impermeável. Por aqui tudo anda uma loucura. Onde havia um monte de casinhas, vilas, constroem prédios. Nas esquinas, prédios. Onde tinha mato e terra, prédios. Piscou, mais um prédio – parece epidemia, que apaga tudo por onde se instala. Tudo piorado ainda mais com a recém descoberta que muitas construtoras estão pouco se lixando e derramam, vejam só, sobras de cimento nas ruas, que se solidificam bem duras nos bueiros já sem ar de tanto lixo. Ainda tem canalização de córregos feitas ao léu, muros gigantescos represando a passagem – e não só da água, como das pessoas, na nóia da segurança ou mesmo da total falta de fiscalização ou corrupção de suas tentativas. Problemas crônicos que nos farão ainda ver não só muitos carros de bubuia, mas as mortes nas enxurradas.

Tudo indo pra cucuia, mas esta palavra você deve conhecer melhor, faz mais parte do vocabulário nacional e a gente está sempre indo para lá, para cucuia. Bem abrangente. Vivemos indo para a cucuia no que depende especialmente do Poder Público, esse que ainda tenta se explicar com notas evasivas depois que já fomos para esse lugar, a cucuia.

Nunca tinha pensado muito nisso até outro dia, quando um amigo, Alexandre, que hoje vive na Espanha, coach e músico, passava uns dias aqui em casa, e acompanhando o desespero das chuvas fortes me viu falando de tudo que estava de bubuia. Ele ficou fascinado pela palavra, e saiu musicando, balbuciando bubuia, bubuia… Fui fazer uma pesquisa que nunca tinha feito e descobri que há o fascinante verbo bubuiar, com todas as suas possíveis conjugações e tempos.

Contei para ele que logo – imagino – vai aparecer com uma composição nova que até já tentava ao violão, juntando as notas musicais às palavras e conjugações de bubuia, falando de tudo que vai para a cucuia. Não vão faltar argumentos e rimas, não só pelos acontecimentos do mundo, como do Brasil, onde está de passagem tentando entender como pudemos chegar nessas situações tão estranhas, que nos afundam mesmo quando estamos bem longe das águas das chuvas.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

________________________________________

ARTIGO – Mulheres, dias, meses, anos e anos. Por Marli Gonçalves

Nós, mulheres, nos espalhamos cada vez mais em todos os campos da sociedade. Não há o que não possamos fazer e todo dia entendemos e ouvimos que podemos tudo, ser o que quisermos ser, um mantra usado para nos dar força e destacar a ocorrência de algum pioneirismo que por ventura ainda reste sem nós aqui ou ali.

Isso é notícia. De um lado, legal, porque incentiva mais e mais outras mulheres, mas teremos chegado realmente a algum lugar somente quando isso tudo for naturalizado, o que ainda nos parece infelizmente distante e embora tenhamos dado alguns passos bem largos nas últimas décadas. Mas também demos muitos outros passinhos, devagar, devagarinho.  Sempre tem quem ainda ponha um pé na frente para o tropeço; algum grupo reacionário se juntando para perturbar e retroceder.

Já há quase 50 anos acompanho esse assunto e não só por ser mulher, mas mulher, jornalista, feminista e com todas as características do contra para quem ainda não entendeu a história: diferente, solteira e sem filhos por opção, o que ainda, acreditem, causa furor. Que enfrentou desde muito cedo toda a sorte do que ocorre com a mulher brasileira, inclusive o horror da violência doméstica, da qual não é possível esquecer ou até mesmo muitas vezes se recuperar.

Violência esta que em pleno 2023 se apresenta a toda e todos nós com números cada vez mais vergonhosos e crescentes. Parecemos estar todos os dias iniciando e me surpreendo sempre quando ainda listamos as palavras inclusão, igualdade, segurança, respeito, entre as mais mais de um tudo que nós, mulheres, precisamos conquistar para todas.

Essa semana mesmo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma pesquisa alarmante, o que já intuíamos ao seguir o noticiário diário. Um terço das mulheres brasileiras já sofreu violência física ou sexual de parceiros. Houve crescimento de todas as formas de violência contra mulher no último ano de 2022 (pior até do que durante a pandemia, que já foi bem punk). Mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência no último ano. São mais de 50 mil vítimas por dia. Ao todo, 28,9% das mulheres, ou 18,6 milhões, sofreram algum tipo de violência ou agressão no último ano, a maior prevalência já verificada na série histórica (desde 2017 a pesquisa se repete de dois em dois anos). A cada segundo uma mulher sofreu assédio aqui no país.

Isso tudo já é péssimo, mas piora quando se sabe que em quase metade dos casos de agressão, 45% – e aí você põe espancamento, chutes, socos, pontapés e outras amarguras – as vítimas não tomaram nenhuma atitude, seja por medo de represália ou por achar que não era algo tão grave. O famoso foi só desta vez, vai passar, ele não é assim todo dia, não vai fazer mais, prometeu e pediu desculpas … Por vergonha ou medo. Ou uma outra coisa qualquer, que não é fácil, gente, principalmente para as que têm filhos, sob ameaça. Filhos, tantos deles, que com o aumento da violência acabam sendo testemunhas da morte da própria mãe, o que certamente os marcará por toda a vida. Agora até vem sendo discutida a liberação de um valor destinado aos órfãos dos feminicídios, tanto se tornaram visíveis. Só no primeiro semestre do ano passado, 699 mulheres foram mortas.  Conte e some outro tanto no segundo semestre que não vai ser muito diferente, e pode até ter piorado.

Estamos em grande perigo. Nessa área aí está tudo piorando, muito e rapidamente, para o lado das mulheres: essas mortes, a violência, assédio, estupros. Grupos misóginos se juntando virtualmente para conspirar e atacar. Alguma coisa está acontecendo, e bem errada, e é bom que se aproveite esse agora tão festejado Dia da Mulher para discutir e resolver isso o quanto antes. Não adiantam só flores e chocolates; o dia 8 de Março é de luta, coisa séria, que o mercado publicitário busca envolver e absorver com suas sugestões de consumo sem dar em troca a divulgação das necessidades urgentes.

Do meu ponto de vista, estamos tratando aqui de comportamento cultural e costumes – daí a necessidade de agirmos rápido para interromper essa realidade. Isso tudo vem sendo construído como uma espécie de oposição, como reação raivosa ao que nós mulheres temos conseguido e onde muitas vezes chegamos e nos mostramos até mais competentes. Aos espaços que abrimos e à liberdade maior que conhecemos, inclusive a sexual.

Que não deixemos passar mais tantos dias meses, anos, minutos. Nem mais um segundo.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – O Brasil está vendo. Será mesmo? Por Marli Gonçalves

Vendo? Ficou sabendo por onde? Ver a gente vê, mas quem tem o poder de mudar? Os anos passam, e nós, jornalistas, passamos, observamos, inclusive digo até que somos atingidos também pelos locais e situações. Quase que antevemos o que acontecerá como se fossemos todos videntes, e nem um pouco otimistas. Mas jornalistas não têm poderes mágicos.

O BRASIL ESTÁ VENDO. sERÁ?

Seremos nós, jornalistas, os culpados, agora, pelas desgraças? Devíamos ter nos acorrentado às encostas, construído barreiras, usado megafones para tirar as pessoas daquelas áreas de risco?

Infelizmente não é de hoje que essa história de dizer que imprensa é Quarto Poder se distancia da realidade. E cada vez mais esse poder e prestígio se esvai, atacado, dividido e esfacelado como vem sendo nos últimos anos. Jornalistas cruel e severamente atacados por passaralhos e fisicamente, moralmente, e até mortos, quando, principalmente isolados por aí, tentam denunciar poderosos no interior desses rincões nacionais. O Brasil está sabendo?

Aliás, que Brasil é esse capaz de atacar jornalistas que tentam cumprir sua missão, coisa jurada para quem escolheu a profissão? Quer dizer, então, como li em vários comentários (tristemente até vindos de outros jornalistas talvez invejosos) que muitos são “culpados” porque frequentam há muito as praias do Litoral Norte, têm casas ali, rodam por aquelas estradas? Acham mesmo que são eles que poderiam ter evitado mais essa tragédia que assistimos? Que revolta sinto em saber do violento ataque sofrido pelos experientes repórteres do Estadão, Renata Cafardo e Tiago Queiroz, que documentavam o estrago também na área e casas dos poderosos de Maresias.

Ah, então não foi o descaso das autoridades, as estradas que derretem, a falta de fiscalização, a corrupção generalizada, a forte especulação imobiliária sem qualquer controle efetivo, todo o descuido com a condição que obrigou e empurrou os mais pobres a praticamente cavarem suas casas nas áreas de proteção, entre outros tantos motivos? Foi culpa dos jornalistas que veraneiam por ali? Ninguém mais via? Nunca foi denunciado? Onde esse povo anda se informando? Só se for nas inundações de fake news, essas que mais do que tudo estão tragicamente afetando nossas relações e comunicações, fazendo desmoronar a confiança na informação séria.

Não me digam que vocês nunca tinham ouvido falar dessa situação geral que só esperava ocasião para eclodir, inclusive como há 55 anos e que destruiu Caraguatatuba. Eu mesma tinha nove anos e nunca esqueci daquelas cenas. Há muito não vou à região, mas houve época em que todo final de semana passava por ali a caminho de Ilhabela e já me espantava com o que ocorria, com as construções atravessando os caminhos e estradas, derrubando tudo. Nos anos 80, pelo Jornal da Tarde, cobri a “pedra fundamental” do que seria hoje a gigante e rica Riviera de São Lourenço, em Bertioga. Lembro bem da estrada que só foi completada para que esse “progresso” chegasse até lá, e em que condições ela atravessava a bela área de cachoeiras. Estrada que mesmo em dias de Sol percorríamos temerosos de suas curvas e condições.

A cada dia há menos imprensa, menos espaço para jornalistas poderem cumprir sua função de forma mais eficiente. Menos proteção a todos nós. Sempre achei engraçado o quanto ouço “Você devia fazer uma reportagem” sobre isso ou aquilo, “Só você pode fazer isso”. Ok.  Agradeço o elogio e a lembrança de que sempre fui boa e corajosa repórter, enfrentei desafios, homens, rebeliões, e até chefias. Legal. Para onde? Quem vai publicar? Me defender judicialmente, se necessário? Lembrem que poderosos sempre tentam amordaçar a verdade. Sem advogados e recursos, assim como muitos de nós, especialmente os que, como eu, experientes sim, mas sem o chão de uma grande redação de tevê ou de um dos poucos grandes jornais que ainda resistem, e onde poderia haver maior repercussão. Sobra até a estes cobrir o depois, a ocorrência, e mesmo assim ainda superficialmente: são muito poucos os jornalistas no front e acabam precisando sempre beber em fontes oficiais.

São tantas as coisas que vemos! Que vejo. Vocês não têm ideia da frustração de daqui de meu cantinho escrever alertando sobre vários temas e, em troca, receber ameaças, xingamentos e acusações de esquerdista, para citar o mínimo.

Tudo está saltando aos olhos: a violência, o resultado do armamento indiscriminado, a ignorância, os conchavos políticos mantendo a ferro e fogo seus lugares, a reação às liberdades que vem sendo conquistadas pelas minorias e até pela maioria, as mulheres. As ameaças de uma geopolítica mundial arbitrária e beligerante. Os jornalistas bem que há muito alertam, depois não os culpem; até porque sobra mesmo é para eles, essas grandes coberturas são muito árduas e desgastantes, já estamos vendo muitos não se conterem e chorarem ao vivo e em cores.

O Brasil, o mundo, está vendo?  Será mesmo? Respeite. A imprensa mostra o que pode. Denuncia. Mas amanhã sempre tem mais, e mais, para correr atrás, e acaba mesmo correndo atrás do que já aconteceu.

____________________________________________________

marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Qual é a sua palavra preferida? Por Marli Gonçalves

Você tem uma palavra da língua portuguesa que goste de pronunciar, que goste muito dela e da qual se lembre sempre? Ela muda toda hora? Essa é uma pergunta feita aos entrevistados do Programa do Fábio Porchat, e que toda vez que penso vem uma diferente na cabeça. Depende do dia, da época e até do humor

PALAVRA

Com o que tenho vivido e visto ao meu redor, infelizmente nos últimos tempos as que se aproximam são, sim, belas em forma, som, pronúncia, mas terríveis em sentido. Exemplos? Perfídia. Fugidio. Traição. Outras que prefiro nem registrar.  O que me faz, contudo, dar graças por saber e sentir que outras palavras – muito mais significativas, belas e alegres e gentis – também estão sempre circulando ao meu redor, prontas, esperando apenas dias melhores para serem citadas ou recordadas como preferidas.

Meu conhecido otimismo, humor, alegria vêm sendo seriamente posto à prova por vários motivos, entre eles, claro, os fatos locais, gerais, nacionais e internacionais que certamente devem estar aborrecendo e entristecendo muito você aí também. Não bastasse, cada um de nós tem seus perrengues. E perrengue é palavra sonora com seus dobrados erres que conseguem até atenuar um pouco a tal dificuldade, aperto, sufoco, uma vez que abarca tudo rapidamente. Falou em perrengue está tudo ali, até uma possível rápida solução do mesmo. É diferente de falar problema, que em geral é mais duro e complexo.

Com a sorte e bênção de ser uma geminiana, e se você não sabe dessas coisas, vou contar: uma das características do signo é ser rápido nas mudanças de humor, de rotas. O que muitos pensam ou até acusam ser dubiedade; mas não é. É um poder, importantíssimo, com o qual aprendemos a lidar durante a vida, e que nos ajuda a sobreviver em intempéries, que acabam sendo como as chuvas de verão. Fortes e passageiras, claro, tempestades que sempre voltam, muitas nos pegando de surpresa, mas que seguem o curso, revezando-se com o bom tempo. Não dá pra ficar remoendo: abre-se e fecha-se o guarda-chuvas. Não se guarda rancor, raiva, não se fica remoendo o que já está feito ou visto e sentido. Não quer dizer que isso ou aquilo será esquecido, mas vai para uma gaveta qualquer da memória, essa danada que depois a abre e um dia a recorda. Assim vamos indo.

Ser dessa forma evita, por exemplo, que fiquemos doentes, deprimidos ou tristes por muito tempo com tanta sacanagem, descaso, desconsideração, essas e tantas outras palavras que convivem com nosso dia a dia na lida com pessoas ou fatos. Nos dá a dimensão de que fugidio pode ser apenas o tempo, e ele o é; pérfidos são os que buscam nos abater e não conseguem porque sobrepomos a eles nossa lealdade e sinceridade, imbatíveis e fortalecedores de nossos atos; traidores são os que, ao nos atingir, recebem de volta o sono bem perturbado.

Como é bom movimentar as palavras. Com elas construir nossos sentimentos, observar as coisas, nomeá-las. Vivo delas, e as uso como tijolos para construir histórias, textos, declarações. É quando elas saem do pensamento, ganham vida e forma no papel onde, então, passam a viver, ali expressas. As que ocorrem ao pensar são voláteis, se dão ao luxo de serem trocadas ao bel prazer.

Mas se tem uma coisa que sempre penso sobre elas, palavras, frases ou mesmo nomes é quando vejo muitos decidirem as que mandam tatuar em seus corpos, e cada vez mais em terrenos inéditos, de cima para baixo, na vertical, horizontal, fontes diversas. Coragem de fazer e coragem que muitos têm para olhar no espelho e seguir, com essa mesma ou outras como, creio, primeiro, recados para si, depois para os que mirarem sua pele. Não se arrependem nunca? Nunca vão querer trocar as citações, raspá-las ou encobri-las?

Fora cicatrizes, que não pude escolher não ter, nunca pensei em ter uma tatuagem no corpo, o que ultimamente chega até a ser raridade. Se o fizesse, até talvez um desenho, mas não uma ou mais palavras. Como disse, gosto mais do caráter transitório de cada uma delas levando comunicação ao mundo. Sei bem o quanto perdem sentido muito rapidamente. Especialmente quando são tão massacradas, como democracia, fé, paz, respeito, liberdade. E até amor.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Dias quentes do Verão de 23. Por Marli Gonçalves

Dias quentes, fervidos, ferventes, fervorosos, agitados. Precisamos justamente de um refresco; por favor, como conseguir? Ainda irão demorar nessa toada de justificativas, enganos, verdades, mentiras, idas e vindas. Agora até um robô entrou na parada: duvido que ele saiba das coisas que fizemos os verões passados

O bafo quente do verão que entra pela janela precede tempestades que a tudo alagam e a gente assiste, dia após dia, o terror de agitados rodos jogando a água para fora de casas e locais esquecidos. Córregos que transbordam sugando carros, casas, vidas. O choro doído das perdas de vidas inteiras de trabalho, esforços e prestações. Sabemos de árvores malcuidadas e constantemente cheias de lixo em suas raízes que despencam nos fins de tarde às dezenas, desverdejando ainda mais as paisagens já pobres das grandes cidades. A repetição é cruel, e tudo é muito próximo, real. Administrações municipais e estaduais se explicam através de notas, promessas, investigações das quais nunca mais teremos notícia e que devem se acumular empilhadas em algum arquivo por aí. Tudo vira rodapé de página, notícia de canto, cara brava de apresentador de tevê com comentário ácido. Quem se importa?

Os olhos se voltam, sim, para as tragédias. Lá longe, passam os corpos frágeis e desmilinguidos, mostrando até os ossos dos yanomamis dizimados por fome, pela contaminação dos garimpos, pela desatenção. E não só com essa etnia, mas com muitas outras que vão se apresentando, e não é hoje. A desgraça dos guaranis, as invasões de terras, o suicídio de seus jovens, o alcoolismo que abate. As meninas grávidas, a malária, o isolamento. Tudo se mistura na passagem do tempo sem alegria, inseguro, dominado.

Os povos originários, as minorias, todos agora ganharam ministérios das questões, encabeçados por aplaudidas personalidades, que sempre foi mais fácil criar cargos, conselhos, espaços e reuniões, muitas, do que objetivamente resolvê-las. Na linguagem atual, os corpos – indígenas, negros, trans, mulheres e mais – ocupam o poder – simbolicamente, mas poderemos ter soluções que se apressem?

Muito falatório e agora, depois da balbúrdia de 8 de janeiro, mais ainda na busca de punição aos responsáveis, seres esquisitos que nas manhãs ainda estamos vendo sendo conduzidos em camburões para se explicarem, como se isso fosse possível. Os maiorais entram e saem pela porta da frente, e continuam por aí disseminando, formando grupos da discórdia, e aparecem as conspirações e atrapalhadas tentativas de golpe, que chamam a atenção para o perigo que vivemos e que tanto pressentimos nos últimos anos. Aliás, muito admira que a palavra golpe ainda não tenha sido ungida a algum patamar, tantos são os que nascem, não só na política. Na vida digital, nos aplicativos amorosos, nos descalabros financeiros que atingem milhões de pessoas, bilhões de reais, nos roubam sossego. Nos roubam o precioso tempo.

O novo governo chegou, já faz mais de mês. Até tenta consertar malfeitos antigos, mas eles não param de surgir, exigir medidas, recursos, e para tudo é necessário negociar com as mesmas enferrujadas e divididas estruturas de sempre, legislatura após legislatura. O sistema. Não bastasse, o novo que não é novo, recomeça com seus velhos discursos, diz e se contradiz, muitas vezes na imposição de uma outra história, a tal da narrativa, a mais manipulada das palavras quando se refere à política.

Verão, veremos algum tempo bom, alguma moda divertida, ou seremos ainda encharcados não de suor, mas de lágrimas de mais perdas impactantes de forma que não sabemos nem bem como explicar, como a de Glória Maria?

Será que precisaremos perguntar como nos refrescar a esse novo monstro, o ChatGPT, que vem sendo cantado em verso e prosa, inteligência artificial, e que se grife continuamente isso: artificial?

Ok. Tentei, mas ele está doidinho da Silva e tem tanta gente – fora me perguntar umas cinco vezes se sou “humana” – fazendo isso no mundo, com alguma solicitação, que não consegui. Entrei numa fila. Fica, então, para uma próxima. Embora seja paulistana, detesto filas, qualquer fila, e muito menos essa agora onde nem ao menos vou ter com quem conversar para me distrair.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Se uma mulher incomoda muita gente… Por Marli Gonçalves

Uma mulher incomoda muita gente. Muitas, incomodarão muito mais. Impressionante como vem sendo grosseira e até às vezes muito boba a razão e forma dos ataques, comentários e críticas feitas à Janja logo nesses primeiros dias de governo Lula.  Só isso já deixa bem claro o quanto nós mulheres estamos ainda distantes de nossa participação ativa ser avaliada normalmente, sem paixões, sem ciúmes, sem clima de fofoquinha de salões de beleza. Que, inclusive, todas sejamos respeitadas por outras todas – somos a maioria desta nação.

5 detalhes imperdíveis nos looks da posse presidencial - Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site

Momento político tenso. Novas perspectivas. Posse de um líder político e de um partido que renasce para um terceiro mandato anos depois, após período de prisão e baixa total. Consegue reunir uma admirável frente mais ampla de apoio, vencendo uma tumultuada eleição, ameaças de crises e golpes. Forma uma equipe de ministros que pela primeira vez reúne um número recorde – embora ainda minoritário – de mulheres. Ele próprio surge rejuvenescido, e a grande novidade é a companhia de sua nova, mais jovem e bastante ativa esposa, Janja, Rosângela Lula da Silva, 56 anos, socióloga, ativista. E feminista, que bom!

Uma posse histórica, com imagens importantes e simbólicas. E o que ainda nós ouvimos de ecos? O bafafá ao redor da roupa que Janja usou, pela primeira vez ao contrário de um vestido, um elaborado conjunto com pantalonas, com detalhes em bordados manuais e tingimentos naturais, roupa sobre a qual já ouvi de um tudo. Para que entendam do que estou falando, também até vou dar minha “opinião”, que a gente repara mesmo em tudo, mas não é esse o problema: adorei o rabinho do paletó, adoro rabinhos; detestei o bege, porque detesto bege. Pronto? Ah, Teve Lu Alckmin também, outra criticada, mas que vergava um elegante e mais do que clássico vestido branco, midi, pouco abaixo dos joelhos. Chega? Vamos amadurecer?

O que quero dizer é que qualquer coisa que falassem ou vestissem, especialmente a Janja, seria criticada. Qualquer movimento seu passa a ser alvo, e já de forma desmedida, alimentado pela imprensa, inclusive. Porque ela já deixou claro que vai, sim, ter voz, governar ao lado do marido, ter papel de destaque, opinião, e, embora, claro, já maravilhada pelo poder imediato tenha falado bobagens, citado a Evita, essas coisas, não ficará em segundo plano, invisível. Foi quem organizou a posse, que teve até a cadela Resistência, ao lado de representações de toda a sociedade, pobres, mulheres, negros e negras, crianças, deficientes, índios, lgbtqia+, todos participando da colocação da faixa presidencial (depois que o fujão foi pra Disney) e subida da rampa. Os ataques foram severos, e a vida de todos esses representantes foi escarafunchada pela direita raivosa que ainda não admitiu a sua derrota. E mais outros, gente rabugenta, até mulheres que não conseguem ver ninguém se dar bem. Admitam que foi uma sacada de gênia, e a imagem rendeu capas de jornais do mundo inteiro.

Ela, Janja, desde que apareceu ao lado de Lula, mostrou de forma evidente  sua personalidade forte e que não é igual à nenhuma de algumas das primeiras-damas recentes que conhecemos, em geral relegadas, ou como invisíveis, ou como recatadas e do lar, ou submissas religiosas que só apareciam em péssimas situações pontuais. No pós-ditadura, apenas Ruth Cardoso, intelectual brilhante, esposa de Fernando Henrique Cardoso, se destacou nesse posto. Mas era, digamos, discreta, como essa sociedade absurdamente machista ainda acha que todas as mulheres devem ser. Acabou, minha gente. Acordem.

Se tudo isso vai dar problema será outro ponto, e aposto que sim, já que visivelmente Janja conseguiu em pouco tempo reunir desafetos, inclusive no próprio grupo político. Aguardemos os próximos capítulos.

Neste Brasil absolutamente confuso, dividido, desorientado e desordenado que emergiu dos últimos anos levaremos ainda muito tempo para sanar o que vem saindo desse criadouro maluco. Qualquer assunto hoje racha, divide, polemiza, vira tititi no qual se perdem dias em discussões nas redes sociais e grupos de amigos. Vide o espaço ganho pela chefe do cerimonial que organizava com   rigor e elegância o desenrolar da posse, e o seu vestido de bolinhas. O vestido de bolinhas é que foi o destaque; não o seu trabalho.

Temos muito o que fazer e nós, mulheres, temos um papel fundamental nessas mudanças. Todos vão ouvir muito falar de nós, mulheres, de nós todas, e das ministras e das providências que precisarão urgentemente ser tomadas para acabar com os graves problemas nacionais e que nos afetam diretamente. Vamos ter de lutar por leis, pela igualdade, pelo fim da violência e feminicídios, por condições de saúde, educação, saneamento, habitação, meio ambiente, pelo respeito às novas formações familiares, e a nós mesmas.

Estejamos com cocar, minissaias, chinelos ou salto alto, por favor, vamos falar sério, enfrentar juntas, porque haverá sempre muita reação, assim como houve quando nos Anos 70 começamos a nos mobilizar nessa luta, e parece ainda hoje que estamos no começo, mais de meio século depois. Sei bem o que é isso.

Respeitem as minas!

___________________________________________________

MARLI - MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, feminista, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Farofa, Formiga, Medos. Por Marli Gonçalves

Sou boa na farofa, me garanto. Aliás, minhas comidinhas são bem boas – inclusive sempre foram – bem temperadas, tudo muito natural. Quem provou, aprova. O segredo é curtir gostoso o momento da mistura, a criatividade dos envolvidos. O momento da entrada de cada um, remexidos.

Sexy Cooking GIFs | Tenor

Nossa, como ouvimos falar de farofa essa semana! Eram os ecos de uma festa lá no Ceará e que ainda não entendo bem se é festa, se é festival, se é só zoeira, e que zoeira! Se é jogada de marketing, vitrine digital, uma animada, rica e safada festinha de aniversário. Ou, sei lá, se é tendência sair juntando tudo quanto é influencer e jogá-los juntos para ver se procriam com tantos hormônios e apelos sexuais. É like pra lá, like pra cá, like beija coraçãozinho, coraçãoozinho faz live contando detalhes, mesmo os que rolaram no tal quarto escuro, que essa moçada só descobriu agora. Mas que o dessa farofa aí deve ter sido bem decorado, e sem cheiros, preciso lembrar que grudam, sempre terríveis. Imagino seguranças à porta tentando conter o uso dos celulares, agora parte do corpo dessa geração. Cabeça, corpo, membros, celular.

Sobre a dona da festa, Gessica Kayane Rocha de Vasconcelos, que por motivos óbvios se encarnou como Gkay, até agora não consegui chegar a qualquer conclusão definitiva. Uma parte de mim se impressiona com ela e a sua capacidade de aparecer; a outra não gosta do humor, da voz, do tom, não conheço todos os apitos que toca.

Enfim lembrei muito da farofa, esta, da Gkay, que competiu – e ganhou quilômetros de espaços – até contra jogos da Copa, formação de novo governo, e a minha. A minha memorável farofa, nunca igual a outra; nem conseguiria.

Demorei muito tempo para me habilitar na culinária. Minha mãe, que nasceu e teve infância lá na cidade de Formiga, em Minas Gerais, então uma cidade de roça, pequenina, diferente do que me parece hoje, já acoplada à região metropolitana de Belo Horizonte, me afastava de qualquer tentativa. Pois bem, na sua infância lá na década de 30 do século passado, uma amiga foi brincar perto do fogão a lenha, a panela fervente caiu sobre ela e aí vocês já imaginam a sequência que a traumatizou durante toda a vida, como outros tantos traumas que a levaram, assim que pode, bem pra longe dali para nunca mais querer voltar. Dessa forma, passei pelo menos mais de 40 anos de minha vida com mamãe cercando mais o fogão do que o nosso goleiro cercou a rede. Com mamãe não sairíamos da Copa. Era marcação cerrada.

Isso só mudou quando ela começou a ficar doente, um pouco mais dependente e, pasmem, começou a adorar as coisas que eu fazia. Esses anos distantes do fogão não foram em vão: aprendia. A observava. E uma coisa acabamos tendo em comum. Nada de receita, vamos fazendo o que o coração manda, com o que tem por perto, tudo cortado na hora. Meu irmão odeia que eu diga isso: mas também não tenho o costume de provar antes. Gosto desse jogo arriscado (tá bom, ok, errei poucas vezes, servi um chabu, mas tudo bem porque, como acabamos de ver e tomar na cabeça, nem sempre a vitória é garantida).

Fora tudo isso, o duplo sentido usado aqui e ali, no fundo agora escrevo sobre o medo, esse sentir que nos estilhaça e muitas vezes detém por muito tempo. A farofa-festa mostrou, ao contrário, uma diversidade e até sem-vergonhice de encher os olhos, seja como for, o que dá esperança que essa geração que chega seja ainda mais ousada do que nós que abrimos a clareira.

Quanto à minha farofa… como disse, tem mais. As minhas comidinhas sempre foram muito boas. Pelo menos teve muitos que gostaram. Talvez ainda gostem. Vamos em frente.

___________________________________________________

MARLI - FLORESMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Sonhos, quatro linhas e transição. Por Marli Gonçalves

Acordei esgotada de passar a noite inteira sonhando que estava arrumando malas e sei lá para onde é que era para ir. Vocês já tiveram sonhos desses, de noite inteira, de sonhar contínuo? Acordar, voltar a dormir e continuar com o mesmo sonho, quase um delírio?

SONHOS
 AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

Pois foi isso que me deixou encucada. Primeiro porque é bem difícil eu lembrar com o que sonhei; segundo, porque inacreditavelmente lembro de ter praticamente arrumado e repassado o meu armário inteiro – e isso é muito. Ou seja, tudo o que tenho passou na minha mente, guardados de décadas, outras para lembrar dias e emoções – sim, a roupa que estava em um dia ou outro importante, amoroso, quase um museu particular. Coisas para doar, cores, casacos, calcinhas rotas até. Eu ia separando e arrumando tudo num movimento sem fim. Não foi por menos que acordei cansada.

Aí me toquei: ressaca eleitoral, só pode ser. Fiquei muito traumatizada com uma pequena saída que dei dia 2 de novembro, no feriado, dois depois do término das eleições. Andei dois quarteirões até o supermercado e vi um monte de gente muito esquisita lá dentro e perambulando pela rua iguais aos viciados da Cracolândia. Zumbis. Não estavam enrolados em cobertas de lã, mas com a bandeira nacional, a coitada vilipendiada. Traziam pela mãos criancinhas, que depois vi também serem usadas como escudos nos bloqueios das estradas.

Já não estava com bom humor, admito, depois de ter passado a noite anterior inteira tentando dormir ouvindo estouros de rojões, muitos, centenas, um atrás do outro, som que vinha ali dos arredores do Parque Ibirapuera, de onde moro há uns três quilômetros de distância. A noite inteira. Se foi inferno para mim, imagino o que assustou a fauna do parque.  Pensei que tipo de comemoração seria aquela, até pela manhã saber que havia uma reunião desses zumbis pedindo intervenção militar, negando o resultado eleitoral, marchando e entoando palavras estranhas diante do quartel – o mesmo onde dezenas de pessoas foram presas e torturadas e mortas durante a ditadura militar. As bombas vinham de lá. Creio que eles tinham comprado para comemorar a eleição do coisinho e como ele dançou foram usar para gastar e perturbar. Mas devia ser um caminhão, um caminhão de pólvora. Quanta comida daria para ser comprada. Mas eles quiseram fazer barulho, perturbar, sentirem-se fazendo guerra.

Fiquei mal mesmo, de verdade. Doente, de cama. Depois acompanhando os movimentos pela tevê, os bloqueios e a violência, só piorei. E a pergunta que faço há meses continua. De onde saiu essa gente? Vocês devem ter visto nas redes os compilados e gravações desses movimentos em todo o país juntando grupinhos de alucinados quase se auto chicoteando, se imolando, alguns de joelhos rezando e gritando, outros marchando para lá e para cá irradiando ódio. Todos de verde e amarelo batendo no peito como se fossem só eles os patriotas. Um movimento claramente incentivado e organizado dias antes das eleições.

Porque natural, ah, natural não era! Natural mesmo foi o mar de gente tomando a Avenida Paulista cantando e dançando feliz durante toda a noite depois do resultado oficial, sofrido, mas vitorioso para quem não aguentava mais esses quatro anos de ataques e retrocessos.  Também moro perto, há um quilômetro, do MASP, na Avenida Paulista e daqui de casa ouvi a repercussão da festa. Depois, na madruga, dava pra escutar até o show da Daniela Mercury, de quem não gosto nada, mas achei até legal ficar ouvindo daqui da janela. Combinou com a festa toda. Natural também já tinha sido no sábado, e este movimento eu presenciei, dia anterior ao segundo turno, a mesma Paulista ocupada por milhares e milhares de pessoas de todos os tipos acompanhando o último evento da campanha de Lula e da Frente Democrática. Todos sorriam, se cumprimentavam, cantavam, num clima realmente de confraternização. Uma diferença enorme.

Começamos então a ouvir falar da transição de governo e agora entendi meu sonho desta noite. Simbolicamente estava arrumando minhas malas para esse novo tempo. Bem sei, nem vem! Não é que muita coisa vá mudar mesmo, estou acostumada com a política, e já dei muita risada com o Centrão imediatamente abandonando a barca e tentando subir nesse outro governo.

Mas outras cores – todas, na verdade, o arco-íris – chegam e podem ser usadas. Sem medo de ser feliz, sem o ódio e a ignorância que se incutiu nas mentes de forma tão deplorável e ignorante como o fez o tal bolsonarismo.

Ufa! No meu sonho, então, me preparava para outra viagem: a de novamente continuar a ser oposição, como já disse, a tudo o que for ruim, esse o papel da imprensa. Conheço bem os perigos dos tais ídolos de barro.

___________________________________________________

marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

SONHOS

AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

SONHOS
AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

ARTIGO – No que é que você aposta? Por Marli Gonçalves

No que você aposta? A gente passa a vida apostando em algo, pode até ser com a gente mesmo, com o tal íntimo. Entre uma coisa e outra. Um caminho ou outro. Em alguém. Se vai conseguir ou não. Ganhar ou perder, eis a emocionante questão.

Administracion educativa: Proceso administrativo- Dirección

Não é por menos que nos últimos tempos têm proliferado, inclusive por aqui- e já era mania no exterior – esses sites e aplicativos de apostas, que ainda não consegui ter certeza se são bancos, se são sérios, se logo saberemos seus intentos. Por enquanto, ao menos que eu saiba, ainda só na área de futebol, mas não vai demorar muito para oficializarem apostas como esta que estamos fazendo agora em nosso futuro, quem vai levar o Brasil. Tudo virando um imenso sim ou não. Roleta russa, quase. Muita coisa em jogo.

O problema, e grande possibilidade, é que acabemos nos tornando completamente viciados nessas divisões, no país fragmentado de agora, aconteça o que acontecer. Já pensaram se a moda pega? Tudo dá aposta. Vermelho ou verde e amarelo? Já não é mais final de novela, ficção, o “quem matou Odete Roitman”? Tem reality pra dar e vender, e a cada dia sendo criadas novas formas de influenciar resultados.

Não vai demorar para que cheguem aqui as tais milionárias bolsas de apostas, aliás que por aí já devem estar bombando para a Copa do Mundo. Detalhada, não só para quem vai ganhar ou não. Quantas vezes Neymar vai cair em campo gritando e se contorcendo todo a qualquer esbarrão? O mais novo escândalo da FIFA (ou CBF)?  Alemanha? Argentina? Brasil? A Copa no Catar, com todas as idiossincrasias da região, vai dar certo? Mil possibilidades de apostas.

Fico imaginando também o número de apostas que vêm sendo feitas nos cantinhos, esquinas e mesas de bar sobre esse segundo turno presidencial, e acho até que não é por menos que a disseminação de fake news e tentativas de intimidação estão bombando, recordes. Obviamente que ninguém quer perder. E se for aposta a dinheiro, e quase todas as emocionantes o são, então, aí a coisa vai mais longe. Imaginem esses seres que apostaram milhões (contribuições eleitorais não deixam de ser apostas) nos candidatos, especialmente nesse aí que adoraria nos infernizar por mais quatro anos. Se ganharem, quem apostou espera ganhar muito – inclusive dentro do governo e se fazendo lembrar logo na hora seguinte. Ou acaso vocês pensam que essa loucura que vivemos é apenas ideológica? Aposte que não.

Apostar vicia. Perdendo, aposta-se até ganhar. Ganhando, se testa até onde vai a sorte. O Brasil tem amplo potencial apostador. Apostamos há décadas que um dia o país vai tomar jeito! Imagine se não. Aliás, aposta aqui é truco certo.

Conheço quem tenha muitas vitórias e acertos, mas eu nunca fui premiada em nada, pelo menos que me lembre. Ainda acho estranho passar na frente das lotéricas e ver aquelas filas enormes principalmente em dias que o prêmio acumulou. Gente que muitas vezes deixa de comer para apostar. A parte mais legal é quando essas pessoas são entrevistadas e começam a listar o que vão fazer com o prêmio. Ali, todo mundo é bonzinho e vai ajudar a família, os amigos. Deus tá vendo! Sonhar é bom, apostar nem tanto. “Não trabalha não pra ver”, cansei de ouvir de meu pai. Mais jovem, ele gostava de apostar em jogos de cartas. Um dia parou, completamente, creio que deve ter perdido ali algo pesado. Nunca soube o que houve. Mas deve ter sido sério.

Em geral apostas podem não ser nada saudáveis, inclusive para as famílias – muitas veem tudo ser perdido do dia para a noite em bancas. Melhor mesmo ficar só com as apostas bobinhas, que não fazem mal a ninguém, muito menos a nós mesmos. Melhor desafiar-se a si mesmo.

Pensando bem, nesse momento, e a esta altura do jogo, jamais apostaria de verdade em um ou outro, embora, claro, tenho minha preferência.  Acredito que não peguei esse hábito – pelo menos não a dinheiro, e menos ainda com outras pessoas – por causa da ansiedade que me abala muito, sempre, até que algo se decida.  Detesto perder. Já gostei muito mais de torcer pela vitória de uma coisa ou outra, mas na maturidade, e dependendo do tema, já vivi bastante para saber exatamente que nada – muito menos a política – vale a pena sofrimento, aposta radical, sacrifício, queimar meus lindos dedinhos no fogo.

E você, anda apostando muito? Par ou ímpar? #EleSim ou #EleNão? Vai ou racha?

___________________________________________________

marli - apostaMARLI GONÇALVES – Oposição ao que é ruim, seja de que lado for. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Jogue limpo, que está sujo, feio e malvado. Por Marli Gonçalves

Tá feio, muito feio, e a conta vai chegar para vocês. Será que consegue jogar limpo, ao menos sabe o que é isso? Resta um mínimo de bom senso? Queremos rezar para quem a gente quiser, como a gente quiser, onde quisermos, e em paz. Viver em paz. Não se meta. Queremos respeito às nossas decisões pessoais, respeito aos nossos sentimentos e crenças. Cuidem do país, que da gente cuidamos nós. Pare, apenas pare de nos causar asco todos os santos dias.

feio, sujo e malvado lata de lixo da história

 Caro Senhor Bolsonaro e seus admiradores, seguidores, apaniguados, vidrados e etceteras: respeito!

Respeito é bom e todos gostam.  Não vai ganhar no grito, e se acaso isso ocorrer, o grito que ouvirão depois será muito mais alto e perturbador. Segurem sua onda, que a gente pode tentar até segurar a nossa.  O mundo não se resume a vocês, aliás, graças a Deus, e seja em qual deus cada um de nós acredite e venere, ou não! Parem de ser tão crentes que estão abafando por aí com tanta sacanagem, aleivosias, violência, mentiras, ignorância e ódio que espalham por onde passam. Já conseguiram acabar com o orgulho de nossa bandeira, e cores, hoje quase insuportáveis. Buscam comprar votos com a mais lavada cara de pau, distribuindo benesses de última hora.  Joguem limpo. Querem respeito? Nos respeitem.

Não se sabe se atiçando medo já causam uma estranha, inaceitável e impressionante paralisia nas instituições que deveriam proteger, mas que estão rasgando, desonrando e pisando em artigos sagrados de nossa constituição.

Damares, a ex-ministra e agora senadora incrivelmente eleita, já deveria é estar presa e cassada, antes que esse estrupício manche ainda mais o Senado Federal. Se não na prisão, desculpem, em um hospício, interditada, porque ela está – acreditem – precisando de ajuda e tratamento urgente. Está fora de si, vendo muito mais do que Jesus na goiabeira. Isso não é religião: é problema sério, mental, que a faz, como ela própria diz – ouvir pelas ruas até relatos fantásticos de crianças com dentes arrancados para a prática de sexo oral, entre outras sandices que propaga em solos sagrados que ela própria deveria respeitar.

Isso tudo é muito sério. Não tem mais graça alguma nem para fazer memes. Precisamos parar de brincar. Está passando dos limites de qualquer aceitável.

O tal Ônix, candidato ao governo do Rio Grande do Sul, é outro que já deveria é estar sendo preso, processado, anulado, cancelado, sei lá. Não é de hoje, mas agora ousou dizer que os gaúchos deveriam votar nele para terem uma “primeira-dama de verdade”, já que não consegue ser melhor do que o seu concorrente que, sem problemas, sempre se assumiu gay. Homofóbico, preconceituoso, apoia tudo o que é, foi e será de ruim. Se nem ele é de verdade, um ser falso que há anos anda por aí atrás de qualquer poder para se aproximar.

Outro que se diz cristão, e também não dá para entender como os verdadeiros evangélicos se calam diante do uso deslavado de suas premissas nesses embates eleitorais.

Bolsonaro, não dá para listar nesse espaço todo o mal que espalha e permite que se espalhe, agora ainda por cima tentando uma guerra religiosa opondo católicos e evangélicos. O que aconteceu na Basílica de Nossa Senhora Aparecida é simplesmente imperdoável, não há justificativa possível. Aguente o tranco de seus ataques, que essa semana o senhor pisou em calos que não deveria, acredite.

Sabe, já tivemos – e os seus atos agora chacoalham nossa memória – vários seres desprezíveis no comando da nação, especialmente durante a ditadura militar que admira e tenta alimentar. Mas teve um, o tal Jânio Quadros, que saiu da história como maluco, quando governou o país e renunciou e, depois, mais, quando inacreditavelmente foi prefeito aqui por São Paulo. Teve também o Maluf que grassa agora largado doente e só em algum canto. Eles também tiveram apoio por algum tempo, juntaram alguns porcentos gritando “mito”. Mas sabe como é a política, não? Implacável.

O povo também sabe virar uma bandeira como ninguém. Tenta proibi-los de suas coisas, para ver só. Se acaso a resposta já não vier das urnas agora, acredite, não tardará, assim que tomarem consciência do perigo que representa e do que, para ganhar a eleição, fez, e que o país inteiro pagará por isso.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – E nem adianta me xingar e chamar de petista, que não cola. Sou, sim, oposição ao que é ruim. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Eu não quero falar de…Por Marli Gonçalves

Eu não quero falar de como me senti depois do resultado geral desse primeiro turno eleitoral. Bem não queria. Dessa ressaca que não passa, e olha que eu não bebo, mas do quanto saí do prumo se é que tinha algum, mesmo sem estar entre os que acreditaram em situação resolvida de pronto. Não quero falar de quanto estou preocupada com o claro retrocesso que incrivelmente acelera e ameaça o país. Eu não quero falar, mas é impossível calar, também inclusive não criticar a forma que a oposição se comunica, errante

eu não quero falar

Eu não quero falar de política, mas nesse momento a política entra por todos os poros e canais e agora novamente com o horário eleitoral e as perturbadoras pílulas espalhadas na programação e para onde se olhe. Eu já não quero saber o que andam fazendo, falando, com quem se encontram, por onde passam, mas é impossível. Como não reagir ao contínuo sequestro do verde e amarelo, às aproveitadoras camisetas da seleção vestidas por pessoas que até então julgávamos razoáveis? Ao noticiário que traz à tona mortais brigas eleitorais entre amigos, nas casas, nos bares, nas esquinas, do nada. Como não se sentir mal vendo a negação descarada do que vivemos, do que perdemos, de quantos perdemos, do construído plano descarado e perigoso de virar a direção à extrema direita?

Eu não quero falar de como estamos desprotegidos e tudo virou uma imensa Casa da Mãe Joana quando não são punidos imediatamente – mas punidos mesmo, de verdade, não de mentirinha com passeios até as delegacias e logo liberados com cara lavada – os empresários que ameaçam seus funcionários de desemprego se não votarem nos candidatos deles, ou os que oferecem dinheiro em troca de votos. Não é fake news, essas denúncias vêm acompanhadas de batom nas cuecas, vídeos, fotos, depoimentos, vítimas.

Nem quero, por falar nisso, versar sobre a quantidade de fake news que estão cruzando os céus do país vindas das duas infelizes direções em que nos metemos, no jogo sujo, divididos palmo a palmo, com mentiras sobre tudo, como se não houvessem tantas verdades tão suficientes a serem usadas, colecionadas durante os últimos anos, dia após dia.

Nem quero lembrar da ingenuidade perdida e enterrada no trabalho de anos lidando com campanhas, com marketing político e seus temas afins, que aprendi e sei bem capaz de tudo. Mas não há como evitar ver a linha ética trespassada para borrar a realidade. Os apoios, as traições, as manipulações maquiadas dos bonzinhos e ruinzinhos, e, enfim, a revelação da cara daqueles que vieram construindo seus podres poderes nas sombras, pelos cantinhos.

Ah, como gostaria de não falar da vontade que dá de sacudir fortemente candidatos de oposição que não mudam o cansativo discurso de sempre. Aqueles que repetem incansavelmente as palavras que poucos entendem, “professoralmente” discursam insistentes sobre temas macro quando o que há é fome, dificuldades reais, economia desequilibrada, preços extorsivos, e do outro lado alguém prometendo facilitar mundos e fundos justamente para esse dia a dia.

Eu não quero falar, mas não posso me resignar quanto à tristeza que dá ver mulheres ali sorrindo do lado de quem as inferioriza, destrata e ameaça, e que assim continuará vencendo ou não, porque alçado a um inexplicável papel de líder. Ver a imprensa atacada e acuada tentando informar com suas parcas atuais condições de luta, e dentro dela jornalistas que um dia foram respeitados jogarem suas histórias no lixo da História.

Eu não quero falar, adoraria poder nem pensar, mas por responsabilidade jurada profissionalmente não posso me isentar e deixar de observar a gravidade da atual situação que quebra ao meio todo um país que continua agindo como se tudo fosse torcida de um imenso jogo de futebol onde há dois times grandes se enfrentando.

E ainda vai ter Copa.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

Menopausa: precisamos (muito) falar sobre isso

Há pouco recebi informações importantes. Entre elas, a de que o dia 18 de Outubro é dedicado à essa discussão.

Transcrevo aqui, para você saber que, inclusive, dia 18 estará disponível o filme documentários ainda inédito “Menopausas”, de Julieta Zarza.

Veja como saber, ver, participar:

OUTUBRO É O MÊS DA MENOPAUSA, SEGUNDO A OMS

No Brasil, algumas iniciativas visam desmistificar o tema, com destaque para a exibição do documentário Menopausas – liberado, gratuitamente, no Dia da Menopausa (18/10)

Na próxima terça-feira (18), será celebrado o Dia Mundial da Menopausa – data criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que incentiva não apenas a discussão sobre o tema na ocasião, como também sugere que os impactos do fim do ciclo menstrual na saúde da mulher sejam debatidos ao longo de todo mês de outubro. 

O tema ainda é pouco discutido no Brasil, mas algumas ações importantes estão programadas, como a exibição do documentário “Menopausas”, da diretora Julieta Zarza, também criadora do Projeto Peripécias Menopáusicas.

Para marcar a data, o documentário será disponibilizado online por um período de apenas 24 horas, no dia 18/10. O link de acesso será previamente divulgado nos perfis de instagram @nopausa.br e @peripéciasmenopáusicas.

Portanto, da zero hora até a meia noite da próxima terça-feira, as pessoas poderão conferir as incríveis histórias coletadas pela diretora, que recebeu o diagnóstico de menopausa precoce, aos 37 anos de idade. “Optei pelo plural no título do filme, pois cada pessoa vive esse processo de maneira única, particular e incomparável”, explica Julieta.

Segundo ela, o principal objetivo do documentário é quebrar tabus e sair da visão encapsulada e hegemônica que paira sobre esse assunto. “O documentário tira das sombras um tema negligenciado e silenciado e o coloca em cima do palco”, garante. 

“Menopausas” apresenta seis experiências sobre o fim do ciclo reprodutivo, por meio de diferentes perspectivas de gênero, orientação sexual, idade e classe social. Além desses relatos, o curta-metragem traz o olhar de profissionais ligadas à área da saúde, como o da psicóloga e mulher trans, Fe Maidel, uma das criadoras da Associação Brasileira pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais e Intersexo.

A disponibilização do documentário ao público no Dia Mundial da Menopausa acontece em parceria com organização latino-americana No Pausa, cuja missão é promover o diálogo, a geração de dados e de soluções para o bem-estar da mulher, tanto pessoal quanto profissional, durante a menopausa/climatério.

Com sede em Buenos Aires (Argentina) e representante em São Paulo, a No Pausa também atua junto às empresas dos setores público e privado que desejam adotar políticas internas de trabalho voltadas paras as suas colaboradoras na fase do climatério. Um estudo realizado pela organização com 1.500 entrevistadas revelou que mais de 90% das mulheres reconhecem o quanto o climatério prejudicou seu desempenho profissional, por mais que – naquele momento – 40% delas não associavam essas dificuldades à proximidade da menopausa, por ainda estarem menstruando.

“O desconhecimento acerca dos efeitos de quem está perto ou vivenciando a menopausa é um dos principais motivos do preconceito contra as mulheres mais velhas, resultando em etarismo”, afirma Bianca Doeler, coordenadora do No Pausa no Brasil.

Segundo o estudo, os sintomas do climatério que mais afetam a performance da mulher no trabalho foram: insônia, depressão, desânimo, falta de concentração, dores e outros. “Metade delas teve vergonha de falar sobre o assunto e, por isso, preferiram inventar uma desculpa quando faltavam ao trabalho do que contar o verdadeiro motivo a seus chefes”, lamenta Bianca.

Para ela, o documentário “Menopausas” é um excelente meio para abordar esse assunto, pois carrega a sensibilidade ideal sobre o climatério. “O filme intercala relatos potentes, em 1ª pessoa, com intervenções humorísticas. Essa combinação torna o tema mais leve, sem deixar sua complexidade de lado”, finaliza.

Serviço:

Documentário “Menopausas”

Disponível a partir das 0 hora, do dia 18 de outubro.

Link de acesso: será divulgado nos perfis @nopausa.br e @peripeciasmenopausicas

Fonte: assessoria de imprensa

 

ARTIGO – Os próximos longos três meses. Por Marli Gonçalves

Pensa que acabou? Seja o que for, o que resultar, teremos ainda longos três meses pela frente para acabar de roer as unhas até o toco, acalmar o coração, parar de ouvir tantas aleivosias, mentiras e preconceitos, poder sentir o que é que exatamente vem por aí

os próximos meses

89 dias. 2136 horas. 128.160 segundos. Uma eternidade. Viveremos ainda mais algumas guerrinhas de nervos daquelas pro bem e pro mal. Até as posses, chuááá, muita água ainda vai rolar e é difícil prever se ela, a principal, do presidente da República, será serena, limpa, transparente, se escoará naturalmente pelo rio da democracia, ou se alguma pororoca poderá vir nos assustar, com monstros soltos e atiçados.

Faz tempo, muito tempo, que não respiramos aliviados. E aí que está. Vamos ter de aguardar mais. Há tanta coisa para se arrumar no país escangalhado, dividido, raivoso, que só após muito tempo com alguma acomodação das forças – que costumam mesmo ser díspares – proclamadas vitoriosas em todo o país, poderemos ter uma leve noção do que exatamente emergiu das urnas.

Considerando que o debate para a eleição presidencial tomou para si boa parte da atenção geral, o resultado da ocupação dos legislativos poderá ser temerário. Com a eleição do mesmo dos mesmos bem ruinzinhos, chegada dos até então ainda mais desconhecidos e que vieram no pó da estrada grudados você bem sabem onde dos majoritários. Podem chegar de paraquedas, surpresos eles próprios, pelos quocientes eleitorais dos partidos e seus números jogados como loteria, patinhos na lagoa, cabalísticos, mágicos, ou chutados qualquer coisa. No Congresso Nacional e nas casas legislativas dos Estados fica a panela onde se cozinham os acordos, as leis, as verbas, as ideias, os ingredientes, as ameaças e liberações. O freio ou o acelerador das mudanças. Oxalá esse resultado seja ao menos melhor do que o que está aí, embora a gente saiba que, infelizmente, sempre pode mesmo piorar, e que o descuido e desconhecimento dos eleitores sobre essas pessoas faz parte de nossa estranha formação política.

Haverá uma reacomodação de terreno – isso será certo. Pedidos de desculpas entre quem se atacou dentro de um mesmo arco ideológico, para agora buscar um cantinho, uma lasquinha do vitorioso, alguma nomeação. Muitas viradas de costas, bananas e traições para os derrotados – algumas que vimos até logo durante o processo eleitoral. Os barcos vão sendo abandonados nas margens, à cada pesquisa divulgada. Uns vão fingir que não viram, não disseram, não pensaram, não conspiraram; os outros vão fingir que acreditam. No caso, não é varinha de condão, mas a caneta, e que esperamos que seja mais sofisticada em suas assinaturas pelo menos um pouco mais do que a tal Bic que suportamos nos últimos quatro anos.

De acordo com o resultado que sair das urnas, saberemos se haverá, se demorará, o resgate da bandeira nacional e suas cores, a coitada, sequestrada. Se a vitória for de um lado mais avermelhado, saber se os outros tons, mais róseos, digamos assim, serão por eles respeitados, já que certamente tomaram forte posição e importância nos últimos dias em prol de um resultado que afastasse o perigo de ruptura e de uma grave e dolorosa crise institucional.

Teremos de ter muita paciência e perseverança nas próximas semanas. Quando saberemos o quanto nos livraremos do circo cercadinho, das ridículas lives de toda uma turma desprezível, dos robôs da familícia, do desprezo pela Ciência, da misoginia, do racismo e desrespeito à liberdade religiosa e de gênero; que sejam desmascarados os pastores pecadores, os agro e tóxicos, os ministros que ninguém sabe o nome e  suas boiadas e fogo passando destruindo nossas matas. Dos metidos a besta em paragens onde não tinham posto os pés. Das ameaças de armas, CACs (caçadores de quê?) e de valentões de cara feia. Se recuperaremos alguma boa imagem junto à já atordoada comunidade internacional, de quem precisaremos ter apoio para nos levantarmos.

Especialmente, apenas nos próximos tempos poderemos sentir se a oposição, centro e esquerda, enfim amadureceram. Se saberão rever seus graves erros com pelo menos alguma humildade, aceitando que enfim e ao cabo foram esses erros que nos levaram ao atual desgoverno de direção.

Se todos poderão se sentar à mesa para o mais rápido possível compartilhar seus pratos e intenções para servir aos mais necessitados. Com respeito, educação e saúde.

___________________________________________________

Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Primaveras que vivemos para ver. Por Marli Gonçalves

Primaveras que damos graças em estar aqui para ver em meio a tantas perdas, tristezas e apreensões – e essas não são só eleitorais, são de uma infinidade que a memória guarda e que se aviva a cada acontecimento presenciado, e eles se sobrepõem com assustadora rapidez. Alguns para o bem, mas muitos para uma acelerada piora.

PRIMAVERAS

Flores para que te quero. Clamemos pela primavera, a estação que chega precisa às 22h04 do próximo dia 22 de setembro. Também chamamos primaveras quando se consolida uma luta, quando muitas pessoas se unem em torno de mudanças, de alguma conquista, lembra? Primavera Árabe ficou bastante conhecida. Uma estação que renova, ou pelo menos tenta, nossas esperanças, o ar fica mais respirável, e até os animais mudam seu comportamento, saindo da hibernação, procurando parceiros, apresentando seus filhotes. Borboletas e abelhas se apresentam mais ativas, ajudando a colorir o mundo aos nossos olhos. Momentos únicos.

Pois bem, cada um guarda suas lembranças. Até quando fazemos aniversário, mesmo que em outras datas, completamos poéticas e marcantes primaveras. São tempos memoráveis e certamente a deste ano será recordada por muitos outros temas. Saindo aos poucos de uma terrível pandemia, nós, os que sobreviveram, pensamos em voar por aí como borboletas visitando o que restou, e quando então chegamos à conclusão de tudo e quanto muito se modificou nesses últimos anos, quase três da aflição mundial. Somados aos quatro da aflição nacional de um desgoverno agressivo também acompanhada pelo mundo, como o é a guerra, como são as guerras, a mais visível no momento, na Ucrânia.

A normalidade, como se costumava, essa não volta mais, dada a experiência vivida por muitas gerações eternamente marcadas, seja como órfãos, pelas sequelas, pelos novos hábitos, pelas vacinas que serão sempre reaplicadas, pelos cortes em áreas fundamentais à sobrevivência. Não há como entender experiências esquecidas que a ignorância leva a que novamente possamos sofrer, antes erradicadas; por exemplo, quem são esses os que não sentem o pavor da poliomielite que a tantos aleijou por toda a vida, não vacinam seus filhos?

As primaveras que vivi para ver incluem de um tudo, experiências seja na vida pessoal, profissional, amorosa, e na de ver um país que tinha tudo para deslizar suave pela História, mas sempre acabou tropeçando, virando mato, pisando nas flores, queimando suas largadas. O tal país gentil, tropical, quando conseguíamos achar graça até do horário eleitoral, nem isso hoje, que deu tiririca em tudo.

País que, a cada crítica que faço, daqui da realidade que vivemos, recebo de revide comentários que enumeram para que eu considere – nem sei bem como as acham – coisas boas, que deveriam ser mais que óbvias e obrigatórias. Às vezes penso se não há mesmo um monte de planetas diferentes aqui nesse mesmo lugar. Planetas e órbitas onde se isolam economia, riqueza, pobreza, alegria, esperança, ética e liberdade, comportamentos e conquistas que nos são tão caros. Cada qual com seus habitantes.

Esse meu mundo – e creio que da maioria – tem muitas flores, sim, que jamais me afastarei delas e de otimismo pelo seu florescimento, mas não há como negar os espinhos, os percalços, as pragas, os cortes, os perigos de alguns venenos.

O momento é agora. De plantarmos mudanças e primaveras, da forma que pudermos, com quem pudermos contar, e uma delas é extirpar o que nos causa tanta vergonha diariamente, principalmente a nós, mulheres, que atacam insistentemente. Desejam anular o tanto, mas ainda pouco, que alcançamos, nossa honra, liberdade, igualdade. O fazem semeando a discórdia, matando, queimando e envenenando os nossos corpos, fazendo surgir sementes do mal que considerávamos que jamais veríamos brotar novamente na História. E que sempre pergunto a mim mesma: de onde saiu essa gente tão pavorosa? Onde escondiam seus ódios, pensamentos sórdidos, qual foi a tampa aberta?

Uma delas, o resultado que levou à eleição de 2018, que agora temos o dever de fazer voltar de onde veio e de onde nunca deveria ter saído. Na época, confusa, muita gente não sabia mesmo quem era e o que significava o ser que acabou vitorioso, que tanto tentamos alertar, e ainda por isso somos punidos diariamente – tentam destruir o jornalismo, essa profissão fundamental e a qual me dedico há décadas, nunca tão menosprezada.

Agora, sabemos, todos, o que era aquilo. Não há como negar, a não ser os que ainda estejam com seus sentidos tapados por um torpor fétido e nauseante espraiado no ar que busca tirar nosso viço, que é muito além do que perfilam, esquerda, direita, e que nem de direita ou esquerda o são.

Que nosso campo seja o da esperança. Que façamos desta, agora, uma primavera mais do que especial. A do recomeço, até para que possamos poder colher as flores boas e desprezar novamente os musgos, se for necessário.

___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Os broches da rainha e a “brochada” do presidente. Por Marli Gonçalves

Não há como não lembrar da rainha Elizabeth eternamente com suas roupas elegantes e coloridas – dizem, para que nunca fosse perdida em meio à multidão – adornadas com broches maravilhosos, joias de pedrarias mais do que preciosas. Não há como não lembrar, na mesma semana de sua morte, do vergonhoso apelo do presidente a si próprio puxando o lastimável coro de imbrochável em meio aos festejos dos 200 anos da Independência do Brasil. Um pequeno e significativo jogo de palavras.

Elizabeth ll: conheça curiosidades sobre os looks icônicos da rainha

Imbrochável. Deus está vendo, hein? Ops, God save the Queen, agora God save the  King Charles III. Que devemos todas as homenagens à mais longeva rainha da História, Elizabeth II, à mulher que soube honrar durante 70 anos seu reinado desde a sua tenra juventude, abdicando de um tanto incalculável de coisas e prazeres, entre eles, alguns até frugais e que de vez em quando ela recordava. Semana triste e emblemática para o mundo todo essa morte.

Do outro lado, na mesma semana, mais essa inominável grossura – mais uma de uma lista gigantesca – do presidente do Brasil conflita ainda mais, bate de frente, com a maioria da população do país, as mulheres que ele tanto tenta alcançar e cada vez mais de nós se distancia. E se distancia com o asco que, garanto, seu atos trazem às mulheres dignas de assim o serem.

Mas são os broches da rainha o tema, e que já estão sendo lembrados. Eu, que amo broches desde sempre, e quem me conhece pode atestar, a cada aparição sua esticava o olho, procurava ver com qual ela estava, cada um mais belo e significativo que outro, que usou durante toda sua vida como um canal de comunicação, informação, símbolo, homenagem, sentimento. Agora, informam, são 98 deles ao todo, heranças, de parentes, presentes que colecionou pessoalmente durante toda a vida, muitos assinados por renomados artífices e casas de joalheria. São além das joias da Coroa.

Seus broches transmitiam mensagens de amor, reinado, história, continuidade, gerando até estudos sobre isso. Em sua última aparição pública, estava usando o sapphire chrysanthemum brooch, que sempre adornava suas roupas em tons azuis ou pasteis. Foi com ele, inclusive, que recebeu a nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, ao empossá-la na rápida cerimônia no castelo da família real na Escócia, sua última aparição pública e mesmo local onde, dois dias depois, repousou. Seu cansaço já era evidente e nesse dia todos notaram o enorme roxo em suas mãos, provavelmente veias por onde eram aplicados os remédios para aplacar suas dores.

broches
Bottons criados por Yoko Ono

Moda absoluta durante anos, os broches foram caindo em desuso ou sendo substituídos. Para os mais jovens, em geral também para passarem mensagens radicais, por bottons, ou pelos pins, aqueles alfinetes menores que são espetados nas roupas e muito usados em solenidades, inclusive por altas autoridades masculinas, bandeirinhas de seus países ou instituições. Também sempre serviram como propaganda de marcas e produtos. Todo mundo tem ou lembra de ter tido ou visto um dia uma jaqueta ou um colete com uma profusão deles. Ambos, pins e bottons, comuns no mundo do rock e das artes, por exemplo. Destaco, de minha coleção, em especial dois que quando usamos, eu ou o meu irmão, causam certo furor. Criados por Yoko Ono, um, a partir da imagem de seu mamilo, outro, de imagem frontal de sua vagina. São discretos, beges, mas olhares atentos sempre os percebem, impressionante.

Embora não sejam joias, muito ao contrário, acredito mesmo ter ao todo mais broches do que a rainha, também lembrada pelos chapéus de formas e cores sensacionais, marca da nobreza britânica, desfilados nos grandes eventos que nos acostumamos a acompanhar nas cabeças coroadas, de ontem, hoje e de amanhã, como na da Rainha Consorte, muita sorte, aliás, Camilla Parker Bowles, a eterna rival da Princesa Diana.

Grandes mulheres da política mundial, provavelmente até inspiradas na rainha, os usam em seus trajes, ternos, vestidos, ou prendendo-os aos lenços de seda. Repare. Broches são versáteis. Com eles, além de mensagens que podem ser até do humor do dia, em segundos se produz uma roupa nova a partir de qualquer tecido, prende ali, fecha aqui. Também, aprendam, podem salvar em ocasiões difíceis, como o rompimento de um botão ou costura, em cima de uma manchinha persistente. Mil e uma utilidades.

Bom poder – mesmo que em meio à tristeza – em uma mesma semana lembrar das grandes mulheres que mudam o mundo, esquecendo o machismo e a grosseria de alguns homens que o atrasam, e que temos um tão perto aqui, que necessita alardear seus visíveis problemas sexuais e o desrespeito em suas considerações misóginas.

Pessoalmente para mim foi bom especialmente lembrar daquele dia em 1968 em que vi a rainha passar ao lado do grande amor de sua vida, o príncipe consorte,  muita sorte, Phillips, Duque de Edimburgo, quando da visita ao Brasil, e em São Paulo, saindo correndo da escola, me postando pequenina em meio à multidão que esperava vê-la ali numa esquina da Avenida Cidade Jardim. Retrato bem guardado na memória.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Dependência. Por Marli Gonçalves

200 anos de Independência do Brasil. Do Brasil. Mas e a dos brasileiros? Mais do que uma pendência, ou várias nesse sentido, ano após ano, nossa dependência aumenta, e de todas, várias formas, muito além da política, de gritos, da alternativa Independência ou Morte!

dependency theory Archives - Progress in Political Economy (PPE)

Lá vem mais uma vez um 7 de Setembro, só que de novo ao invés de podermos pensar em comemorações, conhecimento da história do país, festejos da data redonda e até na reabertura do Museu do Ipiranga, ainda também teremos de nos preocupar com os ataques à democracia vindos de uma parcela que parece tomou conta, se apossou, do verde e amarelo.  Ele se preparam para levar às ruas seu ódio, fanatismo, ameaças, além de fumacentos desfiles militares, intermináveis continências. Que tédio.

Sem sossego, e esse é só mais um momento. Estamos sempre na dependência do que vai ou poderá acontecer, seja nessa data, ou em outras significativas, como as eleições, primeiro, segundo turno. Dias tensos, atentos.

O pior é que delas, das datas, sejam cívicas ou religiosas, sempre resta algum traço de necessidade. Visitando a história nacional, então, pior, sentimos que tudo pode acontecer e a qualquer momento, como inclusive já ocorreu em diversos períodos. E esse medo nos torna ainda mais dependentes do que já o somos.

Dependentes de atos e programas de governo, cada vez mais de auxílios econômicos, fixos ou emergenciais, das decisões sobre programas sociais, sua manutenção, até do controle de preços e da proteção aos direitos duramente conquistados, de tanta coisa vinda de cima, quem realmente pode pensar livremente?

Quantos e quem são os “livres”, que não devem nem precisam de nada, nem devem obediência, sujeição ou subordinação? Não dependem de nada? Não precisam de ter ao menos algum medo, algum temor? De serem julgados sem Justiça, de perder trabalho, casa, família, amigos, condições mínimas, liberdades, possibilidades?

Quantos podem realmente se dar ao luxo do total livre pensar? Melhor, livre dizer, que agora até a liberdade de expressão anda virando falácia?

Pensar até pode. Que por enquanto isso ainda está livre, gracias. Mas quantas vezes ao dia me pego, por exemplo, no que chamo “pensando pra dentro”?  Não comentando, dizendo exatamente o que penso, acho, sobre alguma conversa ou fato? Difícil admitir, mas é verdade, e boa precaução, saudável, inclusive em um momento tão polarizado de todas as formas e que ainda não conseguimos localizar claramente quem realmente são os inimigos, quais serão as consequências dessas batalhas.

A tal dependência de muitos, no caso atual de algum mito, insisto, seja lá de qual lado/direção for, tem tornado difíceis conversas sinceras até sobre assuntos antes triviais, banais e comuns, tantos atarracados nessas idolatrias, que parecem vir acompanhadas de fechados manuais de instrução. Como drogados, dependentes – não das informações reais – mas do que ouviu falar por aí, e que saem repetindo tais como papagaios. Em vários instantes, creio, melhor não polemizar. Mais uma vez, vai saber onde uma discussão boba pode levar. Como aprendi, e que um amigo sempre lembra ter lido em um coletivo em Israel: qual vantagem conversar com o motorista?

Já vivi bastante para ver. Vários momentos nessas últimas décadas. Na maturidade, sei bem o quanto me custou buscar ser livre, agir, e ter pensamento original, e o quanto isso já provocou reações e insídias dos que não conseguem aceitar, experimentar ou conhecer o minimamente diferente.

Não é medo, que para chegar ao hoje, enfrentando de um tudo, muitos tiveram de superar e o fazem todos os dias. Chama cautela e cuidado com a saúde mental. Inclusive porque a paciência, essa sim, está bem esgotada, e o tempo urge para ser perdido com o que/quem não preza a real independência, um valioso bem para o qual todos deveriam estar voltados em suas buscas. Livres, de verdade, sem ter ou causar problemas a não ser a nós mesmos.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

O que (ainda) emociona você? Por Marli Gonçalves

Queria muito saber o que é que exatamente ainda consegue emocionar verdadeiramente as pessoas nesse mundo tão duro, cruel, que se apresenta a quem tem olhos para ver, ouvidos para escutar os apelos. Há dias em que a sensibilidade está tão à flor da pele que choro vendo propaganda boba na tevê, escutando o acorde de alguma música daquelas que transporta ao momento passado bom, ou a lembranças de amores idos e bem vividos.

La mappa delle emozioni nel corpo | Wired Italia

Ao mesmo tempo, muito estranho, uma série de coisas que antes me faziam chorar e derreter igual manteiga já não me tocam mais e – verdade – hoje até chegam a irritar. Como mudamos com a passagem do tempo, impressionante. Tantas são as bordoadas e situações difíceis a serem ultrapassadas ao longo da vida que a gente vai ficando meio que insensível, duro, casca grossa. Ou pior, até ranzinza. O que não é legal.

Mas, pera lá, isso não quer dizer insensibilidade. A gente troca, abre espaço para novos sentimentos, uma vez que muitas vezes descobre até que sofria e chorava antes por coisas que não mereciam, nem valiam a pena esse desgaste todo. Sim, desgaste, porque se emocionar é de alguma forma desgaste; sofrimento é desgaste. Amar é desgaste, com tudo que envolve para durar e enquanto dura.

Esses mais de dois anos de pandemia, que de certa forma ainda vivemos e viveremos suas consequências ainda por muitos outros, transformou várias coisas dentro de nós, em nosso íntimo, nossas cabeças, pensamentos, sentimentos. Penso que é como se, além do tempo real, tivéssemos envelhecido o dobro, seja pelo isolamento que no fundo ainda enfrentamos, seja pela perda diária de lascas de nós a cada notícia, a cada pessoa querida que foi embora, cada lembrança que junto levaram. Pareceu um desmoronamento. Sei bem o quanto é difícil falar sobre isso, admitir nem que seja só para você mesmo. Não saímos iguais desses tempos. Foram muitas mudanças, aceleradas transformações, formas de convívio alteradas, silêncios e intermináveis gritos ainda sendo sufocados. É assim; está assim, não conseguimos realmente transformar essa realidade por mais que o desejemos.

Vocês podem se perguntar porque raios toco nesse assunto, e podem se surpreender com a resposta, pelo menos a atual, a de hoje. Por causa da política. Por causa do que vejo a cada dia que vou às ruas e me defronto com uma miséria absurda, que revira latas de lixo para comer, que vai às feiras pegar os restos jogados no chão, os olhos secos e tristes de pais e mães levando pelas mãos crianças cabisbaixas nessa caminhada. A pintura de quadros realistas e sombrios que se apresentam e histórias que superam quase que qualquer clássico da literatura que um dia tivesse ousado pensar o futuro; ou melhor, agora o presente quase distópico.

A pandemia nos pegou, a nós, brasileiros, em um momento ainda mais terrível, suportando um governo grosseiro, deselegante, atrasado, que abriu o cadeado do terror, liberando – além de verbas indiscriminadas – armas, feras, preconceitos, censura, guerra religiosa, ódio, ações e pensamentos. E que aconteça o que acontecer nas próximas eleições – e nessa mais uma vez o erro do par ou ímpar, pif-paf, #elenão e #éoquetemos – levaremos um bom tempo para recalibrar as coisas, voltarmos à paz entre nós.  Tempo esse que para muitos de nós se torna mais escasso.

Enfim, respondo sobre tocar no assunto emoção, e peço a compreensão na medida do possível, para o que chamo a atenção.

Não pude ir, mas acompanhei como pude o movimento desse 11 de agosto, ao vivo, na hora que acontecia. Desse ângulo, claro, fiquei feliz, juntou gente, até opositores. Acendeu, sim, 45 anos depois, uma esperança. Mas dentro da perspectiva da expectativa X realidade me deixou apenas, infelizmente, com uma tristeza danada. Esperava, mas não chorei ao ouvir a leitura das cartas, que foi quase monótona, sem os tons inflamáveis de discursos e da oratória dos líderes de outrora que naturalmente movimentavam suas plateias desde o momento que pisavam as tribunas e na simples menção aos seus nomes. Imagino, claro, que ao vivo, estando lá, vendo as bandeiras sendo agitadas, velhos amigos se encontrando, possa mesmo ter sido mais emocionante.

Mas só isso. Muito pouco ainda. Pelo menos acordamos. Eu estive na Diretas Já! Precisa mais, precisamos de muito mais para que a maré forme ondas. E rápido, porque estamos em perigo real e temos poucos dias para buscar emocionar e movimentar muitos outros milhões de pessoas para que todos voltem a sonhar, se entusiasmem, sintam-se seguras para inclusive voltar a chorar de alegria ou emoção com o que bem quiserem. Até ouvindo o Hino Nacional.

Com a Democracia, com a liberdade, sempre.

___________________________________________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Olha a faca! E outras terríveis tendências. Por Marli Gonçalves

Olha a faca! Tenho verdadeiro horror às armas chamadas brancas, especialmente facas. Às vezes até penso se não houve algum episódio, sei lá, de vidas passadas – devo mesmo ter sido atingida por uma. Ultimamente temos sabido de tantos casos de ataques com facas, que demonstram que o país ficando cada dia mais violento e armado, seja com o que for, inclusive com a língua ferina, e já fora de qualquer controle, modas macabras. E tudo está virando “legítima defesa”

faca

Facas são traiçoeiras. Armas, todas, são traiçoeiras, claro. Mas enquanto andamos – e com razão – bem preocupados com o aumento de armas de fogo no mercado, incentivadas pela “besta” (e que não é aquela com arcos de flechas), as facas são livres, comuns, bem fáceis de serem encontradas em todos os locais e cozinhas. Uma lâmina qualquer que zune, em qualquer tamanho e forma, pode matar, aleijar. Fazem um estrago danado, usadas de bem perto, como já vêm sendo entre as  quatro paredes das casas das inúmeras mulheres mortas por seus ex-companheiros que, com elas, aplicam golpes de suas raivas incontidas buscando não só desfigurar suas vítimas, mas estripá-las, deixá-las sangrando, como num fetiche de terror. Soubemos de mais vários casos essa semana, inclusive cortando bebês. Os casos de feminicídio se multiplicam, a cada dia mais tenebrosos, embora quase todos com o mesmo batido roteiro.  A verdade é que as mulheres continuam desprotegidas, e quando denunciam não há proteção real que faça com que a lei se cumpra. Isso precisa acabar.

Aliás, pra ilustrar ainda melhor, soube do delegado, lá no Rio, de uma Delegacia da Mulher, que espancava a esposa e foi denunciado?

Voltando às lâminas malditas e armas que se multiplicam nas mãos dos caras que juram que são esportistas ou caçadores, e até legalizadas para organizações criminosas – nosso país virou mesmo uma balbúrdia. Ainda tem a versão facão – com sua aparência bruta, em geral enferrujada na utilização em outros serviços, ainda mais tenebrosa, anormal e decepante.

Acontece que estamos cercados por todas as formas de violência, nesse momento de retrocesso geral que parece ter dado marcha-a-ré no tempo, e muito rápido. Volta agora a ser frequente também ouvirmos a justificativa mais dolorosa, a da legítima defesa, e nós mulheres precisaremos já nos organizar para que não retorne sua pior versão: a de legítima defesa da honra que tanto nos matou sem a punição dos assassinos.

Estou ouvindo o podcast Praia dos Ossos (vale a pena) e logo nos primeiros episódios, relembrando detalhes à época do julgamento, anos depois, de Doca Street, que matou Angela Diniz em 1976, é difícil não sentir nojo dos detalhes usados para crucificar a vítima em busca de inocentar o canalha. Lutamos muito contra essa tal legítima defesa da honra que perdurou durante muito tempo, e de certa forma está sempre por aí tentando renascer. O argumento da “sob forte emoção” volta a pairar, como se as vítimas fizessem que fizessem, forçassem, para se tornar justamente vítimas.

Tem muita coisa voltando à tona – não esmagamos suas cabeças adequadamente, nem usamos balas de prata. Dos Anos 70, além da moda que vamos e venhamos era horrorosa, vêm ressurgindo a repressão, a censura e a violência contra a mulher que assistimos muito naqueles anos quando começamos a finalmente nos liberar e aos costumes, saindo para trabalhar, reafirmando nossos direitos, inclusive à até então sufocada sexualidade. O desprezo pela vida, as facas furando corpos, os tiros à queima-roupa.

No entanto, tem voltado, ao mesmo tempo, a nossa ânsia pela liberdade e por pessoas mais capacitadas para nos conduzir adiante, igual àquela luta que empreendíamos no final dos anos 70, depois de muitas perdas, e que enfim só resultaram em coisas melhores na década seguinte. Uma boa moda, essa, agora com o Manifesto do Largo São Francisco (Estado Democrático de Direito Sempre!!!) e que de alguma forma reescreve a histórica Carta Aos Brasileiros, de 77, para os dias de hoje.

Era agosto de 1977. Agora estamos, 45 anos depois, em outro agosto, de 2022, e esse novo manifesto se espalha com força e se torna uma arma, sim, mas arma boa e que pode abrir novamente nossa esperança de que logo logo nosso coração ao menos se apazigue contra as ameaças que vêm sendo feitas ao país, e que nossos ouvidos parem de ouvir tantas sandices como as que temos ouvido diariamente nos últimos longos e sofridos quatro anos, que começaram justamente, ironia, com uma facada.

Que essa, sim, seja tendência que se espalhe, a de retomada. Pela nossa honra, de todos e todas nós, sem tanto sangue vertido, e com muita emoção, sim, felicidade.

___________________________________________________

Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

______________________________________

Instagram: https://www.instagram.com/marligo/

No Twitter: @marligo

Blog Marli Gonçalves: www.marligo.wordpress.com

No Facebook: https://www.facebook.com/marli.goncalves

____________________________

Recomende também o CHUMBO GORDO aos seus amigos!

Basta apontar a câmera para 0 QRCODE:

QR CODE
APONTE SEU CELULAR

ARTIGO – A loucura do vaivém do tempo. Por Marli Gonçalves

O tempo é mesmo bem louco, e nos damos conta disso, dele, do nosso tempo, de repente, com os tais fatos marcantes, em geral marcado em décadas quando são lembrados ou comemorados, sobre alguém ou de alguma coisa. E – repara só, cá entre nós – está um tal de 40 anos disso, 50 daquilo que, brincando, as ruguinhas saem rolando só de ouvir e de se tocar que você se recorda exatamente daquilo, daquele início ou fim. Viveu para ver.

Why We Remember So Many Things Wrong | The New Yorker

Outro dia me dei conta de quantas coisas já assisti, digamos pessoalmente, no sentido real ou de lembrar exatamente desses fatos, dessas pessoas, do que aconteceu, daquele lançamento, do show que assisti em alguma pinguela. Coisas até para a qual nem se dava muita atenção e algumas que viraram sucesso ou marcas históricas hoje em dia.

Temos o estranho hábito de olhar de fora, como se só os outros envelhecessem, e basta ler alguns comentários nas redes sociais para perceber e, naturalmente, o que é pior, observar o quanto somos bem críticos e até jocosos na forma de como vemos, principalmente as pessoas famosas, algumas até nossas contemporâneas. A voz já não tão nítida de cantores, a pele e os cabelos brancos de alguém, o abatimento de tantos outros, as gordurinhas e mudanças que levaram embora a perfeição dos que eram os mais belos de nossas memórias, essas que até tentam nos reter juntos lá naquele passado.

Pensar o tempo é muito doido. Pode ser maravilhoso para reviver. Mas também dolorido, claro, internamente, para qualquer um de nós, e isso se expande quanto mais vivemos. Cada lembrança traz todo um período de volta. É essa lembrança que a gente descarrega do nosso arquivo pessoal – não é nada só de #tbt, quando publicamos às quintas-feiras alguma boa e escolhida imagem de outrora.

Meninos, eu vi, vivi! Quer exemplos, alguns? 37 anos de Rock in Rio! 40, 50 anos de um monte de coisas, e 50 anos é meio século, traduzido. Nossos ídolos, aqueles, Milton, Gil, Caetano, Jorge Mautner, Tom Zé, mais de 80 anos de vida. Baby, Pepeu, 70 anos, juntos com outros tantos. Titãs, e outras bandas desse tempo que festejávamos, de abertura do sufoco da ditadura, completando 40 anos. Os vimos chegando, vivendo, casando, até várias vezes, tendo filhos, netos, alguns já com bisnetos e até seguindo pelos seus mesmos caminhos. Andam bem comuns apresentações e shows de toda a família junta. Aí, então, é que a nossa própria idade fica pregada, grudada, vendo aquela escadinha de gerações nos palcos, o desenho do tempo.

Na política, a mesma coisa, aliás, em todas as áreas, especialmente para nós, jornalistas, que muitas vezes estávamos lá, documentando todos os acontecimentos de nossa época, convivendo diretamente com os fatos enquanto eles se desenrolavam, vimos ascensões e quedas. (Daí, inclusive, antes disso tudo, quando falamos que certas pessoas, você sabe quem, quais, não prestavam e não prestariam, não estávamos fazendo exercício de futurologia, mas sim informando que brucutu nasce e vive brucutu, não tem jeito; e criam brucutuzinhos. Tá aí a prova).

Pensar o tempo, reviver o que passamos, por outro lado, pode ser muito bom, e até revigorante por demonstrar que ultrapassamos tantos desafios, obstáculos, viradas, perrengues, e a experiência que cada um deles nos trouxe. Fazemos uma rápida revisão de amores vividos, perdidos, mantidos, conquistas, aprontos, boas histórias que dariam um programa inteiro do Fábio Porchat. As coisas que gostávamos, as roupas que usávamos e muitas até estão de novo nas ruas, revisitadas nos jovens; agora as achamos estranhas, eram mesmo revolucionárias, mas só lá naqueles tempos – agora encaretaram de vez, copiadas sem criatividade. Conto eu, ou contam vocês que também são vividos, que há muitas coisas que eram bem, enormemente, mais livres e radicais, não precisa nem lembrar de 68 (e olha que aí eu tinha só dez aninhos…)?

Mas, no fundo, esses dias pensei muito no tempo e em seu peso por acompanhar o terrível desenrolar do caso da Mulher da Casa Abandonada, essa senhora estranha e desarvorada que está vendo seu passado emergir e sua vida ruir mais ainda do que a sua própria casa e sua vida miserável dos últimos 20 anos, foragida do crime de escravizar alguém, certamente remoída de lembranças de tempos áureos e abonados que viveu distraída e que ela própria confessa na entrevista que enfim concedeu ao estrondoso podcast do Chico Felitti, o jornalista que levantou a história toda quase sem querer. Curioso, passeando com seu cachorro diante da casa com ar assombrado, como tantas outras casas ruindo, mansões ou não, paredes e acúmulos de coisas e histórias guardadas nessa cidade de São Paulo, onde o tempo tem o mecanismo da pressa, capaz de escondê-las por décadas até que um dia sejam observadas e contadas.

___________________________________________________

Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Feminismo popular. Ninguém é Bruaca. Por Marli Gonçalves

O feminismo ganhando o que mais precisa, divulgação e entendimento de sua simplicidade e importância na força da ação e reação feminina. Está uma delícia. Todos os dias temos visto manifestações – algumas até bem engraçadas – de mulheres brasileiras revoltadas e resolvendo a situação com seus companheiros de forma inusitada: expondo o “gajo” nas redes. Na tevê, a reação das oprimidas faz sucesso e ensina de várias formas que há solução.

feminismo

A primeira é não se calar, e o quanto antes. É uma que “vira” onça diante do motel onde está sendo traída, e filma tudo.  A outra que gruda um cartaz no carro do companheiro traidor dando conselhos e inclusive apoiando, vejam só, a amante, pedindo respeito a ela também. Isso se espalha, viraliza. A sororidade se destaca mostrada com sucesso em personagens de novelas, como a Maria chamada de  Bruaca, de Pantanal, reagindo ao entender a situação vivida durante toda uma vida ao lado de um homem horrível,  machista, grosso, nocivo, tóxico, ao qual venerava até descobrir que, inclusive, o tal manteria outra família.

Em um país onde impera a desigualdade, os riscos e violência, e a ignorância tenta a cada dia botar mais as manguinhas de fora, é reconfortante assistir a matérias e matérias repercutindo a opinião de mulheres sobre como estão dando a volta por cima. Ou como estão entendendo muito bem o recado de que sempre chega a hora do “Basta!”. E que esse ponto final poderá salvar suas próprias vidas. O Brasil ainda ocupa o quinto país do mundo em mortes violentas de mulheres segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – dado vergonhoso e que infelizmente se mantém, apenas piorado, ao longo dos últimos anos.

Em 2020 e 2021 houve uma severa explosão dos casos de violência contra a mulher e feminicídios – o assassinato de mulheres e meninas por questões de gênero, ou seja, exclusivamente em função do menosprezo ou discriminação à condição feminina. A pandemia de Covid, que obrigou ao isolamento, tornou a situação ainda mais calamitosa, especialmente entre as mulheres negras e mais pobres, mas atingindo brusca e diretamente a todas.

As denúncias recebidas pelo Disque Denúncia de São Paulo cresceram 35% em março deste ano, comparando com o mesmo período do ano passado. Em março deste ano foram 57 denúncias, contra 42 em março de 2021. Apenas no primeiro trimestre de 2022, foram 140 relatos de feminicídio no Estado – mais de um por dia!

Nos últimos anos o país tem piorado em muitas questões, particularmente algumas ligadas ao comportamento humano e liberdade individual, ou ligadas às minorias. Todos os dias ouvimos relatos de racismo, manifestações de violência contra as mulheres e contra a população LBGTQIA+.

Uma situação que não envolve apenas as mulheres, em geral atacadas por pessoas próximas, seus companheiros ou ex-companheiros, mas também seus filhos que muitas vezes presenciam esses atos. Atos e números desleais que precisam ser estancados, e luta para a qual todas as mulheres, maioria da população, deve assumir seu papel. Em todos os canais, inclusive políticos.

Daí a importância de divulgar vitórias, as reais e mesmo essas das ficção de filmes e novelas, de casos em redes sociais, muitas vezes a melhor forma de traduzir rapidamente essa batalha e seu significado. Repito: o feminismo é força, precisa ser compreendido em toda sua plenitude, e por homens e mulheres. Não diz respeito só a um ou a outro. São alicerces fundamentais para o futuro. Acredito firmemente que a humanidade não poderá ser assim chamada enquanto a mulher for tratada de forma inferior. Feminismo é prática diária. Presente em nossas vidas.

Não há de se ter vergonha. É preciso pedir ajuda. Por a boca no mundo. Como vítima dessa violência que deixa marcas profundas por toda uma vida, cada caso, cada morte que sei, é como se novamente a ferida fosse em minha pele, e me faz comemorar hoje conseguir ter ficado viva para contar a história, entender exatamente como ela se constrói, a dor que causa.

Me posicionar na frente dessa batalha, implorando pelo fim dessa guerra tão particular e odiosa.

feminismo

___________________________________________________

Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________