ARTIGO – Já. Já? Já! Por Marli Gonçalves

Repara só como o “já” vem sendo muito usado como gerúndio, especialmente para justificar os atrasos e a inação quando estes são flagrados. Já estamos vendo, já estamos tomando providências, já isso, já aquilo. Até parece. Tranquiliza pra não fazer, continuar do mesmo jeito, estica o tempo, o passado, o presente, e ainda embola o futuro.

Letra J – alfabeto.ptAdesivo Letra Á Arial Black

De vez em quando escuto umas coisas que ficam ali zunindo nos meus ouvidos, me dando choques, chamando atenção para os seus significados e como e quando começam a ser usadas exaustivamente as expressões, sejam sujeitos, verbos ou advérbios, como é o caso do “já”. Vocês, claro, sabem, que jornalistas e escritores são extremamente ligados às palavras, aos sons, às formas, às situações em que aparecem. Precisamos delas todas para nos comunicar, contar histórias, buscar a precisão.

Assim foi que há dias venho reparando no tal “já” toda hora aparecendo meio deslocado, coitado, principalmente em explicações e respostas solicitadas pela imprensa ao descobrir malfeitos e pedir o outro lado aos envolvidos. Fora as repetições de ladainhas, muitos garantem até que já estavam mesmo até arrumando a tal situação. Mesmo que visivelmente não, e na verdade o tal problema instalado – mesmo – isso sim, até em alguns casos há muitos anos. Ouvimos isso sobre as enchentes e todos os seus problemas. Ouvimos muito isso no caso da violenta balbúrdia no Rio Grande do Norte, com as autoridades tomando as providências que deveriam ter sido tomadas já há muito tempo, isso sim. É o que nos explicam no caos e desorganização dos transportes coletivos em São Paulo, e muitos causados por uma empresa cuja marca já está é registrada como sinônimo de incompetência, citada praticamente todos os dias com acidentes no Metrô e problemas nas linhas que deveria cuidar desde que obteve a concessão, a Via Imobilidade, já mesmo este é o seu apelido na expressão de quem é obrigado a usá-las.

Os apresentadores de tevê, quando leem essas notas, seguram o ar irônico, ou pelo menos tentam, o que é quase impossível. Os jornais as publicam por obrigação, lááá embaixo no rodapé das notícias. Quase um copia e cola constante, já que sempre praticamente se repetem. Inclusive com a expressão que estão “colaborando com as autoridades”. Não me digam! Folgamos em saber.

Escrever notas oficiais, comunicados à imprensa, responder por escrito às explicações solicitadas é uma arte e ela vem se perdendo rapidamente, e perdendo o sentido, sendo achincalhadas, mesmo elas sendo tão importantes para que as empresas ou pessoas envolvidas em problemas possam se defender, um direito inalienável.  Digo com conhecimento profissional da questão, há anos como consultora de comunicação e especialista em gerenciamento de crises e embates com a opinião pública.  Primeiro, claro, preciso explicar a importância delas, na origem – e de serem enviadas por escrito. Transformam-se em documentos.

Devem resumir o que precisa ser dito em cada situação, fecham a opinião e os fatos. Não permitem, assim, quando corretas, erros de transcrição que poderiam ocorrer em explicações orais à imprensa quando publicados. Devem conter sempre informação clara e objetiva, cumprir o papel de auxiliar a transparência da informação. Poupam ainda a imagem de quem ou do que tem esse espaço valioso – ou ao menos deveriam ter – para se explicar e se defender, há alguma reputação a zelar. Sei bem também o quanto isso anda coisa rara de se encontrar, zelo pela própria reputação e condições reais para isso. Mas ainda existe. E o direito à defesa deve ser garantido.

Vamos respeitar os sentidos das palavras já! Deixemos o Já! prevalecer para quando precisarmos dele, como tantas vezes, lembram? Diretas Já! Vacinas Já! – sobre o que deve acontecer rapidamente, logo, em tempo curto, sem deixar dúvidas.

Por exemplo, no apelo: “Governem Já!”. Chega de tanto falatório, atrito e confusão.  Parem com isso, já!

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Nenhuma descrição de foto disponível. – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Bubuias e cucuias. Por Marli Gonçalves

Vamos de bubuias e cucuias, assuntos aleatórios que descrevem bem muitas das situações que acompanhamos, ficamos e onde vamos parar. Palavras sonoras, claras, e de fácil entendimento. Principalmente para quem já ficou de bubuia e foi pra cucuia. Muitos, essa semana.

BUBUIA - CUCUIA

Há alguns dias foi o aniversário de meu pai, que, então, faria 104 anos. Mas ele resistiu só até os 98. Datas são sempre estranhas porque ou nos fazem festejar, ou lembrar de muitas coisas, muitas vezes sofrer dependendo do que marcam. Bateu uma saudade imensa do meu caboclinho amazonense, mas também veio, recorrente, acreditem, uma lembrança engraçada. E por motivos óbvios: as tempestades que abateram São Paulo, os carros boiando, e o Datena se esgoelando no Brasil Urgente, das tardes (tenho a impressão que ele fica feliz com esse assunto). Era um programa que papai não perdia, sentadinho na sua poltrona. E em dias de chuva ficava ali vendo, contando, os carros todos de “bubuia”, como ele se expressava, feliz de estar protegido.

Sempre fui encantada pela palavra bubuia, sonora, vibrante, boa de falar e de escrever. No Amazonas, estar de bubuia é estar à mercê das águas, entregue à própria sorte. Como tantos estiveram esses dias e como tantos estarão ano após ano com qualquer chuva mais forte na cidade total e cada vez mais impermeável. Por aqui tudo anda uma loucura. Onde havia um monte de casinhas, vilas, constroem prédios. Nas esquinas, prédios. Onde tinha mato e terra, prédios. Piscou, mais um prédio – parece epidemia, que apaga tudo por onde se instala. Tudo piorado ainda mais com a recém descoberta que muitas construtoras estão pouco se lixando e derramam, vejam só, sobras de cimento nas ruas, que se solidificam bem duras nos bueiros já sem ar de tanto lixo. Ainda tem canalização de córregos feitas ao léu, muros gigantescos represando a passagem – e não só da água, como das pessoas, na nóia da segurança ou mesmo da total falta de fiscalização ou corrupção de suas tentativas. Problemas crônicos que nos farão ainda ver não só muitos carros de bubuia, mas as mortes nas enxurradas.

Tudo indo pra cucuia, mas esta palavra você deve conhecer melhor, faz mais parte do vocabulário nacional e a gente está sempre indo para lá, para cucuia. Bem abrangente. Vivemos indo para a cucuia no que depende especialmente do Poder Público, esse que ainda tenta se explicar com notas evasivas depois que já fomos para esse lugar, a cucuia.

Nunca tinha pensado muito nisso até outro dia, quando um amigo, Alexandre, que hoje vive na Espanha, coach e músico, passava uns dias aqui em casa, e acompanhando o desespero das chuvas fortes me viu falando de tudo que estava de bubuia. Ele ficou fascinado pela palavra, e saiu musicando, balbuciando bubuia, bubuia… Fui fazer uma pesquisa que nunca tinha feito e descobri que há o fascinante verbo bubuiar, com todas as suas possíveis conjugações e tempos.

Contei para ele que logo – imagino – vai aparecer com uma composição nova que até já tentava ao violão, juntando as notas musicais às palavras e conjugações de bubuia, falando de tudo que vai para a cucuia. Não vão faltar argumentos e rimas, não só pelos acontecimentos do mundo, como do Brasil, onde está de passagem tentando entender como pudemos chegar nessas situações tão estranhas, que nos afundam mesmo quando estamos bem longe das águas das chuvas.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Joias e evidências bem reluzentes. Por Marli Gonçalves

As joias são belas, enormes, vistosas, e brilham muito no conjunto esplendoroso repleto de diamantes em penduricalhos combinando com brincos, anel e relógio. Parece avaliado em três milhões de euros, mas especialistas juram que vale muito mais, pela marca, qualidade, outras comparações. Chegaram displicentes, jogadas nas costas, na mochila, de um descuidado aspone que tentava passar assoviando alegremente e deixou até quebrar as pernas do cavalinho dourado que acompanhava o mimo.

JOIAS DIAMANTE

Ainda não estou totalmente convencida se esse aspone sabia exatamente o que portava, tal desleixo. Se tudo era tão bonitinho e certo porque é que não foi o próprio ministro quem trouxe o presentinho em suas coisas? O que mais de bem significativo assim passou pela portinha nesses últimos anos? Lembra tanto a forma das quadrilhas de tráfico internacional de drogas que a gente fica confusa. O muambeiros contratados seguem juntos, mas somente um é denunciado. Enquanto esse coitado se esgoela para se librar do rolo, e os policiais e controladores se aglomeram em volta dele, os outros passam.

De tudo o que a gente já viu ou ouviu esses últimos dias esta é uma das histórias mais mal contadas de nosso tempo, embora com toda a lógica quando se pensa nos envolvidos, desde o país de origem das joias, a Arábia Saudita, o caminho delas até aqui, as outras caixas que agora sabemos passaram, lindas, leves e soltas pela porta, os “mulas”, e para quem se destinariam. Um dos pontos principais é que embora esse imbróglio brilhante milionário já tenha mais de um ano antes de ser descoberto pela imprensa, aquela pessoa que seria – deveria ser, ao menos – sua principal interessada, Michelle Bolsonaro, garante publicamente que nada sabia delas. Vejam só! Confiável ela não é, mas porque diria que não sabia, se isso compromete muito e ainda mais o ex-presidente, o marido que deixou abandonado lá no auto exílio americano passeando de chinelos em supermercados e lojas de departamento baratas? Que alguma coisa esquisita acontece nesse casal, também é óbvio. Fora as rusgas com a familícia completa, os Filhos do Capitão.

Quase todo dia, e creio que outros jornalistas até bem mais atuantes na política também devem receber a mesma pergunta por onde passam, seja no elevador, no supermercado, no meio da rua, quanto encontro alguém – pessoas simples, amigos de outras áreas – a pergunta sempre é se acho que Jair Bolsonaro será preso; quando isso vai acontecer, e qual será sua pena. A experiência faz com que responda que, infelizmente, não sei, mas acrescento que duvido-ó. O mais difícil é explicar essa previsão – depois de saber e enumerar tantos malfeitos, crimes, ordens absurdas e suas consequências mortais cometidas pelo nome que adoraria poder esquecer para sempre. Tento: “É a política nacional que permite, com seus eternos acertos, chavões, acordos, tomaládácá, chantagens, subornos, imoralidade, falta de preparo de quadros, corrupção, impunidade” … E muito mais diria ou listaria se tivesse algumas horas a mais e não precisasse cuidar da vida, e que não está fácil para ninguém.

O caso das joias agora é só mais um detalhe, entre tantos acompanhados ao longo de mais de 45 anos como jornalista, e claro que não estou falando só dessa desgraça mais recente que se abateu sobre nós, mas também dos anos de ditadura, a lenta chegada na democracia que duramente tenta sobreviver a ferro e fogo girando igual bambolê, repetindo suas falhas e lideranças, as respostas não dadas.

Agora nos restará esmiuçar essas reluzentes evidências, que todos os diplomatas garantem ser de valor inimaginável mesmo em troca de agrados entre mandatários. Normalmente são presentes bem mais baratos e representativos da cultura de cada país. Apareceu uma lista que enumera que o serzinho ganhou 618 bonés, 44 relógios, 74 facas, 448 camisas de futebol (e só usava as falsas) e, ironia, 245 máscaras de proteção facial (viriam com seringas de vacina?), entre muitos outros mimos, estes listados em seu acervo pessoal. Justo para onde tentou muitas vezes resgatar a aprendida e chiquetérrima caixinha de veludo, inclusive dois dias antes de sua partida para a Terra do São Nunca, de onde dificilmente sairá tão cedo. 19.470 itens oficiais.

Mas esqueceram dos tantos outros mimos feitos pelos árabes e que ainda saberemos o que agradecem tão efusivamente, e pelo visto durante os quatro anos, inclusive um fuzil e uma pistola, valiosos, com seu nome grafado, que o ex-presidente ganhou diretamente, em 2019, das mãos de um príncipe da família real.

Ele bateu o pé e queria mesmo é o conjunto do colar. Afinal, os diamantes são eternos, não é mesmo?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Mulheres, dias, meses, anos e anos. Por Marli Gonçalves

Nós, mulheres, nos espalhamos cada vez mais em todos os campos da sociedade. Não há o que não possamos fazer e todo dia entendemos e ouvimos que podemos tudo, ser o que quisermos ser, um mantra usado para nos dar força e destacar a ocorrência de algum pioneirismo que por ventura ainda reste sem nós aqui ou ali.

Isso é notícia. De um lado, legal, porque incentiva mais e mais outras mulheres, mas teremos chegado realmente a algum lugar somente quando isso tudo for naturalizado, o que ainda nos parece infelizmente distante e embora tenhamos dado alguns passos bem largos nas últimas décadas. Mas também demos muitos outros passinhos, devagar, devagarinho.  Sempre tem quem ainda ponha um pé na frente para o tropeço; algum grupo reacionário se juntando para perturbar e retroceder.

Já há quase 50 anos acompanho esse assunto e não só por ser mulher, mas mulher, jornalista, feminista e com todas as características do contra para quem ainda não entendeu a história: diferente, solteira e sem filhos por opção, o que ainda, acreditem, causa furor. Que enfrentou desde muito cedo toda a sorte do que ocorre com a mulher brasileira, inclusive o horror da violência doméstica, da qual não é possível esquecer ou até mesmo muitas vezes se recuperar.

Violência esta que em pleno 2023 se apresenta a toda e todos nós com números cada vez mais vergonhosos e crescentes. Parecemos estar todos os dias iniciando e me surpreendo sempre quando ainda listamos as palavras inclusão, igualdade, segurança, respeito, entre as mais mais de um tudo que nós, mulheres, precisamos conquistar para todas.

Essa semana mesmo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou uma pesquisa alarmante, o que já intuíamos ao seguir o noticiário diário. Um terço das mulheres brasileiras já sofreu violência física ou sexual de parceiros. Houve crescimento de todas as formas de violência contra mulher no último ano de 2022 (pior até do que durante a pandemia, que já foi bem punk). Mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência no último ano. São mais de 50 mil vítimas por dia. Ao todo, 28,9% das mulheres, ou 18,6 milhões, sofreram algum tipo de violência ou agressão no último ano, a maior prevalência já verificada na série histórica (desde 2017 a pesquisa se repete de dois em dois anos). A cada segundo uma mulher sofreu assédio aqui no país.

Isso tudo já é péssimo, mas piora quando se sabe que em quase metade dos casos de agressão, 45% – e aí você põe espancamento, chutes, socos, pontapés e outras amarguras – as vítimas não tomaram nenhuma atitude, seja por medo de represália ou por achar que não era algo tão grave. O famoso foi só desta vez, vai passar, ele não é assim todo dia, não vai fazer mais, prometeu e pediu desculpas … Por vergonha ou medo. Ou uma outra coisa qualquer, que não é fácil, gente, principalmente para as que têm filhos, sob ameaça. Filhos, tantos deles, que com o aumento da violência acabam sendo testemunhas da morte da própria mãe, o que certamente os marcará por toda a vida. Agora até vem sendo discutida a liberação de um valor destinado aos órfãos dos feminicídios, tanto se tornaram visíveis. Só no primeiro semestre do ano passado, 699 mulheres foram mortas.  Conte e some outro tanto no segundo semestre que não vai ser muito diferente, e pode até ter piorado.

Estamos em grande perigo. Nessa área aí está tudo piorando, muito e rapidamente, para o lado das mulheres: essas mortes, a violência, assédio, estupros. Grupos misóginos se juntando virtualmente para conspirar e atacar. Alguma coisa está acontecendo, e bem errada, e é bom que se aproveite esse agora tão festejado Dia da Mulher para discutir e resolver isso o quanto antes. Não adiantam só flores e chocolates; o dia 8 de Março é de luta, coisa séria, que o mercado publicitário busca envolver e absorver com suas sugestões de consumo sem dar em troca a divulgação das necessidades urgentes.

Do meu ponto de vista, estamos tratando aqui de comportamento cultural e costumes – daí a necessidade de agirmos rápido para interromper essa realidade. Isso tudo vem sendo construído como uma espécie de oposição, como reação raivosa ao que nós mulheres temos conseguido e onde muitas vezes chegamos e nos mostramos até mais competentes. Aos espaços que abrimos e à liberdade maior que conhecemos, inclusive a sexual.

Que não deixemos passar mais tantos dias meses, anos, minutos. Nem mais um segundo.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – O Brasil está vendo. Será mesmo? Por Marli Gonçalves

Vendo? Ficou sabendo por onde? Ver a gente vê, mas quem tem o poder de mudar? Os anos passam, e nós, jornalistas, passamos, observamos, inclusive digo até que somos atingidos também pelos locais e situações. Quase que antevemos o que acontecerá como se fossemos todos videntes, e nem um pouco otimistas. Mas jornalistas não têm poderes mágicos.

O BRASIL ESTÁ VENDO. sERÁ?

Seremos nós, jornalistas, os culpados, agora, pelas desgraças? Devíamos ter nos acorrentado às encostas, construído barreiras, usado megafones para tirar as pessoas daquelas áreas de risco?

Infelizmente não é de hoje que essa história de dizer que imprensa é Quarto Poder se distancia da realidade. E cada vez mais esse poder e prestígio se esvai, atacado, dividido e esfacelado como vem sendo nos últimos anos. Jornalistas cruel e severamente atacados por passaralhos e fisicamente, moralmente, e até mortos, quando, principalmente isolados por aí, tentam denunciar poderosos no interior desses rincões nacionais. O Brasil está sabendo?

Aliás, que Brasil é esse capaz de atacar jornalistas que tentam cumprir sua missão, coisa jurada para quem escolheu a profissão? Quer dizer, então, como li em vários comentários (tristemente até vindos de outros jornalistas talvez invejosos) que muitos são “culpados” porque frequentam há muito as praias do Litoral Norte, têm casas ali, rodam por aquelas estradas? Acham mesmo que são eles que poderiam ter evitado mais essa tragédia que assistimos? Que revolta sinto em saber do violento ataque sofrido pelos experientes repórteres do Estadão, Renata Cafardo e Tiago Queiroz, que documentavam o estrago também na área e casas dos poderosos de Maresias.

Ah, então não foi o descaso das autoridades, as estradas que derretem, a falta de fiscalização, a corrupção generalizada, a forte especulação imobiliária sem qualquer controle efetivo, todo o descuido com a condição que obrigou e empurrou os mais pobres a praticamente cavarem suas casas nas áreas de proteção, entre outros tantos motivos? Foi culpa dos jornalistas que veraneiam por ali? Ninguém mais via? Nunca foi denunciado? Onde esse povo anda se informando? Só se for nas inundações de fake news, essas que mais do que tudo estão tragicamente afetando nossas relações e comunicações, fazendo desmoronar a confiança na informação séria.

Não me digam que vocês nunca tinham ouvido falar dessa situação geral que só esperava ocasião para eclodir, inclusive como há 55 anos e que destruiu Caraguatatuba. Eu mesma tinha nove anos e nunca esqueci daquelas cenas. Há muito não vou à região, mas houve época em que todo final de semana passava por ali a caminho de Ilhabela e já me espantava com o que ocorria, com as construções atravessando os caminhos e estradas, derrubando tudo. Nos anos 80, pelo Jornal da Tarde, cobri a “pedra fundamental” do que seria hoje a gigante e rica Riviera de São Lourenço, em Bertioga. Lembro bem da estrada que só foi completada para que esse “progresso” chegasse até lá, e em que condições ela atravessava a bela área de cachoeiras. Estrada que mesmo em dias de Sol percorríamos temerosos de suas curvas e condições.

A cada dia há menos imprensa, menos espaço para jornalistas poderem cumprir sua função de forma mais eficiente. Menos proteção a todos nós. Sempre achei engraçado o quanto ouço “Você devia fazer uma reportagem” sobre isso ou aquilo, “Só você pode fazer isso”. Ok.  Agradeço o elogio e a lembrança de que sempre fui boa e corajosa repórter, enfrentei desafios, homens, rebeliões, e até chefias. Legal. Para onde? Quem vai publicar? Me defender judicialmente, se necessário? Lembrem que poderosos sempre tentam amordaçar a verdade. Sem advogados e recursos, assim como muitos de nós, especialmente os que, como eu, experientes sim, mas sem o chão de uma grande redação de tevê ou de um dos poucos grandes jornais que ainda resistem, e onde poderia haver maior repercussão. Sobra até a estes cobrir o depois, a ocorrência, e mesmo assim ainda superficialmente: são muito poucos os jornalistas no front e acabam precisando sempre beber em fontes oficiais.

São tantas as coisas que vemos! Que vejo. Vocês não têm ideia da frustração de daqui de meu cantinho escrever alertando sobre vários temas e, em troca, receber ameaças, xingamentos e acusações de esquerdista, para citar o mínimo.

Tudo está saltando aos olhos: a violência, o resultado do armamento indiscriminado, a ignorância, os conchavos políticos mantendo a ferro e fogo seus lugares, a reação às liberdades que vem sendo conquistadas pelas minorias e até pela maioria, as mulheres. As ameaças de uma geopolítica mundial arbitrária e beligerante. Os jornalistas bem que há muito alertam, depois não os culpem; até porque sobra mesmo é para eles, essas grandes coberturas são muito árduas e desgastantes, já estamos vendo muitos não se conterem e chorarem ao vivo e em cores.

O Brasil, o mundo, está vendo?  Será mesmo? Respeite. A imprensa mostra o que pode. Denuncia. Mas amanhã sempre tem mais, e mais, para correr atrás, e acaba mesmo correndo atrás do que já aconteceu.

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Mil e Uma Noites e Dias. Por Marli Gonçalves

Pois não é que já se passaram mais de mil noites e dias desse pesadelo da pandemia, que agora marca o antes e depois de todas as coisas? Estamos praticamente completando três anos daquele dia terrível em que o mundo praticamente fechou suas portas e nós fomos obrigados a nos confinar. Todos somos Sherazades.

Mil e Uma Noites e Dias. Por Marli Gonçalves

Tudo mudou nessas mais de Mil e Uma Noites e Dias que não juntam, infelizmente, material para obra bonita de histórias poéticas que se desenrolam como fios de um novelo, embora o assunto continue ainda prendendo nossa atenção de alguma forma dias e noites, como no conto persa. Todos nós acabamos sendo como Sherazades buscando manter nossas vidas todas as noites e todos os dias nesse tempo que apenas agora de alguma forma começa a se dissipar. Mas nunca mais seremos iguais a quando tudo começou. Nossas vidas, hábitos e até as manias foram absurdamente transformadas.

Chegou mais um ano e desta vez não houve cepa nova ou fato que cancelasse ou proibisse o Carnaval que novamente ocupa as ruas e avenidas – o último, o grito, as aglomerações, as fantasias e máscaras bonitas ocorreu de 21 a 25 de fevereiro de 2020, quando ouvíamos os ecos de uma doença estranha lá longe, na China. Parecia que o pesadelo jamais se espalharia e que seria apenas dali a imagem tenebrosa das cidades quase fantasmas, isoladas, desertas. Mas logo no dia 26, uma Quarta-feira de Cinzas, pierrôs e colombinas já se preocupavam: o primeiro caso era conhecido no Brasil, e a gente já começava a rever mentalmente tudo o que fez no Carnaval e a temer a contaminação. O terror total, global, foi comunicado pela Organização Mundial da Saúde, OMS, em 11 de março daquele ano, quando a palavra pandemia se tornou clara em todas as suas letras, necessidades e ordens.

A realidade que vivemos nesse tempo foi ainda pior no Brasil, onde no balanço geral somos recordistas de perdas, ao lado dos Estados Unidos. Foram quase 700 mil mortes até hoje, e de acordo com números oficiais, números os quais precisamos desconfiar quando vivemos em meio a negacionistas, problemas políticos, gente burra, atrasos no desenvolvimento e chegada de vacinas. Essas que só foram realidade no país, aplicadas, em 17 de janeiro de 2021, e assim mesmo de forma precária, embora renda ao Governador de então, João Doria, um de seus feitos mais positivos, em associação com o Instituto Butantan, que desenvolveu a CoronaVac.

É preciso situar todas essas datas para avivar a memória, para ajudar o entendimento desse tempo difícil, estranhamente exatos 100 anos depois de outra pandemia ocorrida, século passado, mas desta vez ainda mais desoladora e transformadora, e que marcará várias gerações. Nossos olhos, contudo, não esquecerão, creio, nunca, as cenas dos hospitais, da falta de oxigênio, o pouco caso de autoridades, as covas a céu aberto. Nossa memória não esquecerá tantas vidas perdidas, amigos, familiares, histórias interrompidas.

Todas as relações foram afetadas. Nossos corpos foram afetados, nossa saúde mental abalada e de uma forma que ainda saberemos qual foi essa extensão, embora já a pressentimos. Nos ensinaram como lavar as mãos, formas de higiene. Nos orientaram a usar máscaras que antes estranhávamos ver como rotina em alguns países. O home office, trabalho em casa, foi estabelecido e agora há várias empresas que precisam até ameaçar para que seus funcionários voltem aos seus postos de trabalho, sob risco de demissão.

No mundo online nacional, onde muitos ainda não têm qualquer acesso ao mundo digital, equipamentos, nem mesmo ao sinal da internet, houve baques profundos na Educação. A economia mundial abalada, e nesse tempo soma-se uma guerra que diziam breve, mais tragédias ambientais, a fúria da natureza fazendo queimar, chover, tremer, e também matar de montes, como na pandemia.

A Ciência, aqui tão desprezada, pelo menos, retomou um lugar de importância e o desenvolvimento de imunizantes mais eficazes nos ajuda agora a começar a, enfim, tirar a fantasia de Sherazades, trocá-las por outras neste reencontro – justamente e simbolicamente novamente no Carnaval.

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ARTIGO – Qual é a sua palavra preferida? Por Marli Gonçalves

Você tem uma palavra da língua portuguesa que goste de pronunciar, que goste muito dela e da qual se lembre sempre? Ela muda toda hora? Essa é uma pergunta feita aos entrevistados do Programa do Fábio Porchat, e que toda vez que penso vem uma diferente na cabeça. Depende do dia, da época e até do humor

PALAVRA

Com o que tenho vivido e visto ao meu redor, infelizmente nos últimos tempos as que se aproximam são, sim, belas em forma, som, pronúncia, mas terríveis em sentido. Exemplos? Perfídia. Fugidio. Traição. Outras que prefiro nem registrar.  O que me faz, contudo, dar graças por saber e sentir que outras palavras – muito mais significativas, belas e alegres e gentis – também estão sempre circulando ao meu redor, prontas, esperando apenas dias melhores para serem citadas ou recordadas como preferidas.

Meu conhecido otimismo, humor, alegria vêm sendo seriamente posto à prova por vários motivos, entre eles, claro, os fatos locais, gerais, nacionais e internacionais que certamente devem estar aborrecendo e entristecendo muito você aí também. Não bastasse, cada um de nós tem seus perrengues. E perrengue é palavra sonora com seus dobrados erres que conseguem até atenuar um pouco a tal dificuldade, aperto, sufoco, uma vez que abarca tudo rapidamente. Falou em perrengue está tudo ali, até uma possível rápida solução do mesmo. É diferente de falar problema, que em geral é mais duro e complexo.

Com a sorte e bênção de ser uma geminiana, e se você não sabe dessas coisas, vou contar: uma das características do signo é ser rápido nas mudanças de humor, de rotas. O que muitos pensam ou até acusam ser dubiedade; mas não é. É um poder, importantíssimo, com o qual aprendemos a lidar durante a vida, e que nos ajuda a sobreviver em intempéries, que acabam sendo como as chuvas de verão. Fortes e passageiras, claro, tempestades que sempre voltam, muitas nos pegando de surpresa, mas que seguem o curso, revezando-se com o bom tempo. Não dá pra ficar remoendo: abre-se e fecha-se o guarda-chuvas. Não se guarda rancor, raiva, não se fica remoendo o que já está feito ou visto e sentido. Não quer dizer que isso ou aquilo será esquecido, mas vai para uma gaveta qualquer da memória, essa danada que depois a abre e um dia a recorda. Assim vamos indo.

Ser dessa forma evita, por exemplo, que fiquemos doentes, deprimidos ou tristes por muito tempo com tanta sacanagem, descaso, desconsideração, essas e tantas outras palavras que convivem com nosso dia a dia na lida com pessoas ou fatos. Nos dá a dimensão de que fugidio pode ser apenas o tempo, e ele o é; pérfidos são os que buscam nos abater e não conseguem porque sobrepomos a eles nossa lealdade e sinceridade, imbatíveis e fortalecedores de nossos atos; traidores são os que, ao nos atingir, recebem de volta o sono bem perturbado.

Como é bom movimentar as palavras. Com elas construir nossos sentimentos, observar as coisas, nomeá-las. Vivo delas, e as uso como tijolos para construir histórias, textos, declarações. É quando elas saem do pensamento, ganham vida e forma no papel onde, então, passam a viver, ali expressas. As que ocorrem ao pensar são voláteis, se dão ao luxo de serem trocadas ao bel prazer.

Mas se tem uma coisa que sempre penso sobre elas, palavras, frases ou mesmo nomes é quando vejo muitos decidirem as que mandam tatuar em seus corpos, e cada vez mais em terrenos inéditos, de cima para baixo, na vertical, horizontal, fontes diversas. Coragem de fazer e coragem que muitos têm para olhar no espelho e seguir, com essa mesma ou outras como, creio, primeiro, recados para si, depois para os que mirarem sua pele. Não se arrependem nunca? Nunca vão querer trocar as citações, raspá-las ou encobri-las?

Fora cicatrizes, que não pude escolher não ter, nunca pensei em ter uma tatuagem no corpo, o que ultimamente chega até a ser raridade. Se o fizesse, até talvez um desenho, mas não uma ou mais palavras. Como disse, gosto mais do caráter transitório de cada uma delas levando comunicação ao mundo. Sei bem o quanto perdem sentido muito rapidamente. Especialmente quando são tão massacradas, como democracia, fé, paz, respeito, liberdade. E até amor.

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ARTIGO – Dias quentes do Verão de 23. Por Marli Gonçalves

Dias quentes, fervidos, ferventes, fervorosos, agitados. Precisamos justamente de um refresco; por favor, como conseguir? Ainda irão demorar nessa toada de justificativas, enganos, verdades, mentiras, idas e vindas. Agora até um robô entrou na parada: duvido que ele saiba das coisas que fizemos os verões passados

O bafo quente do verão que entra pela janela precede tempestades que a tudo alagam e a gente assiste, dia após dia, o terror de agitados rodos jogando a água para fora de casas e locais esquecidos. Córregos que transbordam sugando carros, casas, vidas. O choro doído das perdas de vidas inteiras de trabalho, esforços e prestações. Sabemos de árvores malcuidadas e constantemente cheias de lixo em suas raízes que despencam nos fins de tarde às dezenas, desverdejando ainda mais as paisagens já pobres das grandes cidades. A repetição é cruel, e tudo é muito próximo, real. Administrações municipais e estaduais se explicam através de notas, promessas, investigações das quais nunca mais teremos notícia e que devem se acumular empilhadas em algum arquivo por aí. Tudo vira rodapé de página, notícia de canto, cara brava de apresentador de tevê com comentário ácido. Quem se importa?

Os olhos se voltam, sim, para as tragédias. Lá longe, passam os corpos frágeis e desmilinguidos, mostrando até os ossos dos yanomamis dizimados por fome, pela contaminação dos garimpos, pela desatenção. E não só com essa etnia, mas com muitas outras que vão se apresentando, e não é hoje. A desgraça dos guaranis, as invasões de terras, o suicídio de seus jovens, o alcoolismo que abate. As meninas grávidas, a malária, o isolamento. Tudo se mistura na passagem do tempo sem alegria, inseguro, dominado.

Os povos originários, as minorias, todos agora ganharam ministérios das questões, encabeçados por aplaudidas personalidades, que sempre foi mais fácil criar cargos, conselhos, espaços e reuniões, muitas, do que objetivamente resolvê-las. Na linguagem atual, os corpos – indígenas, negros, trans, mulheres e mais – ocupam o poder – simbolicamente, mas poderemos ter soluções que se apressem?

Muito falatório e agora, depois da balbúrdia de 8 de janeiro, mais ainda na busca de punição aos responsáveis, seres esquisitos que nas manhãs ainda estamos vendo sendo conduzidos em camburões para se explicarem, como se isso fosse possível. Os maiorais entram e saem pela porta da frente, e continuam por aí disseminando, formando grupos da discórdia, e aparecem as conspirações e atrapalhadas tentativas de golpe, que chamam a atenção para o perigo que vivemos e que tanto pressentimos nos últimos anos. Aliás, muito admira que a palavra golpe ainda não tenha sido ungida a algum patamar, tantos são os que nascem, não só na política. Na vida digital, nos aplicativos amorosos, nos descalabros financeiros que atingem milhões de pessoas, bilhões de reais, nos roubam sossego. Nos roubam o precioso tempo.

O novo governo chegou, já faz mais de mês. Até tenta consertar malfeitos antigos, mas eles não param de surgir, exigir medidas, recursos, e para tudo é necessário negociar com as mesmas enferrujadas e divididas estruturas de sempre, legislatura após legislatura. O sistema. Não bastasse, o novo que não é novo, recomeça com seus velhos discursos, diz e se contradiz, muitas vezes na imposição de uma outra história, a tal da narrativa, a mais manipulada das palavras quando se refere à política.

Verão, veremos algum tempo bom, alguma moda divertida, ou seremos ainda encharcados não de suor, mas de lágrimas de mais perdas impactantes de forma que não sabemos nem bem como explicar, como a de Glória Maria?

Será que precisaremos perguntar como nos refrescar a esse novo monstro, o ChatGPT, que vem sendo cantado em verso e prosa, inteligência artificial, e que se grife continuamente isso: artificial?

Ok. Tentei, mas ele está doidinho da Silva e tem tanta gente – fora me perguntar umas cinco vezes se sou “humana” – fazendo isso no mundo, com alguma solicitação, que não consegui. Entrei numa fila. Fica, então, para uma próxima. Embora seja paulistana, detesto filas, qualquer fila, e muito menos essa agora onde nem ao menos vou ter com quem conversar para me distrair.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Fevereiro ferve. Por Marli Gonçalves

Olha aí. Já chegou. Fevereiro. Quando a gente olha adiante já sente até o seu calor, e não é só do verão, que tentamos a todo custo retomar e reviver depois desses anos de pandemia, perdas e horrores. Vai ter forçação de barra, sim, para que o Carnaval se sobreponha, que a alegria se espalhe, e por aí vai. Eis o temor.

FEVEREIRO - CARNAVAL

O Carnaval de 1919 após o fim da pandemia no começo do século passado entrou para a História. Era a praga da gripe espanhola que estudiosos calculam ter matado cerca de 35 mil pessoas no Brasil (e 50 milhões no mundo inteiro). Era, como hoje, um clima de fim do mundo, porque, claro, ainda havia dúvidas: acabou mesmo? Ainda podemos morrer?

A história e as farsas, bem sabem, se repetem. A Covid, desde 2020, e em números oficiais, matou até agora – só aqui – quase 700 mil pessoas, cerca de 15 milhões no mundo, onde nos inserimos tão fortemente logo nessa hora, maldita globalização! E não parou ainda não. A média de mortes nos últimos sete dias anteriores a agora quando escrevo foi de 131 mortes/dia, no Brasil. Chamam isso de estabilidade. Tudo bem, tudo bom, que a situação parece mais controlada, embora ainda haja a burra resistência de alguns milhões à vacina, incerteza sobre novas cepas e sua capacidade de transmissão.

Mas vamos para a festa, porque precisamos dela. Não só por conta da doença mais “estável” (vejam bem, estável), mas porque merecemos alegria – temos vivido meses bastante intranquilos, e em âmbito nacional e internacional, seja pela política,  pela(s) guerra(s), pelas visíveis alterações climáticas e desequilíbrio da natureza, pelas incertezas econômicas, que problemas não faltaram. E especialmente porque estamos como náufragos saindo desses tempos com nossa saúde mental alterada, com os nossos corpos alterados, assim como muitos costumes. Todos fomos de alguma forma marcados a ferro e fogo por esse período. E o Carnaval de 2023 deve passar à História, falta saber como, se será legal, positivo. Ou…

A guerra continua. As cada vez mais fortes e estranhas transformações ambientais também. Fora, por aqui, as estranhas e esquisitas manifestações golpistas, uma turma envolvida no verde e amarelo que acredita só no que quer, parecendo ter sido juntada por disparates, sem ver um palmo à frente. Ainda incapazes de perceber que quem não é “deles” pode mesmo não ser do “outro”, esse lado que tanto odeiam, e muitos nem sabem explicar por causa do quê. Incapazes de reconhecer qualquer realidade, nem mesmo a dos índios que vemos sucumbir diante de nossos olhos em imagens ao vivo, mas que juram ainda serem mentira, feitas em outros países. E, vejam, há muitos dessa turma sendo caçados diariamente pela Polícia Federal depois da invasão em Brasília no dia 8 de janeiro, e o que vem servindo para atrasar ainda mais o expediente da volta à alguma normalidade.

Por outro lado, há de se registrar, a bem da verdade, que o “outro”, o novo Governo, que embora novo já seja também nosso velho conhecido, está ainda encalacrado demais, patinando e escorregando nesse primeiro mês, perdendo desnecessárias batalhas de comunicação, com umas bocas que falam mais do que a língua alcança,  infinidade de decretos e muitas ideias de jerico, que não vão dar em nada, mas causam ruídos e maremotos consideráveis.  Repetindo erros, velhas cantilenas, simulando revanches ao mesmo tempo que mantém aqui e ali as mesmas discutíveis alianças e métodos de outrora.

No Carnaval – que aliás já começa a se mostrar que, convenhamos, só quatro dias é pouco, tem de começar antes – esqueceremos tudo, aí todo mundo se juntará, pelo menos espero, e que seja em paz.

Fevereiro tem muito a acontecer, além da festa para Iemanjá, o verdadeiro Dia dos Namorados, tem até Dia do Comediante. Dia 28 é o Dia da Ressaca, sabia?

Ali já começaremos a sentir até os marcos de março. É pau, é pedra.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Não chamem mais o seu nome. Por Marli Gonçalves

Passamos mais de quatro insuportáveis anos ouvindo todos os dias o tal nome falar alguma bobagem, fazer uma grosseria, atacar a inteligência, a Ciência, minorias, o que viu pela frente. Ouvindo o nome ser dito, denunciado, e nada ser feito. Chega. Não façam mais propaganda dessa marca. Estamos fazendo o jogo dele, que é manter o nome no ar, que se torna irrespirável a cada lembrança do tempo que destruiu, dividiu, atrasou, perturbou e arrasou a nação.

Ele vai tentar aprontar muito ainda. Não tem limites. Nunca teve, lembrem. O jogo é claro, e tudo o que está acontecendo parece exatamente na medida do que o tal nome pretende: continuar no Brasil sem estar no Brasil de corpo presente. Sendo citado, mesmo que atrelado ao pior, que é mesmo o que pensa e como age e manipula. Ele não tem escrúpulos, e isso é visível até mesmo entre os seus eleitores, ou apoiadores, digo, citando apenas aqueles que ainda merecem de nós algum respeito. Pessoas que existem e precisam ser respeitadas pela opinião; não são aqueles vândalos golpistas uniformizados de verde e amarelo que tentaram destruir a democracia a porrada, porretes, babas, nem foram acampar em quartéis. Apenas votaram e perderam a eleição, apostando no tal nome, em quem de alguma forma acreditavam, ou apenas não queriam o principal adversário. Devemos contar com eles para preservar a democracia. Nem sempre ela estará atrelada apenas a dois lados, como tão tristemente vem acontecendo há algum tempo. Haveremos de conquistar novamente a diversidade também nesse ponto.

Em comunicação isso é muito claro, repetição é marcante – alguém por favor alerte o atual presidente dia e noite sobre isso. O tal nome não quer sair do ar, e está provocando e conseguindo isso de uma forma inequívoca nesses primeiros dias de autoexílio, mais conhecido como fuga, nos Estados Unidos, onde até já montou um cercadinho no berço de uma terra onde a extrema direita tem a sua cara, seu jeitão. De lá, o tal nome comanda as suas turbas, se fazendo de inocente, comendo com as mãos alguma coisa gordurosa nas lanchonetes das esquinas. Cria as notícias. É claro que o tal nome está por detrás dos malfeitos e precisará ser punido, mas talvez a cilada seja citá-lo também em cada coisa que se tenta arrumar, melhorar, reorganizar. Frases nas quais nem precisa citar o tal nome – todo mundo já sabe de cor e salteado quem foi o anterior, o malfeitor.

Uma pesquisa rápida aqui – 45 segundos – feita no Google, apenas juntando o nome dele e o de Lula, trouxe 720 milhões de citações. Muita coisa para quem precisa não só ser esquecido, mas quando lembrado que o seja nas páginas mais tristes da história política nacional. E que está conseguindo um fantástico marketing ao ser citado em todos os discursos. O que acirra ânimos da sua turba, mobilizada principalmente nas redes sociais e no anonimato de perfis barulhentos que manipulam os algoritmos. Mesmo que lembrado negativamente, isso vira exatamente música para os ouvidos deles tocando a mesma cantilena que os mantém nesses tempos tenebrosos de veneração e defesa.

Ele sabe disso. A ponto de – planejadamente –  não deixar nem que o respiro que o país deu aliviado assistindo à posse, troca de comandos, alegria no ar, não passasse de uma semana, tudo substituído por um sem fim de problemas e espaços ocupados, ao fim e ao cabo pelo seu nome, ao invés de por avanços ou notícias diferentes. No noticiário, os espaços não se alargam – e o nome dele continua lá, todos os santos dias, e em todas as seções – ele se espalha ocupando todas as áreas.

Não digam, não chamem mais o seu nome, não o repitam a cada passo. Ou melhor, chamem-no somente pelo nome que lhe convém chamar – forma, adjetivo,  xingamento ou piada – e jeito especial certamente achado por cada um de nós que acompanhou o seu desgoverno, ficou doente, perdeu alguém amado por conta de seus atrasos e ignorância, e ainda viu muita gente ser perigosamente armada, esperou todos esses anos para vê-lo indo embora e para isso até votou no outro lado mesmo que de forma crítica.

A variedade é enorme. Todos saberão exatamente de quem estaremos falando.

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marli gonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Os novos e esquisitos terroristas. Por Marli Gonçalves

Os novos terroristas brasileiros deste século, ainda bem que se filmam e fotografam, porque se a gente contasse sem estas imagens seria difícil acreditar, até parece piada. Seria cômico se não fosse trágico. Mas a vontade de rir deles acaba com a visão da destruição que promoveram em Brasília no fatídico 8 de janeiro deste novo ano. Idosos, gordinhos, feios, classe média, aposentados, maioria branca, deselegantes, uniformizados com bandeiras nacionais que improvisam como decoração e adereços, lenços, cangas, capinhas de super-heróis prestes a levantar voo

DONA FÁTIMA - TERRORISTA
NOVOS TERRORISTAS DO SÉCULO – Essa é Dona Fátima

Vovó que quebrou tudo em Brasília tem antecedentes - Extra Classe
NOVOS TERRORISTAS DO SÉCULO – Essa é Dona Fátima, em ação, orgulhosa dos estragos que fez

O olhar alucinado, a impressão até que uma baba escorre de suas bocas, uma ignorância sem limites, o traço comum entre as centenas de “terroristas”, como foram imediatamente taxados, e que invadiram e depredaram tudo o que encontraram pela frente na Praça dos Três Poderes. Alegres, sem qualquer compromisso a não ser o grave ataque em massa às instituições do poder e democráticas, buscavam – em um passeio turístico até a Capital Federal – um Golpe de Estado, como fica cada vez mais claro com o andar das investigações. Com organização, financiamento e comando de cabeças que esperamos nos sejam entregues imediatamente, foram gestados em “células” – outra piada, porque as tais células eram em grande maioria ao ar livre em acampamentos diante de quartéis, com comida, sombra e água fresca. Será que tinham roupa lavada também? Inclusive, com ajuda de custo.

Com tudo isso tão ao descoberto, durante meses antes e após a eleição presidencial, outra boa pergunta é como se deixou que essa situação se mantivesse. Anote aí, são vários detalhes que precisamos saber as respostas.

Ao contrário dos terroristas da luta armada atuando na clandestinidade contra a ditadura militar, em geral jovens idealistas, intelectuais, alguns estudiosos e já respeitados em suas áreas de atuação, os atuais, de acordo com a relação oficial dos presos, são na maioria pessoas que ouviram o passarinho cantar alguma coisa no ar, desinformados por suas próprias redes de mentiras, reunindo donas de casa, senhoras e senhores moralistas capazes de levar criancinhas vestidinhas de verde e amarelo como escudo, como se fossem a um passeio dominical. Crianças, aliás, com as quais deveremos ter cuidado com o passar dos anos. Quando crescerem podem ser inimigas ou, no mínimo, precisarem de apoio psicológico após se verem em fotos acompanhando os avós nesse dia de terror.

Ao invés de rifles, muitas bengalas; máscaras? – as comuns contra a Covid, que muitos ainda acreditam ser mito, antivacinas que demonstram ser. Claro, há exceções. Muitos foram ao “passeio” municiados com máscaras antibombas, estacas, estilingues, facas e outras, digamos, ferramentas. Coisas turísticas, não? –  De quem viaja horas em ônibus vindo de várias cidades, inclusive sem pagar a passagem, ainda ganhando algum, no meio de outros tantos iguais entoando o Hino Nacional.

GOLPISTAS TERROISTAS QUE ATCARAM BRASILIA
Fotos de alguns “terroristas” identificados – Estadão

A vergonhosa e inesquecível cena do grupo sendo escoltado por policiais não sai da cabeça. Assim como a surpreendente cena do dia seguinte, com a desmobilização dos acampamentos e a alegre e organizada entrada de todos nas dezenas de ônibus rumo à prisão, mas que achavam que estavam indo, inocentes, lalalalá, de volta para suas casas, e protegidos pelo Exército que tanto conclamaram. Não é por menos que os bolsonaristas radicais foram apelidados de minions.

Estou convencida, no entanto, que muitas dessas pessoas não são totalmente do mal. Acharam um grupo social para chamar de seu, uma ocupação para suas vidas, talvez solitárias, igual àqueles passeios organizados que levam pra lá e para cá em vans. Fizeram amigos, turminhas, e como crianças juntas seguindo o mais diabinho acharam divertido quebrar tudo, fazer arruaças que nunca devem ter feito. Se esbaldaram. Comportamento de manada é o nome. Desgarrados. A tal boiada do ministro em ação na realidade. Boi não conhece arte, limites, monumentos. Levanta poeira. Se atiram em precipícios. Foi o caso, e agora haverão de ser repreendidos severamente. Que não fiquem só sem a sobremesa.TERRORISTAS - NOVOS TIPOS ATACAM BRASILIA

Este dia que já passou tristemente para a História nacional ainda vai muito longe em sua repercussão e investigações, como acompanhamos boquiabertos que havia claramente em curso – surgem documentos – uma tentativa de Golpe de Estado envolvendo alguns importantes agentes públicos e ex-dirigentes nacionais. A massa dessa manobra eram os minions. Esses novos terroristas munidos de celulares, com os quais pedem ajuda a Ets, usam e abusam de aplicativos de mensagens em grupo, e que acabaram criando provas contundentes contra si mesmos, em detalhes, adiantando o serviço dos policiais. Muitos, ao serem identificados, puxaram suas próprias “capivaras” – muitos condenados, procurados, corruptos. Uma ficou famosa, Dona Fátima, de Santa Catarina, já condenada por tráfico de drogas com envolvimento de menores. Liberada em caráter humanitário por ser idosa, foi ativa no quebra-quebra e nas ameaças gravadas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, do prédio que adorou ajudar a destruir e onde falou aos quatro cantos ter defecado.

Só mais uma observação: contei quase uma centena de fervorosas notas de repúdio aos atos golpistas, vindos de tudo quanto é tipo de entidades, instituições, sindicatos, grupos, etceteras, algumas até surpreendentes. De tão vazias. Me fizeram lembrar uma obra de arte que vi em uma galeria, um enorme mural construído com muitas notas destas, produzidas e sem respostas, ao longo dos quatro longos anos de ações e falas do governo – esse mesmo, o anterior, que construiu e propiciou que chegássemos ao que vimos.

E isso tudo, convenhamos, não tem a menor graça.

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MARLI -MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Se uma mulher incomoda muita gente… Por Marli Gonçalves

Uma mulher incomoda muita gente. Muitas, incomodarão muito mais. Impressionante como vem sendo grosseira e até às vezes muito boba a razão e forma dos ataques, comentários e críticas feitas à Janja logo nesses primeiros dias de governo Lula.  Só isso já deixa bem claro o quanto nós mulheres estamos ainda distantes de nossa participação ativa ser avaliada normalmente, sem paixões, sem ciúmes, sem clima de fofoquinha de salões de beleza. Que, inclusive, todas sejamos respeitadas por outras todas – somos a maioria desta nação.

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Momento político tenso. Novas perspectivas. Posse de um líder político e de um partido que renasce para um terceiro mandato anos depois, após período de prisão e baixa total. Consegue reunir uma admirável frente mais ampla de apoio, vencendo uma tumultuada eleição, ameaças de crises e golpes. Forma uma equipe de ministros que pela primeira vez reúne um número recorde – embora ainda minoritário – de mulheres. Ele próprio surge rejuvenescido, e a grande novidade é a companhia de sua nova, mais jovem e bastante ativa esposa, Janja, Rosângela Lula da Silva, 56 anos, socióloga, ativista. E feminista, que bom!

Uma posse histórica, com imagens importantes e simbólicas. E o que ainda nós ouvimos de ecos? O bafafá ao redor da roupa que Janja usou, pela primeira vez ao contrário de um vestido, um elaborado conjunto com pantalonas, com detalhes em bordados manuais e tingimentos naturais, roupa sobre a qual já ouvi de um tudo. Para que entendam do que estou falando, também até vou dar minha “opinião”, que a gente repara mesmo em tudo, mas não é esse o problema: adorei o rabinho do paletó, adoro rabinhos; detestei o bege, porque detesto bege. Pronto? Ah, Teve Lu Alckmin também, outra criticada, mas que vergava um elegante e mais do que clássico vestido branco, midi, pouco abaixo dos joelhos. Chega? Vamos amadurecer?

O que quero dizer é que qualquer coisa que falassem ou vestissem, especialmente a Janja, seria criticada. Qualquer movimento seu passa a ser alvo, e já de forma desmedida, alimentado pela imprensa, inclusive. Porque ela já deixou claro que vai, sim, ter voz, governar ao lado do marido, ter papel de destaque, opinião, e, embora, claro, já maravilhada pelo poder imediato tenha falado bobagens, citado a Evita, essas coisas, não ficará em segundo plano, invisível. Foi quem organizou a posse, que teve até a cadela Resistência, ao lado de representações de toda a sociedade, pobres, mulheres, negros e negras, crianças, deficientes, índios, lgbtqia+, todos participando da colocação da faixa presidencial (depois que o fujão foi pra Disney) e subida da rampa. Os ataques foram severos, e a vida de todos esses representantes foi escarafunchada pela direita raivosa que ainda não admitiu a sua derrota. E mais outros, gente rabugenta, até mulheres que não conseguem ver ninguém se dar bem. Admitam que foi uma sacada de gênia, e a imagem rendeu capas de jornais do mundo inteiro.

Ela, Janja, desde que apareceu ao lado de Lula, mostrou de forma evidente  sua personalidade forte e que não é igual à nenhuma de algumas das primeiras-damas recentes que conhecemos, em geral relegadas, ou como invisíveis, ou como recatadas e do lar, ou submissas religiosas que só apareciam em péssimas situações pontuais. No pós-ditadura, apenas Ruth Cardoso, intelectual brilhante, esposa de Fernando Henrique Cardoso, se destacou nesse posto. Mas era, digamos, discreta, como essa sociedade absurdamente machista ainda acha que todas as mulheres devem ser. Acabou, minha gente. Acordem.

Se tudo isso vai dar problema será outro ponto, e aposto que sim, já que visivelmente Janja conseguiu em pouco tempo reunir desafetos, inclusive no próprio grupo político. Aguardemos os próximos capítulos.

Neste Brasil absolutamente confuso, dividido, desorientado e desordenado que emergiu dos últimos anos levaremos ainda muito tempo para sanar o que vem saindo desse criadouro maluco. Qualquer assunto hoje racha, divide, polemiza, vira tititi no qual se perdem dias em discussões nas redes sociais e grupos de amigos. Vide o espaço ganho pela chefe do cerimonial que organizava com   rigor e elegância o desenrolar da posse, e o seu vestido de bolinhas. O vestido de bolinhas é que foi o destaque; não o seu trabalho.

Temos muito o que fazer e nós, mulheres, temos um papel fundamental nessas mudanças. Todos vão ouvir muito falar de nós, mulheres, de nós todas, e das ministras e das providências que precisarão urgentemente ser tomadas para acabar com os graves problemas nacionais e que nos afetam diretamente. Vamos ter de lutar por leis, pela igualdade, pelo fim da violência e feminicídios, por condições de saúde, educação, saneamento, habitação, meio ambiente, pelo respeito às novas formações familiares, e a nós mesmas.

Estejamos com cocar, minissaias, chinelos ou salto alto, por favor, vamos falar sério, enfrentar juntas, porque haverá sempre muita reação, assim como houve quando nos Anos 70 começamos a nos mobilizar nessa luta, e parece ainda hoje que estamos no começo, mais de meio século depois. Sei bem o que é isso.

Respeitem as minas!

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MARLI - MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, feminista, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Fênix, o que todos nós somos. Por Marli Gonçalves

Tenho pensado – e, mais do que pensado, a tenho mesmo evocado – na fênix, essa bela ave mitológica cheia de mistérios, de penas vermelhas e outras de vários tons, douradas a sua longa e bela cauda e garras. Símbolo da vida, da morte, e dos inúmeros ciclos pelos quais sobrevoamos. Representa a esperança, e especialmente o fato de que é necessário dar a volta por cima nas situações adversas, e renascer. Nem que seja das próprias cinzas.

Conta-se que as lágrimas da fênix podem curar qualquer doença, ao contrário das nossas que às vezes apenas vertem sem parar, e já nem sabemos porque tão incontroláveis, se escoam para algum rio mágico que carrega nossas mágoas, os desconsolos. Cantada em verso e prosa desde a Antiguidade, desenhada pelos artistas mais requintados, imaginada com toda a sua mágica, a fênix traz em si o sonho da imortalidade, mas também as mudanças que passamos no decorrer dos anos. Nos lembra a vida marcada por queimaduras, os momentos que morremos internamente, e dali, assim como ela, saímos. Nós mesmos saímos daquele ninho em combustão. Ninguém mais. Todos somos fênix.

Ainda era muito menina quando soube dela, a vi em ilustrações e histórias dos livros de fábulas e mitos que acabaram por me ensinar muito da vida, e me encantei. Aliás, sempre me encantei por seres mitológicos, as sereias, as ninfas, Pégaso, os centauros, e até com as malvadas hidras e suas cabeças que renascem assim que cortadas. Gosto de pensar que há um mundo mágico onde as coisas funcionam diferente deste, terreno, trágico.

Tentei até contar quantas vezes até hoje eu mesma abriguei em mim uma fênix. Mas perdi a conta; foram muitas. Mesmo. Perdas, rompimentos, travessias, desilusões, cortes, saúde, amores, para em seguida ressurgir, mesmo que trazendo em minhas penas as marcas, até cicatrizes. Igual a ela, há o momento que paramos o canto feliz e entendemos a melodia triste que antecede o fogaréu.  Como disse, as fábulas muito me ensinaram, de fé, dos fatos, da vida, dos humanos, da moral da história. Das raposas, do coelho, da tartaruga, da coruja, dos sapos, do jacaré; da meninice da garota do leite às atitudes da gente simples capaz de carregar um cavalo nas costas.

Portanto, nada melhor do que a imagem da fênix para uma reflexão de fim de ano, de futuro, de ciclos, especialmente não só desse que estou particularmente passando, mas do que todos nós, enfim, estamos passando, finalizando, enfrentando adversidades nunca vividas, como a pandemia, morte de ídolos que considerávamos realmente imortais, tais os feitos, as marcas e o sucesso de suas vidas, reis e rainhas, com ou sem trono.

Falo ainda do ciclo tenebroso que se fecha com o fim do governo infernal, assombroso e cinzento que termina junto com este ano, deixando, inclusive, atrás de si, cinzas e muita destruição, ódio e divisões.  E governo esse que curiosamente será sucedido por uma fênix – um líder político renascendo de sua própria destruição e que precisará contar com esse aprendizado e com as forças do Universo para se recompor completamente e virar reconstrução, renascimento e a esperança de toda uma nação.

2023 chegando, e ao pensar numa mensagem positiva, me ocorreu apenas esta: que todos consigamos seguir como o fazem as fênix. Nesse eterno recomeçar, dando a volta por cima, voltando sempre a cantar bonito e a voar para o horizonte, lá onde o Sol nasce e morre todos os dias.

Feliz Ano Novo! Que, calorosos, sigamos juntos e misturados, em busca de nos eternizar, na fantasia e na realidade.

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MARLI - FÊNIX

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Não resisti a mais imagens:

ARTIGO – Carlos Brickmann. Por Marli Gonçalves

Carlos Brickmann: Ensinou muitos. Deu a mão a outros tantos, solidário. Confiou e empurrou para a frente jovens talentos que sabia reconhecer – muitos destes alçaram voos seguros para a fama, essa senhora egoísta a qual ele mesmo, Carlinhos, como era chamado esse desajeitado de mais de cem quilos, quase dois metros de altura, nunca deu bola…

carlos brickmann
Carlinhos, com nossa gata Mel

ARTIGO, A CONVITE DA DIREÇÃO,  PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S.PAULO, 
OPINIÃO, PÁG. A3, EDIÇÃO DE 23 DE DEZEMBO DE 2022

O legado de alguém é o que fica registrado. Temos sorte em preservar os escritos do jornalista Carlos Brickmann, que partiu dia 17, aos 78 anos, 59 de profissão. No Grupo Folha, onde chegou aos 19 anos, foi e voltou três vezes, e em todos os principais veículos de comunicação do país, jornais, revistas, tevês, rádios, sites. Seu Frias, Octavio Frias de Oliveira, sempre foi referência usual sua. Autodidata, leitor voraz, cuidadoso com a verdade, visão pluralista, bom amigo, colegas que há dias enchem as redes sociais de histórias deliciosas sobre esse convívio. As mãos suadas que secava nas laudas, a capacidade de escrever enquanto o mundo caía ao seu lado e sem olhar para o teclado. Textos enxutos, precisos, vocabulário impecável. Dono de um humor politicamente incorreto, onde se incluía como gordo, feio, judeu e o que mais pudesse, e que nunca vimos – por ser puro – nenhuma mulher, negro, deficiente ou gay se doer. Ao contrário, risadas eram sempre ouvidas, dos próprios.

Ensinou muitos. Deu a mão a outros tantos, solidário. Confiou e empurrou para a frente jovens talentos que sabia reconhecer – muitos destes alçaram voos seguros para a fama, essa senhora egoísta a qual ele mesmo, Carlinhos, como era chamado esse desajeitado de mais de cem quilos, quase dois metros de altura, nunca deu bola. Mauricio de Sousa, com quem trabalhou na Folha da Tarde deu ao simpático elefante de suas histórias que começavam a fazer sucesso o seu nome do meio: Ernani.

Carlinhos gostava disso. Era pura memória, aliás, de elefante mesmo, como se diz. Pura história. Aliás, fatos incontáveis, vividos por ele, e os da História mesmo, geral. Seu conhecimento era acima do normal dos fatos nacionais e internacionais. Da política desta nação que vive em círculos, de momentos históricos, das guerras, em particular da Segunda Grande Guerra, que levou seu povo ao extermínio do Holocausto. Tinha horror a guerras e armas. Mas, guerreiro, defendia sua gente onde e como pudesse, chamando para o debate, que sempre ganharia com Inteligência aguçada e argumentos imbatíveis, qualquer um que destratasse de alguma forma o povo judeu, fosse quem fosse. Judeu engraçado esse que não seguia nenhum rito, adorava uma boa costelinha, um torresminho.

Um grande cidadão em todos os sentidos. Além do jornalismo, sua trincheira. Corintiano roxo, democrata, adepto da liberdade de imprensa acima de tudo, contra a censura, contra ditadores de qualquer bandeira. Cutucou poderosos, enfrentou generais na ditadura, buscou justiça pelo primo Chael Schreier, assassinado torturado, despistou policiais e protegeu perseguidos políticos. Foi ainda um dos primeiros homens a desmistificar a adoção de crianças, agindo como divulgador da ação e anjo de muitas delas, que acompanhou à distância ver crescerem. Seus dois filhos são adotados. Amava os gatos que mantinha em casa e no escritório. Relaxava fazendo cosquinhas neles.

Amigo há 45 anos, com quem tive o prazer de trabalhar e aprender por 30, fico feliz em contar mais dele. Meu Natal ficou menos triste.

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Carlos Brickmann - CarlinhosMarli Gonçalves, 64, jornalista. Sócia e diretora do Chumbo Gordo (www.chumbogordo.com.br), o espaço livre para o pensamento e conhecimento, por ele idealizado.

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( 7 de outubro de 1944 – 17 de dezembro de 2022):

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carlos brickmann
Com nossa gata Mel

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Farofa, Formiga, Medos. Por Marli Gonçalves

Sou boa na farofa, me garanto. Aliás, minhas comidinhas são bem boas – inclusive sempre foram – bem temperadas, tudo muito natural. Quem provou, aprova. O segredo é curtir gostoso o momento da mistura, a criatividade dos envolvidos. O momento da entrada de cada um, remexidos.

Sexy Cooking GIFs | Tenor

Nossa, como ouvimos falar de farofa essa semana! Eram os ecos de uma festa lá no Ceará e que ainda não entendo bem se é festa, se é festival, se é só zoeira, e que zoeira! Se é jogada de marketing, vitrine digital, uma animada, rica e safada festinha de aniversário. Ou, sei lá, se é tendência sair juntando tudo quanto é influencer e jogá-los juntos para ver se procriam com tantos hormônios e apelos sexuais. É like pra lá, like pra cá, like beija coraçãozinho, coraçãoozinho faz live contando detalhes, mesmo os que rolaram no tal quarto escuro, que essa moçada só descobriu agora. Mas que o dessa farofa aí deve ter sido bem decorado, e sem cheiros, preciso lembrar que grudam, sempre terríveis. Imagino seguranças à porta tentando conter o uso dos celulares, agora parte do corpo dessa geração. Cabeça, corpo, membros, celular.

Sobre a dona da festa, Gessica Kayane Rocha de Vasconcelos, que por motivos óbvios se encarnou como Gkay, até agora não consegui chegar a qualquer conclusão definitiva. Uma parte de mim se impressiona com ela e a sua capacidade de aparecer; a outra não gosta do humor, da voz, do tom, não conheço todos os apitos que toca.

Enfim lembrei muito da farofa, esta, da Gkay, que competiu – e ganhou quilômetros de espaços – até contra jogos da Copa, formação de novo governo, e a minha. A minha memorável farofa, nunca igual a outra; nem conseguiria.

Demorei muito tempo para me habilitar na culinária. Minha mãe, que nasceu e teve infância lá na cidade de Formiga, em Minas Gerais, então uma cidade de roça, pequenina, diferente do que me parece hoje, já acoplada à região metropolitana de Belo Horizonte, me afastava de qualquer tentativa. Pois bem, na sua infância lá na década de 30 do século passado, uma amiga foi brincar perto do fogão a lenha, a panela fervente caiu sobre ela e aí vocês já imaginam a sequência que a traumatizou durante toda a vida, como outros tantos traumas que a levaram, assim que pode, bem pra longe dali para nunca mais querer voltar. Dessa forma, passei pelo menos mais de 40 anos de minha vida com mamãe cercando mais o fogão do que o nosso goleiro cercou a rede. Com mamãe não sairíamos da Copa. Era marcação cerrada.

Isso só mudou quando ela começou a ficar doente, um pouco mais dependente e, pasmem, começou a adorar as coisas que eu fazia. Esses anos distantes do fogão não foram em vão: aprendia. A observava. E uma coisa acabamos tendo em comum. Nada de receita, vamos fazendo o que o coração manda, com o que tem por perto, tudo cortado na hora. Meu irmão odeia que eu diga isso: mas também não tenho o costume de provar antes. Gosto desse jogo arriscado (tá bom, ok, errei poucas vezes, servi um chabu, mas tudo bem porque, como acabamos de ver e tomar na cabeça, nem sempre a vitória é garantida).

Fora tudo isso, o duplo sentido usado aqui e ali, no fundo agora escrevo sobre o medo, esse sentir que nos estilhaça e muitas vezes detém por muito tempo. A farofa-festa mostrou, ao contrário, uma diversidade e até sem-vergonhice de encher os olhos, seja como for, o que dá esperança que essa geração que chega seja ainda mais ousada do que nós que abrimos a clareira.

Quanto à minha farofa… como disse, tem mais. As minhas comidinhas sempre foram muito boas. Pelo menos teve muitos que gostaram. Talvez ainda gostem. Vamos em frente.

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MARLI - FLORESMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Retrospectivas e retroescavadeiras. Por Marli Gonçalves

Final de ano e elas, as famosas retrospectivas, já começam a pipocar, tenebrosas, tenebrosinhas, especialmente se lembrarmos o que passamos nos últimos quatro anos, somando o desgoverno, a pandemia, seus efeitos, as dúvidas que permanecem sobre o que vem aí, como vai ser

Hindsight Bias: Why You Make Terrible Life Choices - Nir Eyal

O sininho que toca é a música com os artistas saracoteando nos intervalos da programação. “Hoje é um novo dia” …Nas ruas, desta vez meio confuso até na 25 de Março e dividindo espaço com a Copa, o Natal tenta se infiltrar, misturando em pinceladas o seu vermelho com o verde e amarelo igual teve de ser nas eleições. Já não são mais muitas as luzinhas chinesas piscando nas janelas e que enfeitavam a cidade, as varandas e jardins, trocadas por bandeiras. Aqui perto de casa, a rua chique está enfeitada com uns parcos anjos com rabinhos em forma de sereia, até singelos perto das decorações que já vi. Uns carregam pacotes; outros, corações. Parecem tímidos, meio apagados. Econômicos, como sói ser nesses tempos bicudos.

Até o Papai Noel dos shoppings agora é mais magro, contido, rendido ao mundo digital e politicamente correto, sem crianças no colo. Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago, as graciosas renas, andam postas de lado, talvez até para não criarem mais polêmicas, a marca desses tempos, em que tudo é muito discutido, embolado, cancelado. Chato.

Não demora, ela vem, não tem jeito: ao lado do especial do Rei, a chamada para a retrospectiva jornalística, desconjuro! Mais perdas, mortes, acidentes e acontecimentos funestos a serem recordados em takes bem escolhidos, o que nos faz tentar ficar bem longe porque a memória recente é viva. Mas as quimeras todas, essas, as pessoais, as nossas retrospectivas particulares, começam a se apresentar. Nos cobramos por tudo, começamos a prometer fazer tudo diferente no ano que vai entrar, tentando planejar as coisas como se isso fosse possível.

Com elas, o medo, a lista de sonhos abandonados, e também chega o otimismo e crença que daqui pra a frente tudo vai ser diferente, “você vai aprender a ser gente, seu orgulho não vale nada, nada!” …

Ok, sei que retrospectiva é só do ano que se despede, mas no caso nacional ele soma os últimos, suas consequências, as quais infelizmente ainda sentiremos queimando na pele nos próximos tempos. Como vai ser?

E as retroescavadeiras? – você pode estar se perguntando. Apenas um registro. Aqui em São Paulo elas estão vorazes e barulhentas em todos os locais, bairros, esquinas. Derrubam o passado sem dó, com poucas tacadas, dando lugar a stands de venda tão luxuosos que a gente acha até que são eles os próprios imóveis que estarão no lugar. Impressionante. Não dá para ficar uma semana sem passar em um local – quando volta, a sua memória, sua retrospectiva, o que viveu ou viu ali, simplesmente sumiu, do dia para a noite, não precisou nem passar o ano. Meu medo é essa surdina. Essa transformação acelerada, sem eira nem beira.

Mas vamos que vamos. O show não pode parar. “…Bom é ser feliz e mais nada…”

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Dia Mundial de Luta contra a Aids. Celebração no Largo do Arouche. Veja agenda

Dia Mundial de Luta contra a Aids será celebrado no Largo do Arouche

Sábado, 03/12, a partir das 12h, no Largo do Arouche

01/12 é celebrado o Dia Mundial de Combate à Aids

mais dias - aids

 Em comemoração ao Dia Mundial de Luta contra a Aids (01/12), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania realizará a “5ª Edição da Caminhada da Aids”, que neste ano tem como tema “Diga Não ao Preconceito! I = I”, uma realização da Coordenação de Políticas para LGBTI em conjunto com o organizador da 2ª edição da campanha “+ Dias, – Aids, + Liberdade”, o produtor cultural e ativista Heitor Werneck e Sandra Tiemi Yokota.

O evento contará com a participação do especialista em saúde LGBTI+, Dr. Vinícius Lacerda, artistas e performances ligadas à comunidade LGBTI+, apresentações culturais com ciganos, indígenas e pessoas com deficiência, além de organizações e movimentos de saúde, direitos humanos e cidadania que irão oferecer, por meio de duas Unidades Móveis de Cidadania LGBTI, serviços gratuitos ao público como orientações sobre o tema e insumos de prevenção.

O objetivo do evento é debater o preconceito e a discriminação que ainda hoje envolvem o tema e principalmente sobre o Indetectável = Intransmissível, orientando a população para a prevenção, combinada e outros temas, como PEP e PrEP, e também para a adesão ao tratamento do HIV.

Durante todo o evento serão distribuídos kits com preservativos, informativos sobre prevenção e tratamento além de um gibi da Turma da Mônica: Amiguinhos da Vida, que conta com personagens, Igor e Vitória, que têm o vírus da imunodeficiência humana (HIV).

A ação também conta com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde, da Cruz Vermelha e do Instituto BARONG.  

Serviço:

“5ª Caminhada da AIDS” e 2ª Campanha “Mais Dias, Menos Aids, Mais Liberdade”

03/12, 12h às 19h, Largo do Arouche, gratuito

fonte: assessoria / Heitor Werneck

ARTIGO – Recordações, referências e revisões. Por Marli Gonçalves

Recordações despertadas por gatilhos. São lances de memória que explodem junto com os fatos e as coisas do presente, esse momento que logo vira passado, tão efêmero que é. O passado é assentado em algum lugar da memória, volta em golfadas. O futuro, ah, este é sempre o daqui a pouco.

Deve haver alguma gaveta, caixinha, miolo, não é possível que não seja assim, onde guardamos algumas lembranças, as especiais, que ficam arrumadinhas lá dentro até que algo acontece no caminho da vida, vira a chave e a abre, de lá retirando e nos fazendo reviver vividamente o outrora, seja bom, muito bom ou ruim, muito ruim. Esse gatilho chega com tamanha intensidade que é incontrolável. E só seu.

Aí está a questão que me incomoda não é de hoje. De alguma forma estas lembranças estavam guardadas também com outra pessoa ou pessoas que as viveram ou presenciaram. Deveríamos poder sempre consultá-las quando vêm à margem, de forma que pudéssemos checar se na tal gaveta onde guardadas estavam se modificaram, perderam ou ganharam sentido. Daí necessitar de referência.

Estou perdendo todas as minhas referências, e esse vazio – com o passar dos anos – causa uma profunda angústia. Muitas dessas pessoas partiram, e levaram com elas a possibilidade de comprovação de muitas coisas que eu contaria, por exemplo, em uma autobiografia que um dia talvez ousasse escrever. Chego a ter um pouco de inveja de quem tem mais amigos das décadas de vida. Tenho muito poucos e os mantenho como se fossem joias, mesmo que distantes. Triste que em cada uma das décadas que vivi alguns dos principais coadjuvantes foram levados. Várias formas. Muitos, nas epidemias, de Aids; agora nesta que vivemos de forma tão dolorosa nos últimos três anos. E agora? Quem vai me ajudar a recuperar com mais precisão as aventuras de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos atrás?

Já os amores, alguns desses foram levados pelo vento, ainda nem lembro bem porque ficaram pelo caminho, por melhores que tenham sido no seu tempo. Os terríveis, e os vivi, sou eu mesma que tento assassinar de novo a cada lembrança nas vezes que chegam para a revisão. Alguns, muito bons, estão por aí ainda, mas não posso acioná-los, embora até devesse, por considerar que jamais deveriam ser esquecidos por nenhum dos lados como a mim parecem agora estar sendo – tal a intensidade, forma e o tempo de sua duração.

Tudo isso para dizer que também, igual você talvez, andamos perdendo muitos outros tipos de referências, Gal Costa, Erasmo Carlos, para citar algumas, e as suas mortes funcionaram como as tais chaves que guardavam as gavetas que se escancaram ao ouvir as melodias e letras que embalaram nossa existência em várias fases da vida. Elas escavam o passado sem qualquer controle possível.

Me vi esses dias com pouco mais de nove anos de idade, nas areias da praia de José Menino, em Santos, percebendo quando ocorreu o meu primeiro amor, e o quanto foi platônico. Lembrei o nome! Ivo. Vejam só. Era o namoradinho de uma amiga minha, mas desta não recordo de jeito nenhum como se chamava. Adivinhem, claro, qual música – aparecendo na biografia de Erasmo – despertou e resgatou esse sentimento com todas as sensações daquele tempo tão longínquo e esquecido até essa semana.

Não sei se já contei, também, que passei minha infância ali na Rua Augusta, que era o caminho dos ídolos da Jovem Guarda e todos seus amigos a caminho da então gloriosa TV Record. Quando podia, esperava na porta do prédio que eles passassem em seus carrões. Absolutamente apaixonada pelo Ronnie Von, “Meu bem” (Hey Girl), fazia questão de manter os cabelos lisos e compridos, com uma franja que jogava igual a ele quando cantava, alguns devem recordar exatamente esse movimento; era o príncipe dos sonhos naquele momento. Até há bem pouco tempo, inclusive, ainda me sentia intimidada quando – já bem crescida- o encontrava pela cidade.

Vejam só como eram belos e perenes os ídolos de outros tempos, e o que explica a comoção causada com as suas partidas. E como é grande o medo de continuar perdendo os meus próprios registros pelo olhar de outros. A torcida continua. Aquela. Vocês sabem qual.

https://youtu.be/_SpOyKv02rg

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MARLI GONÇALVES – Foi lindo respirar o ar da torcida pelo Brasil, a primeira vez em anos que pareceu todos torcerem em uma só direção, sem divisões. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Torcida. Por Marli Gonçalves

Torcida. Por isso. Por aquilo. A gente vive torcendo, uma loucura, nem que seja pra chegar ao fim do mês com as conta pagas. Pelo time, país, melhorias de vida, por amor. Torcida é difícil de ser medida, a não ser quando visível ou em movimento em estádios, nas ruas, nas redes. Mas quase nada é tão dilacerante e solitário quanto a torcida pela recuperação de um amigo ou ente querido.

One Person Standing Out From The Crowd Stock Photo, Picture And Royalty Free Image. Image 14095454.

Vai ter torcida sim, claro, que o Brasil tem tradição e dias de Copa do Mundo costumam ser especiais, divertidos, diferentes, seja aqui ou lá no Oriente. É só começar, a bola entrar em campo, o primeiro gol. Lembra? O país é repleto de conhecedores, palpiteiros, críticos e técnicos de futebol. A Seleção entra em campo, o Hino Nacional vai ser entoado e aqui e lá estaremos nós, audiência alta, mão no peito, errando a letra, comentando o cabelo e as tatuagens dos jogadores, esperando refrões à capela dos que estarão presentes. Por alguns dias serão esquecidas as pendengas eleitorais, e até o enjoado sequestro do verde e amarelo nos atos antidemocráticos. Basta um golzinho. Um golzinho só.

Também ali não teremos, no fundo, exatamente como interferir. No dia, no calor, no humor dos jogadores, condições físicas, no time adversário, nas sacanagens, faltas, decisões dos juízes, escalações, VAR.  Se vai ter protesto, quem vai ser notícia se desrespeitar as rígidas leis e mandos da cultura local. O pacote completo entra em campo e minuto a minuto dos 90 regulamentares será o olhar a movimentação no campo. O time todo representará o país, juntando corintianos, flamenguistas, palmeirenses, vascaínos, são-paulinos, atleticanos, etc.  – trocam as bandeiras por uma só. O barulho da torcida será a motivação, o empurrão, e assim vamos até onde der.

Mas cada um de nós tem uma torcida paralela, além do futebol.  Um “tomara”. Algo que almeja, preocupa, pede aos céus. Algumas dependem de esforços nesse sentido, trabalho. Poucas, contudo, dependem tanto de fé quanto quando um ente querido cai doente, internado, dependendo de cuidados, eficiência de medicamentos, reação do organismo, controle de órgãos vitais. Dependem de Ciência, médicos e equipes, e enfim e ao cabo dos desígnios de Deus. Ou, do que seja lá de qualquer fé se professe.

Não é a primeira vez que me vejo nessa torcida por alguém fundamental em minha vida. Aconteceu com minha mãe, com meu pai, com o drama vivido no passado por alguns melhores amigos. Décadas de vida já me deram algumas vezes essa experiência difícil e  me fizeram entender o quanto somos nadas,  frágeis e incapazes nesse momento, para tudo o que apelamos, queimando velas, orando, enviando energias e pensamentos positivos que se renovam e se esgotam revezando no baile dos dias, das horas e minutos, em que cada vitória é comemorada mais do que gol; cada derrota, um pênalti perdido ali na boca do gol, e a gente xinga bactérias malditas de tudo o quanto é nome. A seleção em campo nessa luta trocada a cada plantão.

Seguir firme, ansiando e esperando informações que não chegam – e comemorando isto por conta da velha lógica de que notícia ruim chega logo, chega antes. Toda uma vida passa diante dos olhos nessa torcida que, embora individual, se soma de forma muito bela, emotiva e carinhosa a todos os outros amigos que estejam onde estiverem –  e são muitos – preocupados, querendo fazer algo, buscar o inatingível, emanar solidariedade, diariamente buscando a conquista da taça mais importante do mundo nesse momento: a alegria da volta do jogador ao campo de batalha onde os seus feitos e histórias marcaram ou modificaram profunda e particularmente a vida de cada um de nós, e que esteve ao nosso lado sempre que precisamos.

Todos, juntos, viramos Maracanãs repletos. Ou, melhor, no caso específico, um Itaquerão, torcendo por um de seus mais fiéis corintianos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Bola, bolinhas, verde, amarelo e o vermelho. Por Marli Gonçalves

Olha a bola batendo em nossas canelas, e o complexo esforço para que o país todo faça as pazes com o aviltado verde e amarelo e comece a torcer pela Seleção, digamos numa só direção. Chega a ser até engraçado esse visível movimento todo, especialmente da propaganda e marketing, no sentido de sensibilizar e tentar virar a chave das pendengas eleitorais que ainda se prolongam em inacreditáveis cenas de delírio ufanista.

bola

Bandeira branca, amor! Vai ser difícil, mas não impossível, embora muito em cima da hora, e depois de muito tempo correndo solto o sequestro da bandeira nacional nos embates políticos dos últimos tempos, e do verde e amarelo ligado ao pior ufanismo, nacionalismo e ranço antidemocrático. A Copa do Mundo está aí, a bolinha que agora é toda colorida vai rolar no campo e dependendo do resultado dos primeiros jogos é capaz até de emocionar corações e mentes crentes no tal hexa, uma estrelinha (ironia simbólica) a mais sendo pregada nas coisas.

Vai ter de este ano, já que a Copa pela primeira vez chega praticamente junto com o Natal e suas bugigangas, competir com o vermelho (outra ironia do destino) que normalmente marca essa época.  A propaganda já está enlouquecida com isso, batendo cabeça, digamos dando tratos à bola. Primeiro quer que a gente torça.  Depois que compremos peru, presentes, demos atenção ao Papai Noel, suas renas e tudo o mais. Querem que consumamos pelos dois eventos, de cores mais uma vez opostas.

Alguns disfarçam. A Ivete Sangalo tem aparecido vendendo linguiça para comer durante os jogos. Vestida predominantemente de azul, com pinceladas de amarelo. Mas está massiva a publicidade de carros, bancos, tudo quanto é coisa que precisa  se atrelar ao  povo e ao futebol, implorando para que o país volte a torcer pela tal seleção canarinho, use as caríssimas camisetas oficiais x ou y, faça as pazes entre si e com os símbolos nacionais, consuma. E não pareça ser bolsominion, ou identificado como um, principalmente desses que ainda andam por aí falando e fazendo bobagens.

O problema é que a eleição terminou, mas as maluquices não. Persistem. Parece que só pioram, numa espécie de surto coletivo da extrema direita incentivando a criação de problemas para a posse e o novo governo eleito. Diariamente, ainda, damos de cara com notícias e  centenas de imagens de  pequenos grupos espalhados inconformados rezando em transe, ajoelhados diante de muros dos quartéis, fazendo discursos odiosos e inflamados repletos de fake news, evocando ditadura, intervenção militar, alguns até em acampamentos – sempre instigados e financiados pelos péssimos exemplos do desgoverno que se vai e esvai,  deixando lamentáveis lembranças e lambanças. E bodes como esse, da coitada da bandeira e do verde e amarelo. Já tivemos isso no passado, um tal Brasil, Ame-o ou Deixe-o de tristíssima memória, e que tinha até musiquinha reacionária à moda dos atuais sertanejos.

Para completar, a Copa será realizada distante, num lugar caro, inacessível para uma maioria, e cheio de não pode isso, não pode aquilo, de tirar tesão de qualquer torcida do mundo. As famílias, os amigos, os grupos ainda estão abalados com tantas brigas e pela terrível divisão imposta entre as duas forças políticas que se enfrentaram, e o que pode abalar os churrascos, os encontros, as animadas torcidas nos bares. E como ultimamente o Brasil tem sido para os fortes some-se a isso o claro, visível e preocupante aumento dos casos de Covid. A volta dos aconselhamentos de distanciamento social, de  uso de máscaras e o temor de que essa nova cepa seja mais perigosa e ainda sem cobertura vacinal que a abarque por aqui, em mais um final de ato melancólico da temporada de Queiroga & Cia no Ministério da Saúde, que já levou embora 700 mil brasileiros, isso contando os números oficiais.

A bola de futebol antes branca e preta agora é toda colorida, cheia de marca, mas sem arco-íris para o país do Oriente Médio que não gosta nada dessas coisas. O impasse está aí.

A proposta? Vamos voltar ao clássico branco e preto. O futuro vice-presidente Geraldo Alckmin já até inovou outro dia deixando à mostra suas meias soquetes pretas, de bolinhas brancas. Um sucesso.

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MARLI GONÇALVES – Viva o democrático branco e preto. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Sonhos, quatro linhas e transição. Por Marli Gonçalves

Acordei esgotada de passar a noite inteira sonhando que estava arrumando malas e sei lá para onde é que era para ir. Vocês já tiveram sonhos desses, de noite inteira, de sonhar contínuo? Acordar, voltar a dormir e continuar com o mesmo sonho, quase um delírio?

SONHOS
 AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

Pois foi isso que me deixou encucada. Primeiro porque é bem difícil eu lembrar com o que sonhei; segundo, porque inacreditavelmente lembro de ter praticamente arrumado e repassado o meu armário inteiro – e isso é muito. Ou seja, tudo o que tenho passou na minha mente, guardados de décadas, outras para lembrar dias e emoções – sim, a roupa que estava em um dia ou outro importante, amoroso, quase um museu particular. Coisas para doar, cores, casacos, calcinhas rotas até. Eu ia separando e arrumando tudo num movimento sem fim. Não foi por menos que acordei cansada.

Aí me toquei: ressaca eleitoral, só pode ser. Fiquei muito traumatizada com uma pequena saída que dei dia 2 de novembro, no feriado, dois depois do término das eleições. Andei dois quarteirões até o supermercado e vi um monte de gente muito esquisita lá dentro e perambulando pela rua iguais aos viciados da Cracolândia. Zumbis. Não estavam enrolados em cobertas de lã, mas com a bandeira nacional, a coitada vilipendiada. Traziam pela mãos criancinhas, que depois vi também serem usadas como escudos nos bloqueios das estradas.

Já não estava com bom humor, admito, depois de ter passado a noite anterior inteira tentando dormir ouvindo estouros de rojões, muitos, centenas, um atrás do outro, som que vinha ali dos arredores do Parque Ibirapuera, de onde moro há uns três quilômetros de distância. A noite inteira. Se foi inferno para mim, imagino o que assustou a fauna do parque.  Pensei que tipo de comemoração seria aquela, até pela manhã saber que havia uma reunião desses zumbis pedindo intervenção militar, negando o resultado eleitoral, marchando e entoando palavras estranhas diante do quartel – o mesmo onde dezenas de pessoas foram presas e torturadas e mortas durante a ditadura militar. As bombas vinham de lá. Creio que eles tinham comprado para comemorar a eleição do coisinho e como ele dançou foram usar para gastar e perturbar. Mas devia ser um caminhão, um caminhão de pólvora. Quanta comida daria para ser comprada. Mas eles quiseram fazer barulho, perturbar, sentirem-se fazendo guerra.

Fiquei mal mesmo, de verdade. Doente, de cama. Depois acompanhando os movimentos pela tevê, os bloqueios e a violência, só piorei. E a pergunta que faço há meses continua. De onde saiu essa gente? Vocês devem ter visto nas redes os compilados e gravações desses movimentos em todo o país juntando grupinhos de alucinados quase se auto chicoteando, se imolando, alguns de joelhos rezando e gritando, outros marchando para lá e para cá irradiando ódio. Todos de verde e amarelo batendo no peito como se fossem só eles os patriotas. Um movimento claramente incentivado e organizado dias antes das eleições.

Porque natural, ah, natural não era! Natural mesmo foi o mar de gente tomando a Avenida Paulista cantando e dançando feliz durante toda a noite depois do resultado oficial, sofrido, mas vitorioso para quem não aguentava mais esses quatro anos de ataques e retrocessos.  Também moro perto, há um quilômetro, do MASP, na Avenida Paulista e daqui de casa ouvi a repercussão da festa. Depois, na madruga, dava pra escutar até o show da Daniela Mercury, de quem não gosto nada, mas achei até legal ficar ouvindo daqui da janela. Combinou com a festa toda. Natural também já tinha sido no sábado, e este movimento eu presenciei, dia anterior ao segundo turno, a mesma Paulista ocupada por milhares e milhares de pessoas de todos os tipos acompanhando o último evento da campanha de Lula e da Frente Democrática. Todos sorriam, se cumprimentavam, cantavam, num clima realmente de confraternização. Uma diferença enorme.

Começamos então a ouvir falar da transição de governo e agora entendi meu sonho desta noite. Simbolicamente estava arrumando minhas malas para esse novo tempo. Bem sei, nem vem! Não é que muita coisa vá mudar mesmo, estou acostumada com a política, e já dei muita risada com o Centrão imediatamente abandonando a barca e tentando subir nesse outro governo.

Mas outras cores – todas, na verdade, o arco-íris – chegam e podem ser usadas. Sem medo de ser feliz, sem o ódio e a ignorância que se incutiu nas mentes de forma tão deplorável e ignorante como o fez o tal bolsonarismo.

Ufa! No meu sonho, então, me preparava para outra viagem: a de novamente continuar a ser oposição, como já disse, a tudo o que for ruim, esse o papel da imprensa. Conheço bem os perigos dos tais ídolos de barro.

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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SONHOS

AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

SONHOS
AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

ARTIGO – No que é que você aposta? Por Marli Gonçalves

No que você aposta? A gente passa a vida apostando em algo, pode até ser com a gente mesmo, com o tal íntimo. Entre uma coisa e outra. Um caminho ou outro. Em alguém. Se vai conseguir ou não. Ganhar ou perder, eis a emocionante questão.

Administracion educativa: Proceso administrativo- Dirección

Não é por menos que nos últimos tempos têm proliferado, inclusive por aqui- e já era mania no exterior – esses sites e aplicativos de apostas, que ainda não consegui ter certeza se são bancos, se são sérios, se logo saberemos seus intentos. Por enquanto, ao menos que eu saiba, ainda só na área de futebol, mas não vai demorar muito para oficializarem apostas como esta que estamos fazendo agora em nosso futuro, quem vai levar o Brasil. Tudo virando um imenso sim ou não. Roleta russa, quase. Muita coisa em jogo.

O problema, e grande possibilidade, é que acabemos nos tornando completamente viciados nessas divisões, no país fragmentado de agora, aconteça o que acontecer. Já pensaram se a moda pega? Tudo dá aposta. Vermelho ou verde e amarelo? Já não é mais final de novela, ficção, o “quem matou Odete Roitman”? Tem reality pra dar e vender, e a cada dia sendo criadas novas formas de influenciar resultados.

Não vai demorar para que cheguem aqui as tais milionárias bolsas de apostas, aliás que por aí já devem estar bombando para a Copa do Mundo. Detalhada, não só para quem vai ganhar ou não. Quantas vezes Neymar vai cair em campo gritando e se contorcendo todo a qualquer esbarrão? O mais novo escândalo da FIFA (ou CBF)?  Alemanha? Argentina? Brasil? A Copa no Catar, com todas as idiossincrasias da região, vai dar certo? Mil possibilidades de apostas.

Fico imaginando também o número de apostas que vêm sendo feitas nos cantinhos, esquinas e mesas de bar sobre esse segundo turno presidencial, e acho até que não é por menos que a disseminação de fake news e tentativas de intimidação estão bombando, recordes. Obviamente que ninguém quer perder. E se for aposta a dinheiro, e quase todas as emocionantes o são, então, aí a coisa vai mais longe. Imaginem esses seres que apostaram milhões (contribuições eleitorais não deixam de ser apostas) nos candidatos, especialmente nesse aí que adoraria nos infernizar por mais quatro anos. Se ganharem, quem apostou espera ganhar muito – inclusive dentro do governo e se fazendo lembrar logo na hora seguinte. Ou acaso vocês pensam que essa loucura que vivemos é apenas ideológica? Aposte que não.

Apostar vicia. Perdendo, aposta-se até ganhar. Ganhando, se testa até onde vai a sorte. O Brasil tem amplo potencial apostador. Apostamos há décadas que um dia o país vai tomar jeito! Imagine se não. Aliás, aposta aqui é truco certo.

Conheço quem tenha muitas vitórias e acertos, mas eu nunca fui premiada em nada, pelo menos que me lembre. Ainda acho estranho passar na frente das lotéricas e ver aquelas filas enormes principalmente em dias que o prêmio acumulou. Gente que muitas vezes deixa de comer para apostar. A parte mais legal é quando essas pessoas são entrevistadas e começam a listar o que vão fazer com o prêmio. Ali, todo mundo é bonzinho e vai ajudar a família, os amigos. Deus tá vendo! Sonhar é bom, apostar nem tanto. “Não trabalha não pra ver”, cansei de ouvir de meu pai. Mais jovem, ele gostava de apostar em jogos de cartas. Um dia parou, completamente, creio que deve ter perdido ali algo pesado. Nunca soube o que houve. Mas deve ter sido sério.

Em geral apostas podem não ser nada saudáveis, inclusive para as famílias – muitas veem tudo ser perdido do dia para a noite em bancas. Melhor mesmo ficar só com as apostas bobinhas, que não fazem mal a ninguém, muito menos a nós mesmos. Melhor desafiar-se a si mesmo.

Pensando bem, nesse momento, e a esta altura do jogo, jamais apostaria de verdade em um ou outro, embora, claro, tenho minha preferência.  Acredito que não peguei esse hábito – pelo menos não a dinheiro, e menos ainda com outras pessoas – por causa da ansiedade que me abala muito, sempre, até que algo se decida.  Detesto perder. Já gostei muito mais de torcer pela vitória de uma coisa ou outra, mas na maturidade, e dependendo do tema, já vivi bastante para saber exatamente que nada – muito menos a política – vale a pena sofrimento, aposta radical, sacrifício, queimar meus lindos dedinhos no fogo.

E você, anda apostando muito? Par ou ímpar? #EleSim ou #EleNão? Vai ou racha?

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Oposição ao que é ruim, seja de que lado for. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Eu não quero falar de…Por Marli Gonçalves

Eu não quero falar de como me senti depois do resultado geral desse primeiro turno eleitoral. Bem não queria. Dessa ressaca que não passa, e olha que eu não bebo, mas do quanto saí do prumo se é que tinha algum, mesmo sem estar entre os que acreditaram em situação resolvida de pronto. Não quero falar de quanto estou preocupada com o claro retrocesso que incrivelmente acelera e ameaça o país. Eu não quero falar, mas é impossível calar, também inclusive não criticar a forma que a oposição se comunica, errante

eu não quero falar

Eu não quero falar de política, mas nesse momento a política entra por todos os poros e canais e agora novamente com o horário eleitoral e as perturbadoras pílulas espalhadas na programação e para onde se olhe. Eu já não quero saber o que andam fazendo, falando, com quem se encontram, por onde passam, mas é impossível. Como não reagir ao contínuo sequestro do verde e amarelo, às aproveitadoras camisetas da seleção vestidas por pessoas que até então julgávamos razoáveis? Ao noticiário que traz à tona mortais brigas eleitorais entre amigos, nas casas, nos bares, nas esquinas, do nada. Como não se sentir mal vendo a negação descarada do que vivemos, do que perdemos, de quantos perdemos, do construído plano descarado e perigoso de virar a direção à extrema direita?

Eu não quero falar de como estamos desprotegidos e tudo virou uma imensa Casa da Mãe Joana quando não são punidos imediatamente – mas punidos mesmo, de verdade, não de mentirinha com passeios até as delegacias e logo liberados com cara lavada – os empresários que ameaçam seus funcionários de desemprego se não votarem nos candidatos deles, ou os que oferecem dinheiro em troca de votos. Não é fake news, essas denúncias vêm acompanhadas de batom nas cuecas, vídeos, fotos, depoimentos, vítimas.

Nem quero, por falar nisso, versar sobre a quantidade de fake news que estão cruzando os céus do país vindas das duas infelizes direções em que nos metemos, no jogo sujo, divididos palmo a palmo, com mentiras sobre tudo, como se não houvessem tantas verdades tão suficientes a serem usadas, colecionadas durante os últimos anos, dia após dia.

Nem quero lembrar da ingenuidade perdida e enterrada no trabalho de anos lidando com campanhas, com marketing político e seus temas afins, que aprendi e sei bem capaz de tudo. Mas não há como evitar ver a linha ética trespassada para borrar a realidade. Os apoios, as traições, as manipulações maquiadas dos bonzinhos e ruinzinhos, e, enfim, a revelação da cara daqueles que vieram construindo seus podres poderes nas sombras, pelos cantinhos.

Ah, como gostaria de não falar da vontade que dá de sacudir fortemente candidatos de oposição que não mudam o cansativo discurso de sempre. Aqueles que repetem incansavelmente as palavras que poucos entendem, “professoralmente” discursam insistentes sobre temas macro quando o que há é fome, dificuldades reais, economia desequilibrada, preços extorsivos, e do outro lado alguém prometendo facilitar mundos e fundos justamente para esse dia a dia.

Eu não quero falar, mas não posso me resignar quanto à tristeza que dá ver mulheres ali sorrindo do lado de quem as inferioriza, destrata e ameaça, e que assim continuará vencendo ou não, porque alçado a um inexplicável papel de líder. Ver a imprensa atacada e acuada tentando informar com suas parcas atuais condições de luta, e dentro dela jornalistas que um dia foram respeitados jogarem suas histórias no lixo da História.

Eu não quero falar, adoraria poder nem pensar, mas por responsabilidade jurada profissionalmente não posso me isentar e deixar de observar a gravidade da atual situação que quebra ao meio todo um país que continua agindo como se tudo fosse torcida de um imenso jogo de futebol onde há dois times grandes se enfrentando.

E ainda vai ter Copa.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Primaveras que vivemos para ver. Por Marli Gonçalves

Primaveras que damos graças em estar aqui para ver em meio a tantas perdas, tristezas e apreensões – e essas não são só eleitorais, são de uma infinidade que a memória guarda e que se aviva a cada acontecimento presenciado, e eles se sobrepõem com assustadora rapidez. Alguns para o bem, mas muitos para uma acelerada piora.

PRIMAVERAS

Flores para que te quero. Clamemos pela primavera, a estação que chega precisa às 22h04 do próximo dia 22 de setembro. Também chamamos primaveras quando se consolida uma luta, quando muitas pessoas se unem em torno de mudanças, de alguma conquista, lembra? Primavera Árabe ficou bastante conhecida. Uma estação que renova, ou pelo menos tenta, nossas esperanças, o ar fica mais respirável, e até os animais mudam seu comportamento, saindo da hibernação, procurando parceiros, apresentando seus filhotes. Borboletas e abelhas se apresentam mais ativas, ajudando a colorir o mundo aos nossos olhos. Momentos únicos.

Pois bem, cada um guarda suas lembranças. Até quando fazemos aniversário, mesmo que em outras datas, completamos poéticas e marcantes primaveras. São tempos memoráveis e certamente a deste ano será recordada por muitos outros temas. Saindo aos poucos de uma terrível pandemia, nós, os que sobreviveram, pensamos em voar por aí como borboletas visitando o que restou, e quando então chegamos à conclusão de tudo e quanto muito se modificou nesses últimos anos, quase três da aflição mundial. Somados aos quatro da aflição nacional de um desgoverno agressivo também acompanhada pelo mundo, como o é a guerra, como são as guerras, a mais visível no momento, na Ucrânia.

A normalidade, como se costumava, essa não volta mais, dada a experiência vivida por muitas gerações eternamente marcadas, seja como órfãos, pelas sequelas, pelos novos hábitos, pelas vacinas que serão sempre reaplicadas, pelos cortes em áreas fundamentais à sobrevivência. Não há como entender experiências esquecidas que a ignorância leva a que novamente possamos sofrer, antes erradicadas; por exemplo, quem são esses os que não sentem o pavor da poliomielite que a tantos aleijou por toda a vida, não vacinam seus filhos?

As primaveras que vivi para ver incluem de um tudo, experiências seja na vida pessoal, profissional, amorosa, e na de ver um país que tinha tudo para deslizar suave pela História, mas sempre acabou tropeçando, virando mato, pisando nas flores, queimando suas largadas. O tal país gentil, tropical, quando conseguíamos achar graça até do horário eleitoral, nem isso hoje, que deu tiririca em tudo.

País que, a cada crítica que faço, daqui da realidade que vivemos, recebo de revide comentários que enumeram para que eu considere – nem sei bem como as acham – coisas boas, que deveriam ser mais que óbvias e obrigatórias. Às vezes penso se não há mesmo um monte de planetas diferentes aqui nesse mesmo lugar. Planetas e órbitas onde se isolam economia, riqueza, pobreza, alegria, esperança, ética e liberdade, comportamentos e conquistas que nos são tão caros. Cada qual com seus habitantes.

Esse meu mundo – e creio que da maioria – tem muitas flores, sim, que jamais me afastarei delas e de otimismo pelo seu florescimento, mas não há como negar os espinhos, os percalços, as pragas, os cortes, os perigos de alguns venenos.

O momento é agora. De plantarmos mudanças e primaveras, da forma que pudermos, com quem pudermos contar, e uma delas é extirpar o que nos causa tanta vergonha diariamente, principalmente a nós, mulheres, que atacam insistentemente. Desejam anular o tanto, mas ainda pouco, que alcançamos, nossa honra, liberdade, igualdade. O fazem semeando a discórdia, matando, queimando e envenenando os nossos corpos, fazendo surgir sementes do mal que considerávamos que jamais veríamos brotar novamente na História. E que sempre pergunto a mim mesma: de onde saiu essa gente tão pavorosa? Onde escondiam seus ódios, pensamentos sórdidos, qual foi a tampa aberta?

Uma delas, o resultado que levou à eleição de 2018, que agora temos o dever de fazer voltar de onde veio e de onde nunca deveria ter saído. Na época, confusa, muita gente não sabia mesmo quem era e o que significava o ser que acabou vitorioso, que tanto tentamos alertar, e ainda por isso somos punidos diariamente – tentam destruir o jornalismo, essa profissão fundamental e a qual me dedico há décadas, nunca tão menosprezada.

Agora, sabemos, todos, o que era aquilo. Não há como negar, a não ser os que ainda estejam com seus sentidos tapados por um torpor fétido e nauseante espraiado no ar que busca tirar nosso viço, que é muito além do que perfilam, esquerda, direita, e que nem de direita ou esquerda o são.

Que nosso campo seja o da esperança. Que façamos desta, agora, uma primavera mais do que especial. A do recomeço, até para que possamos poder colher as flores boas e desprezar novamente os musgos, se for necessário.

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MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Pelejas nacionais e a palma de nossas mãos. Por Marli Gonçalves

Foi aberta a temporada oficial das pelejas eleitorais, e ainda além das nossas muitas pelejas do dia a dia. Agora não adianta nem tentar fugir porque elas entrarão por todos os canais, os da tevê aberta, de comunicação, nas redes sociais e os de nossos sentidos. Vamos esbarrar nelas, mesmo tentando delas se esquivar.

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Está no ar. Vão nos aborrecer, fazer torcer por alguns, ajudar-nos a escolher, e inclusive até nos divertir muito porque lá vem aquele desfile de gente muito estranha, com nomes e até codinomes, apelidos, anexados como patentes, religião e profissões, propostas absurdas e algumas ideias escalafobéticas.

Parece simples, mas não é bem assim. No próximo dia 2 de outubro, primeiro turno que – tomara –  seja o único, para acabar logo com essa aflição toda, teremos cinco decisões a tomar, cinco vezes para ouvir o tilintar da urna: eleger presidente (a), governador(a), senador(a), deputado (a) estadual e deputado(a) federal.  As coisas andam tão polarizadas que até é possível que apenas a partir de agora muita gente se dê conta de prestar mais atenção, mesmo nas fugidias imagens de segundos de alguns dos que pretendem conquistar nossos votos, e nem eles mesmos sabem bem o que estão fazendo ali, na sopa de letrinhas dos partidos, federações, cotas, uniões e acordos.

É preciso entender que todo o processo eleitoral é importante, complexo, que não adianta achar que escolhendo só o presidente poderemos mudar alguma coisa, porque o buraco é bem mais embaixo, ou melhor, lá em cima. São interdependentes. São quadrados que precisam ser bem preenchidos. Com consciência nacional, e que ainda parece que não aprendemos, pela falta de cultura política.

Ficamos aqui de fora assistindo os debates, confrontos, o cara a cara, as entrevistas, torcendo para que um massacre o outro, mas não é jogo de futebol. Temos de escalar um time completo, mas para entrar em campo a partir do ano que vem, com condições de enfrentar a perigosa situação e momento que nos encontramos, poucas vezes vista tão desorganizada em todos os campos, tanto éticos, como sociais, ambientais, econômicos.

O Brasil precisa tomar consciência do tamanho dessa responsabilidade que até aqui parece esquecida, como se tal peleja fosse apenas entre duas pessoas. São muitas. É necessário que a representação de cada um de nós se espalhe pelas casas legislativas, hoje tomadas pelo que há de pior, que veio de carona no mesmo barco do ser que nos atormenta nos últimos quatro anos, trazendo para o poder o ódio e um grande número de elementos execráveis, vergonhosos, perigosos, incluindo a própria família.

Quando escolhemos o presidente ou o governador de nossos Estados para os cargos executivos essa alavanca já começa a ser acionada.

As pelejas nacionais já vêm se dando de forma assustadora não é de hoje, e entre todos os Poderes, especialmente envolvendo o Judiciário, obrigatoriamente acionado para coibir abusos, dar sequência à lei e à ordem, como guardião da Constituição, juiz das partidas. Também aqui colhemos muitas dúvidas, abusos, interpretações que dão espaço a intermináveis discussões se um está ou não invadindo a seara de outro nesse momento delicado, se há abusos contra a liberdade de expressão de golpistas ou censura prévia a condições, planos, pensamentos e financiamento de atitudes que até já vivemos e perigos que apagaram a luz do país por longos e tenebrosos 21 anos.

Pelejas são complexas, árduas, cansativas. Mas típicas da democracia, a palavrinha que temos de defender acima de tudo. Na expressão popular há a expressão cobertor peleja, aquele que não é completo – ora deixa os pés descobertos, ora a cabeça. É aquele cobertor de tecido grosseiro, em geral doados, e que aqui em São Paulo vemos diariamente sendo largados ou arrastados nas ruas por necessitados sem teto ou pelos viciados da Cracolândia, inclusive alguns dos muitos problemas que esperam soluções enquanto as tais autoridades que escolhemos pelejam entre si.

Vamos tentar decidir melhor quem serão esses contendores. Está em nossas mãos as letras que  escolheremos. No dia da eleição, levemos na palma delas o poder e a decisão. E já que a moda parece que está lançada, para agilizar as mudanças, a cola escrita com os números dos candidatos bem escolhidos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Há 29 anos perdi você, amigo Edison Dezen

…Mas você sempre estará comigo e da forma que gosto de lembrar e homenagear. Todos os dias, com anjos e flores.

Sempre te vejo assim em minha memória eterna de cada instante: feliz, elegante e passeando pela Londres que conhecia como a palma da mão.

Esses aqui foram aqueles momentos nossos, que captei, ainda bem, na nossa viagem mágica de 1990.

Obrigada por ter passado em nossas vidas.

25 de agosto, dia que você foi embora; 12 de dezembro, dia que você chegou nesse mundo

eu e meu grande amigo Edison Dezen, Londres, 1990

ARTIGO – Agosto ao gosto. Por Marli Gonçalves

Agosto é sempre mês difícil, longo, chato, a gente já invoca com ele até por tradição, para não perder o hábito, embora estejamos cobertos de razões – históricas – para desejar que ele passe logo. Mas agora, olha só, não é que o Brasil está acordando, despertando sua sociedade civil? Fique atento, tem Carta importante chegando para você, para nós, brasileiras e brasileiros na luta pela democracia

carta agosto

Este agosto já começou meio esquisito, embora na verdade as coisas aqui já andem bem esquisitas faz tempo, notadamente nos dias e meses dos últimos quatro anos. Mas no próximo dia 11 fica esperto, que o tradicional Dia do Pendura pode começar a despendurar a gente dessa situação esdrúxula que vivemos. Será o dia da leitura da nova Carta aos Brasileiros, que já conta com quase um milhão de assinaturas, em Ato Público na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, 45 anos depois daquela que marcou, em agosto de 1977, o início da luta conta a ditadura. Saiba, conheça, participe, assine também, registre que recebeu e apoia essa correspondência. E o bom é que até já há outras cartas parecidas saindo do forno de importantes entidades, inclusive empresariais. Receba!

Dia 11 de agosto é o Dia do Estudante. E o Dia do Advogado, quando a gente costumava ouvir falar dos estudantes de Direito que se juntavam, iam aos restaurantes, comiam, bebiam, e na saída apenas deixavam ao garçom um bilhete, que cantarolavam, em verso: “Garçom, tira a conta da mesa e ponha um sorriso no rosto. Seria muita avareza cobrar no dia 11 de agosto”. Era o Dia do Pendura.

O esperado terror dos donos de bares e restaurantes, e uma tradição que foi acabando, até que não faz muito tempo, e porque já são tantos os cursos de Direito, mais de 1500, que o prejuízo começou a ser mesmo gigantesco, e o “pendura” bastante questionado. Aliás, até por ser crime comer e sair sem pagar a conta – o que pega bem mal em tempos politicamente corretos, e embora esta tenha sido sempre uma brincadeira tradicional, secular.

Mas voltando ao mês do desgosto, que agora até já nos levou uma pessoa marcante como o Jô Soares, e onde continuamos sabendo da morte diária de centenas de brasileiros vitimados pela Covid, quando nos apavoramos com o surto de uma doença antiga como a varíola – mais uma que precisará, se descontrolada, que nos afastemos da proximidade uns dos outros quando mais dela necessitamos. Estamos sempre em alerta, das coisas daqui, das coisas do mundo, das repetitivas ameaças.

Olha só. Há 12 anos publiquei uma crônica “O gosto de agosto”, em vários lugares,  e que agora revisitei. Me causou grande surpresa com as coisas que então enumerei sobre esse sabor amargo: … “Aqui tivemos presidente que renunciou, presidente que se matou. Já aconteceram muitas coisas estranhas em agosto, o que nos faz mesmo ficar com o rabo e a barba de molho”… – um dos trechos.

Na crônica de, veja bem, mais de uma década atrás, eu dizia que adoraria poder prever um pouco o futuro. E não é que no fundo, vejam só, de novo estamos quase que exatamente assim:

… “Este ano não será diferente. Só pior. Tem eleições indefinidas. Tem Seleção indefinida. Tem situação mundial esquisita, lá longe e aqui perto. E como agosto se alastrou de vez, tem óleo na praia, fora acidentes bem fatais, muitos crimes passionais e tragédias climáticas. Fora doenças esquisitas e metamorfoses ambulantes. E eles, todos, os líderes, sem soluções, só com promessas. Têm, inclusive, entre eles, uns meio malucos aparecendo, e se criando, já ano após ano. Coisas que já vimos acontecer e que não dá certo; perigosas, justamente porque movimentam as massas” …

Portanto, saindo para comprar um turbante, lustrando a bola de cristal, concentração: lá vai minha mais nova previsão!

Unidos, conseguiremos sair desse agosto de 2022 pelo menos com mais esperança. Alguma esperança.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – A loucura do vaivém do tempo. Por Marli Gonçalves

O tempo é mesmo bem louco, e nos damos conta disso, dele, do nosso tempo, de repente, com os tais fatos marcantes, em geral marcado em décadas quando são lembrados ou comemorados, sobre alguém ou de alguma coisa. E – repara só, cá entre nós – está um tal de 40 anos disso, 50 daquilo que, brincando, as ruguinhas saem rolando só de ouvir e de se tocar que você se recorda exatamente daquilo, daquele início ou fim. Viveu para ver.

Why We Remember So Many Things Wrong | The New Yorker

Outro dia me dei conta de quantas coisas já assisti, digamos pessoalmente, no sentido real ou de lembrar exatamente desses fatos, dessas pessoas, do que aconteceu, daquele lançamento, do show que assisti em alguma pinguela. Coisas até para a qual nem se dava muita atenção e algumas que viraram sucesso ou marcas históricas hoje em dia.

Temos o estranho hábito de olhar de fora, como se só os outros envelhecessem, e basta ler alguns comentários nas redes sociais para perceber e, naturalmente, o que é pior, observar o quanto somos bem críticos e até jocosos na forma de como vemos, principalmente as pessoas famosas, algumas até nossas contemporâneas. A voz já não tão nítida de cantores, a pele e os cabelos brancos de alguém, o abatimento de tantos outros, as gordurinhas e mudanças que levaram embora a perfeição dos que eram os mais belos de nossas memórias, essas que até tentam nos reter juntos lá naquele passado.

Pensar o tempo é muito doido. Pode ser maravilhoso para reviver. Mas também dolorido, claro, internamente, para qualquer um de nós, e isso se expande quanto mais vivemos. Cada lembrança traz todo um período de volta. É essa lembrança que a gente descarrega do nosso arquivo pessoal – não é nada só de #tbt, quando publicamos às quintas-feiras alguma boa e escolhida imagem de outrora.

Meninos, eu vi, vivi! Quer exemplos, alguns? 37 anos de Rock in Rio! 40, 50 anos de um monte de coisas, e 50 anos é meio século, traduzido. Nossos ídolos, aqueles, Milton, Gil, Caetano, Jorge Mautner, Tom Zé, mais de 80 anos de vida. Baby, Pepeu, 70 anos, juntos com outros tantos. Titãs, e outras bandas desse tempo que festejávamos, de abertura do sufoco da ditadura, completando 40 anos. Os vimos chegando, vivendo, casando, até várias vezes, tendo filhos, netos, alguns já com bisnetos e até seguindo pelos seus mesmos caminhos. Andam bem comuns apresentações e shows de toda a família junta. Aí, então, é que a nossa própria idade fica pregada, grudada, vendo aquela escadinha de gerações nos palcos, o desenho do tempo.

Na política, a mesma coisa, aliás, em todas as áreas, especialmente para nós, jornalistas, que muitas vezes estávamos lá, documentando todos os acontecimentos de nossa época, convivendo diretamente com os fatos enquanto eles se desenrolavam, vimos ascensões e quedas. (Daí, inclusive, antes disso tudo, quando falamos que certas pessoas, você sabe quem, quais, não prestavam e não prestariam, não estávamos fazendo exercício de futurologia, mas sim informando que brucutu nasce e vive brucutu, não tem jeito; e criam brucutuzinhos. Tá aí a prova).

Pensar o tempo, reviver o que passamos, por outro lado, pode ser muito bom, e até revigorante por demonstrar que ultrapassamos tantos desafios, obstáculos, viradas, perrengues, e a experiência que cada um deles nos trouxe. Fazemos uma rápida revisão de amores vividos, perdidos, mantidos, conquistas, aprontos, boas histórias que dariam um programa inteiro do Fábio Porchat. As coisas que gostávamos, as roupas que usávamos e muitas até estão de novo nas ruas, revisitadas nos jovens; agora as achamos estranhas, eram mesmo revolucionárias, mas só lá naqueles tempos – agora encaretaram de vez, copiadas sem criatividade. Conto eu, ou contam vocês que também são vividos, que há muitas coisas que eram bem, enormemente, mais livres e radicais, não precisa nem lembrar de 68 (e olha que aí eu tinha só dez aninhos…)?

Mas, no fundo, esses dias pensei muito no tempo e em seu peso por acompanhar o terrível desenrolar do caso da Mulher da Casa Abandonada, essa senhora estranha e desarvorada que está vendo seu passado emergir e sua vida ruir mais ainda do que a sua própria casa e sua vida miserável dos últimos 20 anos, foragida do crime de escravizar alguém, certamente remoída de lembranças de tempos áureos e abonados que viveu distraída e que ela própria confessa na entrevista que enfim concedeu ao estrondoso podcast do Chico Felitti, o jornalista que levantou a história toda quase sem querer. Curioso, passeando com seu cachorro diante da casa com ar assombrado, como tantas outras casas ruindo, mansões ou não, paredes e acúmulos de coisas e histórias guardadas nessa cidade de São Paulo, onde o tempo tem o mecanismo da pressa, capaz de escondê-las por décadas até que um dia sejam observadas e contadas.

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Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – São Paulo continua feia. Por Marli Gonçalves

Duas cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, vêm sendo escarafunchadas esses dias e ao fim e ao cabo sempre aparece aquela eterna luta entre a elite, sua miséria e glamour, e a realidade, sua miséria e  glamour, surpreendentemente lados iguais de situações tão distintas

SÃO PAULO - RIO
Visão geral – Rio de Janeiro – miséria e glamour

Com tantas coisas acontecendo, capazes de transtornar nossas vidas muito e ainda mais nos próximos anos, acreditem, a polêmica da vez na semana foi o texto, diríamos bem equivocado, mas bastante pessoal,  do artigo de Washington Olivetto publicado em O Globo, e a gigantesca repercussão do ótimo podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, de Chico Felitti, para a Folha de S. Paulo.

No artigo “O Rio de Janeiro continua lindo”, como quem não quisesse nada, Olivetto descreve a tour de seu filho Theo, que acabou de entrar para uma faculdade, claro que lá fora, e que quis comemorar com mais quatro amigos, estrangeiros, só um também brasileiro, no Rio de Janeiro. O publicitário conta que tentou desfazer nos garotos, com a agenda que criou, a “péssima imagem que o Brasil vem construindo no exterior há vários anos”.

Mal sabia ele que o texto provocou o total contrário por aqui, inclusive prejudicando a sua própria imagem, a de pai, a de brasileiro, que inclusive já há alguns anos vive bem longe daqui, em Londres, e até a de escritor e publicitário premiado. No texto cheio de deslizes, como a citada babá que virou “parte da família”, mas sem ganhar exatamente o sobrenome famoso ou as coisas de que cuida na ausência do patrão internacional, ele discorre sobre passeios, as encomendas caras e certamente deliciosas que fez para os meninos, e ainda as idas a restaurantes com muitos $$$$$ e seus chefs maravilhosos.

Lendo o texto, admito que não pude deixar de comparar com a minha recente viagem de alguns poucos dias ao Rio de Janeiro, da qual recordarei ainda durante muitos meses pagando as prestações e cartão de crédito, e além dos bons momentos. Tudo bem, que adoro o Rio. Mas me diverti pensando, lembrando bem de que eu e meu irmão passamos na frente dos restaurantes citados, sei onde ficam, mas nós estávamos sempre a caminho de algum $$, no máximo. Assim como os turistas de Olivetto, também fomos ao Museu do Amanhã – idosos lá não pagam! – e na volta, de BRT, paramos na Cinelândia onde havia um enorme protesto estudantil – estão querendo cortar verbas da Universidade Federal. Também fomos ao Pão de Açúcar – lá idoso paga meia e no cartão deu para dividir o preço dos ingressos.

Fomos à praia tomar chuva e vento, que os dias que estivemos lá a temperatura estava tenebrosa, proibindo até aquele banho de mar de descarrego.

são paulo - rio
O estado dos ônibus no Rio de Janeiro

Lendo o texto tive dúvidas e fiquei pensando como todos se locomoveram, seguros. Um motorista? Também tivemos o nosso, os ônibus do Rio estão caindo aos pedaços e o motorista, cara de poucos amigos até para dar informação,  também é cobrador, com uma caixinha horrorosa e suja ao seu lado direito, de onde cobra e pega troco. Shows não fomos, vocês bem sabem: os ingressos estão na hora da morte. Mas Olivetto e os meninos devem mesmo ter sido convidados vip pelo Caetano Veloso.

No texto, o sonho acaba, com John Lennon citado e tudo. E todos voltam para a “vida real”, Londres! A última pérola foi a citação do filho que teria dito que aqueles dias haviam sido sua “pós-graduação de vida”.

Enquanto isso, na minha São Paulo, suja e malcuidada, a da Cracolândia móvel que aterroriza o Centro, dos roubos e sequestros em cada esquina, do barulho ensurdecedor, ficamos sabendo de excursões ao bairro “chique” de Higienópolis, onde fica a casa abandonada do podcast estrondoso. O que as pessoas querem? Ver se se surge na janela a mulher estranha com pomada branca na cara, ali escondida há 20 anos depois de fugir dos Estados Unidos para não cair – lá, porque aqui é difícil alguém rico  ser condenado – nas mãos da Justiça e onde escravizava e torturava a sua empregada doméstica. Querem ver a casa destruída onde ela, Margarida, seu nome, mora, em terreno muito, mas muito mesmo, valioso, dizem até que jogando excrementos nas paredes dos muros dos prédios vizinhos, entre outras esquisitices. Ninguém sabe exatamente se a mulher continua perambulando ali na casa abandonada e suja, pode ser que tenha saído – ela tem irmãs, e parte a receber do fabuloso inventário, que agora a imprensa revela inclusive mostrando fotos internas da casa, parte do processo que se alonga.

Diante da mansão fazem fotos, gravam vídeos, até caça-fantasmas apareceram ali, além de, claro, a turma da Luisa Mell que resgatou, pulando o muro, os enormes dois cachorros da casa.  O  assunto é notícia todos os santos dias, como se fosse essa a única casa abandonada dessa cidade, e fosse essa a única mulher a ter uma história tão terrível nessa cidade cheia de crueldades em cada esquina, em cada andar de apartamentos e condomínios.

Ainda não soube disso por aqui, mas desse jeito, com esse sucesso, não vai demorar para São Paulo copiar o Rio de Janeiro, e aparecerem agências de turismo fazendo tours para que as pessoas, dentro de jeeps mais parecidos a aqueles de safaris na África, até meio gradeados, e que vi muitos a caminho de seus destinos na orla da praia, cheios de gente indo visitar alguma das centenas de favelas que crescem mais e mais na Capital. Ou, quem sabe, que tal?, uma ida às Cracolândias, visita aos buracos de rua, conhecer como vivem os milhares jogados cobertos como sacos de lixo, dentro de caixas de papelão ou barracas improvisadas. Boiando em enchentes. Com fome. Catando lixo para comer.

A imagem do país no exterior tão cedo não vai mesmo melhorar. Mas, olha! Uma ideia de passeio para o Olivetto na próxima estada do filho e dos amigos no Brasil. Isso sim, acredito, seria uma excelente “pós-graduação na vida”.

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Marli no Rio com Drummond
passeio na praia

 – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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[FOTOS: ARQUIVO PESSOAL – MARLI GÔ]

ARTIGO – Mulheres, ação! Reação! Por Marli Gonçalves

Mulheres, meninas, avante! Que últimos dias horríveis passamos. Confesso que me sinto mal, irritada, à flor da pele, e extremamente enojada com tanto desrespeito ao que nos é tão caro, precioso, o respeito ao nosso corpo e à privacidade, à nossa segurança. Especialmente desrespeito contra nossas conquistas. Continuaremos avançando, mas precisamos estar unidas, contra esses (e infelizmente, algumas “essas”) escroques que ainda não viveram ou entenderam como é exatamente a realidade de nossa existência

mulheres

Os mesmos mentores de gente tão desqualificada para cargos públicos de tanta importância e poder se arvoram em tentar mudar leis para as conquistas nas quais verdadeiramente sangramos, tantas morreram, dedicaram suas vidas. A violência contínua tentando barrar o nosso crescimento e capacidade de atuação na sociedade como um todo, nossa liberdade assusta e eles reagem tentando nos massacrar e conter de alguma forma. Onde erramos e deixamos essa turba agir – e tão abertamente?

Tanta ignorância junta. Às vezes acho que eles, por exemplo, acham que nós, mulheres, adoramos fazer sexo, engravidar e abortar, jogar fetos fora, como se isso não fosse nada, fosse uma simples decisão. Fazem desse momento tão delicado na vida de qualquer mulher um tenebroso festival de tortura, perigos, ilegalidade. Na verdade, querem – e esse querem é ainda de toda uma sociedade conservadora e masculina – nos impor a maternidade a todo e qualquer custo, mesmo até que ela tenha sido proveniente de um estupro, e o que ocorre diariamente com mulheres de todas as idades, inclusive meninas-criança, meninas com toda uma vida a passar, como assistimos horrorizadas em dois casos tornados públicos esses dias.

Ah, como infelizmente conheço na pele muitas dessas imposições. Esse papo de que mulher é moldada à maternidade, que é menor se não tiver um homem em seu comando. Decidida desde muito cedo a não casar e a não ter filhos só não sofri, e agradeço muito isso, pressão da minha própria e pequena família. De resto, externamente, até hoje de alguma forma sou vista – assim como várias outras mulheres que conheço e que tomaram a mesma decisão em algum momento – como espécies femininas de segunda classe. Barquinhos à deriva. Isso, e mais, para não expressar aqui outros termos ouvidos com frequência, diretamente ou à boca pequena, pelos cantos.

No meio profissional, não há mulher que negue isto se for sincera, acham até que nos fazem algum favor quando nos assediam, como se devêssemos agradecer termos sido as escolhidas entre outras para aguentar alguma chantagem por ascensão profissional, na forma de apertos, passadas de mão, palavras indelicadas, convites indecorosos. Antes que me chamem de radical, ao que também já me acostumei, leia de novo. Não estou me referindo à troca de charmes e flertes obviamente existente entre os sexos, ao uso da sedução que nos é peculiar, uma de nossas armas de poder. Estou falando de imposição, e mais, afirmando o quanto ela é comum em todos os meios profissionais, cada vez mais, com a entrada de mais mulheres no ambiente, seja qual for, crescente, exponencial, capacitado, e claramente o que para eles é mortal: definitivo, sem volta.

Nesses últimos quatro anos, com a chegada ao poder desse grupo inescrupuloso, machista, arrogante, que Deus (e nós, votando) há de defenestrar daqui a três meses, mesmo que com tão poucas opções apresentadas, a situação piorou muito. Digo que piorou porque cansamos de ouvir da boca do tal presidente e companhia alusões e ataques, indiretas, palavras e gracinhas desconfortáveis, além das inaceitáveis tentativas de grave retrocesso em nossas ainda parcas conquistas. Demonstrações chulas, inclusive sobre a própria filha e a invisível primeira dama. Pelo menos aqui e ali ele é punido por isso, como no caso, esses dias, da vitória obtida pela excelente jornalista Patricia Campos Mello nas hostes judiciais, mesmo que ainda um dos desembargadores ainda tenha tido a audácia de votar contra o pedido de indenização solicitado.

Quando são descobertos em suas tramoias ficam putos, e agressivos, já não que não podem ir contra as verdades reveladas em reportagens, e foi essa, mais uma vez, a questão. Assim como agora, com o estouro do escândalo envolvendo o agora ex-presidente da Caixa Federal, e do qual ainda veremos muitos desdobramentos e novas revelações. Algumas mulheres já começam a não temer aparecer, uma puxa a outra. O legal nesse caso é que ele chega a ser didático para várias mulheres que ainda talvez tenham dúvidas quanto ao caráter dessa turba. O tal Pedro Guimarães, ou Pedro Maluco, vejam que apelido mais objetivo, já vem aquela famosa cara de culpado.

E intuição feminina, meus caros leitores, não costuma falhar.

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Marli - julho CGMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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