ARTIGO – Psiu, parem esse barulho dos infernos

Marli Gonçalves

Estão fazendo uma reforma no apartamento bem embaixo aqui do meu. É tanta marretada, porrada, descascada, derrocada em todos os recintos aqui embaixo dos meus pés, que a casa toda treme. Os quadros estão tortos, caem coisas pelo chão, os rejuntes dos azulejos estão abrindo. Tem a serrinha, cortando, com aquele barulhinho contínuo e agudo. E a lixinha fazendo chiquichiqui…

Eu não mereço. Juro que não. Poucas horas e dias de folga, oportunidade de ficar mais em casa, ler, escrever. Dormir. Queria pelo menos, sei lá, ficar pensando sossegada, tentar ouvir o silêncio. Mas aqui estou eu, ledo engano, sendo tocada de minha própria casa, sem conseguir pensar em mais nada a não ser esganar um, irromper no apartamento que está sendo – só pode ser – reconstruído, esticado e remodelado para virar um palacete. Parece que o nome é retrofit, mas estou mesmo é querendo xingar de outra coisa.

E se eu fosse lá? Eles vão se assustar com minhas olheiras. Acho que vou deixar o cabelo bem desdeganhado para parecer a mais maluca. Poderia amarrar um cinto bomba falso e ameaçar explodir tudo se eles não pararem.

E se eu ligar para o bispo? Sempre falam para reclamar com o bispo, quem sabe? Não é pecado fazer obras nesta época do ano? Ou será que deviam obrigar o dono a ficar junto o tempo inteiro também sendo torturado com o barulho igual faz aos vizinhos? Depois das primeiras reclamações consegui apenas – por um lampejo de bondade – que as obras recomecem meia hora mais tarde, dia após dia, que eles sempre dizem que estão acabando.

Vivo ouvindo que uma mulher na TPM é capaz de matar se instada e irritada. Nunca senti muito esse efeito, mas agora entendo como ele se passa. Também pode acontecer quando o caso é barulho. Um assunto que está tomando proporção assustadora – e que é bom que todos os lugares se liguem o quanto antes para também não virarem o inferno para os ouvidos. O barulho vai irritando, irritando, tomando conta do seu pensamento, como um círculo vicioso do qual você não consegue se livrar. Não dá para esquecer ele ali.

Foi constatado que o que as pessoas acham que mais piorou nos últimos três anos foi exatamente o ruído, o barulho, o som infernal, a zoeira constante. Passou batida nesse lufa-lufa de fim de ano essa pesquisa importante, não só para a cidade de São Paulo, onde foi feita, mas acho que para todos os lugares onde se pretenda criar algum tipo de civilização. E de civilidade, quando e enquanto ainda for possível conversar com os humanos. Está beirando o insuportável.

Veja, estamos falando que o barulho foi o item que piorou mais do que tudo. Mais do que o trânsito, educação, moradia, segurança – que também pioraram, mas nem tanto. Não há mais sossego para quem vive numa cidade assim, e isso faz muito mal inclusive para a saúde. Decibéis a mais fazem estragos horrorosos em nossos organismos. Por exemplo, acima de 70, que você mede em qualquer rua de tráfego intenso, já aumentam riscos de enfarte e até de infecções, entre outras doenças sérias, porque a nossa imunidade é afetada.

Barulho é definido como um som indesejável. O que é engraçado é que o critério é pessoal, individual, e sons até agradáveis para algumas pessoas podem ser completamente desagradáveis para outras. Vide alguns gêneros musicais que andam por aí.

Então, o julgamento do que é barulho é individual. Pode até ser. Mas não esse que estou suportando. Estou falando do barulho da pesada. Essas teorias de relatividade me dão uma cansada! Não sei se é a malvada da falta de sorte, mas barulhos me perseguem. Os caras que catam o lixo do restaurante da frente são os terrores de todas as minhas manhãs, batendo caçambas. Os imbecis, bêbados, destravados e destravadas que saem para fumar do lado de fora da casa noturna “elegante” e “chique” aqui do lado, parecem matracas nas madrugadas. Sobre umas coisas, fiz o que pude. Mas sozinha, a andorinha… Polícia é pontual, embora outro dia um vizinho tenha chamado a cana e só assim acabou com uma festa de arromba que todos aguentaram até as cinco e meia da madrugada, em plena calçada.

Você já parou para pensar no cerco do barulho? Para onde olho, ou melhor, abro meus ouvidos, têm obras, buzinas, alarmes disparados, sirenes, escapamentos abertos, motocicletas com motociclistas aloprados, tontos acelerando, apitos, avião, helicóptero, pessoas falando muito alto.

O barulho isola, tortura. Descobri um site chamado chega de barulho, que cuida só – vejam – de questões “entre as pessoas”. A chamada é: “O site para quem está cansado de ser incomodado”. Mas em geral, para eles, a questão é apelar para vias judiciais, já que o site é de um advogado.

Mas também achei outros sites, muito loucos, que não entendi bem quem é que banca, se só os banners de propaganda: com barulhos do mar, barulhos da chuva e som de pássaros. Só podem ter sido criados quando alguém pirou de vez, de tanto se esforçar para esquecer – impossível – o barulho de algum vizinho, de alguma obra.

Um barulho que temo seja também o do progresso, das mudanças, que não param.

São Paulo, quebração dia e noite, de um otimista ano de 2012. Feliz, que você seja feliz como nunca! (*) Marli Gonçalves é jornalista. Já baixou um aplicativo com medidor de decibéis, embora ainda não saiba exatamente para quem reclamar. E se adianta.

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ARTIGO – Climão de fim de ano alerta

por Marli Gonçalves Cuidado. Não adianta mais nada agora. Ele está aí, nem digo para ficar, porque daqui a pouco já foi. Já entrou tudo, ou melhor, já saiu. Como passou rápido esse ano! Esse e os outros que nos deixam os cabelos brancos, ruguinhas, e a sensação de sempre, de que poderíamos ter feito mais e melhor.

Não ria. Conheço um monte de gente que faz igual. Chega dezembro e começa a fazer balanço do que deu para fazer e do que fez até sem dar, o que acontece com muita frequência. Fora os planos que vêm sendo carregados, tal qual fardos – ano após ano – no papel ou no âmbito das frustrações. Tem quem goste de tudo isso, e não é o meu caso, que acho um porre essa época e todos os salamaleques, obrigações e sentimentos que se dispersam na primeira esquina. Todo mundo fica bonzinho – deve ser resquício de quando precisávamos nos comportar para ganhar presentes de Papai Noel, para passar de ano, para o papai-do-céu nos perdoar. É o povo se fazendo de bobo para viver, como se dizia.

Este ano tudo chegou antes: as árvores, as luzinhas. O climão. Quando vi a rua já estava coberta de apelos natalinos, com a visível predominância – repare – de bolas, aquelas frágeis que eu não sei como chamam, e que a gente dependura nos galhos, brilhantes, coloridas, de vários tamanhos. Devem ter sido produzidas ainda mais em massa lá na China, o país que influencia os penduricalhos e a moda de uns tempos para cá. Você pode até correr, mas difícil vai ser não acabar envolvido com tantos apelos comerciais, de consumo, alguns até para começar a pagar só depois do Carnaval, e ficar devendo o ano inteiro, mês após mês. Sentiu o frio na nuca? Pois olha só o que consegui focando o climão e o que vem junto dele: uma lista de coisas com c. C de casa. C de comida. (O resto é por sua conta).

Chegam as compras todas que você vai ter que fazer, nem que não queira. O cansaço que vai sentir se tentar ir dar um “olá” em todos os lugares para o qual acaba chamado para aquele abraço de confraternização. Fora o cansaço de atender todas as demandas que deveriam ter sido planejadas, não foram e acabaram sobrando, adivinha, para nós, coitados de nós, na última hora. As chopadas, a cambada de livros que lançam, a coleção de amigos que aparecem e de graças a distribuir por aí, para não passar o ano vendo gente de cara feia, como os porteiros, entregadores, entre outros.

Já pensou e comprou as comidas para as ceias? E as cestas? Vai ter festa na firma? Cuidado com os ciúmes – nessa época é difícil casal que não brigue porque um quer ir ali e o outro lá, e quando sozinhos aproveitam para se soltar. Cuidado com os micos das festas, e as cantadas típicas que acontecem quando um monte de gente se reúne e se destrava com bebida e esquece de comer os canapés. E lá vem o cabeleireiro necessário, e mais compras – as roupas que não dá repetir. Convites não faltam. Contas também não e elas são um chute nos sacos, que nem laços têm.

A verdade é que no mundo real – neste que a gente vive, fora da ficção cor de rosa e choque dos governos, passamos 365 dias pulando mais do que pererecas sapecas, e está cada vez mais difícil dançar conforme a música. Todo mundo chamando urubu de meu loiro.

Deve ser por isso que a decoração barata e tímida, racionalizada, dizem – toma conta das ruas. Deve ser por isso que alguns lugares chiques resolveram buscar uma temática animal para seus enfeites, pelo menos aqui em São Paulo. Uma coisa da natureza, de um lado, tipo ecológica; mas também real, como a boca do leão aberta, e a selva. Coitadinhas das renas – até elas andam com medo de ser atacadas na região da Avenida Paulista e aguardam com ansiedade a votação da Lei anti-homofobia (essa semana) para poder por a cara para fora, sem medo, as coitadas das gazelinhas.

O climão também não está para peixe, o olho da cara, atravessando o verão que também chega este mês, e que é bom para uns; ameaça para outros, com as águas que levam ano após ano suas coisas e suas mágoas.

O climão está aí. E mais uma vez, mais um ano chegará ao fim, sem grandes novidades para contar, e embora eubem mereça, não dá para viajar, parar, descansar. Tem que chegar, sorrir, sumir. Pelo menos nas festas. Já aprendeu a fazer um carão?

São Paulo, arrematando 2011

(*) Marli Gonçalves é jornalista. Jura que tem sido muito boa “menina”, se comportado direitinho. Espera poder ganhar pelo menos alguns dias de papo para o ar, mas tem muitas dúvidas se os pedidos feitos chegarão ao correio dos seus bons velhinhos.

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