ARTIGO – Deus-dará. Por Marli Gonçalves

DEUS-DARÁ

MARLI GONÇALVES

Ao deus-dará, a deus-dará, o deus-dará. Deus-dará? As formas são variadas, todas corretas, mas a verdade verdadeira é que estamos na mão, largados, ao acaso, à própria sorte, e que a situação chegou a um ponto tal que é o que pode explicar não só a eleição de Jair Bolsonaro com seu slogan recheado de Deus, mas a fé ardorosa com a qual as pessoas acreditam que solucionará tudo como se fosse o próprio.

Você viu ou alguém deve ter comentado com você. Luz do dia, Bairro do Brás, São Paulo, Capital, um grupo ataca impiedosamente no meio do aglomerado de pessoas fazendo compras em um dos principais centros populares, milhares de pessoas todos os dias, todas as horas. Agem em conjunto, como hienas. Gravata em um, arrancam tudo que podem, jogam outro no chão, levam celulares, arrancam a corrente de mais um. Saem tranquilos, se dissipam e voltam a se reunir em minutos. Enchem de porradas e roubam um homem que, desnorteado, vai falar com dois policiais que passam ali no momento, numa rotina modorrenta, como se nada estivesse acontecendo. Eles, os policiais, não param nem para ouvi-lo. O homem fica ali falando sozinho. Foi gravado. Passou no principal noticiário de tevê.

Avenida Paulista, domingo, fechada aos carros, milhares de pessoas passando, passeando. No principal cruzamento, da Rua Augusta com a Avenida, calçada com o chão loteado por hippies (sim, ainda existem, exatamente iguais, apenas mais cabeludos, rastafaris e bem estranhos e agressivos) com seus artesanatos e costumes de sempre. Um grupo deles estende de qualquer jeito uma madeira próxima ao fio da calçada, joga carnes, linguiças e ali faz um churrasco bem fumacento sem a menor cerimônia. Parados na frente dessa cena, um grupo de fiscais vê e nada faz; um grupo de policiais vê e nada faz. Os policiais ainda respondem, ao ser inquiridos, que nada fariam por medo da “reação” da população. Tá gravado. Por mim, inclusive. Filmei, porque se me contassem que era normal fazer churrasquinho desse jeito, na Avenida Paulista, não acreditaria. Ah, os policiais também não se moveram quando o grupo tentou me intimidar enquanto registrava a cena.

Na esquina de um dos locais mais caros e “elegantes” de São Paulo, Jardins, o restaurante não se faz de rogado: pegou um tapete, sim, um tapetinho, e estendeu sobre a calçada – sobre, repito, tampando – o bueiro que está ali para o escoamento da água. Uai, para eles, qual é o problema?

Na mesma região os pés das árvores viram lixeiras com sacos e sacos de lixo, detritos de toda ordem, saquinhos com cocô de cachorro (adianta catar sem dar destinação?), madeiras, vassouras, caixas, tudo bem socadinho. Pode ter um poste do lado, mas o povo acha legal botar tudo nas árvores, e ainda olham feio quando se chama a atenção para o absurdo do ato. Depois ninguém entende porque qualquer garoa derruba dezenas de árvores por aqui. Com minha campanha particular – #árvoreNãoéLixeira – pelo menos duas ou três salvamos. Mas é um stress.

Digo daqui: São Paulo está ao deus-dará. Imagino que não esteja diferente o resto do país. Falo dos lugares por onde passamos diariamente, onde vivemos, e dos direitos básicos pelos quais pagamos impostos caros. Viadutos despencam, crateras abertas nas ruas, assaltantes agindo à luz do dia, calçadas esburacadas, que cada um faz como quer, criando montanhas-russas. Acessibilidade? Não me faça rir.

Leis não servem. Exemplo, a do telemarketing que é proibido, piriri pororó. Quantos telefonemas você já recebeu só hoje? Onde conseguiram seu número, seu nome? Não adianta tentar se livrar deles, agora também mandam incessantes mensagens para os celulares.

Conhecei a verdade e a verdade vos libertará. Frase que ultimamente temos ouvido frequentemente. A verdade, então, seja dita: estamos ao deus-dará. Como – e quando – vamos nos libertar da incompetência?

Deus dará conta? Já estão pondo na conta dele o país inteiro.

#arvorenaoelixeira

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Marli Gonçalves, jornalista – Não adianta reclamar nem pro policial, nem pro bispo, nem pro Papa. Muito menos para as autoridades.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Brasil, ano após ano.

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ARTIGO – Brincando de Stop nos campos das cidades. Por Marli Gonçalves

two_wheeled_scooter_rOs temas estão na ordem do dia, sustentabilidade, mobilidade, acessibilidade, não sei mais o que “idade”. Temo que, tal qual o horroroso gerúndio, o sufixo esteja sendo usado mais para não fazer nada sobre o assunto, só fazê-lo parecer importante. Estamos mesmo insustentáveis, inacessíveis e imóveis. Pelo menos nos grandes centros urbanosbusinessman_walking_t

Para um pouquinho. Anda um pouquinho. Verde, amarelo, vermelho. Desvio. Homens trabalhando à frente, desvio. Proibido estacionar. Proibido parar e estacionar. Bi-bi-bi-bi. Os insanos acham que buzinar faz andar o trânsito, e não faz. Acelera! Para ganhar um a dois segundos e parar logo ali. Não reclama: ele parou no meio da rua, mas foi “só um pouquinho”, você não pode nem xingar que ele acha que está com a razão. Um por todos, salve-se quem puder.

Andei pensando na imobilidade urbana que essa semana chegou ao auge. Vias marginais da cidade de São Paulo pararam por causa de um avião. Sim! Um avião engastalhado entre postes, e que vocês devem ter visto pelos jornais que estava em cima de um caminhão que acredito alguém – alguém – “liberou” assim para que fosse passear de um extremo a outro da cidade, até uma feira de … Náutica! Alguém aí pode aparecer, mas para nos socorrer? Depois eu digo que estamos habitando a Casa da Mãe Joana e tem quem diga que sou contra o governo. Sou, mas não é isso que vem ao caso.

transport_24O que vem é que estamos parados, perdendo tempo. Mais, não é só no trânsito, fisicamente. Estamos parados no tempo, brincando de “Estátua!”, talvez? Pois eu brinquei e acho de bom tom voltar a brincar, até para passar o tempo, também, de Stop! Ensinem suas crianças. Ativa a memória. Espero que ainda lembrem como joga – cor, flor, fruta, cidade, país… A, B, C, D, E, F. Stop! Fúcsia, flamboyant, figo, Florianópolis, França.

dollz_busOcorre que estamos muito modernos, com ciclovias, ora bolas, numa cidade cheia de morros, deseducada e deselegante. Fizeram faixas de ônibus, onde andam também táxis, que em ano eleitoral tudo pode ser liberado desde que haja pressão de e com alguma categoria. Vans de transporte irregular pululam nas periferias, sem qualquer fiscalização, substituindo os furos do transporte coletivo, mas quem se importa, não é mesmo? Não querem acabar com os carros? Sim, aqueles carros que fizeram tudo para que fossem comprados aos borbotões para hoje saírem batendo no peito cacarejando como são bons para os pobres que viraram classe média. Tomem! Saiam de noite dependendo de coletivos! É, eles passam. Passam? De vez em quando vem um; ainda bem que botaram uns pontos todos de vidro, igual aos nossos telhados.

emoticon-transport-001Não, eu não uso, mas porque não preciso. A situação anda tal que nem se deslocar muito está sendo possível. Ando pouco de carro e gasto minha sola de sapato. E observo, muito, vocês já devem ter notado. Assim é que vejo de um tudo por aqui. Motos com três, cachorrinhos sendo levados em carrinhos de bebês, skates, patins, rolimãs, riquixás, tuc-tucs (ah, esse eu queria um!). Perto de onde moro é comum também ver pequenos caminhões e vans desafiando toda e qualquer lei da Física, como posso descrever? Lembram daquela cena da abertura de O Gordo e o Magro? Aquela que o carro deles passa num cruzamento se equilibrando, alto e fino? Aqui, os que recolhem lixo reciclável chegam a ter três metros de altura e sempre têm, ainda, um menino que fica lá em cima. Um outro, que fica embaixo, joga as caixas e ele pega. Tudo só no equilíbrio. Isso é que é sustentabilidade! (Fotografei um, VEJA MAIS ABAIXO  se não acredita!)as_alt_transport

Falta ver, andei pensando, gente brincando de pole dance no ferro dos ônibus, para passar o tempo que ficam parados. Metrô para poucos, e trabalhadores ainda ficam duas horas no trânsito para ir, e mais duas, três horas para voltar. Isso, se não tiver nenhuma manifestação, claro, porque agora elas andam espalhadas também nas periferias. Largaram um pouco da Avenida Paulista, pelo menos nos últimos tempos. Ah, isso também se não parecer ninguém querendo incendiar nada, o que também vem acontecendo com frequência.

bike_24A pé vamos indo, desviando dos buracos e crateras das ruas e calçadas, do cocô dos cachorros, dos chicletes que querem nos prender ou nos acompanhar grudados em nossas solas. Vamos indo, rezando para não cair nenhuma árvore em nossas cabeças, maltratadas que estão e sendo feitas de lixeiras. Rezando para que nenhum maldito fio desencapado nos torre, tantos que estão caídos e ali ficam dias. Esperando, esperando, esperando o sinal do pedestre abrir. Corre! Você tem só alguns segundos! Vai!

Os grandes centros urbanos estão ficando inviáveis, sem planejamento. Vamos arrastando nossas dores por aí, enfrentando atendimentos de mal a pior, desaforos, violência, descontrole de preços, cada um mais descabido que outro, tentando respirar, mas perto bem perto de ter de usar máscaras como aquelas que vemos nos filmes sobre Japão, China.

Anda tudo sem nexo. Não andamos exercendo muita cidadania. Baixamos a cabeça, imóveis. Parados, apopléticos. Esquecendo que atrás vem gente. Stop! Estátua!

1378706053-140.jpgSão Paulo, caos urbano, 2014 

Marli Gonçalves é jornalista – Paulistana, já disse. Se pudesse, investiria em estacionamentos, em poços artesianos, ou em laboratórios que fabricam bons remédios tarja preta, bem calmantes. É de criar fortuna, na certa. Fica a dica.

CARRO DE COLETA DE MATERIAL DE RECICLAGEM - JARDINS, SP, SP. MELHOR DO QUE O CARRO DOG "O GORDO E O MAGRO"
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