ARTIGO – Estação muda. Por Marli Gonçalves

Normalmente a chegada da primavera é saudada com alegria, como um tempo de renascimento, procriação, vida, florescimento. Normalmente. Mas não nesse ano de 2020; não nesse momento em que o nosso chão tanto queima, nosso céu se esfumaça, nossa energia se esvai. E continuamos mudos. Ou talvez não, o que ocorre é que alguns ouvidos ainda estão moucos.

MUDA

Vai mudar a estação, sim. Será primavera. Às 10h31 da próxima terça-feira, 22, será primavera no Brasil, o equinócio, e a luz do Sol incidirá igual sobre os dois hemisférios, 12 horas dia, 12 horas noite. Mas temo que a nossa noite aqui vai nos parecer maior, estendida que está com suas sombras sobre nós nos últimos tempos.

Você reparou nas nossas estações mudas, mudando? Saímos do verão aflitos com o que viria, no dia 20 de março, já com a anunciada pandemia, já em isolamento social. Assim passamos o outono inteiro e o inverno que chega ao fim nas próximas horas. E está tudo tão louco que o dia mais quente do ano se deu agora, no inverno. Como será, como estaremos no próximo ciclo? Como será o nosso próximo verão, a partir de 21 de dezembro, dias antes do Natal, da virada do ano?

Continuaremos mudos? Que continuaremos com nossos narizes e bocas cobertos com máscaras parece inevitável. Que os nossos sorrisos continuarão invisíveis, talvez até porque ultimamente pouco sorrimos, sem motivos para tal, com sequências de notícias desagradáveis e momentos de angústia, é quase certo.

Mas nossos olhos, mesmo que irritados como os nossos corações e mentes, precisarão manter-se abertos para prestarmos atenção e continuarmos a caminhada sem cair ou tropeçar em tantos buracos, verdadeiras fendas abertas nesses últimos meses e que durarão anos com suas consequências, sejam na natureza, no comportamento, no nível de vida, na economia, na saúde e educação. Seja na cicatrização desse rompimento entre as pessoas, entre a ciência e a razão, impostos pela política.

A uma parte dessas pessoas, ainda não parece suficiente que mais de 135 mil brasileiros tenham sido vencidos pela Covid-19; mais de 4 milhões e meio atingidos. Não são capazes de se enternecer por mais nada, com seus arroubos de ignorância, covardes que se dizem corajosos, como se coragem fosse assim. Fosse isso.

Uma oposição desunida; e um rebanho atrás de espaço que conquistam, violentos, tacando fogo, sem entender que a carne que queimará não será a do churrasco que fazem nas aglomerações com que insistem a desafiar a realidade, mas a dos milhares de animais acuados e aprisionados pelas chamas, e nos campos e plantações que já chegam ardendo em nossos bolsos com os preços altos, falta de produtos.

O ciclo da primavera está em risco. Estações mudam, estações mudas. Mas não podemos continuar mudos.

Temos compensações e precisamos de mudanças, e mudanças, transformação, trocas, só são feitas iniciando plantios. E plantios se fazem com mudas. Sementes, vida pra brotar, renascimento.

Pessoas continuando mudas assistindo a tudo pegar fogo não ajudam nada nisso.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Destemperos e descalabros. Por Marli Gonçalves

 

Ai, ai, ai, ai, ai. Cinco doloridos ais contra o AI-5. Cinco minutos de sua atenção para entender porque a situação já há muito vem perdendo qualquer graça, e se tornando perigosamente um flerte com o que há de mais atrasado, como se um pote do passado, esse sim “conservado” fechado, estivesse sendo destampado

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Quando tudo começou, de verdade, consumado, e que tivemos de acreditar que não havia nada mais que pudesse ser feito – até porque o leite já estava derramado, não houve ninguém com capacidade para competir melhor para evitar o desastre – nos resignamos. Pensamos que, quem sabe? – o homem que assumiria a Presidência poderia se adequar, entender o que é Estado, Nação, o papel que lhe cabia. Que serenaria seus ímpetos de baixo clero, seus matutos, desinformados e inflamados discursos, em prol de governar para todos, pela pátria, e como ele próprio repetia, pelo Brasil acima de tudo.

Não se passaram muitos dias para que a nossa resignação virasse preocupação, susto após susto, quase que diariamente. O rol dos ministros escolhidos, as postagens nas redes sociais, as “lives” toscas, os comentários desairosos, a compra de briga com importantes setores da sociedade civil, as ameaças e ataques à imprensa, aos repórteres. A lista é já de início impressionante. Some-se censura a obras de arte, falta de compromisso com o meio ambiente e com todas as tragédias – de Brumadinho, queimadas, óleo nas praias, violência nas ruas, acidentes.

Como um carro sem freio acelerando numa ladeira íngreme, e tentando fazer uma curva à direita, os descalabros foram se avolumando. Ministro colombiano, astrólogo filósofo palpiteiro, teses escalafobéticas como a da Terra ser plana, meninas de rosa, meninos de azul, indicação de ministro “terrivelmente evangélico”, “golden shower”, erros crassos em portarias governamentais. Logo vieram as encrencas e grosserias nas relações internacionais, as trocas de ministros por outros piores ainda, os cortes de verbas nas áreas sociais, as dificuldades nas negociações políticas, o atraso em atender às promessas eleitorais, os ataques à oposição, mesmo estando essa engessada, múmia, como ainda parece estar.  Mais imóvel até do que o próprio e rebelado partido que caiu da cama onde dormitava, o partido do presidente.

Seguiram-se ainda revelações que associavam o sobrenome Bolsonaro à corrupção, às milícias, a um sem fim de tudo de ruim que parece ter sido juntado em um grupo só, para nos desanimar a todos ( todos, claro, sem contar os seus iguais que ainda batem pé, cantando hinos com a mão no coração): os da maioria que votou nele, os que não votaram, os que escolheram outros, os que se abstiveram, mas todos em busca apenas de um país que saísse da paradeira após o desastre já vivido nas últimas administrações, do PT, de Lula, Lava Jato, Dilma, do impeachment, de Temer.

Logo percebemos outro grande problema que se agravaria muito no decorrer do ano, desses até agora dez terríveis meses de 2019: os Filhos do Capitão, os 00s, 01,02,03, Huguinho, Zezinho e Luizinho, ops! – Carlos, Flávio e Eduardo. Todos com cargos parlamentares, pela ordem, vereador no Rio de Janeiro, senador, deputado federal, os dois últimos eleitos agora na esteira do pai.

Eles são motor de crises, que agora chegam ao auge com a desfaçatez de Eduardo Bolsonaro ameaçando com AI-5 quem pensar em “derrubar” o pai, como afirmou. O AI-5, o mais devastador ato da ditadura militar que cobriu esse país por 21 anos. Nesta mesma semana, estupefatos, vimos os meninos divulgando o vídeo do leão atacado por hienas etiquetadas como se fôssemos nós todos, ao fim e ao cabo. Ouvimos o próprio pai, em viagem ao Oriente, ousar dizer, na Arábia Saudita, onde se encontraria com um sanguinário filho de monarca, que todas as mulheres “adorariam passar a tarde com um príncipe”, referindo-se ao príncipe Mohamed bin Salman, entre outras acusado de mandar esquartejar e matar (nessa ordem, a que parece que foi executada) o jornalista Jamal Kashoggi.

Só se fossem loucas essas mulheres, que ali já são vítimas das maiores proibições, atrocidades e desrespeitos.

Chega. Não tem mais nenhuma graça. Não podemos mais achar normal, não tem mais quaquaraquaquá, memes, piadinhas ou qualquer outra insinuação que aplaque a agonia. E o que é pior: até os militares que o cercam já percebem que Bolsonaro está mais para o atrapalhado Sargento Tainha e seus recrutas Zeros, do que para Popeye.

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ARTIGO – Os olhos e o olhar. Por Marli Gonçalves

 

 Os olhos. Sempre foi muito importante para mim reparar nos olhos, não na beleza, na cor, no tamanho, mas na expressão, no olhar. No que eles transmitem das pessoas. E a cada dia impressiona mais reparar nos olhos do homem que nos governa – aquele olhar seco, assustado, às vezes arregalado, sem piscar, e que transmite ódio a quem o cerca com perguntas que precisaria responder, e que lhe são indesejáveis. O alarme está tocando; você também deve estar ouvindo…

Não bastassem os olhos, agora os ouvidos tampados, e a demonstração de total ignorância com relação aos fatos que se sucedem sem pausa. Estamos agora bem no fim de outubro, e coincidentemente em plenos dias de terror, das incertezas; mas as nossas assombrações diárias são realidade. Não são crianças fantasiadas pedindo doces, nem maquiagem divertida. São homens – sim, a imensa maioria bem masculina – que se propuseram a governar esse enorme país, e que nos assustam, apavoram, com sua inoperância, ignorância, e ainda ameaças. As mentiras que contam, como se acreditassem nelas; as mentiras que buscam e que, mesmo desmascaradas, não se desculpam, nem nada fazem para detê-las. Ao contrário.

Lembro-me bem da campanha para a Presidência de 1989. Dos muitos candidatos daquele momento, o que de longe mais apavorava era o Fernando Collor. Os olhos de Fernando Collor, se tivessem sido notados, mostrariam antecipadamente o que tivemos de depois suportar com sua eleição baseada na mentira, na imposição do medo, muito parecida com a que vivenciamos recentemente. Aqueles olhos… Não precisa ir longe para lembrar, se você ainda não era nascido ou não tinha idade para votar. Ele está aí, voltou, por incrível que pareça, e mantém aquele mesmo olhar (e os malfeitos). Depois de tudo o que fez e aconteceu, voltou e é um dos senadores de nossa combalida República. Repara.

Dizem que as mulheres são mais intuitivas, o que é certo. Mas é que também somos mais sensíveis, reparamos mais e melhor nos sinais corporais. Em alguns casos é como se um alarme tocasse. Não é caso de análise política, objetiva, nem estudo sociológico ou econômico. É outra coisa que paira no ar. O alarme está gritando. Eu o ouço em meio ao silêncio brutal das ruas. Em meio às filas quilométricas de emprego.  Nas portas arriadas do comércio. No medo da vida, da noite, da violência, cortado pelo barulho das motos dos entregadores que agora levam os restaurantes até as casas. Ouço na indignação das milhares de pessoas voluntárias que sujam as mãos e os pés de óleo nas praias nordestinas prevendo, mais que o dia de amanhã e o fim do mês, o verão que se aproxima e do qual dependem como as formigas.

Eu o ouço em meio ao barulho infernal dos protestos violentos aqui nos nossos vizinhos, praticamente todos países divididos em duas partes, como maçãs. Um a um entram em círculos de fogo, povo combatendo governo, povo combatendo povo, governo combatendo povo, batendo cabeça, e algumas vezes a temida continência, fardada, em pronunciamentos. São de esquerda, direita, todas as direções descontroladas em momentos significativos ou nos quais apenas uma fagulha de centavos seja o estopim.

Muitos de nós já viram e viveram momentos muito parecidos, e que jurávamos ter sido deixados para trás. Muitos de nós procriaram as gerações atuais, os mais jovens, que trazem em si esse mistério deste século tão transformador, de qual caminho escolherão, como se organizarão, qual o olhar que lançam sobre o futuro. Se irão para a frente de batalha com inteligência ou com máscaras. Se continuarão a pintar em suas peles, em tatuagens, sua visão, sua individualidade. Se recorrerão ao mundo digital sem perceberem que estamos todos sendo por eles monitorados o tempo inteiro, e por poucas e concentradas corporações.

O mundo está em movimento e há uma apreensão. Basta olhar e reparar no olhar deles todos, em todos os Poderes. E ouvir o alarme incessante.

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ARTIGO – Esculhambação nacional. Por Marli Gonçalves

 

Esculhambação, avacalhação nacional, bagunça total, descompasso geral. Vamos aproveitar tanto piche, mas para pichar os fatos que nos cercam e os caras que os criam. E nem venham dizer que a economia isso e aquilo porque a realidade das cidades desmente a olhos vistos, a olho nu.  O nível do debate político dança na boquinha da garrafa, enquanto tragédias se sucedem e nos encontram inertes, abobalhados. Inclusive mais uma – a de fazer parecer que só Lula salva. Não é hora. Com tudo isso, nosso outubro é prévia de horror

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As terríveis e enormes manchas negras e oleosas, grudentas, atacam, se deslocam para lá e para cá no oceano, tingindo e melecando nossas praias, a água, nossa areia, matando nossos bichos, minando ainda mais a nossa imagem no mundo inteiro e que já está, como é que se diz? Abaixo do piche uns bons metros! E aí? Ninguém sabe, ninguém viu, e as semanas se passam com o povo enxugando gelo com pás e rastelos. Os governos do Nordeste precisam chegar a processar a União para obter ajuda, mesmo a básica, a das boias de contenção, para que ao menos os rios de suas regiões também não sejam atingidos. Há um mês vemos esse filme de horror, com um ministro do Meio Ambiente limpinho, sobrevoando as áreas e as soluções calçado com seus sapatos engraxados e exibindo colete néon luminoso, que ele é homem de moda, capricha no visual.

No Governo Federal – nem me perguntem como é que chegamos a isso – conseguimos que acabassem reunidas um grande número de pessoas sem a menor condição de governar, desprovidas de bom senso, diplomacia, conhecimento, capacidade de negociação. Tem só uns dois ou três que se salvam e ficam tentando se esquivar para também não serem atingidos – no caso, por um lodaçal que mistura insultos, gravações, xingamentos, traições. Por conseguinte, se esses estão lá, acabaram puxando com os votos que obtiveram o que há de pior para o Congresso Nacional. Os poderes e as forças em conflito marcam o ano. O ano inteiro – dez meses que parecem uma eternidade, um pesadelo do qual não conseguimos acordar.

A oposição se aquieta, boiando em sua piscina limpa, até porque nem precisa se esforçar muito porque o próprio presidente Bolsonaro, sua família, sua turma, seus apoiadores reais e robôs dão cabo de se afundarem sozinhos. E, assim, nesse momento ganha tempo para de novo focar naquele que parece ser o Único, o Salvador da Pátria, a perfeição, o Grande Líder, que está preso, mas dando entrevistas tão incensadas que são publicadas em capítulos. Lula tem opiniões sobre tudo e todos, mas nunca usa esses espaços para sequer um segundo de autocrítica, de rever a participação nesse processo que nos levou a tudo isso, não estende a mão à enorme parcela, inclusive uma parte da esquerda, e que questiona o seu partido e as suas decisões.

Acontece que isso se espalha. As informações, por exemplo, de como um prédio pode ruir inteirinho de uma vez só, como se os seus moradores estivessem em um sono profundo e deixassem que as colunas de sustentação que já estavam péssimas fossem detonadas por pedreiros de alguma empresa inexperiente e barata, explica a apatia que se abate sobre nós. Explica muita coisa, Brumadinho, os meninos do Flamengo mortos no abrigo, as milícias, as mentiras, os feminicídios, os viadutos que viram abrigos e focos de incêndio, toda a série sem número de desgraças que acompanhamos como quem vê um seriado na tevê, esperando o próximo capítulo.

Essas pessoas, enfim, somos nós, brasileiros, que não acreditam nas informações sérias, sem educação suficiente que formem profissionais capacitados. Somos aqueles que não tomam providências quando elas devem ser tomadas, que adiamos as decisões, deixamos sempre tudo para a última hora, que não acreditamos em riscos, que vamos deixando as coisas seguirem até que elas enfim desabem sobre todos nós.

Que achamos bonita a esculhambação, porque, afinal, somos brasileiros, Deus deve ser também. Nem se repara mais que esse Brasil que canta e é feliz anda bem calado. E inerte.

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ARTIGO – Olha a faca! Por Marli Gonçalves

Nossa mais nova preocupação é pontuda, afiada, pode ser facilmente encontrada nos mais diversos tamanhos, e feita de materiais que ainda não são exatamente localizados, identificados, previstos ou apontados em inspeções, como cerâmica, madeira, acrílico, plástico. Está cada vez mais comum saber que foram elas as armas que zuniram em atentados, brigas, assaltos e feminicídios. Tenho verdadeiro pavor delas, que surgem do nada

Tudo bem que até um palito de dente pode ser usado como arma. Ou um dedo apontado, intimidando sob uma camisa. Mas enquanto nos preocupamos tanto com o porte de armas, com sua legalização, com o lobby horroroso pró-indústria bélica, assistimos apavorados diariamente a crimes cometidos com uma das mais simples, terríveis e acessíveis formas: as facas, que estão em todos os lugares, nas cozinhas, fininhas, pequenas, grandes, facões, peixeiras.  As armas brancas, que surgem no noticiário sempre tingidas de vermelho do sangue de suas vítimas.

Acostumamos a chamar de armas brancas quaisquer objetos, geralmente usados para trabalho, que possam ser utilizados de forma violenta, para defesa ou ataque. Tesouras, machados, martelos, canivetes… e facas. Entre muitas outras formas. São cortantes, perfurantes, perfurocortantes, contundentes, cortocontundentes, perfuro-contundentes e perfuro-cortocontundentes. Todas, formas pavorosas. Ou seja, furam, rasgam, picam e retalham o que alcançam. Terríveis, silenciosas, comuns, perigosas, traiçoeiras, aparecem mais rápido do que alguma reação de defesa, inclusive porque usadas já bem no corpo a corpo, num abraço de morte e traição, como em uma ópera de Bizet.

As armas brancas são utilizadas principalmente em conflitos interpessoais e de gênero (feminicídio), este último com alarmante crescimento nos últimos tempos. As facas têm sido também uma das principais armas em atentados malucos ou terroristas nas ruas de algumas das principais cidades do mundo. Aqui, quase levou a vida daquele que viria a ser – talvez até justamente por causa dessa facada – o presidente da República. Jair Bolsonaro foi atacado no meio de um comício nas ruas de Juiz de Fora.

Dizem que quando a gente tem horror ou medo de alguma coisa pode ser trauma de vidas passadas. Sei não, não sei, mas posso ter sido atingida por alguma lâmina em alguma dessas passagens porque tenho verdadeiro horror a elas, as armas brancas, e admito, as temo mais do que às armas de fogo.

A violência está disseminada de forma tão generalizada que até as leis têm dificuldade de acompanhar.  A legislação existe. Está na Lei de Contravenções Penais. Se uma pessoa estiver, por exemplo, com um canivete ou uma tesoura em um ambiente onde isso não é aceitável— um estádio, um cinema – pode ser autuada em flagrante por porte ilegal. Mas, claro, primeiro tem de ser vista. Mas…Pode-se proibir canudos de plástico, mas não as prosaicas e baratas facas de cozinha. Agora também na linda e chique versão das moldadas em cerâmica, de várias cores. Em algum lugar, li que o procurador que recentemente esfaqueou a juíza dentro do Tribunal usava uma dessas; por isso não teria sido detectada no raio-X.

Tudo, enfim, pode ser arma. Até os garfos e as colheres. Até a palavra, vejam só, pode ser mortal, se desferida contra alguém fraco. Pedras atiradas. Estilingues. Flechas. Drones sobrevoam jogando bombas e podem mudar a geopolítica mundial, como também recentemente vimos, atingindo as refinarias de petróleo na Arábia Saudita. Nas mãos de irresponsáveis carros matam diariamente.

Não damos murros em suas pontas. São as cruéis lâminas das facas que entram e saem dos corpos desferidas várias vezes o nosso temor, especialmente agora, para nós, mulheres. Nem sempre elas ficam guardadas nas botas, presas nos dentes, como no vocabulário popular. Nem sempre “Olha a faca!” é bordão de programa humorístico.

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FOTO: Gal Oppido

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ARTIGO – Dias estranhos e os cotidianos perrengues. Por Marli Gonçalves

 

É muito difícil todas as semanas decidir sobre o que escrever, para nós, colunistas, da imprensa, sites, jornais, etc. Parece que estamos sempre batucando nas mesmas pretinhas, as teclas, e a sensação de que chovemos no molhado com nossas opiniões é impressionante. Daí às vezes também querermos mudar de assunto, não falar do Brasil, que não muda, só piora, e então optar por falarmos sobre aspectos pessoais – nossas vidas, mas como sempre tudo isso tem uma total relação com onde vivemos

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Vai chegando o dia de escrever e o pânico se estabelece. Mais uma vez relembrar os fatos gerados pelo Governo Bolsonaro, o próprio, seus ministros, suas manobras e absurdos, declarações, algumas que chegam a ser inacreditáveis em plenos tempos modernos? Criticar os termos chulos usados, ofendendo a nossa inteligência, ou os índios, as mulheres, todos, e agora até as árvores?

A impressão que muitos leitores podem ter é que passamos o tempo procurando essa pulga, mas não é verdade. Ela pula na nossa frente no noticiário, nos fatos que geram, na repercussão que causam especialmente atrasando e desviando de tantas coisas sérias e reais que precisam ser resolvidas e acabam relegadas.

Para mim essa foi uma semana muito difícil, estressante, que começou – vejam só – comigo sendo assaltada em pleno centro da cidade de São Paulo, plena avenida, pleno policiamento, e no meio de um evento musical nas ruas. Um sujeitinho franzino, podia até ser menor de idade, ar violento, aproveitou o trânsito parado na Rua Xavier de Toledo, e me abordou no carro, ameaçando com arma (que não vi, e ainda creio que era imaginária), pedindo meu celular.

Como já ando atenta, o celular não estava à vista, mas bem guardado, e respondi que não tinha nenhum. Ele ainda meteu a mão pra procurar se estava entre as minhas pernas. Então exigiu a bolsa, que estava num cantinho, esquerdo, onde já também por prevenção costumo deixar. Na enfiada de mão, acho que bateu nela e puxou. Ainda tentei segurar, mas não deu, e ele saiu correndo – dentro, todos os meus documentos, um dinheirinho importantíssimo, contado e suado, que eu precisava, creio até que mais do que ele. Ainda tentei correr atrás, mas logo encontrei com quatro, quatro, guardas logo ali, e pasmem: com ar patético, apenas disseram que não viram ninguém correndo. Só eu vi, né? –  Logo sai correndo mais ainda foi dessas lerdezas inacreditáveis.

Nada. O menino sumiu. Era questão de me conformar. E prestar queixa o mais rápido possível. Aí, aqui na terra do João Doria, que bota no ar uma espetaculosa propaganda da polícia que você tem a impressão que está dentro de um filme de ação da própria Swat e vive no lugar mais seguro do mundo, começou a epopeia. A principal delegacia do centro da cidade foi a primeira aonde me dirigi. Na porta, a placa enorme – PLANTÃO 24 HORAS. Mas a imensa porta de vidro fechada. Toquei a campainha e um sonolento homem apareceu dizendo que ali não tinha delegado, que devia ir em outra “freguesia”.

Resolvi então ir à mais próxima de minha casa, por sinal, a tida como mais vip da cidade, por estar em uma área que ainda ousam chamar de “nobre”. Sem dar esperanças, ali os investigadores foram logo dizendo que havia dois flagrantes à frente e que minha queixa poderia levar toda a noite e madrugada. Bem, dali liguei pro banco, cancelei o cartão, e voei para fazer o salvador BO eletrônico. Assim como começar a agendar a feitura de segundas vias de tudo que podia pedir. A gente se sente muito violentada, desprotegida, sem reação.

No dia seguinte, final da tarde, uma alma boa me ligou, havia achado um cartão com as coisas. Passeando com o cachorro na Praça da República encontrou minha bolsa (que, aliás, era muito vagabunda) jogada, com alguns desses documentos e o principal para mim, meu óculos de leitura, lindo, único, caro, e sem o qual não enxergo um palmo. Deixou tudo em um posto da PM ali perto, onde busquei, agradecendo a todo os santos, rezas, erês, solidariedade dos amigos. Nada do cartão bancário, claro, e nem do cartão de idoso de transporte público. Mas como já havia bloqueado ambos, como diria, não me preocupei.  Até alguns dias depois, quando o banco bloqueou minha conta porque alguém tinha usado e tirado dinheiro, de uma maquininha. Me respondam como pode isso, sem senha, e de um cartão bloqueado!

Não tem como medir o stress e o mal que isso tudo – e tudo o mais na sequência – levou. A não ser contar que a semana de perrengues termina comigo de molho. Uma cirurgia na boca, usual, rotineira, acabou me derrubando.

A imunidade da gente vai a zero. Não há como não entender porque estamos num país com tantas pessoas doentes, pessoas enfrentando diariamente perrengues infinitamente piores, e totalmente largadas por aí, sem qualquer assistência, sem qualquer imunidade, só para lamentar, sem seguro, sem proteção.assaltantes, traficantes e quetais

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Backup de nossas vidas. Quem faz? Por Marli Gonçalves

 

O mundo digital, todo lindo, moderno, sofisticado, avançado. Você vai confiando, confiando, toda a sua vida no computador, documentos, anos de trabalho e um dia…Puff. O equipamento não liga, não acende luzinha, não roda. Aquele corpo morto ali na sua frente. E aí? Para que santo rezar?

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Primeira reação: desespero.  Depois tenta se acalmar e começa a fazer todos os procedimentos de ressuscitação de que um dia ouviu falar. Lei de Gates, você liga e desliga várias vezes, checa todas as tomadas, deixa “esfriar”. Para pra tomar um café, uma água. Pensa em começar a gritar e puxar os cabelos. Verifica de novo os sinais vitais do aparelho, se algo se movimenta, encosta o ouvido para ver se há batimentos. Nada. Pensa de novo em começar a arrancar os cabelos da cabeça, um a um. Tenta se acalmar e aí começa a tentar lembrar tudo o que está ali dentro daquela caixinha na qual tanto confiava: o HD externo. Se desespera mais ainda. Vai querer matar o primeiro que passar na frente e te perguntar com ar cândido: “Ué, você não tinha backup?”.

Não, não tinha. Ninguém consegue ter tudo “beicapado”, consegue? Ao contrário, já utilizava o tal HD justamente porque é sabido que computadores costumam falhar, morrer, especialmente quando já têm um idade provecta, o que é o caso do meu.  Aquela caixinha ao lado era a segurança. E era das boas, fixas, não dessas que ficam andando para lá e para cá, portáteis (na verdade, as mais modernas, menores, compactas). A minha ainda era robusta, ligada à eletricidade e ao cabo USB.

Anamnese: (anamnese é aquela série de perguntas que o médico faz quando te conhece, sabe?): Idade? Quase 10 anos (agora, que já é tarde, fico sabendo que duram mais ou menos em média só cinco anos); apresentou sintomas anteriores? Sim, mas nada de anormal, dois ou três momentos esparsos e momentâneos de não reconhecimento pelo sistema – lembro (também tarde demais).

Pronto. Desespero mais que total. Você acaba de ficar refém do tal mundo cibernético, uma espécie de sequestro. Precisa esfriar a cabeça, pensar, tentar resgatar a alma do defunto como se fosse numa sessão espírita, e nela você até parece rezar ainda com mais fé para que o milagre ocorra.

O final dessa parte da história é que encontrei um “hospital” de HD – e o meu aparelho nesse momento está lá, em alguma mesa fria, ligada a equipamentos, com a barriguinha aberta. Sabe-se lá o que conseguirão tirar de suas tripas e me devolverão. São especialistas nisso, não muito comuns, e por isso cobram caro, bem caro, e de acordo com a medida do que conseguem salvar.  Tem de confiar neles, já que não é pouco o que podem ver. E lá vem bomba, explode no bolso. Fora já ter de antes de tudo investir em comprar outro equipamento, que possa levar até lá para receber a alma do antigo – dessa vez, um HD menor, desses portáteis, mas que pretendo manter quietinho aqui do meu lado. Uma das coisas que o técnico me falou que são mais comuns é justamente a queda. Caiu, ferrou. Ele me contou inclusive que viu vários escaparem das mãos do cliente se espatifando mais ainda bem ali na sua frente; imagino, porque a gente já chega lá mesmo muito tenso, trêmulo, suplicando ajuda. O meu já chegou lá desacordado.

Aí me ocorreu essa coisa toda de memória, a parte real, a que a gente vive, viveu, especialmente viveu, fez e aconteceu, o passado, nossa história. Quem é que guarda isso? Não é o Google, pode ter certeza, que lá tudo é meio esparso, dependente de algoritmos ou assemelhados. Quem pode fazer o nosso backup? Será sempre subjetivo? Incompleto? Nessa vida a gente vai largando os arquivos, as pastas, nos trechos que percorremos com um e outro, desorganizados.

Dá medo do tilt, que pode ocorrer como a máquina. Será que já é melhor começar a escrever uma autobiografia? A quem confiar a senha? Não me falem em nuvens, que nuvens são passageiras.

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FOTO: GAL OPPIDO

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Site Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano- Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Já à venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon

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#ADEHOJE, #ADODIA – PLANTÃO: VOU TE CONTAR AS COISAS QUE TÊM PARA ACONTECER NESTE QUENTE VERÃO

#ADEHOJE, #ADODIA – PLANTÃO: VOU TE CONTAR AS COISAS QUE TÊM PARA ACONTECER NESTE QUENTE VERÃO

 

FIM DE ANO, SOL, VERÃO. ESTOU DAQUI VENDO VOCÊ FAZER PLANOS, ARRUMAR MALAS, CONFERIR PASSAGENS, TUDO PARA SAIR POR AÍ. NÃO ME ABANDONE. FICO AQUI DE PLANTÃO. AINDA MUITA ÁGUA VAI ROLAR NÃO SÓ NOS PRÓXIMOS QUINZE DIAS, COMO ESPECIALMENTE NOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DO ANO QUE VEM. VEJAM SÓ: TEM JOÃO DE DEUS FORAGIDO, PARA SE ENTREGAR… SERÁ? COM 35 MILHÕES NO BOLSO. SEI NÃO SE ELE JÁ NÃO PODE ESTAR LONGE FAZENDO RETIRO EM ALGUM TEMPLO DO LUXO. TEM CESARE BATISTTI COM UM AVIÃO ESPECIAL PARADO ESPERANDO POR ELE PARA LEVÁ-LO DE VOLTA À ITÁLIA CONFORTAVELMENTE. E O QUEIRÓZ, O ASSESSOR DO BOLSONARINHO FLÁVIO QUE SUMIU? E LEVOU A FAMÍLIA, MAS MANTEVE A CONVERSA NO NOTICIÁRIO SÓ PIORANDO PRO LADO DOS QUE VÃO ASSUMIR A DIREÇÃO DO GIGANTE ADORMECIDO. E DEPOIS? O QUE ACONTECERÁ COM O TEMER E OS INQUÉRITOS QUE PAIRAM SOBRE ELE AMEAÇADORES. COMO SERÁ A POSSE, OS NOVOS GOVERNOS? O VERÃO VAI SER QUENTE MESMO.UM FORNO. VOU TE CONTANDO, VOU TE CONTAR.

#ADEHOJE, #ADODIA – REAJUSTES DO JUDICIÁRIO, OPERAÇÕES DA PF E A LIMPEZA PESADA QUE TEMOS DE FAZER

#ADEHOJE, #ADODIA – REAJUSTES DO JUDICIÁRIO, OPERAÇÕES DA PF E A LIMPEZA PESADA QUE TEMOS DE FAZER

É TANTA COISA ACONTECENDO QUE DAQUI A POUCO VAI SER #ADOMINUTO. ALÉM DAS MORTES HORROROSAS NA CALIFÓRNIA POR MAIS UM MALUCO ARMADO ATÉ OS DENTES, O ESCANDALOSO REAJUSTE DO JUDICIÁRIO POSTO – E APROVADO – PARA VOTAÇÃO À LUZ DO DIA. NEM ESPERAM MAIS A CALADA DA NOITE. E OS DEPUTADOS ESTADUAIS DO RIO? TINHA UM QUE RECEBIA 100 MIL MENSAIS PARA SE CALAR ENQUANTO OS GOVERNADORES, INCLUSIVE O PEZÃO, NOS ROUBAVAM, SAQUEAVAM. COMO É QUE A GENTE VAI LIMPAR ISSO TUDO?

 

ARTIGO – Prepare seu coração. Por Marli Gonçalves

boygirl3Dtoons_onRollerCoaster_169x169_anigraphics-rollercoaster-600814Sim. Calma. Respira. De novo. Vamos. Não adianta se desesperar. Ainda teremos emoções bem fortes pela frente nos próximos seis meses. Sim, já se passaram seis meses, a metade, deste ano. Incrível, não pode ser só eu que acha que o tempo está voando sob nossos pés. Feliz segundo semestre de 2016!

Aos trancos e barrancos, descendo e subindo ladeiras, tropeçando, prendendo a respiração, arregalando o olho, prestando atenção, pulando poças, se desviando das flechas. Vai mesmo parecer corrida de obstáculos, labirinto. Ou trem fantasma. O que já está seguro: temos de enfrentar os dias de cabeça erguida. Me dá sua mão. Eu preciso de uma mão.

Já se deu conta? Vamos indo juntos, pensando. Primeiro, algo suave, as estações. Meses de inverno com frio. Frio, que até a gente tinha se desacostumado. Previsão de tempo seco, nada de ficar se esquentando debaixo do chuveiro. Vai passar também toda uma primavera, daquelas, para que a gente sempre acredite que ela traz coisas boas, novas, coloridas, amorosas, perfumadas, belas.

Lá pro finzinho do ano, que a coisa vai ficando quente (ou fria, depende; mas me refiro à coisa), chegará o verão e suas modas. Engatilhado, o Natal, o Ano Novo, a vontade de pensar só coisas boas e otimistas, roupinhas brancas, e todas aquelas palavras e gestos de todos os anos, com hohoho e tudo.

Mas antes vai ter muito protesto, muita manifestação, muito barulho por tudo e por nada, que agora a gente gostou de ir para a rua, de vermelho ou de verde e amarelo, carregando plaquinhas. Tem a votação do impeachment no Senado, os julgamentos pendentes nos tribunais superiores. As ruas vão fazer pressão, queda de braço, ver quem grita mais alto. Os jovens estão sedentos por causas, e só não temos mais tantas greves porque para ter greve precisa ter trabalho e isso anda bem escasso. 14 milhões de desempregados em todas as faixas podem ocupar um país, acabar de pará-lo, puxar o freio de vez, deixando a marca no asfalto.

Tá bom, vou maneirar, refrescar um pouco, e lembrar que teremos quatro feriados nos próximos seis meses: 7 de setembro, 12 de outubro, 2 e 15 de novembro. Sim, verifiquei; caem em dias da semana, para serem enforcados. Esquece o Natal que esse vai cair no domingo.

Voltando à nossa conversa, todos os dias dos próximos seis meses ouviremos falar as mesmas palavras como uma cantiga: João que delatou Maria que delatou o Pedro, que contou que não sabia de nada. José preso; Francisco com tornozeleira. Antonio nega. Paulo condenado. Ao fundo só ouvimos contar os milhões, bilhões, desviados de algo que ao fim e ao cabo era nosso – fomos roubados.

No meio dessa cantação toda, ouviremos também obrigatoriamente a cantilena e os jingles de campanha para prefeitos e vereadores. 2 de outubro tem eleição. Não temos bons candidatos, mas temos eleição, e vamos ter que votar e uns serão eleitos. Obrigatório.

Está pensando que eu esqueci agosto? Como poderia? Deve ser votado o final da novela Dilma, e o fim do seriado Eduardo Cunha, para ver se enfim as peças se ajustarão melhor e algum futuro poderá ser previsto mais solidamente, que agora está no ar, como os devaneios e baboseiras. Spoiler: os dois serão varridos.091_snowjump_cat_gifs

E vamos todos estar com as mãos juntinhas rezando para que nada de muito grave ocorra durante as Olimpíadas, logo esse ano, por aqui, no Rio, na calamidade. De 5 a 21 de agosto, muita fé. Vale promessa, virar o sapo no telhado, subir no Cristo Redentor de joelhos, qualquer coisa. Só rezar para que não seja baixo astral coletivo. O mundo todo olhando para cá. Para lá.

Mal respiraremos saindo dessa e logo, de 7 a 18 de setembro, a agonia vai voltar durante as Paralimpíadas. Mais atletas, mais perigos, mais Rio de Janeiro.

O mundo todo, eu sei, estará bem ocupado. Vai ter dor de pescoço de tanto ter de se virar de lá para cá para assistir a tanta coisa acontecendo na Terra, quiçá no espaço, quiçá no subsolo, quiçá vinda do céu, ou invadido pelo mar que anda querendo se espreguiçar. Eleições doidas na nação mais poderosa do mundo, numa terça-feira, 8 de novembro, com competidores díspares e atitudes inusitadas em movimentos perigosos. O Reino Unido arrumando as malas para se mudar, morar sozinho. Bolsas sensíveis a qualquer movimento mais brusco. E o terrorismo à espreita com os delírios de suas virgens, suas proibições e dogmas em Estados e organizações paramilitares e religiosas.

Bem, então, como eu ia dizendo…. Prepare seu coração para as coisas que eu já contei.

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Marli Gonçalves, jornalista – A profissão que existe para contar as histórias dos dias que virão, tentando entendê-los. E ultrapassá-los, porque afinal falta pouco para virar o ano.

Réveillon do segundo semestre, mais uma metade, tim tim, 2016

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ARTIGO – Dias marcantes. Por Marli Gonçalves

terremotos diáriosAgenda (1)Estamos vivendo dias marcantes. Se até para quem já viveu outros iguais ou parecidos, são marcantes, imagine para quem os vive agora a primeira vez, caso de muitos que nesses dias estão nas ruas palpitando sobre política, tomando partido ou trocando de algum. Dias marcantes são os inesquecíveis. Esses que vivemos agora estão sendo marcantes, extenuantes e históricos.

Você tem dias marcantes na sua vida, deve ter alguns. Todo mundo tem. Às vezes só percebe que tinham sido marcantes quando lembra deles tempos depois, anos após. Dias são parâmetros diferentes, importantes, específicos. Você começa um e nunca sabe como ele vai terminar, do acordar ao dormir de novo, o período que vive o dia, e que claro abarca a noite, mas não é desse período o dia sobre o qual falamos. Você pode ter tido um dia marcante porque aquela foi uma noite magnífica. É coisa de memória, que vai para uma gaveta específica e às vezes até surpreendente.

Qual é o dia marcante para você? Dia de alguma luta inglória, ou de uma vitória suada?

Repara que tem essa: dias marcantes podem o ser por motivos bons ou ruins, essa coisa dialética. Morte, vida, começo ou fim. O dia que perdeu alguém; o dia que ganhou alguém.

Pode ter sido bobo ou extraordinariamente proveitoso. Pode ter virado dia comemorativo, tipo dia do casamento, dia do nascimento. Pode ter sido dia da caça ou do caçador. Datados ou não. Você pode deles lembrar o mês ou o ano, ou apenas uma época, em qual década. Alguns vêm completos, até com dia, mês, ano, hora. E cor, cheiro, sabor. Esses são os que marcaram a ferro e fogo.

Pensando agora, me veio à mente dias marcantes díspares. O dia em que tirei meu aparelho de dentes, que viveu comigo e foi um suplício oito longos anos. Tinha quinze anos. O dia do casamento, vejam só, de um amigo; na verdade exatamente o que aconteceu depois desse casamento quase 30 anos atrás. Uma paixão eterna, sem cura.

david_goliathNa minha profissão tive muitos dias marcantes. Muitos deles com o mesmo afã dessas horas de agora, quando acompanhava pelo Jornal da Tarde e Rádio Eldorado a luta pelas Eleições Diretas, os comícios, e especialmente o mais marcante, o grande dia da votação no Congresso da Emenda Dante de Oliveira, o nome do deputado que a havia apresentado. Fui a última a sair do ar, já de madrugada. “Eles” censuravam tudo e haviam proibido a cobertura livre. Meu golpe foi ficar falando de lá com a redação ao telefone direto de um orelhão (daqueles com ficha) na Praça da Sé, perto de onde havia um palanque acompanhando a votação em Brasília, e que dispunha de alto-falantes, nomeando voto a voto. Assim os meus ouvintes acompanharam a votação até eu ser “descoberta”. Lembro do dia por isso e mais ainda por causa da grande tristeza da derrota que ocorreu naquele dia e que ainda atrasaria o país alguns anos. Lembro do calvário de Tancredo Neves, e do marcante dia do féretro pelas ruas de São Paulo. Já choramos muito por política, sim.

Decepção também faz muitos dias serem marcantes. O time que deixou de ser campeão. O fim de um relacionamento. A descoberta de uma traição. Um encontro esperado e desmarcado.

Dias marcantes podem ter sido dias trabalhados ou descansados. Letivos, entre muitos que lembramos por motivos que só muita terapia poderia explicar. Dias úteis e inúteis, ou que foram úteis para alguém, talvez. Dias assim, assados, nublados ou ensolarados.janela homem corre atras da mulher

Pois esses dias de agora são desses, marcantes, e cujas marcas esperamos sejam boas e não nos deixem cicatrizes. Eles podem não ir para o lado que você gostaria, mas sabe de antemão que são dias frenéticos, do tipo que ainda por muito tempo procurará e precisará de ajustes. Dias melhores virão. Ainda mais marcantes.

Serão mais que dias, etapas. Só estou curiosa de saber como que lembraremos desses aqui mais tarde, ali logo mais no futuro.

SP, 2016, de um dia marcante.

Marli Gonçalves, jornalista Na Ordem do Dia: por que não vemos um movimento sério, suprapartidário, de união? Por que os artistas e intelectuais de um lado e outro, acompanhados de outros de os outros matizes, não propõem e saem em busca da solução? Porque são egoístas. Querem os dias assim. Se sentem importantes demais.

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ARTIGO – Marco de Março. Por Marli Gonçalves

Animated-Calendar-MarchA impressão que dá é que nem começou ainda. Há uma efervescência e infelizmente não é cultural. Março é sempre mês quente, e não é só pelo verão que vai se mandando. Muita água ainda vai rolar, literalmente, e literalmente é bom que role mesmo porque vamos precisar muito dela para acalmar os ânimos laterais.

Tem tanta coisa que acontece e outras tantas que já aconteceram em março, boas e ruins, que tornam este mês muito especial, tanto a ponto de ganhar uma obra-prima musical que descreve o seu outono, como a escrita por Tom Jobim em Águas de Março.

Mês contraditório do é ou não é, do anda e do desanda, e por aqui pelo Brasil muita coisa já desandou justamente em março. O louco é que também muito se andou em março, por exemplo 21 anos depois, quase conseguindo marcar a libertação do que nos foi tirado em um último dia de um outro março. Mas onde morte e nascimento se misturam seguidamente, e onde parece haver uma dicotomia para tudo, abrindo desvios, a doença de Tancredo adiou a data dessa festa lá em 1985.

E de lá até hoje a gente vem vindo com o que tem à mão, com o que pode, o marimbondo de fogo; com um que surgiu com olhos esbugalhados de messias, mas traiu e caiu; com o topete mineiro que de novo levantava uma esperança, sucedido por um intelecto mais refinado, e que depois também se esvai dando lugar ao que deveria ter sido, enfim, o utópico, o revolucionário, social, justo, mas se mostra até hoje, antes de mais nada, muito pobre de espírito. Pelo que vemos agora pobre só de espírito.

march-clip-animated-clipart-1.jpgNós, querendo enterrar os fios pendurados que enfeiam nossos horizontes, e eles plantando postes. Nós, querendo de novo mudar, e eles contando histórias para os bois dormirem, principalmente em dias de votação, e nessas histórias mentiram, mas mentiram tanto, mentiram muito, mentiram até sobre os que ouviam suas mentiras, e que acabaram assim percebendo que mentiras eram.

Na história que não queremos que se repita, milhares de pessoas ouviram num 13 de março, lá em 1964, na Central do Brasil, o inflamado discurso de João Goulart propondo reformas de base. Antes do final de março daquele ano, outros milhares foram às ruas assustados, e crendo numa ameaça comunista acabaram literalmente nos jogando em braços armados e fardados e afundando, aí sim, no mais vermelho dos mundos, mas não o de uma bandeira; o vermelho do sangue dos nossos que durante anos escorreu das prisões, dos porões, da tortura, da censura, do controle, da morte.

E ousavam falar que agiam em nome de Deus, da família e da liberdade. Mas impuseram foi a moralidade que lhes convinha, a dose de liberdade que os deixava confortáveis, e – não, Deus não deve ter podido ver tanta barbaridade que foi praticada em seu nome.

Cá estamos nós de novo em um intrincado março. As situações são completamente diferentes, vale dizer, deixar bem claro, embora as forças de esquerda estejam se apegando à tese de que quem não está com eles vira salgadinhos de rotisseria, embora sejam eles que estejam mais enrolados do que croquetes, numa massa que prepararam para se perpetuar no poder, pouco se importando com a farinha que usavam para isso, alegando que dessa farinha outros já haviam se empanado.

serpent_012Está difícil. Não dá para viver tranquilo numa terra rachada pelo maniqueísmo. Onde estão as soluções? Do que nos adianta o discurso inflamado da jararaca de rabo pisado que, diante de amestrados, desafia ameaçadoramente que lhe cortem a cabeça se quiserem suas escamas? Desafia autoridades, que xinga em praça pública, em tom de desacato?

Do que nos adianta um governo paralisado, do qual não se sabe de mais nada que consiga fazer de bom, além de trapalhadas, a não ser se defender ele próprio do indefensável que é revelado todo santo dia desde um março de dois anos atrás, quando começou a Lava Jato, a este março agora, quando chegou ao ápice, de prender, mesmo que por horas e usando outro nome magnificamente tucano, de condução coercitiva, o líder máximo? E no março que tantas contradições traz, que dizer ao ver a chefe eleita sair correndo para beijar a mão, afagar a cabeça e consolar aquele que é suspeito e investigado pelas autoridades que, ao fim e ao cabo, ela comanda, chefia? Muita coisa fora do lugar para um povo só, exposto a uma plateia infernalmente mundial e globalizada.

Aliás, ainda bem que eles estão vendo, porque se a gente fosse contar ninguém acreditaria. Muito menos se contássemos também sobre a pândega oposição incapaz de nem ao menos criar um fato para manter a bola no ar. Pândegos, falastrões que adoram se reunir, para decidir fazer alguma outra reunião que nada produz.

Sim, tem gente do mal, muito mal, tentando se aproveitar de mais esse delicado março. Sim, precisamos ir às ruas mesmo assim para demonstrar que estamos com pressa de mudança sob pena de nos atrasarmos muito para embarcar no vagão da história. Sim, tem muita gente boa, e com fé surgirão líderes melhores do que estes que se nos apresentam, bastardos inglórios que nos mortificam de vergonha quando aparecem na festa. Sim, batamos panelas, palmas, façamos barulho, mas não nos enganemos nem com os gatos pardos, nem com as farinhas do mesmo saco.

Que nesse março o pau e a pedra não sejam o fim do caminho. Mas apenas o mistério profundo, o queira ou não queira.

Cat_FailSP, março de 2016

Marli Gonçalves, jornalista 25 de março comemora a primeira Constituição brasileira (1824). É também feriado no Ceará porque nesse dia ali foi abolida a escravatura. Shakespeare marcou para o dia 11 de março o casamento de Romeu e Julieta (1302). Em 20 de março de 1969, John Lennon e Yoko se casaram. Em um março de outrora sobrevivi a quem queria por amor me subjugar, e neste março meu pai faz 98 anos; sei que não gostará de ver ninguém se matar e brigar pelo que ele já cansou de me dizer que não vale a pena. E olha que ele já viveu para ver.

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