“Mestre Dines, ouso discordar”, por Marli Gonçalves*

Artigo publicado originalmente na edição de 16 de agosto de 2013, Tendências/Debates, pág. 3, Folha de S. Paulo

sport (20)Decano do jornalismo, professor, observador da imprensa, Alberto Dines anda entusiasmadíssimo com os ninjas a ponto de compará-los à imprensa alternativa surgida na resistência à ditadura. Ouso discordar do mestre.

Os ninjas (e similares) têm transmitido o reality show da vida ativista durante horas, coisa que –convenhamos– não há mesmo muito jornalista que vá e possa fazer. Jornal fecha edição. TV tem tempo valioso. Rádios registram takes. Ninjas rodam bruto e hoje há liberdade de expressão, além de tecnologia.

Mas antes havia qualidade e inteligência, nomes importantes, líderes. Éramos vários grupos e tendências. Lembro quando fundamos o jornal “Nós Mulheres”, feminista.

Uma guerra para fechar cada edição. Tudo era difícil para todos: alguns, apoiados por organizações políticas e partidos na clandestinidade; outros, por vaquinhas, o crowdfunding da época, ajudados por artistas ou militantes de boas famílias.

…”Bombas explodiam nas redações ou em bancas que ousavam vender nossos jornais. Ou, como aconteceu no Bar da Terra, que frequentávamos. Ali, se a bomba tivesse sido mais certeira, dizimaria boa parte de quem fazia a imprensa nanica, como simpaticamente era vista. Era uma imprensa que juntava jornalistas, intelectuais, pesquisadores, pensadores, contatos do exílio, o que de melhor havia. Formulávamos um país melhor”…

No sobrado da rua Capote Valente, 376, havia duas redações: “Nós Mulheres” no porão emprestado e o “Versus” no térreo. Horas vagas na militância jornalística. Todos eram assim. Nada se podia pagar. Poucos eram editores profissionais.animated-gif-2-f

E para buscar os jornais nas raras gráficas que aceitavam o risco de trabalhar para “subversivos”? Ou caloteiros, que às vezes também éramos? Filmados, fotografados, seguidos e perseguidos pela polícia política.

Bombas explodiam nas redações ou em bancas que ousavam vender nossos jornais. Ou, como aconteceu no Bar da Terra, que frequentávamos. Ali, se a bomba tivesse sido mais certeira, dizimaria boa parte de quem fazia a imprensa nanica, como simpaticamente era vista.

Era uma imprensa que juntava jornalistas, intelectuais, pesquisadores, pensadores, contatos do exílio, o que de melhor havia. Formulávamos um país melhor.

Nada contra a Mídia Ninja. Acompanho muitas manifestações por eles. Mas daí a dizer que o que vêm fazendo é igual à imprensa alternativa, que são gênios da informação, calma lá. Alguém que tenha tido a pachorra de acompanhar a linguagem descompassada da cobertura, o português assassinado, as bobagens ditas no ar, a desinformação, a ignorância política ou que tenha tido a disposição de ler os comentários da audiência viu que é tão ruim que chega a ser divertido.

O jornalismo da vida real é feito sem brincadeira, por profissionais, que deveriam ter melhores condições de trabalho, de tempo, de estrutura. Denúncias, entrevistas, investigações e reportagens requerem técnica e –por que não dizer?– proteção, em suas várias formas.

UCSF_Igem_Ninjas_animated_web_transparentNão há esse duelo “velho” jornalismo, “novo” jornalismo. Vejo uma visão empobrecida de quem ouviu cantar o galo por aí, falando em “crise narrativa” –expressão cunhada pelo Fora do Eixo Pablo Capilé, que insiste na confusa e rala análise que faz onde pode, se enrolando todo.

Mestre Dines, com todo o respeito: não terá o senhor se entusiasmado demais? Ninjas são parte da nossa fantasia, aquela coisa oriental de luta. Os meninos são ninjas de marketing, de sorte de sigla: Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Não se sustentam nas pernas. Não têm qualidade. São fugazes. Como o papa alerta, jovens podem ser as maiores vítimas da manipulação.

MARLI GONÇALVES, 55, jornalista, é diretora da Brickmann&Associados Comunicação

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