ARTIGO – Vai ficar aí parado, só olhando? Por Marli Gonçalves

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VAI FICAR AÍ PARADO, SÓ OLHANDO?

MARLI GONÇALVES

Onde andam os machos e as fêmeas de verdade? Ando muito impressionada com a apatia que parece estar tomando totalmente a cabeça e o corpo dos brasileiros e, mais uma vez, pergunto se não será a água cada vez mais enlameada que bebemos. Garoto é morto, asfixiado por um segurança de supermercado, na frente de várias pessoas, e ninguém se mexe? Ou melhor, se mexe, sim, mas para pegar o celular e gravar – na vertical, inclusive…

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Essa é só mais uma. Ainda não digeri o fato do menino Luan, de três anos, ter morrido atropelado por um trem do Metrô de São Paulo. Ele fugiu do colo da mãe e saiu do vagão onde estava. Desespero. Mas ninguém lembrou de acionar a alavanca de emergência. O trem partiu. O corpo de segurança do Metrô levou uma hora, repito, uma hora, para procurá-lo onde obviamente ele teria ido correndo atrás do trem que partiu como se nada estivesse ocorrendo, e onde estava a mãe. O que veio atrás colheu o menino de jeito.

No caso do Rio de Janeiro, um jovem negro, Pedro Henrique, de 25 anos, acusado de furto de alguma bobagem, foi asfixiado e morto por um segurançazinho qualquer coisa em um supermercado Extra, na frente de dezenas de pessoas e da própria mãe, e ninguém tirou o segurançazinho de cima dele. Só ficaram gritando, e, claro, gravando com o celular, para a posteridade, dos filmes nacionais de horror, que farão corar até Quentin Tarantino.

A moça que se aventurou para salvar o motorista do caminhão no qual bateu o helicóptero que caiu matando o piloto e o jornalista Ricardo Boechat está sendo chamada de Mulher-Maravilha. Sua ação magnífica e corajosa foi gravada por celular: enquanto ela tirava enormes pedaços de ferro, movida por força descomunal, o marido gravava… Leiliane Rafael da Silva, 28 anos, ainda teria antes tentado salvar o próprio Boechat, e se não tivesse sido contida teria explodido junto segundos depois. Sua história, sua doença rara, o que inclusive a impediria de ter tanto estresse e feito tanta força física veio à tona depois. (O marido justificou que ficou gravando para mostrar para a mãe dela como Leiliane era teimosa, vejam só).

Agora, por força do destino, do caso que chamou a atenção, conseguirá finalmente a cirurgia no cérebro pela qual batalha há meses. Mulher de fibra.

Sinto que as pessoas estão apáticas pela sucessão de fatos que parecem não serem reais de tão dramáticos. Até esse momento, o presidente da Vale e o presidente do Flamengo ainda não foram presos, pelas tragédias de Brumadinho, mais de 300 mortos e o prejuízo ambiental incalculável, e do Centro de Treinamento, 10 meninos mortos, respectivamente.

Aliás, estão por aí distribuindo todos os dias suas declarações estapafúrdias e tentativas de se isentar dos fatos. Os jogos continuaram marcados, os treinos feitos no mesmo lugar e a rigorosa lentidão das apurações, desnecessárias, porque a culpa já é tão evidente, tão visível, que apenas protelam. Só para lembrar, o Flamengo, desde 2017, tinha recebido 31 multas pelas instalações sem segurança. Quer que eu repita? 31. Vai ver se pagaram alguma, se tomaram providências. No caso de Brumadinho, a própria Vale admite que já havia até calculado o que ocorreria com o rompimento da barragem, quantas mortes seriam estimadas, etc.

É difícil assistir impassível à covardia humana na realidade. O engraçado é que no mundo virtual todo mundo é macho, xinga, fala o que quer, chama para briga, mas protestar de verdade, agir? Uai.

Sinto isso na pele cada vez que, por exemplo, bobo até, mas exemplo da apatia e dormência, tiro lixo do pé das árvores por onde passo. Ficam me olhando como se eu fosse uma marciana recém-saída do disco voador, e até olhares de reprovação sinto. Ué, o lixo estava tão socadinho, tão arrumadinho no pé da árvore … Minha campanha é real: #árvoreNãoélixeira. Talvez quando elas caírem em suas cabeças, se toquem. Ou não.

Já me meti em muita encrenca nessa vida, e de nenhuma me arrependo, nem das que me coloquei em risco, algumas que deram boa dor de cabeça. Não consigo ficar parada ou quieta diante de injustiças, abusos, violência contra mais fracos. Mas sozinha sei que não faço um verão.

Onde estão vocês? Onde está todo mundo?

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Marli Gonçalves, jornalista – Aliás, o que está sendo feito – de verdade – para impedir a impressionante morte de tantas mulheres por machos de araque? Já chegam a centenas, só nesse ano que mal começou.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

São Paulo, 2019

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ARTIGO – Anestesia geral. Por Marli Gonçalves

Tanto faz como tanto fez. Abobalhados. Inertes. Adormecidos. Lentos. Parecemos autômatos diante dos acontecimentos. Esperamos os dias seguintes, e os seguintes…

Ouvimos, lemos, sabemos ou somos diretamente atingidos, diariamente, por toda sorte de acintes, assaques, misérias, decretos e decisões que visivelmente nos prejudicam – a todos. Leis lidas a bel prazer. Bancos, seguradoras, poderosos limpam os pés nas nossas costas. Vemos gente pela qual temos apreço ou mesmo mal conhecemos, sofrendo ou caindo, miseráveis, seja nos postos de saúde ou nas calçadas, mortas pela violência desmedida e sem fim. Assistimos impassíveis a embates públicos nojentos e é como se nada daquilo nos dissesse respeito, estivesse ocorrendo em outro planeta.

Doenças terríveis que já haviam sido erradicadas – sarampo, raiva, poliomielite! – voltam céleres. Matam. E há quem tenha – para isso, sim – energia e coragem de negar as vacinas; pior, criminosamente tentam ainda argumentar contra elas do alto de suas ignorâncias, e acabam conseguindo, atingem uma importante parcela da população, aquela que a cada dia mais não sabe onde está parada. Apenas está parada esperando o futuro do país do futuro que não chega nunca.

Faltam pouco mais de três meses para a eleição de um novo presidente da República, repito, presidente. Isso, além dos cargos de governadores e deputados que serão regentes dessa desafinada orquestra a partir do primeiro dia do ano que vem. E é como se nada da crise braba que estamos vivendo, das terríveis descobertas de corrupção, roubos, extorsões, pilhagens e pilantragens em geral fizessem real diferença fora dos vídeos feitos com celular deitado. Depoimentos que mostram, sim, um Brasil real, pobre, largado, cheio de recônditos de nomes estranhos, de pessoas e cidades, e onde se fala uma língua que portuguesa não é, com seus esses e plurais esquecidos tanto quanto eles próprios.

O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais, feitas com esses nominados aí que pretendem por a mão na direção, aparece; e é um preso com várias condenações e que de lá onde está trancafiado ainda posa de mártir e redentor, perseguido, um Messias. O segundo colocado é um ser abominável, incapaz de nada a não ser de bravatas, que até parecem soar reais nesse verdadeiramente desesperador momento: é como se ele pudesse bater, balear, fuzilar todos os problemas. Nas intenções de voto, vêm seguidos de outros: um amorfo, uma amorfa, um destrambelhado e outros pequenos seres prontos a negociar suas cadeirinhas nos estúdios de tevê por algum cargo. Estão ali no meio do campo, meio transparentes, correndo como os bobinhos, esperando quem sabe qual será a jogada.

O resultado mais plausível nesse instante é que saiam vitoriosos os votos nulos, brancos e abstenções. Afinal, em quem votar nessa seara, nesse deserto de ideias e propostas reais? Mais: como levarmos esses seis meses que temos adiante com um presidente que só consegue cair cada vez mais em desgraça e impopularidade? Que anda com cascas de banana nos bolsos e que vai jogando a cada passo que dá, escorregando?

A apatia é tanta que alcançou o que jamais imaginaríamos possível, as demonstrações populares. O futebol. Ah, que bom, tem Copa do Mundo. Ponto. Ah, que bom, o Brasil ainda está classificado. Gol. Depois do silêncio e da tensão que acompanham as sofridas partidas – como todas têm sido – gritos rápidos nas janelas, uma bombinha aqui; outra ali. Pronto. Ah, acabou o jogo e o Brasil ganhou. Não se ouve mais nada, a não ser a vida tentando voltar ao seu normal. Até o ufanismo das bandeirinhas espalhadas para decorar os espaços pouco tremulam.

O tempo está passando e não conseguimos mover o pé para fora dessa areia movediça que nos imobiliza.

Belisquem-se. Alguém, por favor, ligue o alarme. Bote água para ferver. Dê um antídoto para a população acordar e ver o que ainda podemos fazer; mas de verdade, não pelas redes sociais que parecem ser o que nos anestesia!

Eu só queria muito poder desejar um feliz segundo semestre. Percebeu que o ano já chegou à sua metade?

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Marli Gonçalves, jornalista – Urge ver o Brasil fazer gols em seu próprio campo.

marli@brickmann.com.br; marligo@uol.com.br

SP, julho, toca a sua sirene!

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ARTIGO – Na Urbe: desorientados, desnorteados e largados. Por Marli Gonçalves

Não há batatinha amarrada na fronte que resolva. Calmante que acalme. Protetor de ouvido que dê conta. Se a pessoa anda armada é um perigo sair dando tiros. Se achar uma granada o perigo será destravar a rolha e mandar bem no alvo, virando um terrorista urbano. Morar em São Paulo está ficando a cada dia mais impraticável. E não é só o barulho.

Você vai ficando louco, começa a pensar em tomar as medidas mais drásticas, tem os pensamentos mais subversivos, terríveis, punks. Os instintos mais primitivos. O barulho vai corroendo as entranhas, tomando conta. Os obstáculos e situações estressantes se acumulam. Os problemas da cidade e a falta de controle e fiscalização chegaram a um nível insuportável e que afeta gravemente a nossa saúde. Que será preciso para que providências reais sejam tomadas para melhorar nossa qualidade de vida?

No momento, me perdoem, tenho dúvidas, inclusive, se a cidade está sendo habitada apenas por bananas; se ao meu redor só existem pessoas bananas, medrosas, já tão acostumadas a ser massacradas que ficam sem reação, não se defendem mais de nada, inertes, palermas.  Não reclamam, esperam que alguém o faça. A vida real está passando ao largo nesses tempos digitais.

Escrevo nesse momento com uma dor de cabeça daquelas, daquelas que irradiam, sabe? Se fosse uma sessão de tortura creio que entregaria até a minha mãe, confessaria coisas inconfessáveis, os segredos mais recônditos, desde que me prometessem o que venho considerando uma dádiva: o silêncio.

Estou, e claro não sou só eu, mas um monte de gente que mora aqui por perto, submetida a – escutem, por favor, tenham pena de mim – horas a fio, diárias, de uma britadeira em uma construção próxima. No meu prédio, mais próximo ainda, soma-se uma obra que já dura quase um ano e que alterna serra elétrica, bate-estacas e outros sons que vão se infiltrando na mente. Isso junto às sirenes de ambulâncias, buzinadas frenéticas, rota de helicópteros e aviões, latidos e ganidos de pobres cachorrinhos deixados sós o dia inteiro, criancinhas birrentas, funkeiros motorizados, entre outros sons, até como os vindos de revoadas de periquitos verdes chalreando.

Aí você sai de casa. Fora a vontade de usar colete à prova de bala, carregar arco e flecha, gás de pimenta e/ou outros apetrechos básicos para se defender, encontra a buraqueira nas ruas e calçadas. É tibum na certa. A falta de educação das pessoas que avançam como se você não existisse. Os motoqueiros que inventaram uma via imaginária entre os carros e querem que você encolha seu veículo como o daquela cena famosa do Gordo e o Magro. O carro fininho passando no cruzamento.

(Confesso: outro dia pensei seriamente em comprar uma máquina de choque elétrico para usar nesses casos. A ideia seria colocar a mão pra fora rapidinho no momento que um desses estivesse te apertando com aquela buzininha infernal. Bzzz, Bzzzz, fritado igual faz aquela raquete de pegar mosquito.)

Mas quero ainda focar em mais um detalhe: notaram como está (ou melhor, não está) a sinalização das vias? Quando há placas estão sujas, tortas, viradas, ilegíveis, cobertas, erradas. Tenta procurar um endereço. Um número na rua. Uma faixa pintada direito no chão. Não há Waze que resolva. Ao contrário, como aconteceu comigo esses dias, essezinho aí me fez andar inacreditáveis 35 quilômetros errados até um endereço que só achei quando o desliguei – um dos maiores alívios que senti nos últimos tempos. Até porque quem disse que ele funciona direito direto? Você está lá, seguindo, por exemplo, na frente de um viaduto que não sabe se é para pegar. E o que acontece? Zona morta, apagada, cinzenta, sem GPS, sem sinal, sumiu aquela vozinha para te orientar. Já era.

Ah, vá! Já aconteceu com você também, tudo isso, não é?

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 Marli Gonçalves, jornalista – Para que me entendam melhor, pelo menos uma parte do problema, gravei. Ouça. Quem sobrevive a isso, durante dias, o dia inteiro? https://soundcloud.com/marli-gon-alves/sets/barulhos-infernais

  SP, insuportável, especialmente em fim de um ano como este aqui.

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