ARTIGO – A grande jogada e o novo árbitro. Por Marli Gonçalves

Sinto muito. Não deu, bola para frente! Temos, logo agora, outro campeonato para prestar atenção. Formar a seleção e torcer para que ela, essa sim, nos salve desse campo esburacado.

Vou dar uma de louca. A louca otimista. Vai! Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima! Vamos, vamos! Tentar aproveitar e começar do zero agora, como se não houvesse esse ontem, não tivessem ocorrido essas brigas, essas divisões, nem existisse um sem-noção candidato para nos perturbar.

Para torcer agora você não precisa sequer usar o amarelo, para não ter de aguentar aqueles chatos que invocaram com a camisa da Seleção saindo para tomar Sol na rua durante os protestos.  E que vão voltar a atacar, escuta o que estou dizendo. Vão vir com aquele irritante “eu não falei?”. Chatos que quase tiraram ainda mais o ânimo da gente. Pode – e deve – sair de azul, amarelo, verde, vermelho, todas as cores do arco-íris. O Hino continuará um só.

Enfim, demos um tempo, fizemos uma pausa vendo a bola correr de lá para cá e de cá para lá. No fundo, foi devagar, devagar, devagarinho igual na música o que rolou nessa Copa. Fiz as contas: já vivi 15 Copas. Das que me lembro, essa foi a mais esquisita, mais ainda do que a passada aqui no Brasil, aquela desgraça que ajudou muito a esburacar o nosso gramado.

Essa de agora parecia desengrenada – e não só pro nosso lado. Vide o monte de grandões que foram caindo um a um detonando as bolsas mundiais de apostas, as marmotas e outros bichos videntes, a lógica, se é que há alguma no futebol. Foi pegando gosto, vendo até onde dava para ir, tentando sobreviver ao ufanismo radical que tentavam sem sucesso inocular em nossas veias abertas, como de toda a ladina América Latina.

Está claramente diante de nós um Novo Mundo e é preciso enxergá-lo o quanto antes para tentar correr atrás dele enquanto é tempo. É mundo moderno, que usa educação, tecnologia de ponta, procura fontes alternativas de energia, tem consciência de que a natureza revida e que a liberdade é um dos bens mais valiosos para uma sociedade pluralista e melhor organizada. Que só sobreviverá se for em paz.  A tal sociedade globalizada.

Globalizada a um ponto tal que daqui, desse outro lado do mundo, nos próximos dias estaremos todos nós diante da boca de uma caverna funda e inundada que retém o grupo de meninos lá na Tailândia. Do lado de fora da caverna, uma tenda improvisada, uma tela, algumas cadeiras, unem esses meninos às suas mães que ficam ali sentadas o dia inteiro e assistem ao vivo a tentativa de resgate e o desespero de seus filhos, ao mesmo tempo em que oram e dão graças por eles ainda estarem vivos e com alguma esperança. Do outro lado, de dentro do local escuro e úmido, eles acenam para as mães. E para todos nós.

Não é só. Temos muito com o que nos preocupar. Mas precisamos fazer isso com leveza e com muita rapidez no contra ataque.

 ________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Sorria. Brasil, você está sendo filmado. Depois alguém vai ver essa fita.

marligo@uol.com.br/ marli@brickmann.com.br

 

Julho, 2018

ARTIGO – Anestesia geral. Por Marli Gonçalves

Tanto faz como tanto fez. Abobalhados. Inertes. Adormecidos. Lentos. Parecemos autômatos diante dos acontecimentos. Esperamos os dias seguintes, e os seguintes…

Ouvimos, lemos, sabemos ou somos diretamente atingidos, diariamente, por toda sorte de acintes, assaques, misérias, decretos e decisões que visivelmente nos prejudicam – a todos. Leis lidas a bel prazer. Bancos, seguradoras, poderosos limpam os pés nas nossas costas. Vemos gente pela qual temos apreço ou mesmo mal conhecemos, sofrendo ou caindo, miseráveis, seja nos postos de saúde ou nas calçadas, mortas pela violência desmedida e sem fim. Assistimos impassíveis a embates públicos nojentos e é como se nada daquilo nos dissesse respeito, estivesse ocorrendo em outro planeta.

Doenças terríveis que já haviam sido erradicadas – sarampo, raiva, poliomielite! – voltam céleres. Matam. E há quem tenha – para isso, sim – energia e coragem de negar as vacinas; pior, criminosamente tentam ainda argumentar contra elas do alto de suas ignorâncias, e acabam conseguindo, atingem uma importante parcela da população, aquela que a cada dia mais não sabe onde está parada. Apenas está parada esperando o futuro do país do futuro que não chega nunca.

Faltam pouco mais de três meses para a eleição de um novo presidente da República, repito, presidente. Isso, além dos cargos de governadores e deputados que serão regentes dessa desafinada orquestra a partir do primeiro dia do ano que vem. E é como se nada da crise braba que estamos vivendo, das terríveis descobertas de corrupção, roubos, extorsões, pilhagens e pilantragens em geral fizessem real diferença fora dos vídeos feitos com celular deitado. Depoimentos que mostram, sim, um Brasil real, pobre, largado, cheio de recônditos de nomes estranhos, de pessoas e cidades, e onde se fala uma língua que portuguesa não é, com seus esses e plurais esquecidos tanto quanto eles próprios.

O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais, feitas com esses nominados aí que pretendem por a mão na direção, aparece; e é um preso com várias condenações e que de lá onde está trancafiado ainda posa de mártir e redentor, perseguido, um Messias. O segundo colocado é um ser abominável, incapaz de nada a não ser de bravatas, que até parecem soar reais nesse verdadeiramente desesperador momento: é como se ele pudesse bater, balear, fuzilar todos os problemas. Nas intenções de voto, vêm seguidos de outros: um amorfo, uma amorfa, um destrambelhado e outros pequenos seres prontos a negociar suas cadeirinhas nos estúdios de tevê por algum cargo. Estão ali no meio do campo, meio transparentes, correndo como os bobinhos, esperando quem sabe qual será a jogada.

O resultado mais plausível nesse instante é que saiam vitoriosos os votos nulos, brancos e abstenções. Afinal, em quem votar nessa seara, nesse deserto de ideias e propostas reais? Mais: como levarmos esses seis meses que temos adiante com um presidente que só consegue cair cada vez mais em desgraça e impopularidade? Que anda com cascas de banana nos bolsos e que vai jogando a cada passo que dá, escorregando?

A apatia é tanta que alcançou o que jamais imaginaríamos possível, as demonstrações populares. O futebol. Ah, que bom, tem Copa do Mundo. Ponto. Ah, que bom, o Brasil ainda está classificado. Gol. Depois do silêncio e da tensão que acompanham as sofridas partidas – como todas têm sido – gritos rápidos nas janelas, uma bombinha aqui; outra ali. Pronto. Ah, acabou o jogo e o Brasil ganhou. Não se ouve mais nada, a não ser a vida tentando voltar ao seu normal. Até o ufanismo das bandeirinhas espalhadas para decorar os espaços pouco tremulam.

O tempo está passando e não conseguimos mover o pé para fora dessa areia movediça que nos imobiliza.

Belisquem-se. Alguém, por favor, ligue o alarme. Bote água para ferver. Dê um antídoto para a população acordar e ver o que ainda podemos fazer; mas de verdade, não pelas redes sociais que parecem ser o que nos anestesia!

Eu só queria muito poder desejar um feliz segundo semestre. Percebeu que o ano já chegou à sua metade?

__________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Urge ver o Brasil fazer gols em seu próprio campo.

marli@brickmann.com.br; marligo@uol.com.br

SP, julho, toca a sua sirene!

—————————————————————————-

ARTIGO – Bola rolando solta. Por enquanto. Por Marli Gonçalves

 E a gente esperando gols. Pode até ser que em algum campo lá da Rússia ainda saiam alguns, mas aqui na terrinha, quanto mais o tempo passa, maior fica a aflição de como definir qual seleção entrará no campo político ano que vem.

 

 Toda hora lemos o resultado de alguma dessas pesquisas “geniais”, que viram pano para manga para as discussões estéreis. As mais cotadas são sempre as que falam dos candidatos que estariam na frente. O engraçado é que sempre aparece aquele,  o que já foi, mas não é, não poderá ser, e que anda preso. Seguido pelo outro, a ameaça, verdadeiro terrorismo, o contraponto, aquele sem noção que – sabe-se Deus, literalmente, em quais alianças se fia – está nessa disputa sem ter feito até agora nada que preste em seus, anote, sete mandatos na Câmara Federal, esquecendo o tempo em que “nasceu” como vereador no Triste Rio. Sete! Sete vezes quatro, igual a 28 anos. Nada. Só sandices.

Tenho a impressão que as pessoas estão mesmo muito doidas, querendo jogar tudo para cima, bem pro alto, que se exploda tudo, se é que me entendem, que não posso usar termos chulos. O que dá pesquisas que mostram que 62% dos jovens querem deixar o país. Se querer fosse poder, ah, também quero. Mais, eu mesma tenho exemplos de amigos que ultrapassaram os 60 e não só queriam como já estão lá, morando fora, o que exige uma coragem superior em muito à dos jovens.

O perigo é maior entre os que se dizem desinteressados, que escutam o galo cantar soluções bruscas em obviedades e nelas acreditam.  Violência? Bala neles. E aí vemos como normais as balas agora vindo até de cima, dos helicópteros, oficiais, sangrando e matando crianças a caminho da escola? Fora a hipócrita e mascarada reação moralista ao avanço da sociedade civil em questões da natureza humana que jamais serão brecadas; eles podem achar que sim, que há “cura”, que a moral deles é que é a boa. Não, queridos, essas partidas vocês perderam. Sinto muito. Olhem para os lados.

Mesmo entre pessoas de nível médio, cansadas do dia a dia de revelações sobre corrupção, roubos, e às voltas com uma difícil sobrevivência como estamos em tempos de crise, o desatino é grande. Como se pudessem se livrar das responsabilidades. Quem fala mais grosso, acham, pode nos ajudar, como se assim fosse, acima da lei, da organização social, da geopolítica. E, principalmente, acima do bom senso que parece estar proibido de entrar nessa partida. Nossa sociedade mal preparada, uma ampla maioria sem informação, sem estudos, sem compreensão dos fatos,  pode nos levar, sim, mas a um desastre ainda maior e de difícil conserto. Agora, as tais pesquisas apontam que o placar final poderá ser decidido por mulheres de baixa renda.

Às vezes também acho que essas verificações de opinião, dependendo do momento, podem produzir o paradoxo: fake news verdadeiras. Correm para onde o vento sopra, mas com um ventilador ligado. Fico impressionada com a falta de qualidade dos questionários – verifiquei isso todas as vezes em que fui “pega” para responder algum deles. Os de faculdade, então, em geral são totalmente embandeirados, e os pesquisadores jogam cumprindo tabela.

No meio do campo, a bagunça é geral. As divididas, então, nos deixam mais caídos que o Neymar. Porque se antes eram duas, agora as torcidas estão esfaceladas e pior: mais rachadas no campo dos gols possíveis, ao centro e à esquerda.

Quer saber? A bola está rolando mesmo muito solta por enquanto. O que preocupa, se não poderá ocorrer o pior. Uma vitória por W.O. – já que estamos tão preocupados com futebol.

____________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Estou aqui fazendo aquele sinal que pede o tal árbitro de vídeo, o quadrado riscado no ar. Quero ver o que vai acontecer quando a campanha começar de verdade na tevê.

marli@brickmann.com.br  e   marligo@uol.com.br

Brasil, 2018

——————————————————————

ARTIGO – Chacoalhada geral. Por Marli Gonçalves

 Ainda está aí sentindo o tremor, não é mesmo? Viu? Percebeu o quão tênues e surpreendentes estão as linhas, os limites, os acontecimentos? Não dá para se acomodar, que tem muito pó-de-mico na cadeira. É hora séria, de a gente pensar juntos qual estrada pegaremos sem bloqueios. E sem bloquear a liberdade

Não foi no primeiro dia, mas lá pelo terceiro a coisa começou a ficar bem feia e então todos percebemos que estávamos parados ou parando nas encruzilhadas e nas quebradas, e que as cidades viraram ilhas. O governo demorou mais do que nós, porque lá onde vivem é uma espécie de Olimpo, e só quando baixaram na Terra é que perceberam que aqui estávamos no Inferno, abaixo dela, terra, alguns dedos, se é que me entendem.

Pagamos uma tal de Inteligência, uma agência inteira, a ABIN, que só serve para nos atazanar, porque ajudar que é bom…Mas nem precisava, porque soubemos também que há mais de ano havia essa ameaça de greve exposta em cartinhas dessa categoria carga pesada – ou melhor, de todas as cargas – e os ouvidos continuaram moucos.

E aí juntou tudo, patrões, empregados, gasolina com preço fervendo, diesel com sangue azul. De tudo que reivindicaram, realmente houve uma coisa que chamou a atenção: não vimos ninguém pedindo na listinha que fizessem melhorias no lugar onde andam, e nós também, propriamente, as estradas, que são a bagaceira em forma de asfalto ruim e terra enlameada. Caminhos que gastam mais combustível, energia, vida, os caminhões, treminhões, pneus, levam vidas. Estranho. Muito estranho também não terem listado outro aspecto: segurança. Isso com tantos assaltos e roubos de carga, cotidianos.

Talvez essas cobranças sobrem agora para nós fazermos, ou numa eventual greve geral que já não acho tão impossível, ou na plataforma dos candidatos que estão aí e que ainda parecem flanar sobre nossas cabeças e problemas.

Assim, precisaremos fazer nossas listas de reivindicações – urgente. Podemos também começar reclamando do absurdo preço da gasolina, mas enquanto maioria devemos nos preocupar muito em exigir transportes públicos de qualidade e vias alternativas de escoagem de produtos de primeira necessidade, como ferrovias. Esses dias todo mundo lembrou do “trem bão”.

Senão, nada impedirá que novamente sejamos chacoalhados e fiquemos pendurados em alguma brocha como essa que pintou o sete nos hospitais, mercados, linhas de produção.

Foram momentos nos quais não soubemos de tiroteios nem de balas perdidas no Rio de Janeiro; da febre amarela, dengue, e do absurdo das campanhas contra vacinas feitas por ignorantes. Talvez esses e outros tipos de ignorantes estivessem preocupados em sacudir bandeiras desajeitadas pró uma intervenção que eles não têm noção do que é, do que poderia ser, do que foi quando ela aconteceu e nos chacoalhou, bloqueou e feriu por 21 anos.

Aprendemos muito observando esses dias. Vimos o medo, a loucura, a ganância e o egoísmo em suas piores formas, o descontrole e o exagero. O corre-corre desnecessário. Cada um por si, ninguém por todos. Um país inteiro de joelhos, cada um rezando um credo.

Ficamos com o bumbum na janela. E dela avistávamos as ruas vazias, sem trânsito, muita gente andando, muitas bicicletas enfim ocupando as ciclovias, e sentimos o estranho (mas muito bom) silêncio. Poluição pela metade. Incrível como tudo pode ter um lado bom.

Mas mais do que tudo isso, sentimos o tremor e o temor. Externamos nossas preocupações com o futuro, com o que aconteceria, e com o que pode acontecer. Fomos pegos num redemoinho, e ainda estamos bem tontos.

Esperamos soluções, e que não são soluços grandes de um choro que não queremos mais ter. Muito menos por estarmos engasgados com tantas coisas para dizer.

_________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Vivendo um momento de transição etária nesse momento e que lembra quantos anos rodados de estrada. E a tristeza por todos que foram ou já estão parando nos acostamentos. Saindo literalmente para fora do caminho.

marligo@uol.com.br /marli@brickmann.com.br

São Paulo, beliscada, junho de 2018

ARTIGO – Não tem nem mas, nem meio mas. Por Marli Gonçalves

Porém, no entanto, todavia, contudo, não obstante. Horas que as letrinhas adversativas chegam apenas para mascarar. Essa mania nacional de pensar claudicante e de pouca firmeza em opiniões pode nos levar a um buraco muito mais fundo do que aquele em que já estamos. Eu não sou isso, aquilo, mas… não cabe nesse momento. Ou é ou não é. Ao menos assumam. Respeitem nossa inteligência. Nada de votos envergonhados

Já começou a temporada do “Eu não sou…, mas” – e lá vem defesa do indefensável. Tenho reparado que essa praga volta com força máxima e logo agora que tanto precisamos de opiniões e atitudes certeiras, decididas. É igual a usar excessivos gerúndios, que estou convencida que é um vício que “pegou” porque é apenas uma forma, um jeitinho, de ir levando, ir fazendo, ir ganhando tempo, de não fazer é nada, como combina com o caráter nacional. Acabemos com isso, enquanto é tempo. Não é hora para covardes vindos de nenhumas das várias pontas da questão Brasil.

Direto ao ponto, para ser mais clara. Um candidato à eleição presidencial vem se fazendo apenas (até porque não tem outras qualidades) em cima de polêmicas absurdas, despreparo, atraso, manipulação de informações e do desespero de brasileiros em várias áreas, em especial a violência. Ele não é novo, não é exótico; é apenas uma besta. Estou falando, claro, de Jair Bolsonaro, que, pior ainda, tem filhotinhos bolsonarinhos. Pronto, já deixo claro aqui o que eu acho desse nome: traz as trevas, não tem a menor condição, é mais uma palhaçada que se criou nesse ambiente doente e árido em que vivemos. Eu acho isso. Respeito, embora não há argumentos que possam justificá-lo,  quem admite de forma desenvolta que ficará com ele.

Mas já irrita profundamente, e as tenho encontrado com alguma insistência, especialmente nas redes sociais, pessoas que escancaram um “Eu não sou Bolsonaro, mas…” seguido de uma série de argumentos favoráveis a essa angustiante opção. Esse tipo de sentimento gerou Malufs, Cabrais entre outros insolentes que acabaram no poder. E acabaram com o país e com o nosso crédito na política.

Do outro lado: “eu não sou petista, mas…” tem impressionado muito, porque precisa ter capacidade, ou um bom pagamento de soldos, para vir a público defender, não só o Lula, mas toda a corja que se formou dentro do partido que era a esperança, e virou um verdadeiro e escancarado lixo, para dizer o mínimo. Gosta dele, Lula, quer vê-lo fora da cadeia? Ok. Bárbaro. Hashtag para você também. Mas por favor, pare aí. Não venha com lamúrias, ousar dizer que não houve julgamento, sendo que passou por todas as camadas, esferas e estratosferas. Fora que esse processo que corre mais lépido é apenas um entre outros muito mais cabeludos. Muito mais.

Entendo e admito que no meio de mais de uma dezena de opções absolutamente atemorizantes se definindo como candidatos, nossa cabeça esteja mais para biruta de aeroporto. Mas há de haver detalhes inegociáveis. O respeito aos direitos individuais, à liberdade de expressão, aos mecanismos democráticos de controle, ao Estado Laico.

Dentro disso tudo, repito, não tem nem mas, nem meio mas…Não pode ter.

Não sou racista, mas… Respeito as mulheres, mas… Não tenho nada contra gays, mas… É muito covarde e gera atos tão covardes quanto. Não acredito em bruxas, mas…

Podemos usar o tal mas em outras formas, nas quais denota defeito. Por exemplo: Lula é um líder, mas deixou rastros e provas de ter se beneficiado pessoalmente; Bolsonaro surgiu, mas sua incapacidade intelectual e gênio o tornam inábil e perigoso.  Eles, entre outros nomes que se apresentam nas esferas estaduais e federais, são a personificação do mas, em sua terceira opção, a da dificuldade, porque são a própria negação, o embaraço, o obstáculo, o inconveniente, a objeção. Mas é adversidade, e não aguentamos mais tantas delas.

Apelo: “mas” enquanto conjunção sempre ligará duas orações. Aproveito: que assim seja, Deus nos livre deles! – mas se eles insistirem será preciso combatê-los. Com firmeza.

____________________________________

Marli Gonçalves, jornalista. Um detalhe importante para aprender. Mas não é mais, que sempre aparece como outro erro de linguagem. Uma é uma coisa; mas a outra, outra coisa.

Brasil, mas pode chamar de ameaçado, 2018

marligo@uol.com.br/ marli@brickmann.com.br

__________________________________

ARTIGO – Vamos mudar o disco. Por Marli Gonçalves

 

Vou atirar para tudo quanto é lado, adianto, que não estou gostando nadinha dessa coisa de ficar falando só em dois lados da questão Brasil. Essa moeda tem pontas, muitas, uma pluralidade delas. Quero meu país de volta. Quem ganha com essa paradeira, com essa tensão toda? É cansativo. São já pelo menos mais de três anos que parece que não temos mais um minuto de sossego, que nada funciona normalmente, que não tem dia sem algum sobressalto

        Se você me conhece pode imaginar com mais precisão, mas não importa, se você não me conhece pode imaginar também. Estou aqui segurando uma plaquinha – um papel daqueles, sulfite, escrito à mão com os dizeres: Por uma Nova Constituinte Já! Só assim, com uma reforma política, com uma ordem social mais planejada, moderna, visando o futuro que já mostra a cara, com tecnologia e avanços, vamos conseguir levantar o pé dessa lama. Começar de novo.

Essa semana foi, vem sendo (e será a outra também) desesperadora. Mas foi a prova de onde reside um dos nossos maiores entraves. Dias e dias vendo e ouvindo bate-boca de ministros com suas togas negras e vistosas debatendo entre si, se entreolhando feio, falando, falando, falando, e poucos entendendo exatamente o que diziam em seus sonolentos votos.

Pior, ao analisar esses debates com um pouco mais de atenção, perceber que todos discutiam, de alguma forma, a forma da lei. Que cada um lê essa lei, que não é clara, de uma forma. Do ângulo que lhe convém, uma coisa meio Babel. Ao mesmo tempo, para defender seus argumentos, todos acenam iguais brandindo com o mesmo livrinho verde e amarelo nas mãos, e as palavras Constituição e constitucional, repisadas. Engraçado é que aplicadas igualmente a justificar visões opostas. É esquizofrênica a situação; bipolar.

A coitada da Constituição de 88, tadinha, já nasceu meio capenga, vinda de uma época cheia de dúvidas, recém saindo de uma longa noite de ditadura onde foi fecundada. Nesses 30 anos, a já balzaquiana foi emendada, remendada, costurada, acharam um monte de verrugas nela, incrustadas e escondidas por hábeis manobras. Agora é isso aí: todo mundo fala que a segue porque ela é gordinha de tanta coisa que satisfaz a qualquer um, ao gosto do cliente.

Não vou me deter em tratados sociológicos ou meandros jurídicos, que nem me arriscaria. A realidade é maior. Quem está conseguindo trabalhar direito, sem sobressaltos? Sem medo? Quem está realmente satisfeito com seus governantes, com seus representantes eleitos, uma decepção atrás de outra? Quem é que está confortável com as Eleições que se aproximam, marcadas para daqui a apenas seis meses? E essa mais nova moda trumpiana que baixou aqui – comunicação pública – recados, posições, controvérsias, fusquinhas e rusgas – via redes sociais, tuítes.

As contas não param, os bancos não perdoam, ninguém quer saber se teve ou não protesto, se a cidade parou, se não sei quem vai preso, se outro manda soltar, se os dias não estão rendendo. Você está aí com os boletos nas mãos, sacudindo. Falam em milhões, bilhões surrupiados, enquanto contamos as moedas. Não entendo porque o país está tão dividido se o barco é esse mesmo, igual para todos, excetuando-se só os palermas que ainda acreditam que as coisas não se passaram como se passaram. Que o Grande Líder, Pajé Lula… Que o Chuchu… O maluco beleza… Andam até ameaçando ir buscar nos confins aquele exemplo de postura, Joaquim Barbosa! Porque é negro. Mulher, não, que já acham que não deu certo.

Embora tenhamos pouco tempo, talvez com o andar dessa carruagem que está descarrilando tenhamos de pensar logo nisso. Numa eleição onde escolheríamos constituintes. Talvez pessoas mais gabaritadas se apresentem em suas áreas, vindas da sociedade civil, criando, aí sim, uma nova política. Sem esse blábláblá de gestão, sem messianismo, sem que sejamos ameaçados todo dia com alguma tirada genial da cartola de algum cartola. Com o tempo determinado.

Como é que faz não sei. Sei que tem mais gente pensando nisso. Eles que são importantes que se entendam. Eu vou continuar segurando minha plaquinha com o pedido. Foi a única coisa que achei até agora, mas se você tiver outra sugestão vai ser legal.

Precisamos mudar o disco dessa vitrola.

________________

Marli Gonçalves, jornalista – É tanto embargo, tanta presunção de inocência e culpa que só cantarolando a música do Djavan com outra letra: “Um dia tenso/Sem um bom lugar nem pra ler um livro/ E o pensamento lá em você/Que é muito vivo… Um dia triste…”

marli@brickmann.com.br / marligo@uol.com.br

Brasil: mostra uma nova cara!

ARTIGO – Que gestação é essa? Por Marli Gonçalves

Que gestação é essa?

Marli Gonçalves

Pega a folhinha. Conta. 1, 2,3. Três já foram. Faltam agora só nove e a coisa que creio todo mundo mais deseja é não ter que passar esses nove meses esperando que nasça um novo Brasil. Temendo que esteja sendo gestado um monstro nascendo prematuro, tirado a fórceps. Que vá direto para uma encubadeira.

Entra dia, sai dia, entra noite, sai noite. É na hora do café da manhã, do almoço, do jantar. Se bobear, também na hora do lanche. Uma informação estranha, muito estranha, uma prisão, uma soltura, uma chacina, assaltos, explosões. Tiros. Um desaforo. Um telecatch entre ministros supremos, alguma deselegância.

Será que estão se dando conta? Três meses já foram. Mais três tem Copa do Mundo, que era só o que faltava para esse ano; soma mais três e – lembra? – Eleições. Nacionais. Para a Presidência, Governo dos Estados, Senado, Câmara Federal. Seria a hora boa para trocar, renovar, arejar, oxigenar. Seria.

Mas nossas mãos embalam um berço ainda vazio. O que poderia vir como novo se dedica especialmente a infernizar a Mãe Pátria, chutando bem a sua barriga, e nessa gravidez múltipla – põe múltipla nisso – com mais de dez candidatos a herdeiro, um tenta enforcar o outro com o cordão umbilical, tomar as forças, tomar a frente, nascer.

E, pior, parece que todos são gêmeos quase idênticos, para o nosso desespero, nós que esperamos aqui do lado de fora. Querendo saber se é menino ou menina, o tom da pele, se vai nos libertar ou censurar; se vai propor o desarmamento de espíritos, se vai querer estudar e ser alguém ou viver de dar jeitinho. Com quem vai parecer. Queremos ver a carinha, saber de que cor vai ser seu enxoval, sua roupinha, se branca, verde ou encarnada.  Se cantaremos cantigas românticas, ou hinos nas ruas, com o velho refrão: o povo unido, jamais será vencido.

Ficamos aqui torcendo – pelo andar desse andor – que ao menos nasça de parto minimamente natural. Ao menos isso temos de conseguir nesse meio tempo, já que os nossos desejos ainda terão de ficar esperando. O ovo ainda não mostra a serpente.

Não há como negar, contudo, que essa gravidez está bem tumultuada e estressante. Tanto que não dá nem pra desejar comer melancia com pão, ou sorvete de bacon. Temos de nos ater ao arroz e feijão, pondo a mão para cima, louvando se os temos.

Há fantasmas rondando esse berço, vindos de uma espiral do tempo, de 68, 78, 88, por diante, e não são rotações. As farsas se repetem. E nesse futuro-presente vêm ampliadas em redes virtuais, tecnológicas, não humanas, redes que ainda não têm a sua capacidade de destruição totalmente identificada.

Sai pra lá, bicho papão! Dona Cegonha, tenha piedade de nós.

________________________________________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Que confusão é essa? Que bandalheira é essa? Que gestação é essa, que nós é que sentimos as contrações?

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Brasil, lépido 2018

ARTIGO – O mundo não vai acabar. Acho. Por Marli Gonçalves

Estão fazendo disso tudo um carnaval tentando por os blocos na rua, mostrar-se todos bem assanhados, rebolando na boquinha de um Tribunal. Digam-me sinceramente: na real, o que é que esse julgamento, o primeiro dos muitos de Lula que ainda teremos o prazer de ver e rever, mudará na sua vida? Por que tanta papagaiada em torno disso, como se fosse um julgamento muito do importante, de vida ou morte, mundial, histórico? Se confirmado pelos desembargadores, condenado, acaso ele vai para uma cadeira elétrica, guilhotina, ou vai ficar só sem sobremesa? Ou melhor, sem candidatura?

Acaso ele já estava eleito por antecipação, aclamação, bons serviços prestados anteriormente, premiação por nos ter dado a chance de aguentar a Dilma? Seria Lula alguma espécie em extinção? – isso até, pensando bem, poderia ser bom.  Um Messias, ou Bessias? Seria Lula algum personagem mitológico, ser acima do bem e do mal e que, se condenado e não puder concorrer à Presidência, o país será riscado do mapa? Ou essa história está sendo tão repisada que talvez até haja quem realmente acredite – repito, caso os desembargadores confirmarem essa primeira sentença que há contra ele, em um julgamento-  que a nossa democracia estará em risco? Oi, tão malucos?

E de tudo quanto é lado, esse exagero, que culmina agora com transmissão ao vivo via YouTube! Governador pedindo tropas. Manifestações programadas antes e no dia, telões em praças. Chuvas de abaixo-assinados. Só falta combinarem cor de roupa pró e contra, adereço de mão, pintura tribal.

Até quando teremos de, inclusive, ver e ouvir as patacoadas e reinações de Narizinho, a Gleisi, que agora preside o impoluto PT em sua desesperada tentativa  de isentar o ex-presidente de seu triplex na prainha, que ainda nem é o Sítio do Pica-Pau amarelo, ou melhor, o sítio de Atibaia, outro capítulo mais adiante dessa interminável novela.  E o Lindinho, o Lindbergh? O senador meia-boca, paraibano eleito pelo Rio de Janeiro que continuará sendo apenas conhecido como ex-líder estudantil cara pintada, e que conclama, insinua, ameaça, se esgoela, cria frases de efeito, se esmera em espalhar um clima de guerra, como se o caso pudesse mesmo ser de grande mobilização popular. O povo não está se mexendo nem para se coçar! De qual planeta essa gente desembarcou?

Para onde se olha, se não for para as quilométricas filas dos postos de saúde onde repentinas ondas e turbas exigem tomar vacina contra febre amarela  até mesmo sem precisar, e o que já dizima pessoas que não podiam tomar e estão morrendo, só se escuta falar do tal julgamento.  Um pandemônio que lida com a conhecida ignorância nacional misturada com notícias falsas, boatos e, ainda por cima, ameaças, inclusive aos juízes que decidirão o placar de três votos em Porto Alegre.

Nos nossos tempos ainda concorre, para piorar o terrorismo e nos infernizar, o Whatsapp que as pessoas gratuitamente vêm usando sem qualquer moderação e que continuando nessa toada será exterminado, pelo menos dos celulares de quem tem o que fazer. Por ali passam todas as sandices, inclusive de uma corrente dos que têm vivido só  para odiar e passando da conta com suas adorações de bolsonaros e afins, estes sim bem perigosos para a democracia e para a nossa saúde.

Julgamentos, também acho, podem ser incríveis, emocionantes, mobilizar corações e mentes, mas desde que os crimes sejam ricos em seus roteiros e detalhes; os criminosos, mentes fascinantes nem que seja pela ousadia. Não casos de corrupção sórdida e pobre que revelem projetos de poder pessoais criados à base da miséria humana, do desprezo às boas práticas, que culminam em tríplex, pedalinhos decorados e outros bens pessoais de gosto duvidoso e às nossas custas.

Essa é só a primeira temporada dessa série.

________________

Marli Gonçalves, jornalista – não seria melhor se estivéssemos vendo exatamente quem serão mesmo os candidatos à presidência? Já viram que enquanto nos distraem até o Fernando Collor está se lançando, botando a cara para fora do buraco de onde nunca mais deveria poder sair?

 Brasil, para frente, por favor!

marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Quem quer ser Ministro? Por Marli Gonçalves

Não importa se com “O”, com “A”, o critério para nomear quem comanda as áreas do governo é parecido a ficar lá debaixo de uma goiabeira, esperando as goiabas caírem de maduras. Tanto faz, como tanto fez. Impressionante, parece programa de mau humor.

E as goiabas estão caindo, todas, bichadas. Deus do céu, nem bem o ano começou e a gente já tem de enfrentar essa gastura de ver a pobreza da política nacional na enésima potência. Fica difícil ter esperança, planejar, que dirá então apoiar.

Não dá mais nem para fazer qualquer análise política séria, ter imparcialidade – já é quase provocação substituírem os ruins pelos péssimos, piores ainda, como foi, por exemplo, o caso agora do Ministério do Trabalho, só o caso mais recente. Sai um ministro nada e foi nomeada uma moça, olha que legal! Mulher! Já na primeira declaração pública, Cristiane Brasil, que vem a ser eternamente apenas a filha de Roberto Jefferson entre as vírgulas, correu para se autodeclarar feliz e “empoderada”.

Não passaram algumas horas para aparecerem condenações dela na área trabalhista, e lembranças. Eu imediatamente lembrei que em 2015 essa mesma moça queria fazer lei e proibir as mulheres de andar com minissaias e decotes no interior do Congresso Nacional. Quis criar um dresscode, uma regra de vestimenta.

Escrevi sobre o caso (“Deputada, faça-me o favor) à época.

Ela foi capaz de defender a ideia assim: “Queremos corrigir um erro histórico. A gente sempre luta por equidade com os homens. O regimento já determina o que os homens devem vestir mas não fala nada em relação às mulheres”. Sim, ela disse isso.

Mas como tudo pode piorar, como a nova ministra era deputada federal, sua saída abriu uma vaga no Congresso que vai ser preenchida pelo deputado Nelson Nahin (PSD-RJ). Você não o conhecia?

Vou apresentá-lo.

Não, ele (ainda) não é acusado de corrupção. É pior, muito pior. Foi preso, acusado de estupro e de participar de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes, em Campos de Goytacazes (RJ). Para completar, mais familiaridade: é irmão de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, aquele que tem feito voos rasantes e sempre bem escandalosos nas penitenciárias. O adesivo de família feliz dessa turma deve ser uns desenhinhos de todos atados entre si com algemas e tornozeleiras.

 Nessa semana houve mais um ministro que aproveitou a leva e pediu demissão, o Marcos Pereira, o Pastor Marcos Pereira, como faz questão, Bispo da Universal, que talvez vocês não tenham se dado conta: era o Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Cada um desses seres representa um partido que, por sua vez, infelizmente não representa nada para nós, mas para o governo pode dar votos na hora em que eles pretendem aprovar mudanças e reformas; tão boas, mas tão boas, que precisam dessas moedas de troca para passar, como se fossem reféns, apostas, e às vezes nem com isso. Só pagando.

Toda essa roda é comandada pelo tal Carlos Marun, Ministro da Secretaria de Governo faz um mês, responsável pelas negociações políticas entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Um troglodita, vamos definir basicamente assim. Você o verá diariamente nos telejornais – todo dia apronta, ameaça, ou fala alguma bobagem –  e haverá de concordar comigo. Temeremos os próximos meses desse ano eleitoral. Há possibilidades de trocas lindas como estas em 13 outros ministérios! Barganhas de todos os tipos, cores, tamanhos e valores.

Imagina os substitutos? Um tem de se abaixar e beijar a mão de algum tipo de Sarney, outros terão de se submeter a ser atropelados todos os dias, outro tem de ser mulher, para aumentar a cota feminina além de Luislinda, aquela que se achava escrava com ganhos de mais de 30 mil reais, e agora também a que leva Brasil no nome. Outros, ainda, deverão ser do Nordeste, ou jurar que vão fazer sua turma votar a favor do governo, ou – ao que parece ser um item bem importante – ter um passado com alguma ficha corrida. Nem que seja uma citaçãozinha nas delações, um Caixa 2 aqui, ali, um processo, uma escorregada, algo para explicar melhor.

Como pouco se sabe sobre os atuais, nem sobre os próximos que ocuparão cadeiras e continuarão sem importância alguma e com inação total, indico o endereço: http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros.

O governo está muito ocupado. Eles não se preocupam nem em atualizar os retratinhos e as fichas. Deve ser por causa da alta rotatividade na pensão.

__________________

Marli Gonçalves, jornalista – No Leilão Brasil, leva quem dá mais para bater o martelo na mesa. Ainda bem que é só o martelo.

Brasil, primeiros dias, 2018

______________________

marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Balança, balanço, balança. Por Marli Gonçalves

Daqui a pouco começaremos a ver as plaquinhas nas portas arriadas  – “Fechado para Balanço”. É o controle que muitos comerciantes fazem logo no início do ano.  Nós, individualmente (creio que todo mundo, de alguma forma), fazemos nessa época, nos nossos cantinhos, com os nossos botões, o nosso balanço interno. Pomos tudo na balança. O ano que se vai, pensa só, foi deles, do balanço e da balança, e olha que nosso chão chacoalhou um bocado.

O século vai chegar à sua maioridade.  A gente fica remoendo ali nos pensamentos se fez tudo o que tinha para fazer. Lembra tudo o que aconteceu – nessa hora a memória funciona que é uma beleza, principalmente para lembrar maus bocados. Aí imediatamente procuramos quais foram os momentos bons para contrapor, enquanto tentamos recordar tudo o que prometemos, lá no final do outro ano, que faríamos neste ano. Fizemos? Ainda bem que muita coisa só a gente sabe que se prometeu, melhor assim, menos mal. Fica mais fácil falhar.

Passou rápido demais. Se me permitem, sinto que está mesmo passando tudo mais rápido. Deve ser esse afã impressionante que o mundo digital abriu diante de nós. Fica tudo tão em constante mutação que ficamos correndo atrás, numa infrutífera tentativa de alcançar a ponta da linha. E ela corre de nós.

Viver nesses tempos é distante da calmaria da imagem do balanço, aquele dos parques, das redes, das cordas nas árvores, dos playgrounds, e que alguém vem por detrás e empurra para dar impulso, e que a gente dá aquela risada nervosa quando vai lá na frente, tentando não se estabacar no chão.

Estamos mais para o navio que balança no mar bravio. Enquanto o samba toca, a gente balança, requebra, dá um remelexo. Assim superamos os solavancos, os abalos, que nos deixam tão balançados. Ô, marinheiro marinheiro/Marinheiro só/Ô, quem te ensinou a nadar/Marinheiro só/Ou foi o tombo do navio/Marinheiro só/Ou foi o balanço do mar…

Amor, amor deixa balançado. Desamor também. Tomar decisão deixa balançado. Medo de tomar algum revertério.

Ficar doente deixa tudo muito balançado. O corpo da gente também vive entre a balança e o balanço, às vezes bom, dançando. Balançamos a cabeça, os ombros, os braços, as pernas quando a cadeira em que sentamos é maior do que nós.

A balança que não serve só para nos fazer prometer regime, corta isso, corta aquilo, é também equilíbrio, harmonia, proporção. Os dois pratinhos paralelos. Quando a gente pesa os prós e os contras a sua imagem é recorrente. Uma balança ajuda em muita coisa. Tanto foi ano dela que em boa parte do tempo estivemos  ligados em decisões de tribunais, que andam regendo os movimentos e desígnios do nosso país. Ritmos loucos.

O balanço geral, hoje chamado muito pomposamente de demonstração contábil, é parecido ao que fazemos pessoalmente – especialmente nesta última semana do ano, quando a coisa “bate” que o tempo passa. Medindo ativos, quantas vezes o fomos; passivos,  quantas vezes nos submetemos. Mais: o capital que conquistamos, os lucros, os prejuízos, o aspecto geral de nossos negócios.

Anote bem os resultados. Esse ano, quando o século chega à maioridade, devemos estar mais maduros, responsáveis, prontos para encarar o futuro. Esse futuro aí, o da realidade, não aquele que ganha voz de conselheira nos comerciais de final de ano dos bancos na tevê – logo eles que na realidade tanto empatam o nosso.

Vamos pular essas ondas. Que venha 2018. Tomara que nele o maior balanço seja mesmo o do nosso andar faceiro, da nossa ginga por todas as boas estradas que o destino nos levar.

___________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Olha só que definitiva a letra dessa música do Tim Maia, “Balanço”: Deixo de viver o compromisso/ Longe de qualquer opinião/Farto de conselho e de chouriço/ Maltratando o velho coração. Ovo de galinha magra/ Gora/Todo mundo que eu conheço/Chora.

2018, pode entrar. Estamos te esperando

marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br
_____________________   

  

ARTIGO – Bleque Fraidei. Por Marli Gonçalves

 

Liquidação! Liquida tudo. Que negocinho chato e intrometido. O que era para ser um dia, na tal sexta fraidei, virou bleque semana, mês e já já teremos o Bleque 2018, que estará mais para Blague 2018, se for mantida essa atual lista de candidatos. Vão liquidar as nossas esperanças em parcelas com juros e juras de mudança.

A cada dia que abrimos a janela para o mundo das informações damos de cara com um espanto. Seja a aparição de um candidato novo – e todos os tipos mais estranhos essa hora aparecem, como o tal Dr. Rey, o melhor exemplo. Na plataforma que o indivíduo do bisturi apresenta vem a promessa de trazer de volta a nossa “sensualidade” e “levantar o Brasil da miséria”, o “free market society”, fazer o Hino Nacional ser tocado todas as manhãs com todos levantando e colocando a mão direita no lado esquerdo do peito.

Ninguém merece. Nós não merecemos. E ele vai ganhando o espaço para as suas bobagens e clínicas que espalha por aí.

No meio da enxurrada de ofertas estapafúrdias que vêm nos soterrando há dias por todos os meios, enchendo todas as caixas postais e nossa paciência, surgem ainda as pesquisas. Pesquisas para saber o que achamos ou não da tal sexta-feira que, essa sim, podia e devia cair em algum dia 13, porque é azar danado acreditar nos tais descontos miraculosos.

Tão miraculosos como são as promessas – algumas quase ameaças para quem tem o espírito livre e deseja um país – que jorram da mente dos que tem aparecido na frente em pesquisas siderais para a Blague 2018. Um carcomido e bravateiro líder ex-operário-trabalhador faz muito tempo e um ex-militar, político de quinta categoria, metido a ditador que quer endurecer tudo, sem ternura, e sem prazer. Dois primeiros de arrepiar, seguidos por outros rojões … Só falta inventarem algum bicho como os tais cavalinhos horrorosos e chatos do futebol, que ficarão correndo no programa de domingo na tevê com suas lamentáveis vozinhas. Sugestões?

Senhor! É como se brincássemos alegremente em um campo tão sério, a forma como vêm sendo levadas as coisas em torno das eleições daqui a menos de um ano. Ano que pode passar rápido ou continuar se arrastando na lama.

Com ofertas de nomes liquidados como na tal invenção importada para vender mais agora perto do Natal, são postos no mercado de apresentadores de tevê a políticos alguns que, se a gente perguntar rápido em qual partido estão, capaz deles errarem tanto que trocaram, tão “firmes” são em suas ideias; os de sempre a musas amazônicas que só saem da toca para pedir voto como aqueles seres da floresta que ninguém vê na hora que mais precisa; de boquirrotos literais cheios de frases feitas ditas com forte sotaque a desconhecidos do grande público e do pequeno também. As novidades até surgem, mas como gordura para ocupar os tracejados, prontos a se jogarem em qualquer panela velha que os convide quando chegar mais perto a hora da fervura.

Toma bleque fraidei pela frente, usado por quem pode.

Quem não pode se sacode. E ficará só aguardando as notícias sobre fraudes e descontos imaginários, entregas não realizadas, protestos, reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

Mas na Blague 2018, marcada para o dia 7 de outubro, com segunda chamada dia 28 de outubro todos, obrigatoriamente, terão de participar e comprar um pacote que incluirá presidente, governador, deputados.

Teremos para quem reclamar depois?

________________________________________

Marli Gonçalves, jornalista – Já estão chegando mensagens de Paz, Alegria, Fraternidade, tudo para o ano que vem. E eu já comprei muito gato por lebre.

Brasil, em transição, na bacia das almas.

_________________________

____________________________
marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br
www.brickmann.com.br
www.chumbogordo.com.br
____________________________

ARTIGO – Buuuú! Nossos dias assombrados. Por Marli Gonçalves

Andamos escabreados normalmente. Se fôssemos crianças pediríamos até para dormir com uma luz acesa no quarto, com medo de tantas assombrações rondando nossa paz. Esta semana teremos como afugentar, pelo menos as assombrações, de formas mais divertidas, e aproveitar para lembrar tantos que amamos e que já se mandaram desse plano

Temos um presidente bem parecido fisicamente com um vampiro. O que já é assustador quando lembramos que sobrevivemos a todo tipo de outras assombrações, de açougueiros cruéis na ditadura ao bonequinho de palha vodu do saco roxo, entremeados com bigodes vassoura de bruxa, seguidos de topete arrepiado e das profundas olheiras do intelectual. Depois foram anos do personagem fantasiado de operário, seguido pela bruxa do vento ensacado.

Não bastou. Não basta. Estamos todos apavorados com os outros muitos seres estranhos que ainda podem surgir, levantando-se de catacumbas, saindo da tela da tevê, ressuscitando de temporadas nas masmorras de Curitiba não descritas na obra de Dalton Trevisan ou mesmo dos freezers de onde ainda pretendem se descongelar.

O que pode nos apavorar mais do que isso? Ah, tá. Rever a gravação da votação no Congresso. Ouvir os discursos de uma tal caravana trôpega que anda por aí. Sentir o cheiro do Alexandre Frota por perto, brincando de cirandinha com o japoronga do MBL e seus amiguinhos, estes sim, todos completamente censuráveis.

Não serão gatos pretos, abóboras iluminadas, criancinhas gritando e pedindo doces no Halloween que também virou acontecimento no país que gosta de importar hábitos. (Se bem que as coisas por aqui andam tão pretas, se é que me entendem, que estou vendo os comerciantes já pularem direto para o Natal para ver se conseguem desovar e vender bugigangas mais funcionais).

Ainda bem que poderemos apelar a Todos os Santos, dia 1º, livrai-nos do mal! É um dia concentrado, para santo nenhum ficar com inveja dos que têm mais seguidores ou likes.

No dia seguinte, 2, acender velas e pedir aos nossos mortos que a tudo devem assistir, lá de cima ou lá debaixo, que nos protejam desses assombrosos seres que dominam o país, mais do que vivos, vivaldinos. Vigaristas, mesmo, para usar expressão mais clara.

Conta a História que os índios astecas acreditavam que as portas do céu se abriam na noite de 31 de outubro para que os mortos se reunissem com as suas famílias durante dois dias. Daí a tradição de em alguns países fazerem festas, comidas especiais, usar roupas coloridas. Por aqui, não, a Igreja sempre recomendou constrição, pesar. Podemos imaginar até que ultimamente nossos mortos não farão a menor questão de voltar – se estão vendo “de lá” o país andar pra trás desse jeito. Tanta violência, falta de senso.

Quanto mais vivemos, mais nos parece perto a tal hora da partida, e maior é a lista de pessoas que de alguma forma amamos e que nos deixam apenas com as lembranças e, agora, também, muitos registros na internet que independem de anúncio necrológico.

É mesmo difícil se acostumar com isso. É difícil não temer a morte, a mais inevitável das verdades sem data marcada no calendário.

E como não tem jeito, o melhor é fazer como no México com suas caveirinhas multicoloridas. Chegam a fazer caveiras de açúcar onde escrevem os nomes os seus mortos. Todas as formas possíveis de lembrar com carinho de quem já foi e que talvez reencontremos algum dia, quando aqui na Terra, por sua vez, estarão festejando a nossa memória e o que fizemos.

 _________________________________________________________

Marli Gonçalves, jornalistaEsse ano perdeu um de seus bens mais preciosos, o pai. E lembra todos os dias tanto dele quanto da mãe que certamente está em algum céu junto com outros amigos, todos que já eram exemplos de vida com seus ensinamentos.

SP, fim de outubro, início de novembro, 2017

____________________________
marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br
www.brickmann.com.br
www.chumbogordo.com.br
____________________________

ARTIGO – Ria. Você está sendo desgovernado. Por Marli Gonçalves

Que piada de salão que nada! Tudo isso vale meme, paródia, escracho. Trocadilho. No país que é cada vez mais o paraíso dos humoristas ácidos que lidam com a realidade,  difícil discernir o que é anedota do que é verdade, sério ou importante, se é que alguém ainda sabe o que é isso exatamente.  E se fosse só na política…

Bala zunindo pra tudo quanto é lado, o pau comendo em uma das maiores favelas – ops!, comunidades – do país. As paredes esburacadas mostrando o quanto a coisa é antiga. Briga aberta de traficantes, sendo que um deles está a milhares, mi-lha-res, de quilômetros, preso, presinho, trancado, mas com telefone – pasmem – e que funciona, por onde dá ordens.

Você prestou atenção? Você ouviu os assobios das tropas do Exército que desfilavam seu verde só nas redondezas até que alguém os mandasse ir lá ver o Brasil descendo a ladeira?  E os comandantes. Um ousa dizer que está tudo pacificado enquanto a violência faz metástase em bairros nobres do Rio de Janeiro, vizinhos da cidadela. Um outro escreve no Twitter que vai pedir ajuda, o que emputece o ministro que fecha a cara porque quer um oficio timbrado, sabe como é, né, ele é o tal Poder.

Para combinar, tudo isso em plenos dias que o Rio de Janeiro tentava ao menos relaxar com seu Rock in Rio que coincidentemente ao momento alguém resolveu que viraria sigla, RiR. Combinando.  Ô mania que esse país tem por siglas!

Não é por menos que sites como o Sensacionalista e seres como o personagem Joselito Muller estão crescendo e se multiplicando. O país virou piada. Mas os maiores humoristas já estão no poder. E pretendem, parece, continuar com suas piadas de péssimo gosto.

Enquanto isso, a mídia a cada dia dá passos mais largos em direção ao empobrecimento geral da nação. E dando “ibope”. Quer um exemplo? Fácil. Vá aos principais portais e veja quais são os fatos mais lidos, aos borbotões. Pensa que é a situação econômica, a falta de remédios – inclusive básicos – nos postos de saúde, a indigência moral e ética? Não!

Com a ajuda dos personagens que a cada dia abrem mais as pernas e a mente de suas vidas pessoais, e fazem questão de dizer se transaram com um, dois ou três, se era grande ou pequeno, que botaram peito ou tiraram peito, se cortaram ou se deixaram, para não citar fatos ainda mais cretinos, esse virou o mundo atual. Todo mundo querendo ser mais “moderno” do que o outro. Mais avançado, mais arrojado, mais up-to-date, com mais seguidores até no inferno.

Um imbecil, o Roger Moreira, que sempre foi até conhecido por seu QI alto, pau grande como sempre fez questão de informar, e até com alguma anterior qualidade musical, aparece para se ultrajar e apoiar a censura, mexendo com uma artista reconhecida da forma mais chula que vi nos últimos tempos, com desenhinho. Até o pequenino sertanejo Zezé resolve declarar que a ditadura não foi “tão ruim assim”. Que tempos tenebrosos.

Legal ser como sou e como sempre fui para poder escrever isso. Quero ver alguém vir me dizer algo ou me chamar de careta, reacionária. Ultimamente, se reclamo dos governos de araque da última década, tenho sido chamada de esquerdinha, vejam só, o que já me faz rir muito com meus botões e história.

Quer saber? Estou farta de oportunistas que pegam assuntos sérios para se promover e acabar ocultando a total falta de qualidade de seus trabalhos. Na música andam brotando em solo fecundado.  Com o episódio do juiz /cura gay é só procurar, que não foram poucos a tratar da questão como se especialistas fossem, pegando o assunto a unha. No palco do Rock in Rio teve disso, teve Fora Temer com direito a brinco e beijo. Façam atenção: cada vez mais rápido eles chegam e vão. Um Ney Matogrosso que há décadas revoluciona, real, com qualidade e cultura, é coisa rara.

Sim, é fundamental dar visibilidade às causas. Mas a todas. Inclusive ao número de jovens que influenciados por ímpetos andaram se operando, fazendo significativas modificações corporais,  e estão por aí arrependidos. Ou doentes por ingestão descontrolada de hormônios. Ou, ainda, arrependidos de terem desenhado seus corpos com desenhos malfeitos e tintas tóxicas. Ou…

O que é importante não é piada, nem se limita a experiências pessoais de famosos, celebridades e subcelebridades.

Precisamos falar sobre isso. Antes que seja tarde demais. E mais do que 15 minutos.

Marli Gonçalves, jornalista Rir para não chorar.

Brasil, a caminho do 2018

 

____________________________
marligo@uol.com.br
marli@brickmann.com.br
www.brickmann.com.br
www.chumbogordo.com.br
____________________________

Outros naufrágios. Por Marli Gonçalves

Não achei palavra melhor para definir como tenho me sentido, por uma série de motivos: jururu. Jururu da vidica. Por motivos pessoais que não vêm ao caso, mas também e muito por todo dia ver por aí o país andando para trás, ou ancorado, ou naufragando.

O meu jururu é estar acabrunhada. Não chego a considerar-me macambúzia, que seria uma espécie de 100% jururu (ei, isso dá camiseta, hein?). Só não estou entendendo como é que as coisas podem acontecer tão sorrateiramente que quando percebemos já nos empurram porta afora, nos impõem limites, censuram, combatem. Proíbem; e proíbem com todo o peso que esse verbo carrega, sempre parecendo estar armado para impor sua ordem, seu veto.

O avanço do ranço disfarçado de patriotismo, que se esgueira ligeiro, como piada por estradas serpentuosas, deve ser percebido e interceptado a tempo. Não é para rir ouvir o barulho de coturnos, falar em marchas, já não mais em caminhadas. Marchas são solenes – é preciso diferenciar uns passos de outros.

Não tem graça. Bolsonaro e os bolsonarinhos não têm graça nenhuma.

Ficar patrulhando se o Caetano segurou uma faixa com vírgula ou sem, ou se o Chico, sim, ele envelheceu, nós também – mas a arte não. Se os Tribalistas voltaram mais discursivos é porque acham que o recado agora deve ser assim, já que a sensibilidade não tem mesmo mais tempo para poesia.

A caretice grassa. E quando se tenta falar sobre um assunto mais humano, vem guerra com um monte de gente que nem ouve – quer bordoar. De outro, uma turma que pode até ter razão, mas fica batendo numa teclinha, chatinhos, repetindo termos insuportáveis e que acabam ainda mais distanciando e justificando uma luta insana de opiniões. Enquanto lados se debatem, tal qual na fábula, os fatos vão acontecendo na vida real: mulheres assassinadas por seus parceiros, milhares de abortos clandestinos, adolescentes grávidas, travestis, trans e homossexuais espancados e mortos, tráfico de gente apanhada na rede dos pescadores do mal.

Não é a novela que faz mal, que ensina ninguém a nada. É a falta de escola, a falta de saúde, de saneamento básico, de lógica nas decisões  prioritárias que ensina que parece que a população não vale nada.

Não bastasse assistir, também perplexa, diante do silêncio geral da Nação, a tantas aleivosias, tantos tiros, tantas mortes, tantos acidentes, tantos ataques à nossa inteligência e sentimentos. Só nessa semana duas dezenas de mortos em águas doces e salgadas jogados de embarcações inseguras. E empresários combinando – e nós ouvimos as gravações – como economizar em segurança, como roubar, além de dinheiro, as nossas vidas, quando percorremos as estradas em pandarecos.

São perturbadores cúmulos da caminhada retrógrada. Um evento aberto ao público, no tropical Rio de Janeiro, um concerto musical, traz escrito no convite um imbecil dress code: proibido usar saias dez centímetros acima dos joelhos, transparências, decotes, bermudas. Ah, por quê? Por que o evento será na Vila Militar.

– Estás boa, santa? – perguntaríamos anos atrás. Agora parece que estamos com medo. Parece, não. Estamos. Andam muito preocupados com o que vestimos, com quem transamos, quem beijamos. Se ocupam em impor regras pelas réguas deles. Mas não estão medindo o mal que fazem para o futuro que bloqueiam.

Não é normal.

____________________________________________________

20170606_181508Marli Gonçalves, jornalista
Tomam muito de nosso tempo quando nos tomam como submissos.
XÔ, AGOSTO!

_______________________

fofoca

ARTIGO – Ovos, virados. Por Marli Gonçalves

Ovos, virados

Por Marli Gonçalves

A mais nova arma não letal que vem sendo usada aqui para expressar desagrado e beicinho é geometricamente perfeita. Não para em pé, verdade, mas seu formato, exatamente nele inspirado, o oval, é bonito e serve bem para um monte de coisas. Se fresquinhos, recém-postos, postura; se no ninho, ninhada; na panela, se vira todo.

Frágil, delicadinho, o ovo está sempre no meio das polêmicas. Já começa do princípio de sua própria existência. Quem nasceu primeiro? O ovo ou sua mãe? A galinha? A pata? Ovos de quê? A humanidade se depara com suas grandes questões. Seria a Terra oval? – perguntaram-se até os conquistadores, abrindo aí dissidência histórica com o redondo, com o quadrado, isso sem esquecer o retângulo, ou o losango e suas arestas.

Para ficar em pé precisa de suporte. Para chocar precisam ser aquecidos.

Sua geometria, contudo, faz com que, atirado, voe célere pelos ares se partindo no alvo, esparramado, esbanjando seu amarelo e branco pegajoso. Andam voando para cima de quem se apresenta fora da hora para a missão impossível que se torna a cada dia o quadro eleitoral a se definir ano que vem. Homens públicos ressuscitarão o hábito de usar elegantes e bem dobrados lenços de pano em seus bolsos. Talvez se ressuscite também o galante que o oferece a uma mulher que chore ao seu lado, ou que dele necessite que seja estendido sobre uma poça de água.

Ovo jogado dá boa foto, vira notícia. Só precisa ter bastante cuidado para carregar o armamento, que pode fazer estrago se quebrado, rompido dentro da bolsa. Aí mostra seu pequeno, mas porcalhão, potencial ofensivo. Não é bomba que estoure no colo. É arma infantil.

Por aqui o bombardeio é assim leve, embora gaste alimento tão nutritivo. Certo que ele tem fases: épocas em que é execrado, bandido, vilão, assassino silencioso. No momento, pelo menos nesse sentido, os ânimos estão apaziguados e até indicado está sendo para fortalecer o corpo, fonte de nutrientes, proteínas, e sabe-se lá mais quanta coisa que aparece a cada dia, impressionante, para elogiá-lo. Coma pelo menos um ao dia. Já apareceu quem coma mais de 30 para ficar fortinho – mas esses dizem que separam a gema – ficam só com a clara.

Do branco ou do caipira. O preço está pela hora da morte.

Cozido, frito, mexido, batido, cru, mole, duro – é dinâmico esse moço dentro da sua casquinha. E, se do limão faz-se a limonada, dele os políticos fazem um omelete quando se mostram coitadinhos indignados pela perseguição de um desses elementos dos quais tentam sempre se esquivar, e que tanto os humilham.

Ovos voam em todas as direções, vindos da esquerda e da direita. Se servissem para algo, logo viriam os que gostam de pisar no tomate. Em ovos, pisamos nós.

______________________________

marli retratoMarli Gonçalves, jornalista – Precisamos rever nossas armas. Antes que o façam.

SP, 2017

__________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

ARTIGO – Terrorismo é isso. Por Marli Gonçalves

Estou querendo esticar a palavra. Dar a ela o sentido que está aqui perto de nós, já. No Brasil não tem terremoto, não tem furacão, mas não se pode mais dizer que no Brasil não tem terrorismo. Deus, ele está diante de nós!

Ou você vai dizer que não? Imaginou a mãe, na janela, aguardando o filho de 15 anos voltar da escola, vê-lo apontar ali na esquina, já pensando no almoço que vai dar a ele e imediatamente observar que agora o menino corre? Em seguida ver o filho cambaleando e caindo morto por uma bala que atravessou seu corpo trocada por um reles celular? Isso não é terror, não? Sabe o nome da rua onde isso aconteceu? Rua Caminho da Educação. São Bernardo do Campo, SP.

Uma van escolar parada à força, duas crianças, bebês ainda, levadas por bandidos, e abandonadas mais de uma hora depois numa quebrada, como se pudessem ficar ali no porta-luvas do carro? Isso não é terror, não? E o caminhoneiro mantido refém com uma arma na cabeça, salvo apenas pelas palavras convincentes de uma mãe ao seu filho perdido, e que aconselhou-o a se entregar e liberar o motorista? O que terá ela dito? Oferecido um casaquinho?

E que dizer das crianças violentadas para toda a sua existência, e que todos os dias  sofrem, sofrem muito?

Alguém disse que nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da História. Concordo. Que existem, diria. Que se multiplicam. Moldadas em várias formas, se disseminam de forma assustadora, inclusive na incompetência na condução de nações. Uma variedade muito além do que se poderia imaginar.

Já parou um pouco para pensar mais sério sobre as crescentes e fervorosas pendengas internacionais, largando um pouco de lado essa nossa mesquinha política que só gera atos e fatos vergonhosos e pobres de espírito?  Está esquisito, perigoso: vocês bem sabem  que em briga de cachorros  grandes a gente sempre sai mordido. Isso é terrorismo. Topetudo loiro briga com gordinho de olhinhos puxados. Pena que isso não seja uma colorida história em quadrinhos de nossa tenra infância. Riquinho, Bolinha, Brotoeja, Luluzinha.

Terrorismo é tocar o terror. Termo usado para designar o uso de violência, seja ela física ou psicológica, em um grupo de vítimas, mas com objetivo de afetar toda uma população e espalhar os sentimentos de pavor, medo e terror. Se não é exatamente o que estamos vivendo, me digam, terrorismo é o quê?

Olha o bombardeio. Andar pelas ruas vendo corpos caídos ou moradias de papelão que se multiplicam assustadoramente nas cidades. Reparar no descuido com que são cuidados os bens públicos. A violência no trânsito. O medo em cada passo. Notícias de repetição do mesmo todos os dias. As hordas de refugiados chegando, expulsos de suas terras, vindo buscar – e logo aqui – a esperança!

Em geral o terrorismo tradicional em suas formas pretende derrubar governos. No nosso caso são os governos que estão favorecendo atos terroristas.

___________________

marli retratoMarli Gonçalves, jornalistaQual poderá ser o abrigo seguro de toda essa guerra?

Mundo, Brasil, São Paulo, 2017

__________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

ARTIGO – Dicas para parecer que está tudo normal. Por Marli Gonçalves

Só assobiar acho que já não adianta muito, e se todos nós começássemos a assobiar para parecer que está tudo normal, o barulho seria ensurdecedor. Imaginem cada um assobiando uma musiquinha diferente da outra, fazendo bico igual ao com o qual as minas sensualizam nos selfies. Vamos pensar em outras formas.

Também não sei se até já não andam por aí pondo em prática essa estratégia e por isso essa sensação de pasmaceira geral que nos rodeia. A não ser que seja isso. O povo fazendo de conta. Fechando os olhos esperando que quando abrir – pufff – as coisas terão melhorado. Pensando e reclamando “que absurdo, alguém tem de fazer alguma coisa, êta povinho!”.

Tive um amigo francês que veio ao Brasil passar um mês. Durante esse mês ele se virou maravilhosamente falando apenas duas expressões, juntas, assim: “Tudo bom, tudo bem”, o que fazia com charme indiscutível. Qualquer coisa que se falava com ele, acabava encaixada no “tudo bem, tudo bom” como resposta. Perfeito. Amigável, simpático, sem criar conflitos. Nunca esqueci e às vezes brinco disso para desanuviar, quando me perguntam “tudo bem?” É uma forma de levar a vida. ”Tudo bem, tudo bom”. Possível aplicar nesse momento.

Eu sei como é. Autoestima. Autoestima em tempos de crise é coisa que fica prejudicada por menos que se queira. É uma roupa nova que não dá para comprar, uma garrafa de vinho melhorzinho que volta para a gôndola, aquele restaurante, ou um banhinho de loja que precisa ser adiado e puxa, seria mesmo refrescante para o humor. Aprenda: seja criativo. Passeie por bazares e liquidações, tudo a partir de 1.99, junte alhos e bugalhos, uma peça mais pobrezinha com outra melhor, daquelas, dos tempos bons, que ainda está lá no seu armário. Conseguir um bom resultado assim vai demorar, mas fazer você esquecer a pindaíba por uns tempos. Distrai.

Fora isso, não duvide: é capaz de a loja, restaurante ou lugar que você pensou e tanto gostaria de frequentar nem exista mais, esteja entre as muitas atividades e empresas que quebram e fecham todos os dias, deixando espaços sombrios fechados, com placas de apelos para que alguém queira se aventurar e fazer alguma outra coisa no local. Aventura, e certamente radical no momento de tanta incerteza. Melhor você não ver isso para se aborrecer. Pensa bem.

O noticiário. Acha que eu falaria para você não assistir mais? Não! Mas deve ver como quem acompanha um seriado desses bem comentados, ficção braba, aquilo não é com você. Acompanhe os personagens, seus atos, torça pelos heróis, pragueje contra os bandidos. O legal disso é que pode produzir os spoilers, porque a gente, lá no fundo, bem sabe onde tudo isso vai dar, em algum final infeliz por aí na próxima temporada.

Mas tem também a parte comédia. Aí a dica é você prestar bastante atenção nas declarações. Todas, dos vários lados dos debates. Ouça direitinho e tente espremer, espremer: – ou elas não tem sentido algum, mas nenhum mesmo, só um amontoado de sandices sem sentido, pé nem cabeça, ou chegam a ser engraçadas. Outro dia mesmo ouvi uma coisa como “nosso governo só diz a verdade”, “o povo vai entender o aumento dos impostos”. Anote.

Juro que às vezes penso que calados talvez eles até sobrevivessem. Parece anúncio de recall de montadoras, que eu adoraria conhecer quem é o especialista que redige. O letreiro e a voz. Apresentam o problema, vão indo e dizem que não há problema, embora esse possa causar danos aos passageiros, inclusive a morte, e com voz monocórdica anunciam que adorariam que você levasse o veículo até eles o mais urgente possível só para darem uma olhada. Vaiqui. Ah, e que não precisará pagar nada! Na faixa! Agradeça: você comprou um carro zicado. O Brasil chama recall todo dia.

Tudo normal. Não tem mesmo nada acontecendo por aqui. Assobie. Faça que não está vendo. É esquisito, mas está todo mundo nessa. Deve ser tendência.

__________________

20170617_130831Marli Gonçalves, jornalista – Cara de paisagem.  Afinal, o que é estar ou ser normal?

SP, 2017

__________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

ARTIGO – Eu vejo. Por Marli Gonçalves

Eu Vejo

Por Marli Gonçalves
Pelos bigodes de Salvador Dali! Eu vejo, mas tem coisas que não queria estar vendo. Vejo ao vivo e em cores. Eu vejo o que todo mundo pode ver, mas talvez eu seja ou esteja mais atenta com essa minha mania de reportar, de reparar. Coisas de jornalista. Como diria nosso Cazuza, o próprio, que deve bem ter visto onde tudo isso ia dar e se mandou: eu vejo o futuro repetir o passado.

  Eu vejo gente, antes de tudo. Gente falindo, quebrando, sem esperanças, gente agoniada com o rumo dessa toada. Sendo derrubadas como as vacas pelo rabo nas vaquejadas. Levando rasteiras. Vejo a minha gente dividida e sem noção.

Com que frequência? O tempo inteiro, como respondeu o menino do filme de cinema que, apavorado, via gente morta.

Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome. Nem de frio, jogado numa rua movimentada de São Paulo – o dia inteiro morto, ali, até que alguém percebesse que aquele corpo já não se mexia, ali morto jazia.  São tantos corpos jogados pela cidade que poucos param para ver se ainda se mexem, se tremem, se têm fome, ou se apenas estão decididos a se consumir a si próprios acelerando verem-se livres da existência.

Eu não posso, embora tente, ver beleza em tudo. As coisas estão feias, ultrapassadas, caindo aos pedaços porque ninguém consegue ver, nem sentir, renovação.

Eu vejo isso por cima de um muro, muro cheio de políticos sem ideal, amontoados, se reunindo para decidir quando se reunirão para decidir que ali vão ficar. Em cima do muro. Mas de lá eles não avistam o que eu vejo, nem conseguem ouvir os apelos dos que eu vejo por aí tentando sobreviver. Mantendo um mínimo de dignidade, cada dia mais rala.

Eu vejo tudo enquadrado para onde dirijo o olhar – de uma vista cansada que a cada ano aumenta um grau. Talvez  até para não serem vistas,  as próprias coisas se embacem, se distanciem. Essa semana atualizei as lentes dos meus óculos para ver de perto. E os de para ver de longe. Dois, que um só para tudo – bifocal -não acompanha o movimento rápido que faço pra não perder de ver nada, me confunde e tonteia. Não posso me dar ao luxo de não enxergar para qualquer lado que olhe. Nem que seja só para contar a vocês algumas das minhas observações.

Tem de ser um para ver bem de perto; outro para avistar de longe. E não são mais as letrinhas do cartaz do consultório do oftalmologista o que tenho de decifrar. O que não quero é ver pontos negros, nem pontinhos brilhantes, nem a luz cegando meus olhos quando vem em direção contrária. Luz é para iluminar, não ofuscar a gente.

Não vire o rosto. Olhe também o que está havendo e não dá para negar. Negue que me pertenceu, Que eu mostro a boca molhada. E ainda marcada pelo beijo seu.

Eu vejo flores em você. E foi o aroma delas que me fez lembrar de um outro e do que eu vi esses dias caminhando um pouco na grande cidade onde vivo; e o que ouvi; o gosto amargo que veio na minha boca; o terrível cheiro de esgoto que senti vindo da água podre de esgotos escorrendo pelas calçadas de um dos seus bairros mais nobres, e o que me fez imaginar como andará o resto do território nacional.

Ver é sentido. Houve uma vez uma canção que falava perto do coração. O que os olhos não veem o coração não sente, uma forma de tentar explicar nossa própria distração, nossa própria cegueira.

_______________________

Marli Gonçalves, jornalista – Vejo você amanhã, ou depois. Tudo bem. Vejo a porta abrir. Cheia de esperança.

Os Estados desse país, 2017

__________________________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

ARTIGO – Semanas de rock, bebê! Por Marli Gonçalves

 

Todo dia era Dia de Índio. Agora todo dia é dia de rock, de ser chacoalhado, de assistir aos embates escalafobéticos entre aqueles que acham isso e os outros que acham aquilo; e todos os que agora estão ainda mais confusos do que estavam, uma vez que tudo se misturou igual a uma pasta disforme. A grande massa ignara ignora e só dança. Aumenta o som, que aí vem doideira pesada. Só os sons dos metais, pratos e panelas, continuam guardados por enquanto.

Pensa: por quem badalar os sinos? Para qual causa ensaiar a coreografia das bandeiras, o som das palavras de ordem, das palmas, do sapatear nas avenidas?

Outro dia um mágico amigo munido apenas de um baralho entreteve e encantou um grupo, incluindo crianças, durante um longo tempo. Fez mágicas, claro, incríveis, que é profissional dos bons, internacional. Mas a maestria com a qual manuseava e manipulava as cartas ao embaralhá-las foi show à parte, chamava a atenção. Perguntei a ele e fiquei sabendo, então, como numa aula, de histórias antigas sobre os trapaceiros, ilusionistas, como foram importantes em reinados e momentos históricos. Ele me contou (e mostrou) ainda sobre as diversas formas de embaralhar, a simples, a francesa, a cascata, a portuguesa, a hindu. São muitas.  Como se criavam sequências que deram poder aos trapaceiros. As representações dos naipes, o povo, o poder, as finanças, as guerras.

Tenho pensado sobre isso cada vez mais com o preocupante desenvolvimento do desmonte político a que temos assistido diariamente boquiabertos e aturdidos. Tal como as cartas do baralho que se fundem e se misturam ao ser embaralhadas, estão sendo descartados reis, rainhas, valetes. Os ases somem. De todos os naipes. Procuramos um coringa.

É carteado cheio de trucos. Dissimulados que sem querer querendo dão declarações bombásticas em entrevistas, como quem faz bolhas de sabão. Jornalistas e suas fontes das sombras que carregam mensagens de um lado a outro, sobre um lado e do outro, entre afirmações hipotéticas e hipóteses estapafúrdias que se desmentem em seguida. Deitam falação, como se possível fosse entender as entranhas desse jogo que há anos nos empurra para o buraco. Eles roubam montes, formam duplas, descartam o lixo, pedem mais cartas, formam canastras, somem com cartas entre as mangas e colarinhos brancos. Jogam sozinhos.

Entre os meus leitores há vários tipos que se manifestam comigo: os que gostam de política, falar disso; e os que gostam quando me refiro ao comportamento humano em outras dimensões (sim, elas existem! – mas cada dia é mais difícil nos concentrarmos nelas, nas nossas questões pessoais de viver bem, de emoções, de avanços civis). Tudo muito civilizado, agradeço muito.

Agradeço porque vejo audiências gigantescas indo, aplaudindo, para os que escrevem chutando, xingando, agredindo, belicosos, até desejando o mal para os outros, que sejam presos, morram, tenham seus direitos suprimidos. Suas áreas de comentários são como esgotos.  Independentes, se proclamam. Que vivem de ar, tanto quanto eu acredito em duendes puxando o dedão no pé da cama. Se papel já aceitava tudo, na internet, no descompromisso, no anonimato, isso virou fato.  Nas redes sociais, formas de polemizar, bater abaixo da linha da cintura, escarnecer bílis. Nas tevês são tantos analistas que devem se bater pelos corredores, fazer fila nos banheiros: reparem o quanto fazem como os locutores esportivos que podem estar esculhambando um time na narração, mas se esse time faz um gol… imediatamente a opinião vira outra.

Brincadeiras à parte, a melhor previsão que podemos fazer do futuro já abarca o passado: vamos trocar de presidente como se troca de roupa. Precisamos provar todas para ver como elas ficam em nosso corpo.

E eu que, vejam só, queria só falar sobre o Dia do Rock, agora, 13 de julho! Mas quem é mesmo que pode mudar de assunto? Tem de embaralhar.

20170708_143356Marli Gonçalves, jornalista –Aproveita que dia 20 de julho é Dia do Amigo. Faz as pazes com aquele com o qual brigou em bate boca nessa partida viciada.

Brasil, batendo cabeça

_____________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

ARTIGO – Ilação, substantivo feminino. Por Marli Gonçalves

pensando

O que isso significa na prática? Nada, só uma observação. Mas garante que pelo menos mais da metade da população, as mulheres, está bem certa do que acha de tudo isso que ocorre sob nossas barbas, ops!, vistas. E, cá entre nós, combina. Mulher gosta de fazer ilações, somos boas nisso, admita

Ilação. Nunca se ouviu tanto essa palavra. Só compete com o número de ligações no celular que recebi esses dias do telemarketing de uma operadora de tevê. Contei mais de 70 só esta semana. Perturbador. De manhã, de tarde, de noite, e claro, nas horas mais impróprias em que a última coisa que você podia fazer era atender ao telefone, mãos molhadas, debaixo do chuveiro, dormindo… Não sei o que querem. Me dar algo, certamente que não. Deduzo que não. Portanto, faço uma ilação.

Mas alguém aí duvida que eu esteja certa? Ninguém (especialmente uma empresa dessas que nos arrancam o couro mês a mês) ligaria tantas vezes para dar nada, e olha que eu até acredito em milagres.

Ilação: dedução, suposição, inferência, o ato de fazer conjecturas baseadas em hipóteses, em suposições, em dados baseados em presunções, por meio de fatos observados, tendo como base os dados coletados e observados, que proporcionaram a construção de suposições por meio do raciocínio lógico. Tipo você viu, ouviu, leu sobre isso, pensou, analisou bem e traçou uma opinião.

Em lógica, ilação é o mesmo que inferência, uma operação mental em que se admite uma conclusão como verdadeira depois de se verificar que as premissas que a sustentam são reconhecidamente verdadeiras.

Tipo mala cheia de dinheiro sendo carregada por deputado dando corridinha para sair com ela da pizzaria. Tinha encontro, tinha mala, tinha dinheiro, tinha deputado, tinha até polícia fazendo a tal e indiscutível operação controlada. Tinha vídeo de tudo isso.

(Não é que agora tem até a pizza?).

Pois é. Mas você duvida da sua conclusão?

Eles duvidam – não me façam repetir quem são “eles”. São os que nos deram azia e má digestão essa semana. Ou discutindo por dias e dias o óbvio. Ou decidindo, no último minuto da prorrogação do tempo para o recesso judicial, dar uma liberada geral – deputados, malas, senador, bois e donos de bois, etc, etc – em tudo sobre o que nós tínhamos feito “ilações”, a arma de suas defesas. No campo jurídico não valem – tem de haver provas reais para que alguém seja condenado. Tudo bem. Mas também não precisam jogar areia em nossos olhos e nem vir dizer que as gravações que vemos e ouvimos eram algum tipo de ilusionismo.

Comento tudo isso porque me impressiona a tristeza e a desesperança de muitos, ouço seus comentários, dúvidas, incertezas. Daqui, no entanto, só vejo certezas já há algum tempo. Serão inevitáveis as revisões dos processos, porque estão mesmo cheios de erros e até mesmo ilações desnecessárias dos investigadores ávidos. Conheço muitos casos onde, inclusive, será muito bem vinda a total reordenação jurídica, adequação às leis, à Constituição, palavra e livrinho bradado em púlpitos.

Tudo bem. Não gosto de injustiças. Mas ao mesmo tempo também não gosto quando as leis são interpretadas como se apenas ilações fossem os fatos envolvendo poderosos e que desfilam diante de nós.

Desse jeito não vamos consertar o que tanto precisamos. Isso é certeza.

conclusao

_________________________

20170617_130831Marli Gonçalves, jornalista – Nossas ilações têm levado em conta o resultado desastroso dos atos gerais por eles cometidos, que criaram um país sem eira nem beira, à beira do absurdo, refém da violência e desequilíbrio social.

São Paulo, 2017, segunda parte

_____________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

www.brickmann.com.br

www.chumbogordo.com.br

 

ARTIGO – Tendências para a próxima estação. Por Marli Gonçalves

Fique por dentro. Vai fazer frio, vai fazer calor. Entenda isso também para o clima geral que impera na Nação, agora em dúvida real sobre o que será melhor. Passaremos mais uma estação querendo hibernar, ficar debaixo das cobertas, dormindo e acreditando que só pode ser pesadelo tudo isso

Faltam alguns dias para o inicio oficial do inverno 2017, mas ele já se desenha decisivo e em uma partida com os jogadores definidos, escalados. (Nós somos os escaldados). É um jogo novo no qual se engalfinham Três Poderes que avançam simultaneamente, em paralelo, cada um com as cartas que tem em mãos, e só se encontrarão no final da História – os que sobreviverem a este inverno – para a decisão final. Que poderá ser nossa Primavera, embora sinceramente pouco acredite nisso.

Inverno que se prenuncia quente. Escrevo agora ouvindo notícias de ataques, bombas, explosões, facadas, mais uma vez na Inglaterra, mais uma vez no coração de Londres. Mais uma vez retalhando o rosto do mundo, sempre ferido, porque onipresente em todos os atos de barbárie. E eles têm se acelerado de forma atroz, das mais variadas formas e atacando espíritos jovens e desprovidos de sentimentos de remorso que, solitários, dão suas pobres vidas para ser explodidos levando inocentes com eles. Tem também o Diabo Loiro em ação defendendo seus gases; o menino coreano e seus foguetes; os lugares todos onde vidas valem muito menos que bananas, aqui e lá.

Escrevo de São Paulo antes de um showmício marcado para um domingo de Sol que, para clamar por Diretas Já e #foraTemer vai novamente trazer artistas ao palco para tentar atrair alguma multidão, ideia repetida em um tempo que já não é mais o de outrora. Desta vez foram chamados por mais de 30 blocos… de carnaval! Quer coisa mais Brasil?

Embora admito já estar vendo esforços, de novo, já esteja até ouvindo aqui e ali clamores por união. Ouviremos muito falar em esquecer desavenças e eventos suprapartidários nesse inverno. Começam a acontecer. Me pergunto muito porque não consigo acreditar neles? Farejo uma insinceridade de propósitos. Uma falsidade nesses abraços.

Não, não sei qual a melhor opção. Outra tendência desses próximos dias será aproveitá-los para tentar chegar a alguma conclusão sobre isso. Aliás, creio que só depois dela, de alguma conclusão, as ruas assistirão novamente a grandes movimentos. No momento está todo mundo muito aturdido. Fomos roubados, ludibriados, usados, enganados. Em todas as ideologias e direções. Não sobrou um, mermão!

As cores da estação? A ausência. Intuo que deverá ser o branco, se é que se admite que a Paz ainda por ele seja representada. O vermelho tentará se infiltrar e torço para que não seja em sangue derramado que ele apareça.

A discrepância continuará forte nessa estação, com o país à deriva. Sem planejamento, as medidas não são anunciadas; são jogadas do alto dos gabinetes. Campanhas tentarão nos convencer de que o pior já passou e a gente escuta isso enquanto se defende das mordidas nas canelas.

Eles nunca decidem, e quando o fazem são desastrosos: mudam de cá para lá e de lá para cá os problemas. Para tudo usam força militar, policial.

Se sobra vacina, mandam que todos a tomem, para que a incompetência de suas sobras pareça menor. O dinheiro vivo é achado em armários e sai às ruas em malas e mochilas. Trocam seis por meia dúzia sem constrangimento, e conseguem piorar o que ninguém mais acreditaria ser possível. Vejo os olhinhos juntos do novo Ministro e me assusto com a prepotência de suas primeiras respostas e propostas.

Choques serão inevitáveis nesse inverno. As nossas originais tomadas de três pinos, exclusividade nacional, estarão ligadas em alta voltagem nas danças dessas quadrilhas, na cara-de-pau-de-sebo e nos balões de ensaio pela salvação que soltarão aos céus.

Seja o que Deus quiser.

_________________________

marli n a gabiMarli Gonçalves, jornalista Fechando mais um ano, você me dirá Feliz Aniversário! Obrigada. Mas me diga como é que se pode viver feliz nesse mundo? – pergunto com certa cara de menina Mafalda diante do que não gostaria de estar vendo.

Brasil, na fogueira, 2017

_________________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Temer, por favor, sai daí! Por Marli Gonçalves

Sai daííí! Estamos muito arranhados. A verdade é que só uma coisa é certa: o país não resistirá a percorrer mais um processo de impeachment. Por favor, presidente, já que disse que não tem apego, deixa a gente seguir em frente enquanto o senhor se defende. Por favor, por você, por nós todos.

Se pudesse pedir algo ao papai do céu, ao anjo da guarda, a Todos os Santos, fazer mandinga, seria para que algo iluminasse a sua cabeça, presidente Temer, para que decida pela forma menos traumática, e por conta própria: renuncie. Não, calma, não estou fazendo juízo de valor, nem o condenando antecipadamente, embora seja bem difícil inocentar – acho que deve se defender com unhas e dentes já que garante que pode, e está – garanto – com um dos melhores advogados do país, Dr. Mariz, que pessoalmente tenho na maior conta, respeito e admiração.

Mas não governando; não pode obstruir a estrada como a terra de um muro desbarrancado pelo tremor, pela avalanche. Se não sair nada mais andará para frente; ao contrário, vai ter marcha-a-ré.

Como vê, em poucos dias já foram buscar e estão começando a passar com trator em cima do senhor. Várias vezes. Vai piorar, vão passar com uma locomotiva carregada, que – veja – apita e aparece logo ali depois da curva. Avalie: como vai continuar governando sem paz? Sem base? Com um monte de flechas apontadas, com manifestações dia sim, dia sim? Se já estava difícil sem tudo isso, imagine agora.

Sei que nesse caso o foro privilegiado que dispõe é de suma importância e o senhor se sentiria mais protegido. Mas, ao mesmo tempo, pense. Os foguetes atingiram sua tenda, furaram o teto, e até o STF já pediu sua investigação enumerando motivos horrorosos. Como ser presidente com esse fardo?

O senhor caiu no centro de uma teia maquiavélica, uma cama-de-gato, uma arapuca engendrada de forma orquestrada, premeditada. Admita. Se tentar se debater dentro dela, se enroscará mais e mais, e talvez não tenha chance de sair dessa com um mínimo de dignidade, que tenho certeza, gostaria de resguardar. Caiu o senhor, caíram até aqueles que já estavam caídos, e quanto mais todos se mexem mais o país para. Esse caso une a verdade aparecendo, sim, mas contada por manipuladores, regados a inveja, disputas internas, frutos de disputas insanas entre poderes. Vamos combinar: dessa vez com uma jogada záz-tráz, mortal.

Por favor. Considere isso. Seria uma decisão nobre, mesmo no meio de toda essa lama. Não espere que o tirem aos pontapés, como vai acontecer, seja no TSE, seja no tal impeachment, palavra que me dá até alergia em imaginar tudo de novo. Não dê chance a mais esta acusação – de ter falido um país. A História registra. O jornalismo é o dia a dia.

Mais uma vez, presidente, acredite, dou graças por não ter filhos – não saberia como explicar a eles esse momento que vivemos. Ficaria muito mais perturbada ainda se os visse assistir às cenas que todos estamos vendo. A começar pelos diálogos dos poderosos empresários delatores. Agora piorou, presidente! Os açougueiros foram mais longe ainda. Para se salvarem, aos seus luxos, se prestaram a papéis que não dá nem para dimensionar o nível de canalhice. Agora estão lá fora rindo muito de nossa cara, falando em português primário, enquanto o senhor ainda busca e usa rebuscadas palavras para se defender.

É com essa gente que está lidando agora. Não é mais só com os políticos submissos às suas ordens, os chucros. Não é só com os petistas e afins. Sinta como do dia para a noite foi sendo abandonado. Veja como o bombardeio foi muito bem sucedido, tramado.

Salve sua história, pelo menos a até aqui. Leu o jornalista Jorge Moreno? Mais ou menos: “Prof. Michel Temer chame à razão o presidente Michel Temer”. Acrescento: vamos nos agarrar ao livrinho da Constituição.

Se quer noticias aqui de fora, conto que está todo mundo muito, mas muito mesmo, muito p…, chateado, cansado, e isso é muito, mas muito mesmo, ruim. Ainda tem alguns resignados e à sua volta deve estar cheio de falsos amigos mais preocupados em se manter a salvo do que com o apoio que precisa. Aquelas deprimentes e tímidas palmas que recebeu durante seu primeiro pronunciamento dizem tudo sobre a solidão que enfrentará dentro dos gigantescos palácios.

Por favor, Temer, sai daí. Deixe que nos apeguemos ao pouco que ainda temos, permita que as coisas não piorem, gerando ainda mais miseráveis. Não nos use como escudo, vingue-se depois, mas deixe-nos passar por outros caminhos.

A pinguela ruiu. Salve a República!

___________________________________

please3Marli Gonçalves, jornalista – Abismada. Preocupada. Impressionada. Envergonhada. Enojada.

Brasil, mostra a tua cara!

_________________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – E agora, brasileiros? Que é que a gente faz? Por Marli Gonçalves

Está aturdido? Percebeu só agora a causa de o país estar nessa bancarrota, e nós bancarrotados? Na lista tinha nomes pelos quais você ainda juraria de pés juntos? Sinto muito. O que a gente pode fazer? Vamos ficar parados, só olhando, ouvindo, achando que tudo isso vai passar e o mundo estará livre de ratos?

O que os olhos não veem o coração não sente. Pois agora não só estamos sabendo, como ouvindo e vendo, em detalhes formidáveis, a roubalheira que parece não ter mais fim e que não temos noção de onde foi exatamente esse começo. Talvez quando nos orgulhávamos do tal “jeitinho brasileiro”. Ou quando começaram a aparecer de todos os lados ídolos de lama, salvadores da pátria, guerreiros dos trabalhadores, do povo, libertadores? Gente parecida com agentes de trânsito que só sabem de esquerda, direita. De uma vez por todas, presta atenção naquela máxima “quando a esmola é muita até o santo…”

Não podemos substituir o coentro pelo cheiro verde, como diria a natureba Bela Gil. Então eu te pergunto, porque também estou me perguntando, angustiada. O que a gente faz, objetivamente? Na prática?

Não quero ser chata, mas informo: primeiro, que vem mais, muito mais por aí, e as revelações serão depuradoras; segundo, que não será a Justiça – nem se ela tomasse anfetamina e de repente aparecesse toda lépida, ágil, e moralizadora – a resolver a pergunta sobre qual país estará saindo disso tudo, que direção tomar. Sozinho não anda.

Continuo vendo na tevê as mesmas caras de pau, com os mesmos bocas-duras, línguas de trapo, os mesmos partidos, com as mesmas cantilenas, como se não fosse com eles o assunto. Desmemoriados. Contra o soro da verdade que, parece, embebedaram os delatores executivos, um relaxante, antes que começassem a dar o serviço. Não posso ter sido só eu que detecto alegria e certo alívio nas declarações, naturalidade sincera, ironia cáustica e vingativa nos detalhes e nos apelidos. Ah, os apelidos! São um capítulo à parte. Definitivos. Eles pagaram, gastaram, mas também se divertiram. Extorquiram e foram extorquidos. Mas botaram no papel – até programa especial inventaram – tim-tim por tim-tim, até porque precisavam cobrar os préstimos. E negócio entre malandros tem leis especiais, fora dos círculos oficiais. Igual droga.

Uma amiga querida, muito querida, está tão indignada que não consegue pensar em outra coisa que não seja o degredo de todos eles, vejam só. Degredo. Lembra que há 500 anos Portugal mandou para cá tudo quanto é gente que não prestava, e que agora seria hora de devolver esses que parecem ser seus descendentes. Suei para explicar a ela que seria uma sacanagem com o local escolhido para largá-los. Como ela está muito brava, também deve ter pensado numa cela gigante, um dragão engolindo a chave.

O problema – e nisso ela concorda – é que nada disso resolveria a questão principal. Como salvar o país que derrete sob nossos pés? Esses envolvidos são lixo que não dá para ser reciclado, altamente infectados.

Como lidar com essa vergonha que nos assola diariamente, nos deixa tão atônitos que acabamos esquecendo que algo precisará mesmo ser feito qualquer hora dessas, e o momento é agora, now? As Organizações Odebrecht acabaram. O Rei pode ser deposto. Não sobrou nem a pedra fundamental.

_________________

20170227_154333

Marli Gonçalves, jornalistaNão. Nunca vi nada igual. Hora que é bom ser como sou, sempre fui, meio do contra. Mas estou anotando todas as sugestões que me parecerem sérias, porque não dá para se acostumar jamais com tanta sacanagem. Lista delas.

Brasil, escandalizado, humilhado, na encruzilhada, 2017

__________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Procura-se. Por Marli Gonçalves

 

Prepare-se. Há uma missão a ser cumprida pessoalmente nas ruas. Não dá para botar anúncio. As cidades ficariam entulhadas de cartazes se pudéssemos neles expressar tudo o que andamos perdendo ou só procurando; aliás, precisando desesperadamente procurar. E achar, mais urgente ainda. Sem recompensa.

Procura-se. Um presidente. Não é para agora, já, assim tipo tão imediatamente. Ainda temos alguns meses, mas são poucos – calcula – dá pouco mais de 500 dias. E vamos precisar procurar em tudo quanto é buraco para ver se surge alguém que preste, novo, um quadro político sério que surja depois desse expurgo geral a que assistiremos esquentar a brasa nos próximos dias com a revelação do conteúdo das delações.

Surgirão detalhes, cenas dantescas, certamente degustaremos algumas muito saborosas quando envolverem nossos desafetos, aqueles que a gente sempre achou que tinham culpa no cartório porque já enxergamos escrito Culpado na testa deles, como uma estranha tatuagem invisível que aparece só quando se joga a luz.

Ouviremos falar de valores inimagináveis até para quem habitualmente os tem, mas que não saberiam usá-los de forma tão irresponsável e imatura quanto alguns dos corruptos, esbanjando, se melecando vergonhosamente. Saberemos detalhes de suas compras, suas viagens, e especialmente saberemos para o que foram pagos, o que foi que venderam, o que fizeram para nos prejudicar para ganhar tanto. Qual foi o preço todo.

Não vai sobrar pedra sobre pedra. Só temo que seja tanta e tão volumosa a informação que virá que pode se perder despedaçada por domesticados e vorazes lobos da informação. Já vi acontecer. Pior é que também não dá mais tempo dessa saga ser lançada em capítulos, porque não temos mais esse tempo mantendo a cabeça fora da água para respirar com ondas tão agitadas.

Assim, voltando ao megafone: procura-se! Povo perplexo procura. País saqueado procura. Gatos escaldados procuram.

Procura-se também, aliás, um povo mais atento em quem elege. Daí o apelo para ligarmos todos os radares em busca de novos quadros que ainda possam vir a ser burilados nesses poucos dias que nos restam até as próximas eleições de 2018. Não podemos deixar que só vivaldinos, figuras execráveis como essas se apresentem com seus discursos de ilusões, vingança, grosseria, lero-lero. Eles já estão pondo as manguinhas de fora, mesmo ainda com a roupa cheia de lama respingada. Não queremos mais olhos esbugalhados, moralistas, reacionários, militaristas, bocudos, aventureiros, moscas mortas, sem vergonhas.

Temos de ter alguma chance de encontrar alguém. Pelo menos um rumo.

Aí você me pergunta por que eu não disse primeiramente “fora homi”. Porque creio que isso não vai acontecer; se acontecesse já iria ser a substituição do ruim que ficou no lugar da péssima, sendo trocado pelo pior ainda, dada essa atual linha de sucessão que se impõe no momento.

Para o tratamento de emergência, no entanto, depois de colecionar as sandices ditas ultimamente pelo atual e empertigado presidente, sobre todos os assuntos importantes e fatos que necessitariam de sua atuação e compreensão, culminando nessa da mulher no supermercado e no lar, proponho uma solução. Esparadrapo. Ampla distribuição e orientação para que preguem em suas bocas, em X.

Em boca fechada não entra mosquito. É melhor prevenir do que remediar. Ladrão de tostão, ladrão de milhão. Sucintos e sábios ditos populares.prcura se

20170227_154333Marli Gonçalves, jornalista – Por onde começamos?

São Paulo, 2017

__________________________

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Todos às ruas. Por Marli Gonçalves

EU PROTESTOEstamos gostando muito dessa brincadeira. Até porque é boa, barata, pode ser bem divertida e é essencialmente democrática. Social, colaborativa, associativa, participativa, diversificada. Estamos nos espalhando e nos esparramando pelas ruas e avenidas ora por tristezas, ora por alegrias, ora por reivindicações; e muitas, por birra. Vamos ocupar as ruas sambando e cantando a música que queremos que eles toquem

vamos todos protestar!Muito impressionante esse novo comportamento nacional que aprendeu o caminho das ruas e avenidas para demonstrar o esplendor do seu povo e a firmeza de suas opiniões. Isso quer dizer muita coisa e não é só Carnaval. Nem só futebol. É preciso estar mais atento porque só vai crescer, só vai acontecer muitas e muitas vezes, pelos mais variados motivos. Poderão ser grupos grandes, mas algumas dezenas que se unam já estão causando as transformações.

Também não é só aqui – é no mundo. As pessoas se enfeitam, pegam suas fantasias, inventam roupas, costuram uniformes, pintam a cara, produzem plaquinhas onde trazem suas reivindicações, fazem suas bandeiras. Eram só grandes eventos que mobilizavam; agora não, as pessoas estão nas ruas no mesmo momento – pode ser até a posse de um presidente; do outro lado já se movem pedindo logo a sua derrubada, como vimos nos EUA.

Parece bem claro que estamos vivendo tempos de mudança e os mocorongos precisam se dar conta disso rápido sob o risco de ser atropelados pela turba que está tornando a opinião pública algo bem visível, contável e palpável. Estivemos acomodados tempo demais e agora o mundo inteiro procura novas estações, uma Primavera para chamar de sua. É uma rebeldia represada.

Isso requererá preparo. Físico, para quem participa: que não é brincadeira andar quilômetros, concentrar-se em pé durante horas, tirar fotos para mandar para todo o mundo, se livrar dos chatos, bêbados e inconvenientes que sempre surgem, dos empurrões, pisões e cotoveladas. Em alguns casos, some-se o stress de não ser roubado, e nem que batam sua carteira, e que a polícia seja para quem precisa da polícia.

Mais do que isso, vai requerer preparo e treinamento dos governos, dos mandachuvas que deveriam até fazer promessa para ficar bem longe de ser o alvo dos protestos, dos levantes populares. Requererá um novo sistema de segurança para as massas, requererá recursos, novos equipamentos e treinamento do pessoal. Aliás, precisará de bem mais pessoal.passeio de hoje

Tá na moda. Ir para as ruas. E protestar. Chamar a atenção. Bater bumbo – que já não é mais hora de panela. Aqui no Brasil o atual governo parece não estar se dando conta de que está numa corda bamba toda rôta, super rôta, que tem muita gente sacudindo para ver se rompe. Não registra na cabeça que certo ou errado caiu mal na boca dos jovens e que estes não perderão nenhuma oportunidade que tiverem para esculhambá-los, além-PT. Aliás, esculhambar todos os governos, esferas, todas as formas de poder que puderem afrontar – uma vez que com eles não têm elos. Sem compromissos. Não sabem nem bem do que se trata. As notícias estão mal contadas.

Na era da informação digital está muito fácil criar grupos e grupos de maria-vai-com-as-outras. E todas irem para as ruas. Ninguém mais quer ideologias para viver.

O crescimento dos blocos nas ruas – inclusive na sisuda São Paulo – é sinal de que a Avenida Paulista e arredores terão um ano agitado com agenda cheia. Que vai ter bombas de efeito moral e de pimenta sendo acionadas contra pedras, pneus queimados, agências bancárias depenadas e ônibus em chamas. Que vai também ter muita classe média de volta para o asfalto se as medidas econômicas demorarem muito a fazer efeito e se não acabar esse desfile de larápios revelados à luz do dia com suas ideias estapafúrdias para o país.

passeatapasseataVamos todos gastar muita sola de sapato.

_________________________

20170225_003720 Marli Gonçalves é jornalista – Num lampejo de vidência prevê que essa Quaresma vai ser animada e vai ter muita gente pagando pelos seus pecados antes mesmo de se arrepender por eles.

SP, 2017 engatando o terceiro mês – Avoé! Aleluia!

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Uma indigesta sopa de letrinhas. Por Marli Gonçalves

Começo de ano já é bravo por si só: é IPVA, IPTU, IR e outros famigerados. Mas esse mês de fevereiro impressiona ainda mais. De um lado a corda puxa, para tentar puxar o saco da rapaziada, e começa a sacudir o F, o G, o T, o S – liberando coisa de ativo, inativo, passivo – como se isso fosse a redenção nacional em um saco de bondades que de vez em quando abre a boca e solta pérolas; de outro a turma da mão que vive embalando o berço bate igual à água mole em pedra dura com o L, o U, o L novamente e o A. Cada passinho para frente eles aparecem chamando molusco de meu loiro

frog-x-letterNão estou acreditando que a gente ainda esteja nessa. Que ainda haja gente brigando por causa deles. Custa muito admitir que a decepção é total, ampla e irrestrita ou é mais legal ficar pendendo de um lado ou outro nessa gangorra infernal, um tampando o olho do outro? Sempre um dos lados se estatela pelo chão, não brincaram já disso na tenra infância?

Ler o noticiário – eu obviamente faço isso não só diariamente como quase o dia inteiro – parece roteiro de filme dos Trapalhões, do Zorra Total. Não digo Praça da Alegria porque aqui não estou vendo nenhuma. No máximo posso citar o Pânico!

Quando a gente acha que a coisa vai mudar, vem mais do mesmo, muito mais, um fardo. E uma incapacidade de comunicação que dá gosto. Por outro lado, os que não querem admitir que sim, ele sabia, ou que sim, vocês todos foram enganados nessa de a turma acabar com a desigualdade social, governo popular, e apenas ter sido um tal de cada um para si e tudo para quem é da corriola, lambendo os beiços dos empreiteiros.

O bombardeio usa letras de todos os tipos e tamanhos. Desde as letrinhas dos institutos de pesquisa que andam por aí perguntando preferências impressas prontas a serem chutadas com respostas reumáticas dois ( imprevisíveis ) anos antes. E toma Lula na cabeça, Bolsonaro (!) correndo na raia, Joaquim Barbosa ressuscitando de sua caverna. Aí entram STF e STJ e fica todo mundo dando ordem. Dizendo, desdizendo, jogando peteca. Alguns comemorando o nada, só gás tóxico.

Poupe-nos, Senhor, deste Calvário!

Letrinhas escondem nomes cruelmente bestas e extensos em siglas. CNT, Confederação Nacional do Transporte (Transporte? Pesquisa? Um grita e o outro não escuta); FGTS, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (já e coisa sua, de lei). São como quando formam siglas de órgãos públicos – usadas para que esqueçamos a inoperância contida em seus extensos nomes.

Esquecem ainda umas das regras principais do marketing político: quem antes aparece fica mais tempo à frente da linha de tiro; se o Lula já era alvo, agora está em um paredão com uma artilharia apontada. Ele sabe disso e está incentivando porque, já condenado, quer fazer um último pedido para deixar a galera em brasa. Uma estratégia deveras perigosa.

Vêm aí grandes emoções. Estava pensando em propor um novo quadro para a tevê. Uma nova moça do tempo, mas suas previsões diárias seriam desse nosso tempo político, passível de trovoadas, prisões, delações, reviravoltas, cataclismos, com abalos sísmicos e desmoronamentos. Fora as ventanias, redemoinhos e formação de nuvens.

Já vi, vivi, e imagino onde tudo isso vai parar. Lembrei até de que nos anos 80 foram algumas poucas fotos que abalaram durante um bom tempo o tal líder popular, quando o mostraram numa casa noturna da alta sociedade, charutão e boa bebida, companhias importantes como agora muito mais ainda sabemos o quanto ele gostou de conviver. Sempre gostou. Corre e busca o povo quando vê a coisa feia para seu lado. Chama as duas letras de seu partido e as muitas outras dos agregados movimentos para fazer barulho enquanto ele dança miudinho.

Todo mundo no samba.

___________________________________

IMG_20170211_020937Marli Gonçalves é jornalista – O problema é que estamos sem alternativas para preencher os vazios. O Ó.

Brasil carnavalesco, pausa, 2017

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Sobre os pequenos e os grandes poderes. Por Marli Gonçalves

Sobre os pequenos e os grandes poderes

Por Marli Gonçalves

poderTerremoto! A terra política – molhada, lama grossa – se dissolve sob os nossos pés. Entreolhamo-nos inquietos perguntando o que vai ser, quem é que pode saber, sabe ou saberá de alguma coisa, uma luz que seja. Os pequenos poderes se mantêm; os grandes se dissolvem. Temo os médios, do que serão capazes

Nesse momento estou às voltas com os tais pequenos poderes, com os “bozós”, com normas e o fantástico Sistema que impõe regras inacreditáveis seguidas cegamente por esse povo invisível – transparentes só até que precisemos circular entre eles. Em um hospital, por exemplo, acreditem, estão presentes em todos os cantos – até mais que médicos e enfermeiras. Estão em todos os lugares, uniformizados, terceirizados, servidores públicos e privados, alguns até armados.

Já os grandes poderes carregando seus egos enormes e que protagonizaram as cenas dessa semana não fazem outra coisa senão justamente aparecer fulgurantes dia e noite arrastando suas plumas e movendo mundos e fundos para puxar a sardinha cada um para o seu lado. Ou escapar das ondas do tsunami que se avizinha.

Os pequenos poderes, por sua vez, são subalternos, cumprem ordens e comandos – que citam como razão argumento e repetem como autômatos. Eles não sabem o que é lógica. O perigo é justamente de onde vêm essas orientações. Porque é só com elas em punho que eles, esses pequeninos, crescem, se acham importantes, implacáveis, legalistas. Atacam.

Por outro lado os Poderes com maiúscula – Legislativo, Executivo, Judiciário –têm se estranhado como nunca, fazendo borbulhas, um tentando afogar o outro, empurrando a cabeça para dentro d`água. Tudo executam sorrindo, fazendo mesuras.

Nessa terra molhada com o nosso suor, chão inseguro, movediço, estranhamento, o que vemos é que a cada movimento brusco afundam todos. Nos levando junto. Protagonistas e figurantes.

Fosse um filme faroeste seriam balas e flechas zunindo para tudo quanto é lado no Planalto Central. Fosse um filme de guerra daria gosto de ver os aviões abrindo suas escotilhas e atirando bombas de delações premiadas, lançadas e chovendo também sobre todas as cabeças premiadas, só não se sabe até quando com a coroa.

Todo mundo manda. Ninguém obedece. Ou obedeceria quem tivesse juízo, diz o dito popular. O mais engraçado está em um tentando mandar no outro, os grandes, e de onde estão saindo as faíscas maiores e mais perigosas no momento em que tanto combustível está jogado no chão.

Repito: temo os exércitos invisíveis dos pequenos poderes e do que serão capazes os seus comandantes ainda tão toscos e primitivos nesse país que não consegue se desenvolver sem tropeçar. Temo os grandes poderes que embaralham as cartas e não sabemos quais escondem nas suas mangas, sejam togas ou ternos.

Nos lembra muito uma canção, de Chico Buarque: O que será, que será? Que todos os avisos não vão evitar/ Por que todos os risos vão desafiar… O que será, que será? Que andam suspirando pelas alcovas/Que andam sussurrando em versos e trovas/Que andam combinando no breu das tocas/Que anda nas cabeças, anda nas bocas?… O que não tem governo nem nunca terá/ O que não tem vergonha nem nunca terá?…

_____________geniOS DO PODER_______

20160813_143252Marli Gonçalves, jornalistaImprensa, uma profissão que até já foi um Poder. Agora só registra o estouro dos fatos que deixou passar debaixo de suas barbas por tanto tempo, durante tão longos anos.

São Paulo, 2016, o ano que estica suas sombras

ARTIGO – A política dos bordões. Por Marli Gonçalves

MED_13.06.19-01.30.53-protesto

passeata

passeata

passeata

Virou modinha. Mudou o soluço. Engasgou? Fora Temer. Bateu o pé na quina da mesa? Fora Temer. Vai lançar algum produto? Não se esqueça de levar a plaquinha Fora Temer. Procurava algo para estampar sua camiseta? Fora Temer. Estava passeando na rua e teve vontade de gritar? Fora Temer. Acabou o papel? Fora Temer. Poesia? Amar sem temer

  Creio que esse seja agora o novo mantra, a senha que se deve dizer para circular em alguns meios – se o evento é grande, se for relacionado à cultura melhor ainda, se junta mais de dez, plaquinhas e jogral, pode até chegar a virar notícia na tevê. Ajuda na divulgação. Por exemplo, dizem até que o filme é ótimo, mas onde quer que esteja passando Aquarius haverá alguém falando as palavras up to date e isso vem animando bastante a bilheteria.

São milhões de citações na internet, centenas de memes. O negócio, admitamos, pegou. E o nome do cara ajuda: temer, temor, tremer, tramar.

Outro dia fui bisbilhotar uma passeata de protesto dessas já rotineiras, tranca-rua. Quem me conhece sabe que adoro um protesto – oposição sempre, si hay gobierno soy contra. Me preocupou ver a mélange de temas, difusos, tanto como ocorreu em 2013 e que acabou dando em nada – ninguém sabia se era por centavos, por passe livre ou contra o governo de então, ainda Dilma versão 1.

Num bolinho de gente vi Fora Temer – claro; e Volta Dilma, mais uns Não vai ter Golpe (?!?); mais Diretas Já. Ultimamente mais uma palavra de ordem se aboletou: “Pelo fim da PM”, em geral jogada direta e provocantemente aos policiais que até trincam os dentes.

Muito vermelho, a forma era uma só, quase homogênea, uma maioria de estudantes se divertindo, paquerando, tomando muita cerveja (agora os ambulantes acompanham o movimento), caminhando e se imaginando lutando pelo país. Beleza. Na frente, outro grupo – esse com roupas escuras, munidos com escudos (!) de madeira, pedaços de tapumes, lenços e toucas ninja escondendo o rosto, um arremedo de guerreiros do apocalipse, os tais black blocs. Garotos e garotas mirradinhos, desmilinguidos com cara de mau. Podiam ir ser punks de verdade, fazer música, produzir algo de bom.

20160911_155644
Carimbo na avenida Paulista

Volitando em torno disso tudo, centenas de policiais e nas imediações, prontos a entrar em ação, mais carros de choque e patrulhas especiais. Maior climão.

Um chiquê, diriam blogueiras de moda: muitos com máscaras presas em volta do pescoço, máscaras de respirar tipo de guerra, impressionantes, sabe aquelas? A imprensa também usa, assim como capacetes, umas tentativas de blindagem contra a repressão.

Capítulo especial, coitada da imprensa, acaba tendo que se blindar melhor mesmo, porque apanha e é atacada tanto pelos manifestantes quanto pelos policiais. Jovens repórteres que, animados, sentem-se em uma verdadeira cobertura de guerra. Gás para tudo quanto é lado, bombas, quebração, fogueiras de lixo das ruas, material que aliás não falta em lugar nenhum aqui em São Paulo.

Já vivi para ver tudo isso e muito mais e saber que um fósforo se torna muito mais inflamável nesse caldo, e essa expectativa fica no ar durante todos os protestos. Um infiltrado maluco pode direcionar todas essas energias para promover o mal e outras intenções debaixo de bandeiras das torcidas organizadas por eles lá no meio.

Tem coisa mais banana do que defender um governo, seja lá de quem for? Muito menos um que já era, já foi. Que detonou o país, fez tudo errado. Caiu no rastro de rabo, as tais pedaladas, o álibi caído do céu para nos livrar mais rápido do abacaxi.

Falando sério: o Temer veio no pacote junto com esse abacaxi, não adianta tentarem omitir isso dando a ele a pecha que parece título de novela mexicana – O Usurpador. O cara era a única saída institucional. Aceita.

Fora Temer, ok. E aí? Pergunto isso não porque goste da pessoa, mas porque ando vivendo na realidade, torcendo para que as coisas melhorem, e o que vejo não é nada animador. Se as contas da campanha forem rejeitadas, ele cai – e mesmo já caprichosamente jogadas para o ano que vem qualquer hora essas contas serão julgadas.

Alguém acaso tem alguma ideia brilhante, avista algum quadro político que poderia ser a mão libertadora, pacificadora, a nos levar para a luz?

Eu não vejo, ao contrário. Por favor, se souberem de algo, de alguém, avise os outros! Parece que o Papa, entre as poucas unanimidades, não quer se mudar para o Brasil.

Um bordão sozinho não faz nem nossa primavera, vocês verão. Pode é sobrar bordoadas para todo mundo.

__________________________

oculos fendiMarli Gonçalves, jornalista – Inquieta e, pior, cansando dessa brincadeira chata que virou a política nacional.

SP, SOS, 2016

____________________________________________
E-MAILS:
MARLI@BRICKMANN.COM.BR
MARLIGO@UOL.COM.BR 

POR FAVOR, SE REPUBLICAR, NÃO ESQUEÇA A FONTE ORIGINAL E OS CONTATOS

ARTIGO – Acabou chorare. Por Marli Gonçalves

Acabou chorare

Por Marli Gonçalves

Resultado de imagem para cry animated gifsEstá engraçado. Bateu o vento da humildade e da reconsideração. É um tal de pedir desculpas, olhos marejados apertadinhos e promessas de que nunca mais isso ou aquilo…Resultado de imagem para cryiNG animated gifs

Quando a gente é criança e apronta alguma fora da ordem tem todo o sentido botar as mãozinhas para trás, fazer cara de arrependido, com o pé meio virado para dentro, prometendo nunca mais, não faço mais. Morrendo de medo do castigo que pode vir, ou mesmo das palmadas que já levou.

Essa semana, no entanto, foi um festival de políticos ou correlatos emocionados, prontos a ser imolados por seus erros admitidos em praça pública. Claro, em troca de – adivinhe! – o seu perdão (ou pena). Adivinhe de novo! – Em troca de seu voto. Ou mesmo para disfarçar ter falado mais da conta. Ou ainda para desdizer, uma atividade muito praticada no poder, seja qual for ele, assim como voltar atrás, quase uma modalidade olímpica, velozmente.

Vimos o ex-ministro da Justiça, e atual advogado de todas as causas perdidas, todo grandão, todo desajeitado, olhos marejados, vermelhos de descascar cebolas, reclamar da advogada arretada que falou dos netos da ex-presidente para justificar a sua retirada do Palácio.

Vimos a advogada arretada, por sua vez, emocionada e prestes a ficar em prantos defendendo sua tese em voz alta, fazendo ressalvas de desculpas, porque o alvo era uma mulher. Mãe. Avó. Essas conversas fiadas.

Toda hora aparece a Marta Suplicy piscando olhinhos azuis aqui na minha tevê. Mea culpa mea maxima culpa. E olha que a lista dela não é brincadeira, dá voltas no quarteirão: criação de taxas, chocar o ovo Haddad que botou no seu governo para se criar, suas muitas frases antipáticas, irônicas e infelizes, e o fora dos foras, a de aceitar que usassem a pergunta – É casado, tem filhos? – na campanha contra o Kassab.

Lembrou você, por acaso, tantas vezes quanto eu, da expressão “lágrimas de crocodilo”? Certamente que sim, se estava acompanhando o desenrolar final do novelo e da trama em Brasília, aquela votação que pareceu que ia, mas não foi – botaram água na fervura quando dividiram crime e castigo. Houve crime, mas não tem castigo; uma nova obra, ou melhor, frutinha, jabuticaba exclusivamente nacional, criada e aprovada em minutos por senadores vacilantes que também deviam estar fazendo fila e nos pedindo desculpas, mas não perderemos por esperar. O dia deles chegará.

Sabe por que chama assim? Lágrimas de crocodilo? Porque o bicho lagrimeja enquanto saboreia sua presa; lacrimeja, todo falso, mas é por causa de uma glândula ativada quando abrem toda aquela bocarra para comer mais rápido, prazerosamente. Tipo também o Lobo Mau que tem aquela boca enorme para?…te comer.

A analogia é clara. Estamos nós aos prantos. Buá Buá.

Resultado de imagem para cryiNG animated gifs

___________________________

 

oculos fendiMarli Gonçalves, jornalista – Anda estranho se emocionar com o que andam fazendo ou prometendo que farão qualquer hora dessas.

São Paulo, vai mesmo ser difícil votar, 2016

____________________________________________
E-MAILS:
MARLI@BRICKMANN.COM.BR
MARLIGO@UOL.COM.BR

ARTIGO – A voluntariosa. Por Marli Gonçalves

llorarcrunchPassamos dias ouvindo falar maravilhas deles, lembrados e homenageados na abertura e no encerramento, aparecendo sempre felizes, cordatos e sorridentes, mesmo quando obrigados a usar uma roupa horrorosa como aquela dos que entregavam as medalhas. Disseram até que o sucesso do evento se deveu muito a eles, aos milhares de voluntários que participaram da Olimpíada e que ainda ouviremos falar atuando na Paraolimpíadas.

Palavra positiva, ato positivo, merecedor de elogios, tudo o que se faz de oferecimento, de bom grado e boa vontade nesse mundo tão cheio de egoísmo e tristezas é bom motivo para reconhecimento. Pensei na palavra também como singular, desprovida de bens, desinteressada, perambulando por aí à procura de alguém que precise de alguma ajuda. Os voluntários normalmente são seres quase invisíveis. Foi importante vê-los materializados, brasileiros e estrangeiros, mais de 50 mil inscritos, entrevistados, fichados, vasculhados, que tínhamos medo de ataque, de infiltrados, lembra?

Voluntários são também alguns movimentos, do nosso corpo, por exemplo, quando repetimos instintivamente reflexos, que, contudo, também podem ser involuntários para confundir o cérebro, de onde saem todos os comandos.

Mas pega a palavra daqui, estica ela de lá, puxa para cá, não é que acabei por chegar à política nacional? Nos novos voluntários da pátria? Estamos cheios deles, todos agindo em nosso nome, juntos e misturados. Afinal, não é bolinho ficar ali num grupinho ardiloso e visivelmente minoritário sentado juntinho na primeira fila defendendo há meses um legado fracassado, tentando atrapalhar qualquer bola quicando no gol, e às vezes até esporte virulento, exercício de chatice, lance teatral, bola cantada e ensaiada. Um mini coro, que já integra o folclore. Narizinho, Lindinho, Jardim de Infância, andam cheios de hematomas de tanto apanhar nos plenários da vida.

E tudo isso, para defender quem? Nada menos que A voluntariosa, que fez e aconteceu, ou não fez, não viu e aconteceu. Avisada, deu de ombros. Ignorou aliados e desalinhados. Caprichosa, teimosa, imperial. Assistiu o país indo para o ralo e, se fizermos as contas nos deixou completamente sem governo praticamente desde que assumiu o segundo mandato, em mentirosa eleição. Não houve dia de sossego, em que não tivesse de se defender de alguma acusação, grande parte das vezes ou vinda de pessoas e do universo ao seu redor ou sobre elas próprias e seu partido. Tem a praga da Casa Civil, a saga da tesouraria do partido, a síndrome da amnésia, a crise de golpe-soluço; tem os momentos de históricos discursos sem-pé-nem-cabeça ao som de caxirolas. O bate o pé, bate aqui o meu pezinho, birrenta, marrentinha.

Sem esquecer, claro, mas isso até é acessório, os momentos regime, momentos pedaladas no meio dos carros para demonstrar tranquilidade, dias de cara virada para o padrinho e ataques de fúria vazados para a imprensa. Fora o lado tinhoso e o jeito de dar chás de cadeira memoráveis a certas pessoas. Virou refém de si mesma se distanciando sem perceber dela própria, da tal coração valente, da mulher ativa que enfrentou um câncer, a ditadura, a prisão, a primeira a chegar à presidência.

Vivemos, involuntariamente, os últimos dias de um doloroso processo que ninguém em sã consciência gostaria de estar vivendo, mas para isso foi levado, e não há como não admitir isso, nem que seja com seus próprios botões, que ainda vejo amigos queridos se debatendo publicamente em estertores. Cada dia é mais claro que o motivo do papel que vai ser julgado para o afastamento é um, pesado, mas um; e que aqui do lado de fora o motivo pelo qual o povo está bem pacato assistindo o desenrolar da novela é o conjunto da obra, visível de forma límpida, sentido na pele de várias formas, diversificadas peles.

Ninguém aguenta mais – essa é a verdade. Voluntários já estão a postos – espero – para logo depois dessa falação toda com direito a choros, fúrias, gafes, e que veremos entre batidas na mesa e palavras duras, começar a empurrar a engrenagem para o dia seguinte em diante.

Botando os olhos bem abertos, de butuca, em cima do homem que se voluntariou para ocupar o espaço e o poder, e que também desde que sentou na tal cadeira faz de tudo para se desvencilhar da trama que também fiou.

20160813_143252

Marli Gonçalves, jornalista – Só falta aparecer algo como aquela imagem do Tio Sam procurando voluntários com o dedo apontado, dizendo que precisava de gente para a guerra. Imaginem que filme de terror.

SP, ligada em Brasília para setembro raiar, 2016

____________________________________________
E-MAILS:
MARLI@BRICKMANN.COM.BR
MARLIGO@UOL.COM.BR