ARTIGO – O povo vai para a rua. Por Marli Gonçalves

PASSEATASpasseataO povo vai para a rua? O povo vai para a rua! O povo vai para a rua. (O povo vai para a rua). “O povo vai para a rua”. As mesmas palavras podem ter sentidos tão diferentes dependendo da pontuação, do lado que se fala, de quem, onde se fala, quantos falam, do tamanho da exclamação e da dúvida. Mas precisamos pagar para ver?Pagar para ver. Ver quem é que recebe para bombardear ou para apoiar, ou quem não recebe, mas também não pensa e sai por aí esquecendo a argumentação sólida em casa. Quem é maria-vai-com-as-outras. Quem vai até o fim. E – o que anda preocupando muito – quem sabe exatamente o que está pedindo e o que significa. Pelo que ando observando, se fosse um quesito para liberar a entrada na manifestação, seria vetado.

O povo vai para a rua. Já está havendo demissões em massa. “Rua!” – é o que milhares de trabalhadores de alguma forma ligados às empreiteiras e à Petrobras estão ouvindo, em muitos cantos do país. Igual castelo de cartas. Para achar pré-sal precisa fazer isso, isso e aquilo, que não está sendo feito e então não precisa construir plataformas, nem navios, nem estaleiros, nem canos de transporte, nem engenheiros, nem secretárias, nem office-boys, nem seguranças, nem ninguém nesta linha de produção. Todo esse mundo também não vai mais comer, comprar roupas, investir, viajar, se hospedar, e la nave va… A cidadezinha ou região que ia ser o centro do crescimento-desenvolvimento-captação-recursos ficou a ver navios, os que não serão construídos, fantasmas. Os que ouviram Rua! e já estão nela, por sua vez dirão “Rua!” para seus próprios funcionários e vão deixar de comprar mais coisas que deixarão de ser produzidas na escala porque apertem os cintos: o consumidor sumiu! Tá ouvindo o barulho? É muita gente, talvez você ainda não tenha se dado conta. Olha só. Uma das empresas, só uma, tem 120 mil empregados. O povo vai para a rua!

COMO A GENTE SE SENTE...O povo vai para a rua! Pelo menos é o que vemos um monte de gente combinando por aí, principalmente no Banco Imobiliário, ops!, quis dizer na internet e redes sociais.

Não queria, mas não estou pondo fé. Primeiro, talvez porque para mim é claro que estamos mais divididos que bandas de laranjas a ser chupadas por boquinhas ávidas. Depois, marcaram para um…domingo! Domingo lá é dia de protestar contra o governo? A gente nunca vai aprender? Nunca mais vamos ter uma oposição organizada e esperta como a que conseguimos quando pusemos abaixo a muralha da ditadura? Ou, outro dia mesmo, em 2013, qual foi o dia mais legal das manifestações? Uma segunda-feira, ora pois pois.

Mas o pior é que o samba pode atravessar – e feio – na avenida. Aqui em São Paulo, na Avenida Paulista, para onde está marcada, o prefeito que adora dar tintas, mui sutilmente trancou a avenida com sua obra de faixas para bicicletas, uma espécie de fixação que ele tem, parecida com a que o Suplicy tem com o seu renda mínima. Mas Suplicy é louco manso, só perturba a vida das pessoas para lá e para cá cantando Bob Dylan com seu livrinho debaixo do braço. Esse prefeito aqui, de esgueira, na maciota, tornou a Avenida Paulista inóspita para manifestações, com suas pedras e blocos, buracos e máquinas. Ah, os ambulantes que estão tornando inviável andar por ela – esses ele deixou porque ajudam bastante a atrapalhar, uns hippies sem noção com o relógio parado há cinco décadas, a grande maioria. Nossa, é mesmo! As maiores manifestações têm sido contra o partido dele! Que coincidência. Como não tínhamos pensado nisso antes?

Mas, mais do que esses problemas físicos ou de dia da semana, o que mais torna nebuloso o que vai acontecer nos próximos dias é o que podemos chamar de sujeito difuso, no caso, confuso também. Impeachment? Intervenção? Oi? Tão lókis? Não beba antes de tentar se manifestar. Formem outro bloco, pelo amor de Deus! Deixa o bloco de agora – e eu garanto que se assim for vai bombar – só formado por gente que quer protestar contra o governo por motivos que todo mundo quer protestar contra o governo, até quem nele votou, e, se bobear, até quem dele faz parte, por vergonha. Não tem unzinho ser contente!

Se for assim, beleza, juntará quem estiver protestando contra a falta de água, as incertezas da energia elétrica, o preço acachapante das coisas no mercado, nas feiras, o preço da carne, a falta de escolas, creches, falta de poda de árvores, de limpeza nas ruas, saúde em pandarecos, os aumentos das contas de luz, telefone, gás, água, ipeteús, ipeveás, ierres, sem qualquer compensação, muito ao contrário – cada dia uma “Elza” nova é revelada, um passou a mão em algo de algum.

Ok, quer “falar mal da Dilma”? Pode. Mas não precisa pedir impeachment, a cabeça dela na bandeja, e uma inevitável instabilidade política que adviria disso, sem dúvida alguma. Vai lá, chama de gorda, feia, descompetenta, descompensada, mas pensando sempre em melhorar o país. Que ela se ligue e melhore, e que o partido a que ela pertence tire essa venda que insiste em usar para cobrir os olhos diante da crise aqui já na ponta do nosso nariz, tipo espinha dolorida. Crise de consciência, de vergonha diante do mundo, de tantas pechas que pregam na Nação, desses modelos ultrapassados de esquerda X direita, de teses econômicas amarguradas.

Leitores queridos, por favor, leiam bem o que estou querendo dizer antes de querer me esganar, esteja você de que lado for dessa pendenga. Eu mesma acho estranho meu esforço e o de muitas pessoas tentando incutir um certo bom senso, chegando até em algumas horas a defender alguns que formam o governo. Tipo essa agora do Ministro que recebeu os advogados, e que alguém tem de ir lá beliscar ele, falando no ouvido “Quem muito explica, cada vez se enrola mais. Fica quieto” . Não gosto nem um pouco dele, que sempre tratou mal e acusou todo mundo com o dedão apontado e que agora bebe uns goles do veneno que plantou. Só es-que-çam: a muié não vai demitir o galã por causa disso.arg-woman-with-wrench-url

O povo já está nas ruas? O povo já está nas ruas! (O povo já está nas ruas). “O povo já está nas ruas”. Vejam o que foi esse Carnaval! Cordas caíram nos trios elétricos da Bahia, democratizando o périplo ladeira acima e abaixo. Em todo lugar, blocos espontâneos, blocos históricos, blocos, bloquinhos (até aqui na porta de casa, numa região que não tem nada a ver com, digamos assim, isso, passou um!), blocões. O Carnaval das ruas, voltando glorioso como deve ser.

As escolas de samba, bem, estas – especialmente a tal Beija-Flor, seu ditador e sua Guiné, suas contravenções e seu Neguinho particular, aquela coisa toda muito chata que ganhou – conseguiram o inimaginável. Só gostou do resultado quem é Beija-Flor. Há muito eu não via petistas, tralhas, tucanos, verdes, apáticos, ecologistas, esquerda, direita, centro, chuchus, reacionários e revolucionários, mulheres, homens, Ets, LGTSSABCs e etcs criticarem a mesma coisa.

São Paulo, 2015, adentrando março sorrateiramente work3Marli Gonçalves é jornalista Confesso, acusado 1,2,3. Este ano lembrei muito da minha maior alegria de infância durante o Carnaval. Ficava nas esquinas com pistolinhas…de espirrar água. Como era bom quando passava um carro com os vidros abertos! Agora, o ano inteiro, nas esquinas, alguns jovens também ficam esperando os carros, mas com uma pistolona, e de verdade. Hoje brincar disso ia ser um tédio, né? Seco. E todo mundo com medo, em carros blindados.

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ARTIGO – Viramos avestruzes. Parece. Por Marli Gonçalves

?Já que nem é verdade que aquelas aves grandonas, frangões enormes, se escondem, enfiam a cabeça no buraco – até porque nem seriam malucas e a natureza é sábia – a comparação serve só para ilustrar. Porque quem está enfiando a cabeça na terra para não ver, ou fazendo logo como aqueles três macaquinhos – não ver, não ouvir, não falar – somos nós, os humanos. Especialmente nós, os humanos brasileiros, coisa verde e amarela. Puxa, tem nem uminha musiqueta de protesto? Uminha, vai!

animated-gifs-ostriches-22AlôôÔ! Posso saber o que é que está acontecendo? Alguém pode dizer? Será a água (a pouca que temos? Alguém pingou “desmemoriol” ou “apatiol” na caixa dágua geral? Vamos continuar só sussurrando entre nós que a crise está brava, que o país está desgovernado, parado, estupefato, atrasado? Que a crise está batendo toc,toc,toc na porta e a gente ainda fazendo de conta que não está escutando. Logo só o nariz vai estar para fora e a gente saltitando na ponta do pé. Acaso estamos esperando algum super-herói vir nos socorrer? Temo ter de informar que o último que estava sendo esperado, o Batman Joaquim Barbosa, resolveu se recolher e ficar lá no Supremo, onde, aliás, passou a ser mesmo de fundamental importância.

Más notícias: não temos super heróis, o Papa anda super ocupado com outras coisas, que agora incluem até a sua Argentina; fora que ainda, pois é, não está comprovado que Deus é brasileiro – parece que é mentira. Até o Obama cansou de escutar nossas conversas: deve ter ficado pasmo com o que ouvia, negociata em cima de negociata, com o nível geral das conversas, entre si e uns mais que outros, dos políticos, empresários, governantes e assemelhados. No momento mesmo, a cada diálogo revelado nossos cabelinhos ficam em pé, tão “republicanos” que são. “Você é nosso e nós somos teu”, a mensagem escrita pelo petista Vacarezza no SMS mandado ao Governador Sergio Cabral, era apenas um leve, levíssimo, prenúncio do que ainda iríamos ver, ouvir, saber. Tem mais: nossa presidente e seu imenso ministério – um rabo com quase 40 atarracados – está lá batendo pino, zoada, diríamos. Continua irritada e distribuindo tabefes verbais enquanto manda alguns fazerem o papel de sonsos, nos azeitar, amanteigar. Enquanto isso, jornalistas ficam úmidos, babam e se espremem para sorver as palavras do ex, espectro, agora sempre previamente escolhidas, para uma plateia amestrada como focas.sanden

Assim, continuando a ligação animal do início desta conversa, a inflação está galopante e não é para combinar com o ano chinês do Cavalo de Fogo. Estamos com nossa auto estima completamente arranhada, pó unhas e patas de gatinhos e tigrões, e – vai, admita! – nos mantemos em pânico absoluto, sem conseguir antever sobre o que acontecerá até a Copa. Até as eleições. Até a chegada ou retorno do bom velhinho, se é que até ele não mudará de rota com medo de suas renas serem assaltadas ou seus sacos de presente “aliviados”. Isso, claro, se não aparecer ninguém pintando uma faixa, cobrando alguma taxa ou inventando algum imposto novo pro coitado voar nossos ares. Viram como andam nossas estatais.

Não bastasse há uma coisa nervos à flor da pele, faca nos dentes, acometendo a população de Norte a Sul. Não junta nem dez e já alguma coisa pega fogo, a avenida ou estrada é bloqueada, chovem pedras e gases, e o protesto que era para ser pacífico blábláblá. Aposentaram os blackbobocas; foram pra gaveta junto com os ninjas. É ação e reação, só que localizadas. A polícia chega rasgando, bomba pra lá, bomba pra cá. Feridos, na certa. E o espectro da morte por ali, rondando. Qualquer coisa. Uma fagulha. Tudo isolado. Se até organização criminosa protesta! Faz a conta: a frota de ônibus nacional sofre grande e grave revés. Agora já nem saem mais das garagens – os caras vão lá e queimam a garagem inteira. Concentrado.

gifs-animados-avestruces-915622Uma das grandes preocupações recentemente eram os arrastões em restaurantes. Agora já estão alhures, rolando até em lanchonetes e padarias de esquina – devem render só trocados, porque todo mundo está Durango Kid. A coisa está feia. Na dúvida o pessoal das Olimpíadas de 2016 já toma posição, com uma espécie de intervenção. Porque se estão vendo na Copa… Imagine nas Olimpíadas.

Não vou me estender mais porque sei que você sabe. Todos os leitores já se perguntaram coisas como “como assim um quilo de carne estar custando isso?”, “como assim um pedaço de melancia a 10 reais?”, “como assim essa conta de luz, de telefone, celular que não funciona, como assim esses impostos novos, mais essas leis incumpríveis?”, “como assim tanta roubalheira de dinheiro público, agora o pessoal rouba e nem tenta fazer”? Como assim?

ostrich4Falamos entre nós. Ouvimos nas ruas. Vemos a nossa situação e a de amigos. Precisamos e não temos o que pagamos para ter, como Saúde, Educação, Infraestrutura. O burburinho está crescendo, e sussurros qualquer hora viram gritos. Só que está demorando; estamos paralisados e divididos, mesmo concordando em tanta coisa.

Andamos cabisbaixos. Um país triste e perplexo.

graphics-swans-487640Viraremos avestruzes, porque nossas cabeças também não serão visíveis e estarão perto do chão quando tentarmos nos esconder, assustados com tantos predadores. Vamos começar a ouvir o canto dos cisnes. Mas os cisnes – sinto informar – não cantam. São mudos. Iguais a como nós estamos.

São Paulo, 2014Marli Gonçalves é jornalista Nem pensar em Ovos de Páscoa. Até porque podem vir recheados só com ar, numa revolução de coelhos.

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