ARTIGO – Nossas terríveis armas. Por Marli Gonçalves

arma_sendo_disparadaMãos ao alto! Agora, sim, de vez, chegamos à conclusão que somos, nós mesmos, armas; e que tudo pode mesmo ser ou virar arma. Que de um segundo a outro algo pode vir de qualquer lado e estragar tudo. Só com corações e mentes desarmadas poderemos nos sentir seguros

Andamos todos nós armados até os dentes. Aliás, literalmente, porque uma mordida pode causar uma boa inflamação, há de se lembrar. Marcante como impressão digital, naquele formato meia lua.

Unhas podem ser garras que tiram sangue para se defender, ou uma outra forma de arma – para a conquista, quando suavemente usadas. Nosso corpo é arma poderosa quando luta, quando golpeia, quando fechamos os punhos, chutamos certeiros pontapés. Até dentro dele moram muitas armas, que criam monstros, que matam células, que podem nos suicidar envenenados por emoções ou tristezas, estou convencida. Assim como criamos nossos próprios cabelos brancos.

Um olhar. Quer coisa que pode ser mais arma letal do que um olhar? Dependendo de quem o desfere em sua direção seus efeitos são imediatos, tanto quanto aqueles que os nossos pais nos dirigiam quando éramos crianças e saíamos da linha – fulminantes. E a palavra, então? – essa arma ainda tem sua capacidade multiplicada dependendo do uso do tom da voz, da cadência, do volume, da entonação do aposto. Dependendo do que desfaz, a palavra pode levar à morte por amor. Gestos podem ser mortais.

HawkeyeMas agora temos mais uma outra dimensão do perigo. Muito além daquela que já representava alguém bêbado ao volante, muito aquém dos irresponsáveis dos rachas. Um caminhão assassino. Já tínhamos visto os aviões assassinos, mas eles pareciam mais distantes, mais complexos, mais difíceis de ocorrer. Esta semana, ainda, lá de cima no céu da Turquia, helicópteros despejaram balas no curso de suas rotas durante o embate da tentativa de golpe – dezenas de mortos a esmo. Mas caminhões? E se os ônibus também começarem a ser usados? As motos, bicicletas, skates? As vans? E se for necessário manter por muito mais tempo e além dos grandes eventos os tanques de guerra pelas ruas como já estamos vendo percorrendo no Rio de Janeiro?

Aterrorizante porque muita coisa pode ser arma, como disse, para atacar ou se defender. Uma garrafa, um cinzeiro atirado. Um trivial estilingue. O canivete que zune no ar movido por mãos ágeis. Uma torneira enrolada com um pano, empunhada como bem tentou um ladrão outro dia, que a tornou muito ameaçadora – e qualquer coisa apontada para a gente não é para ficar perguntando se é verdadeira, falsa ou inventada.tom

Pode ser elástico de cabelo, bola de gude, isqueiro, spray de desodorante, gás pimenta. Até flor pode ser arma, apontando seus espinhos afiados e pinicantes.

Aí, o cerne da questão e de nossos medos. Pensando, somos armas. Além das líquidas, nucleares, químicas. Delirando, podemos ser invencíveis e corajosos. Sem noção da vida, nada impede de buscar a morte levando muita gente, querendo ser um nome na história, nos sites de busca, mesmo que nas páginas de terror e ódio, de crimes de lesa humanidade, lesa pátria.

Falo em corações e almas desarmadas, mas sei bem que isso é utopia. Pior: não temos arma melhor, algum argumento estrategicamente guardado que faça com que todos acreditem de verdade e se desarmem.

Ao contrário, dia após dia parece que tudo fica muito mais perigoso.

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Marli Gonçalves, jornalista – Queria muito ser feita de aço.

Brasil apavorado, preocupado em mandar acender faróis, 2016

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Caçada ao Osama: achei esse relato geral um dos mais interessantes. É do Blog do Gabeira, no Estadão

 

elas procuram o corpinho no mar...

Nos bastidores da caçada a Bin Laden

por Fernando Gabeira

Uma grande equipe do New York Times, liderada por três repórteres, Mark Mazetti, Helene Cooper e Peter Baker, conta hoje a história dos bastidores da ação que matou Bin Laden.

Algumas das minhas dúvidas foram esclarecidas. O microblogueiro paquistanês que contou a história menciona a explosão de um helicóptero e eu não conseguia processar esse dado. As autoridades americanas afirmavam que não houve nem mortos nem feridos entre os mariners que invadiram a casa. Aquela explosão foi provocada pelos próprios norte-americanos porque o helicóptero enguiçou na hora da partida. O raciocínio imediato foi este: é melhor destrui-lo do que deixá-lo para trás.

A longa história da captura de Bin Laden, realmente, começa na prisão de Guantánamo, onde vários detentos mencionaram a existência de um emissário de confiança de Bin Laden. Ouvidos, os lideres mais importantes na prisão disseram que desconheciam o nome . Essa recusa contribuiu para os americanos achassem que estavam numa pista correta.

A CIA começou a interceptar telefonemas e e-mails da família do emissário. Há dois anos, no Paquistão, um funcionário nativo da agência anotou a placa de um Suzuki branco e através dessa pesquisa, as investigações chegaram à casa de Abbuttabad.

Como todas as investigações de longo prazo, houve momentos mais intensos e outros mais frios. As fotos de satélite, uma vez localizada a casa, serviram para determinar o estilo de vida dos ocupantes. Não tinham internet nem telefone, queimavam o próprio lixo.

A primeira dúvida era sobre realizar ou não a captura. Não foi uma decisão linear. Pesava ainda a experiência fracassada na Somália, em 1993, quando dois helicópteros Black Hawks foram derrubados. E também, até meados de abril, a CIA tinha um dos seus quadros preso no Paquistão. Seu nome é Raymond A. Davis e estava detido por abrir fogo contra dois paquistaneses, numa rua movimentada de Lahore. Havia a possibilidade de uma retaliação contra Davis, na prisão. Ele foi libertado em 16 de abril.

Uma vez tomada a decisão de atacar, restavam grandes dúvidas sobre as características da operação. Um dos arquitetos da operação pensou em bombardear o edifício. Fizeram as contas e viram que precisariam de 32 bombas, corriam o risco de abrir uma grande cratera no lugar e jamais encontrar o corpo de Bin Laden.

Havia também a possibilidade de fazer uma blitz junto com as forças paquistanesas. Mas teriam de avisá-los com antecedência, aumentando o risco que a operação vazasse e Bin Laden conseguisse escapar. Isto não significa que o Paquistão não tenha colaborado. No momento exato, apenas os americanos sabiam da operação.

Obama fez várias reuniões secretas e pediu algum tempo para decidir. Finalmente, deu a ordem para o assalto, preferindo-o ao bombardeio. Montou uma sala de situação e mudou a rotina da Casa Branca para que visitantes não percebessem que alguma coisa se passava.

O assalto foi programado para o sábado mas a noite estava nublada. Optou-se pela noite de domingo e os quatro helicópteros partiram de Jalalabad, no lado do Afeganistão, perto da fronteira. No mapa que encontrei no Google, mencionei o aeroporto de Abbuttabad como uma possibilidade de recuo. Mas foi um erro. Dentro do espírito de não comunicar aos paquistaneses, o aeroporto era inútil. Na verdade, o grande problema dos helicópteros era serem confundido pelos paquistaneses e bombardeados como se fossem parte de força inimiga.

Soldados paquistaneses montam guarda na casa de Bin Laden.(AP)

Na sala de situação, com grande estoque da batata frita e soda, Obama e seus assessores acompanharam a operação, desde o momento em que os helicópteros decolaram em Jalalabad. Segundo os assessores, cada minuto parecia um ano. Até que a frase Gerônimo morto em ação foi transmitida. Era o fim da operação, com sucesso total.

http://blogs.estadao.com.br/fernando-gabeira/