ARTIGO – Nunca dantes estivemos assim tão…Por Marli Gonçalves

Desesperançados. Achei a palavra. Passei a semana pensando sobre isso, eu própria meio taciturna, estranha, apreensiva. Sem conseguir ver a tal luz que abre o caminho. Cansada de todo dia a mesma coisa, alguma surpresa ou revelação de como o poço é fundo. Estou falando do Brasil. Estou falando de todos nós, uns mais outros menos, não é mesmo? Mas todos nós.

É tão forte a sensação que saí por aí perguntando, conversando com quem encontrava, puxando assunto, colhendo impressões. Queria saber o estado de espírito dos outros, sem falar diretamente sobre o meu próprio.

Antes de mais nada, entenda, por favor. Sou – pelo menos sempre me considerei – uma otimista quase incorrigível. Tenho bom humor, prezo a felicidade, detesto o baixo astral. Perceba que estou falando de algo mais filosófico, sensível, imaterial. O resultado do que colhi nas ruas explicou o que meu íntimo intuía. Em qualquer classe, se é que ainda há alguma. Nunca dantes estivemos assim tão desesperançados. A desesperança é descrença, desilusão, desânimo, desengano. Decepção.

Isso é um problema. Porque desmobiliza, cria uma legião de egoístas, cada um tentando salvar seu próprio couro. E querendo a pele do outro só para tamborim.

Nunca dantes estivemos assim. Nem durante a ditadura, pelo menos essa última que foi a que vivi – tenho de ressaltar. Quando lutávamos contra ela – e como lutamos! – o sangue corria em nossas veias, com gosto, pelo morrer ou matar em prol da liberdade, da democracia, do orgulho. Enfrentávamos as cavalarias, o medo, burlávamos, abríamos os espaços, conquistávamos centímetros que eram nossa redenção, valiosos. Um jogo bruto. Até “o outro lado” era mais intenso, deu tanto trabalho agarrado ao osso que dilacerava. Mulheres levantavam e abriam os olhos. Era um país em busca de sua identidade, no campo, nas cidades, nas escolas, universidades, palcos, no anonimato, na clandestinidade. Matavam nossos líderes, outros surgiam. Coisa bonita de ver e lembrar. Cantávamos! A luta pelas Diretas foi o ápice.

Hoje, o que temos? O linguajar chulo de coxinhas, mortadelas, palavras sendo distorcidas, ódio entre amigos, óbvios ídolos de barro e lama cobertos por milhões de dólares de corrupção sendo defendidos, literalmente, com unhas e dentes, fantasiosamente em prol de dogmas antiquados e inadequados. Não há política, mas politicagem, se alastrando daninha em todos os poderes da República, cada um puxando a sardinha, a toga, o pato, o quebra-quebra, repartidos entre si como carniça entre urubus.

Alguém aí avista alguma atitude cívica, de amor, de desprendimento? O chão que eles ladrilham pavimenta apenas o caminho de poder. De poder um mais que o outro. Antropofagia, teu nome é Brasil.

Vai falar bem de quem? Vai botar a cara de quem numa camiseta para ir às ruas? Pior, de repente, acredita, e dias depois vai ter de explicar que pensou mesmo que aquele ou aquela poderia servir. Qual o quê! Marina? Nem zumbe mais a mosca. FHC? Agora aparece do alto de um trono criticando, como ele era melhor nisso, aquilo. Dilma? Nos fez rir – e chorar, muito. Lula? Nunca dantes um líder operário deixou tantos órfãos no caminho, sem saber de nada, não ver nada, não se comprometer nem com a sua própria história, quanto mais com a nossa. Instituições? Vacilam.

Verdade. Nunca dantes estivemos é assim tão … desamparados. Quem pode busca outra cidadania. Quem pode faz as malas – embora certo seja também que essa desesperança e muito medo estejam sendo as marcas do século em todo o planeta. De onde mais se espera é de onde não vem nada. Espaço aberto a pestes, misérias, guerras.

Utopias! Quero uma para viver. Enquanto estou por aqui, farei o que puder, procurarei ter ânimo. Eu não os tenho, mas quem tem descendentes deve estar muito chateado com o rumo dessa prosa.

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Marli Gonçalves, jornalista – Tô até vendo uns rompantes de alegria com a tal Seleção Canarinho. Mas futebol não dá pão, só circo.

São Paulo, 2017, levantando o tapete. A mesa já está posta.

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ARTIGO – Carta aos considerados. Por Marli Gonçalves

close-more-salesEscrevo porque considero muito os meus considerados. E vi muitos deles postando imagens de dentro da manifestação em que se vestiu vermelho e, portanto, em apoio ao atual governo. Se for o seu caso e estiver lendo esta, saiba do meu respeito – não deve estar nada fácil se manter neste apoio, dia após dia. Mas não me chame nem de longe, nem em pensamento, de golpista. E também não vire sua cara comigo, que daqui a pouco, todos juntos, espero: vamos rir muito de tudo issovoleur

Estamos respirando política. E política aqui no Brasil não é muito saudável, cheirosa, nem oxigenada, muito menos confiável. Momento tenso, muito tenso, desequilibrado mesmo. Bambolê. Até aqui creio que todos concordamos. É o mínimo.

Isso dito, deixo claro que também quero ver o Eduardo Cunha pelas costas, e que é um absurdo ser ele o condutor do processo de impeachment. Mas está lá. A mesma Justiça que bate em Luiz, baterá um dia talvez quem sabe logo logo nele. Mas ainda não bateu. Não consigo digerir o esgar irônico de Renan Calheiros. E, cá entre nós, o que é o Aécio? Que é aquilo? Onde foi que ele se perdeu dessa forma? Só fala coisas óbvias, repetitivas, como se ensacasse vento, trêmulo, sem convicção. Ficaria páginas listando alguns outros que se revezam diante de nós nos noticiários. Pauderney. Pauderney! Sibá. O bisonho irmão para baixo do Genoíno, da triste lembrança dos dólares na cueca. Caiado. Bolsonaro. Jaquinho, o baiano, o que diz que quer ser até carregador, atarracado no saco do chefe. Tem coisa mais degradante do que a subserviência? O “rapaz”, como chamado nos telefonemas, o Cardozo, que algo me diz estar em intensas manobras. O tenso Mercadante aloprado trapalhão. A lista é gigantesca.

Mas, meu considerado, por favor! Não fica aí batendo pé, fazendo biquinho, mimimi, repetindo bordões e falsidades se não estiver muito ligado, ganhando, ou ainda se for mesmo um apaixonado ainda não desiludido (ainda, né?). Se está aí acreditando até que deram Metrô grátis para os que protestaram contra o Governo, e você bem sabe que isso não aconteceu, mas continua no transe do social-golpe-direita-esquerda-etc, posso fazer o quê? Adianta mostrar fotos de como teve, sim, trabalhadores de vermelho na manifestação, e também nas faces, rubras, sim, mas por receber dinheiros, carona, uma camiseta e bandeirinha? Promessa de shows. Aliás, showmício.

Óbvio que achei o horror a tal lista de artistas para serem boicotados, assim como, por outro lado, achei o horror a lista negra que foi feita de jornalistas que batem no Governo. Acho simplesmente ridícula essa coisa boba contra a TV Globo – até parece que é tudo por causa dela, ou da Veja! – e os argumentos de vir comparar a corrupção quase trilionária que nos assola a camisetas da Seleção, tirar o pirulito da criança, pisar na grama, não dar esmola e ter babá. Ridículo, gente, arrumem coisa melhor.couple

O que vocês chamam de coxinhas e outras palavras mais pesadas que paneladas se trata de todo um mundo com pressa de olhar o futuro, virar a página, voltar a falar de outras coisas como esperança, parar de passar dias com nós no estômago, amargado com as notícias que não param de chegar. Com as coisas que não param de subir. Com os sonhos adiados como castelo de cartas. Com as dificuldades e falta de assistência. Com a paradeira geral e o soluço dos desempregados, endividados. São os verdadeiros estarrecidos esses que se movimentam confusamente em verde e amarelo. São seus amigos, poupe-se de destratá-los. Sou eu, seu vizinho, seu cliente, seu aluno, seu professor. Não são fascistas. Fascista é a …! Claro, primeiro, se aprender a escrever certo para xingar, o que é raro, raríssimo.

ringleader_yelling_thru_megaphone_md_clrQuem protesta? Quem está sentindo na pele. No geral, gente que quer que essa política que tanto envolve vocês em briguinhas de lé com cré simplesmente exploda, boom, daí o rancor. São alguns dos milhões de desempregados. Gente que não está podendo suportar mais o desgoverno, o governo malfeito, trapalhão, despreparado. É de baixo a cima. É total, está sem pé nem cabeça, sem projeto, sem ministros (?!?) sérios, tudo negociado, sem ações positivas, com as casas que dá, caindo, enquanto se constroem arranjos de sítios e triplex. Estradas parecendo campos de guerra. Um mosquito faz zueira e espalha o terror. O conceito cidadão é desvirtuado, trocado por apupos. As obras paradas, as cidades se deteriorando a olhos vistos.

Querem o quê? Aparece um candidato a imperador romano tentando atrapalhar as investigações – e, portanto, assinando com firma reconhecida a culpa no cartório. Com a mesma caneta, assina, promovido a ministro. Uma esculhambação geral, Casa da Mãe Joana – se já era esquisito ter um presidente dentro e um fora, dois dentro só pode ter sido ideia de um gênio do Mal, coisa que grassa nesse governo que confunde o tempo inteiro o Estado com as suas gavetas de roupas íntimas, quer usar a nossa escova de dentes. Vocês não podem não estar vendo isso.

parler_beaucoupEles, esses que batem no peito se agarrando no galho, mudaram; talvez, se você for jovem, não saiba, mas eles mudaram muito do tempo quando apareceram com propostas de mudanças, e eu também os apoiei. Agora estão sambando na corda bamba porque temem apenas deixar o Poder no qual se atarracaram para sugar tal qual carrapatos. Olha bem. Perceba que a situação chegou a um ponto insustentável. Deixaram digitais em todos os lugares, que são muitos, e que se encontram numa pororoca que estourou foi o país de nós todos.

A proposta é #vamosnosuniroparanaotergolpenenhum. Bandeira branca, amor.

Quer ficar nessa, fica, mas repito, sem me virar a cara nem torcer o nariz que daqui estou só assistindo. Mas uma hora vocês precisarão trocar de líderes se quiserem voltar a ser respeitados. Esses aí têm pés de barro, e a água já passou da canela. Nós, juntos, precisaremos encontrar novos homens de bem, de bem mesmo, se é que me entendem. Digo o mesmo aos exaltados do lado de cá: parem de ignorâncias, por favor, querer atear fogo na caldeira e se mostrando piores do que o que combatem. Sejam mais razoáveis, que os fatos já são bem claros, não precisam salivar.

Considerado, usando uma expressão cativada pelo querido Moacir Japiassu, que a todos chamava de considerado. Considerado é uma daquelas palavras completas em sentido, gorda de significados.

Considerado, considere considerar que todos nós temos alguma boa dose de razão.

Sem mais, cordialmente, eu juro, um forte abraço,

Marli Gonçalves, jornalista Ah, tô na rua sim, porque nunca fui de esperar que ninguém lute por mim, porque bem sei que ninguém lutará. Desejo algo como a lavagem do Bonfim, um novo tempo. Apesar dos pesares.

SP, março, 2016

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ARTIGO – Feiosinhos e cabulosos. Por Marli Gonçalves

punkSou superfã de histórias em quadrinhos, contos, fábulas, desenhos animados, infantis e adultos, coisas e pessoas diferentes. Portanto, com gente, bichos, personagens, mitos, heróis, monstros e mocinhos criados, mas a partir da imaginação de alguém, ou pelo menos com algum sentido e personalidade. Dito isso, posso mandar ver? Na real estou vendo é um monte de gente se enfeando cada vez mais para se diferenciar, e de uma forma muitas vezes sem volta, tantos furos, tanta tinta no corpo, e sobrando tanto espaço vazio dentro da cabeça! aatatto

Vou tentar explicar essas coisas todas que estamos vendo por outro ângulo. O estético. Jovens estão simplesmente criando caricaturas de si mesmos, clones, como os das histórias e games, para assim, creio, viverem suas aventuras. O problema é quando caem em si e sentem na pele a trombada. A prova disso tem desfilado na nossa frente nesses dias de arrancar máscaras por aí. Eles se enfeiam não só para se manifestar livremente pelas ruas quebrando aqui e ali ou postando fotos nas redes sociais, mas também para serem aceitos em seus grupos, serem diferenciados, os “tais”. Ouviram cantar o galo em algum lugar e vão atrás, como se não houvesse o amanhã. O resultado é que estão se enfeando de uma forma inacreditável, de assustar pobres criancinhas. E muitos assim ficarão eternamente. Sentimos muito.

Moving-picture-ugly-green-dragon-animated-gifNão deixam de ser máscaras. Vejam os dois seres que acenderam o rojão assassino, e que agora parecem mais uns ratos amedrontados por gatos. Um foi reconhecido rapidamente justamente pela tatuagem. O outro, pelo suor e agressividade em protestos. Como as coisas estão novamente – a meu ver – ficando meio, digamos, obscuras, a tia aqui vai lembrar o que fazíamos nos tempos negros. Bobagens preciosas. Jamais usar adesivos, por exemplo, em carros, para não marcá-los, e assim poder despistar os seguidores, sempre em nossos calcanhares. Muito menos tatuagens que naquela época já eram meio caminho andado para a prisão, onde geralmente eram feitas a ferro e fogo.

Sininho3A tal Cininho, esse fio desencapado que nem escreve certo seu próprio apelido, Sininho, e que é tão metida que é capaz de provocar jornalistas em pleno luto, deveria ser é Narizinho, porque o arrebita de uma forma espetacular, já está manjada com sua argolinha pendurada na napinha. Agora vai ter mesmo de ser blackbloc para, mais mascarada do que já é, ir para as ruas fazer bobagens, dizer bobagens. Essa, nem com pó de pirlimpimpim para aturar. A turma dela é composta de gente igual, como fabricados em série, peões descartáveis. Mas se acham.

Gays capricham em trejeitos, vozinhas e expressões entre gritinhos; outros, os “modernos”, como chamo, capricham em buracos nas orelhas, alargadores que ainda bem, espero, só usem nas orelhas, porque são rombos quase maiores que os encontrados nas ruas de São Paulo. Especialmente capricham no olhar, uma coisa meio “sou superior”. Agregam cabelos, óculos de aros pesados, roupas, mas tudo tem de sempre estar no status do que eles decidem, senão são os primeiros a olhar com certo esgar, cara de enjoo. Outro dia reparei até numa nova onda, mas que raramente fica bem: jovens pintando os cabelos de …grisalhos! Em brancos, cinzas. Fica todo mundo muito feio. Sabe criança com cara de velho?Black_flag

As meninas agora fazem tantas tatuagens nas pernas (talvez pensem que se precisarem podem usar calças para cobrir?) que, se você olha meio distraído pensa que se borraram e a coisa escorre pelas pernas. Até porque fazer uma boa tatuagem é caro; colorida, mais caro ainda. Então recorrem ao risco preto, de gente que sabe tatuar tanto quanto acender rojão, e vira tudo um enorme e pavoroso rascunho. Fora a mistura de elementos, do tribal, ao bobinho, às palavras de fé, e por aí vai. Como diz um jornalista amigo, entre os melhores, também totalmente tatuado, e muito bem: quando a polícia parar vai dizer “não sei se te prendo ou se te leio”. No caso desses meninos e meninas, eles vão ler e cair na risada!

Ah, tem mais. Pelo outro lado, que horror esses meninos todos carecas ou quase, cortados rente com corte de Exército, do qual antes todos fugiam inventando as mais terríveis doenças, pés chatos e caolhices. Fazem horas de musculação – muitos ficam coxinhas, literalmente, porque as pernas ficam fininhas segurando um troncão. Parecem todos saídos de um ringue de qualquer coisa, bombados por pilulinhas mágicas e proteínas e albuminas que os fazem soltar gases praticamente tóxicos, dos quais riem entre si, amarelinhos. Eles não eram pitboys? Como chamam agora, sem os cachorros que entraram em desgraça pública?

Ninguém pode me acusar de careta. O que me dá o direito de gargalhar a qualquer reles tentativa. Também nem tentem me tachar de conservadora ou qualquer coisa dessa linha. Aproveito e já digo que gosto muito de tatuagens, de vê-las, as bonitas, e um dos meus melhores amigos é tatuado literalmente da cabeça aos pés. Mas ele é lindo, tem a ver com isso, trabalha e vive justamente desse mundo que criou, além de ser uma das pessoas mais dóceis e inteligentes que conheço. A vida inteira se tatuou e é quase a sua própria e autorizada biografia ambulante. Essa semana acrescentou um Brasinha, lembram dele? Para ser gente, tem de saber o que faz, onde pisa. Aguentar o tranco.

women mudando de roupaSe você que está aí lendo já usou cabelos bem compridos, óculos redondos, fitas e flores nos cabelos, túnicas indianas e calças bocas-de-sino, entre outras alegorias, já estou vendo um leve sorriso de alegria e alívio por lembrar que nada disso ficou grudado em sua pele, e que pode mudar sua vida muitas vezes. Aliás, pode até usar tudo de novo porque está super “na moda”.

Temo que os novos feiosinhos e cabulosos se arrependam quando entenderem, mais para frente, que nem todos serão publicitários, artistas ou designers de sucesso. E que não há borracha que apague tantas burradas.

São Paulo, 2014 

Marli Gonçalves é jornalista Pronto, falei. Mas é que tenho encontrado seres verdadeiramente assustadoramente sem sentido e acabo tendo pesadelos depois.

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