ARTIGO – Abriu abril, desinteligências artificiais. Por Marli Gonçalves

Abril, já são passados quase cem dias e o ano de 2023 ainda boceja, se espreguiça, esfrega os olhos, acorda, e logo volta a dormir mais um pouquinho. Quem dera fosse só no seu primeiro dia que mentiras são pregadas e apregoadas. E com inteligências ligadas em tomadas.

Abril é mês que muita coisa acontece e, ao mesmo tempo, nada acontece. A estação muda, mas as notícias invariavelmente parecem ser sempre continuamente as mesmas, que se repetem, até como farsas. Algumas até mudam de local e personagens, mas o quebra-cabeças sempre perde algumas peças antes de formar um quadro definitivo para que a gente possa emoldurar e pôr na parede, dando o assunto como encerrado. Cheio de feridos e feriados, recheado de desapontamentos, e nem falo só de política, pelo menos por enquanto, e sei que imediatamente foi no que você pensou aí, com alguma razão.

Primeiro, vamos falar de nós, sim, de nós, e daqueles todos que desde os últimos dias do ano passado, de roupinha nova, calcinhas coloridas de desejos, projetavam sonhos, feitos, realizações, soltávamos fogos e pulávamos ondinhas, jurando até já estarmos respirando ares mais calmos e puros de “agora vai”. Mas desde os primeiros dias do ano vendo que o pretendido acelerador não funcionava, desapontados. Nem para ajudar a fugir das contas que agora chegam não só roçando por debaixo da soleira das portas, mas por todas as vias digitais, com seus códigos de barra, QR codes e juros, altos, que tentamos pular, mas nos dão seguidos caldos. Incrível até que nem isso é novidade, já que todo ano temos essas mesmas ilusões, algumas apenas mais sonhadoras e vãs, como pensamos 23. Já seria bom, pelo menos – e até nisso foi só até há poucas horas atrás quando o avião o trouxe de volta – de não ver mais aquela cara espumando ódio e elogiando os horrores da ditadura que recordamos sempre quando vem chegando ao fim as águas de março.

Mas seguimos. Rindo, talvez, com as mentiras bobas que os amigos tentam pregar. Mentiras são variadas, se encaixam em vários padrões e até em boas causas, quando buscam poupar sofrimentos. Tolas ou não. Parece que já nascemos sabendo desde crianças como pregá-las e usar para escapar de alguma enrascada ou flagra. Mas as mentiras pouco sinceras andam mudando o mundo, mais articuladas e perigosas, apoiadas numa tal perigosa realidade virtual, local para onde parece que tem muita gente se mudando de mala e cuia, numa insana tentativa de enganar a muitos de uma só vez. O problema é que criam mundos lá, mas de quando em quando desembarcam em passeios no chão da realidade. Pior, há crianças utilizando esse artifício, e saindo para ir à escola com armas e intenções que viram em seus jogos de derrubar monstros, disputando com desconhecidos no silêncio de seus quartos e computadores, onde os pais se mantinham tranquilos por achar os filhos na segurança do lar. Lá fora, pensam, está tudo muito perigoso…

Os próximos dias já marcam em todo o mundo maiores debates sobre essa convivência entre o virtual e a realidade, sobre homens e robôs, sobre a tal imperturbável inteligência artificial que agora responde a perguntas e anseios, e que de vez em quando não mente e assusta até os seus criadores: digita claramente que quer mais, quer poder, quer existir e participar do comando. Plantados entre nós, nos ajudam, dão a mão, se oferecem gratuitos, crescem e se alimentam de nós, os observados em todos os movimentos, sentimentos, angústias. Aprenderam com nossa arte, nossas criações, e já se tornam até melhores em algumas áreas. Nos vigiam e ainda não sabemos quais serão os seus limites. Os criamos antes de aprender.

O jornalismo que enfrenta as fake news os divulga e até – inacreditavelmente – agora consulta esses chats, publicando suas respostas. Aceleram-se as mudanças nesse campo que nos deixa atônitos. E enquanto estamos pensando nisso, nos dias lépidos, no que ainda buscaremos, o sistema nos envolve, e ainda com toda a fragilidade da natureza que nos faz recordar o quão humanos e frágeis somos. A chuva alaga, o vento derruba, o fogo queima, o frio congela, a terra treme, as guerras continuam, a energia escasseia. Acaba a luz e tudo se desliga. Não há mais o que fazer. Tira da tomada?

A gente acorda, se espreguiça, esfrega os olhos, e volta a dormir um pouquinho mais sonhando com os paraísos, estes sim artificiais.

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MARLIMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Já. Já? Já! Por Marli Gonçalves

Repara só como o “já” vem sendo muito usado como gerúndio, especialmente para justificar os atrasos e a inação quando estes são flagrados. Já estamos vendo, já estamos tomando providências, já isso, já aquilo. Até parece. Tranquiliza pra não fazer, continuar do mesmo jeito, estica o tempo, o passado, o presente, e ainda embola o futuro.

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De vez em quando escuto umas coisas que ficam ali zunindo nos meus ouvidos, me dando choques, chamando atenção para os seus significados e como e quando começam a ser usadas exaustivamente as expressões, sejam sujeitos, verbos ou advérbios, como é o caso do “já”. Vocês, claro, sabem, que jornalistas e escritores são extremamente ligados às palavras, aos sons, às formas, às situações em que aparecem. Precisamos delas todas para nos comunicar, contar histórias, buscar a precisão.

Assim foi que há dias venho reparando no tal “já” toda hora aparecendo meio deslocado, coitado, principalmente em explicações e respostas solicitadas pela imprensa ao descobrir malfeitos e pedir o outro lado aos envolvidos. Fora as repetições de ladainhas, muitos garantem até que já estavam mesmo até arrumando a tal situação. Mesmo que visivelmente não, e na verdade o tal problema instalado – mesmo – isso sim, até em alguns casos há muitos anos. Ouvimos isso sobre as enchentes e todos os seus problemas. Ouvimos muito isso no caso da violenta balbúrdia no Rio Grande do Norte, com as autoridades tomando as providências que deveriam ter sido tomadas já há muito tempo, isso sim. É o que nos explicam no caos e desorganização dos transportes coletivos em São Paulo, e muitos causados por uma empresa cuja marca já está é registrada como sinônimo de incompetência, citada praticamente todos os dias com acidentes no Metrô e problemas nas linhas que deveria cuidar desde que obteve a concessão, a Via Imobilidade, já mesmo este é o seu apelido na expressão de quem é obrigado a usá-las.

Os apresentadores de tevê, quando leem essas notas, seguram o ar irônico, ou pelo menos tentam, o que é quase impossível. Os jornais as publicam por obrigação, lááá embaixo no rodapé das notícias. Quase um copia e cola constante, já que sempre praticamente se repetem. Inclusive com a expressão que estão “colaborando com as autoridades”. Não me digam! Folgamos em saber.

Escrever notas oficiais, comunicados à imprensa, responder por escrito às explicações solicitadas é uma arte e ela vem se perdendo rapidamente, e perdendo o sentido, sendo achincalhadas, mesmo elas sendo tão importantes para que as empresas ou pessoas envolvidas em problemas possam se defender, um direito inalienável.  Digo com conhecimento profissional da questão, há anos como consultora de comunicação e especialista em gerenciamento de crises e embates com a opinião pública.  Primeiro, claro, preciso explicar a importância delas, na origem – e de serem enviadas por escrito. Transformam-se em documentos.

Devem resumir o que precisa ser dito em cada situação, fecham a opinião e os fatos. Não permitem, assim, quando corretas, erros de transcrição que poderiam ocorrer em explicações orais à imprensa quando publicados. Devem conter sempre informação clara e objetiva, cumprir o papel de auxiliar a transparência da informação. Poupam ainda a imagem de quem ou do que tem esse espaço valioso – ou ao menos deveriam ter – para se explicar e se defender, há alguma reputação a zelar. Sei bem também o quanto isso anda coisa rara de se encontrar, zelo pela própria reputação e condições reais para isso. Mas ainda existe. E o direito à defesa deve ser garantido.

Vamos respeitar os sentidos das palavras já! Deixemos o Já! prevalecer para quando precisarmos dele, como tantas vezes, lembram? Diretas Já! Vacinas Já! – sobre o que deve acontecer rapidamente, logo, em tempo curto, sem deixar dúvidas.

Por exemplo, no apelo: “Governem Já!”. Chega de tanto falatório, atrito e confusão.  Parem com isso, já!

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Nenhuma descrição de foto disponível. – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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#ADEHOJE – SILÊNCIO, DE UM LADO. E PROTESTOS QUE VÊM AÍ

#ADEHOJE – SILÊNCIO, DE UM LADO. E PROTESTOS QUE VÊM AÍ

 

SÓ UM MINUTO – Estive bem chateada – e, sinceramente, ainda estou – com a morte do Gugu, de quem gostava muito, além da admiração. Ainda não compreendi muito bem essa instantaneidade da vida. Algumas mortes parecem acender toda a filosofia que vive dentro de cada um de nós. E você aí, como vê tudo isso? Tem medo? Se der, depois me conte.

Enquanto isso, os homens que nos desgovernam teimam em nos ameaçar, clara ou veladamente, porque sabem que a situação está insustentável e que hora dessas a paciência do povo vai explodir, nas ruas, sabe-se Deus como e onde. E esse é um grande temor. Pegam as letras e esse número terrível – AI-5 – e, como papagaios acenam. Não sei se exatamente isso pode adiantar esses protestos.

Cada uma! E a Damares Alves tentando ser essssperta?. Convocou uma coletiva , apareceu atrasada e ficou em silêncio “para que vocês sintam como é difícil uma mulher ficar em silêncio”. Ao contrário, deveria ter aproveitado o dia, o momento e o cargo para por a boca no trombone, exatamente para que as mulheres não tenham mais de ficar em silêncio.

#ADEHOJE – “POR AQUI” COM ESSA FORMA DE GOVERNO

#ADEHOJE – “POR AQUI” COM ESSA FORMA DE GOVERNO

 

SÓ UM MINUTO – Estou – e acredito que muito mais gente está também – “por aqui” com essa forma de governo de Bolsonaro e sua gente. Não vou defender Joaquim Levy, até porque nem tenho conhecimento técnico em economia para isso. E defendo, sim, a abertura da caixa-preta do BNDES, que já não é sem tempo.

Estou por aqui é com tanta grosseria, governar como se fosse a casa da mãe joana, e usando jornalistas como garotos de recado, mandando ordens, aproveitando de fora pior ainda que quando tuita que nem maluco. Passando por cima de todo mundo como um trator, ditadorzinho.

No café da manhã, que reúne jornalistas ainda não entendi exatamente para o quê, e que cada dia acho mais estranho, na qual uma jornalista, acreditem, deu uma bíblia pro homem, Bolsonaro “demitiu”- e sem ninguém perguntar – o presidente dos Correios.

Isso não pode dar certo, gente. E a previsão do PIB, olha…menos de 1%

#ADEHOJE – NOSSO MURO DAS LAMENTAÇÕES EM 1º DE ABRIL

#ADEHOJE – NOSSO MURO DAS LAMENTAÇÕES EM 1º DE ABRIL

SÓ UM MINUTO – Jair Bolsonaro esteve hoje rezando, pedindo, posando, sabe-se lá, no Muro das Lamentações, em Israel. Ao seu lado, Benjamin Netanyahu, o Primeiro Ministro, que está em plena campanha eleitoral e cheio de denúncias de corrupção. Mais uma viagem internacional e mais problemas internacionais também para o país. A bola da vez é a Palestina, que protesto contra a decisão do Brasil instalar um escritório em Jerusalém. Chamou o diplomata, o que já mostra desagrado. E estão em contato com outros países do Oriente Médio. Um tropeço depois do outro.
Ontem ocorreram manifestações contra o Golpe de 64 em várias cidades do país. Fui à do Ibirapuera, onde se calculou a presença de 8 mil pessoas. O Golpe que a turma de Bolsonaro nega levou familiares, gente idosa, triste, que carregava as fotos de seus filhos, mortos e desaparecidos.
Viva Primeiro de Abril, e tudo o que estamos passando, infelizmente, é verdade.

#ADEHOJE – TRAGÉDIAS SE SUCEDEM NO PAÍS. LULA FICA LÁ.

#ADEHOJE – TRAGÉDIAS SE SUCEDEM NO PAÍS. LULA FICA LÁ.

 

Só um minuto – Mais um dia de tristezas nos cenário nacional. Passam de 300 os mortos na tragédia de Brumadinho, rompimento da barragem da Vale. E no Rio de Janeiro fortes chuvas na noite de ontem já causaram seis mortes. Foram desmoronamentos, deslizamentos, o horror que se espalhou por toda a cidade. Em São Paulo, os viadutos e pontes estão assustadores, todos com problemas graves, emendas, buracos, rachaduras. As cidades largadas à própria sorte. Para piorar, perdemos Carlos Fernando, um grande músico, vocalista do Nouvelle Cuisine. Ah, vocês já devem saber: o sitio de Atibaia rendeu mais doze anos e 11 meses de prisão para o Lula… A defesa deve recorrer.

 

ARTIGO – A desgraça como aleg(o)ria. Por Marli Gonçalves

Vou tentar fugir do pode não pode, do skindôlelê. Tudo pode. O “É Proibido Proibir” ecoou bonito como tema em vários blocos de rua este ano. Mas há de se pensar muito quando a “solução” das terríveis situações em que vivemos são saudadas como espetáculos desfilando em escolas de samba e em tropas do Exército nas ruas

À base de Bic`s ou Montblancs. Decretação de Intervenção Federal na segurança do Rio de Janeiro. Decretação de calamidade social em Roraima. De canetada em canetada, de pulo em pulo, de reunião em reunião, de declaração em declaração vai se tentando resolver as mazelas do país da forma mais desorganizada. Aos soquinhos. A última foi a extrema de botar general no comando geral da PM e o Exército nas ruas do Rio de Janeiro: o presidente Michel Temer deixa claro que não gostou nadica dos desfiles onde apareceu como, digamos, destaque.

A alegoria de mão virou, então, a caneta dos decretos. Preparem-se, outros Estados! Receberão baciadas de venezuelanos refugiados para darem um jeito. E certamente receberão, com a mala e a cuia na mão, além do fuzil, claro, os líderes meliantes cariocas vindos refugiados dos morros e matas. Quando o Morro do Alemão foi tomado há alguns anos, bandido correndo para tudo quanto é lado, a região metropolitana de São Paulo foi aprazível morada onde vários deles se fixaram.

Mas o que importa, não é mesmo? Além da imagem, da cara de bravo, frases bonitas, da imponência do discurso cheio de metáforas anunciando “restaurar a tranquilidade do povo”. “Nossos presídios não serão mais escritórios de bandidos, nem nossas praças continuarão a ser salões de festa do crime organizado. Nossas estradas devem ser rotas seguras para motoristas honestos”, disse Temer, sem corar, do alto do pedestal.

Oi? Uai, a tal intervenção não é só no Rio de Janeiro?

Aí reside o perigo. Se a população que nessas primeiras horas estou vendo aplaudir a medida – até porque o povo carioca vivendo uma guerra insana se agarrará a qualquer coisa – der boa mídia – o Exército que se vire. Podem ser chamados para preencher outros buracos nacionais de poder, de incompetência, de desmandos. Até porque ou haverá uma chacina, ou os “elementos” se espalharão. Prender não tem onde. Já há sérias dúvidas de como os soldados irão comer, onde dormirão, essas coisinhas básicas.

O que irrita é que a falta de planejamento das medidas, da ordenação social, do desenvolvimento das cidades é tão comum que acabamos nos acostumando a arroubos em crises. Seja na segurança perdida, no transporte público travado, nas tragédias sem amparo.

O maniqueísmo culpa a imprensa. Duas cândidas escolas de samba do Rio batem no peito como vitoriosas porque botaram na avenida o que o ano inteiro passou diante dos nossos olhos e ouvidos, e, destaque-se, pela imprensa – assaltos, arrastões, tiroteios e balas perdidas, protestos e muitos etcs –esqueceram que elas próprias são dirigidas por meliantes que incentivam tudo isso. O governo seguiu o exemplo. Botou os soldados em marcha e anuncia que – ah, agora vai! – também vem por aí mais um Ministério! Da Segurança Pública. Dado o nível dos atuais ministros e indicações, só mais umas vagas abertas para negociações.

Tudo isso me lembra muito um problema que estou às voltas: formigas, formiguinhas. Pequeninas, andam em todos os cantos, menos onde poderiam ser pisadas. Impossíveis de serem contidas. Se abandonam um lugar, daqui a pouco surgem em outro local, sempre inusitado, birrentas, num organizado desfile e muita união.

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Marli Gonçalves, jornalista. Oh pátria amada, por onde andarás? Seus filhos já não aguentam mais! – dizia o refrão que tantos cantaram atrás de um beija-flor

marligo@uol.com.br/ marli@brickmann.com.br

SP, 2018