ARTIGO – O Brasil está vendo. Será mesmo? Por Marli Gonçalves

Vendo? Ficou sabendo por onde? Ver a gente vê, mas quem tem o poder de mudar? Os anos passam, e nós, jornalistas, passamos, observamos, inclusive digo até que somos atingidos também pelos locais e situações. Quase que antevemos o que acontecerá como se fossemos todos videntes, e nem um pouco otimistas. Mas jornalistas não têm poderes mágicos.

O BRASIL ESTÁ VENDO. sERÁ?

Seremos nós, jornalistas, os culpados, agora, pelas desgraças? Devíamos ter nos acorrentado às encostas, construído barreiras, usado megafones para tirar as pessoas daquelas áreas de risco?

Infelizmente não é de hoje que essa história de dizer que imprensa é Quarto Poder se distancia da realidade. E cada vez mais esse poder e prestígio se esvai, atacado, dividido e esfacelado como vem sendo nos últimos anos. Jornalistas cruel e severamente atacados por passaralhos e fisicamente, moralmente, e até mortos, quando, principalmente isolados por aí, tentam denunciar poderosos no interior desses rincões nacionais. O Brasil está sabendo?

Aliás, que Brasil é esse capaz de atacar jornalistas que tentam cumprir sua missão, coisa jurada para quem escolheu a profissão? Quer dizer, então, como li em vários comentários (tristemente até vindos de outros jornalistas talvez invejosos) que muitos são “culpados” porque frequentam há muito as praias do Litoral Norte, têm casas ali, rodam por aquelas estradas? Acham mesmo que são eles que poderiam ter evitado mais essa tragédia que assistimos? Que revolta sinto em saber do violento ataque sofrido pelos experientes repórteres do Estadão, Renata Cafardo e Tiago Queiroz, que documentavam o estrago também na área e casas dos poderosos de Maresias.

Ah, então não foi o descaso das autoridades, as estradas que derretem, a falta de fiscalização, a corrupção generalizada, a forte especulação imobiliária sem qualquer controle efetivo, todo o descuido com a condição que obrigou e empurrou os mais pobres a praticamente cavarem suas casas nas áreas de proteção, entre outros tantos motivos? Foi culpa dos jornalistas que veraneiam por ali? Ninguém mais via? Nunca foi denunciado? Onde esse povo anda se informando? Só se for nas inundações de fake news, essas que mais do que tudo estão tragicamente afetando nossas relações e comunicações, fazendo desmoronar a confiança na informação séria.

Não me digam que vocês nunca tinham ouvido falar dessa situação geral que só esperava ocasião para eclodir, inclusive como há 55 anos e que destruiu Caraguatatuba. Eu mesma tinha nove anos e nunca esqueci daquelas cenas. Há muito não vou à região, mas houve época em que todo final de semana passava por ali a caminho de Ilhabela e já me espantava com o que ocorria, com as construções atravessando os caminhos e estradas, derrubando tudo. Nos anos 80, pelo Jornal da Tarde, cobri a “pedra fundamental” do que seria hoje a gigante e rica Riviera de São Lourenço, em Bertioga. Lembro bem da estrada que só foi completada para que esse “progresso” chegasse até lá, e em que condições ela atravessava a bela área de cachoeiras. Estrada que mesmo em dias de Sol percorríamos temerosos de suas curvas e condições.

A cada dia há menos imprensa, menos espaço para jornalistas poderem cumprir sua função de forma mais eficiente. Menos proteção a todos nós. Sempre achei engraçado o quanto ouço “Você devia fazer uma reportagem” sobre isso ou aquilo, “Só você pode fazer isso”. Ok.  Agradeço o elogio e a lembrança de que sempre fui boa e corajosa repórter, enfrentei desafios, homens, rebeliões, e até chefias. Legal. Para onde? Quem vai publicar? Me defender judicialmente, se necessário? Lembrem que poderosos sempre tentam amordaçar a verdade. Sem advogados e recursos, assim como muitos de nós, especialmente os que, como eu, experientes sim, mas sem o chão de uma grande redação de tevê ou de um dos poucos grandes jornais que ainda resistem, e onde poderia haver maior repercussão. Sobra até a estes cobrir o depois, a ocorrência, e mesmo assim ainda superficialmente: são muito poucos os jornalistas no front e acabam precisando sempre beber em fontes oficiais.

São tantas as coisas que vemos! Que vejo. Vocês não têm ideia da frustração de daqui de meu cantinho escrever alertando sobre vários temas e, em troca, receber ameaças, xingamentos e acusações de esquerdista, para citar o mínimo.

Tudo está saltando aos olhos: a violência, o resultado do armamento indiscriminado, a ignorância, os conchavos políticos mantendo a ferro e fogo seus lugares, a reação às liberdades que vem sendo conquistadas pelas minorias e até pela maioria, as mulheres. As ameaças de uma geopolítica mundial arbitrária e beligerante. Os jornalistas bem que há muito alertam, depois não os culpem; até porque sobra mesmo é para eles, essas grandes coberturas são muito árduas e desgastantes, já estamos vendo muitos não se conterem e chorarem ao vivo e em cores.

O Brasil, o mundo, está vendo?  Será mesmo? Respeite. A imprensa mostra o que pode. Denuncia. Mas amanhã sempre tem mais, e mais, para correr atrás, e acaba mesmo correndo atrás do que já aconteceu.

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – E agora, brasileiros? Que é que a gente faz? Por Marli Gonçalves

Está aturdido? Percebeu só agora a causa de o país estar nessa bancarrota, e nós bancarrotados? Na lista tinha nomes pelos quais você ainda juraria de pés juntos? Sinto muito. O que a gente pode fazer? Vamos ficar parados, só olhando, ouvindo, achando que tudo isso vai passar e o mundo estará livre de ratos?

O que os olhos não veem o coração não sente. Pois agora não só estamos sabendo, como ouvindo e vendo, em detalhes formidáveis, a roubalheira que parece não ter mais fim e que não temos noção de onde foi exatamente esse começo. Talvez quando nos orgulhávamos do tal “jeitinho brasileiro”. Ou quando começaram a aparecer de todos os lados ídolos de lama, salvadores da pátria, guerreiros dos trabalhadores, do povo, libertadores? Gente parecida com agentes de trânsito que só sabem de esquerda, direita. De uma vez por todas, presta atenção naquela máxima “quando a esmola é muita até o santo…”

Não podemos substituir o coentro pelo cheiro verde, como diria a natureba Bela Gil. Então eu te pergunto, porque também estou me perguntando, angustiada. O que a gente faz, objetivamente? Na prática?

Não quero ser chata, mas informo: primeiro, que vem mais, muito mais por aí, e as revelações serão depuradoras; segundo, que não será a Justiça – nem se ela tomasse anfetamina e de repente aparecesse toda lépida, ágil, e moralizadora – a resolver a pergunta sobre qual país estará saindo disso tudo, que direção tomar. Sozinho não anda.

Continuo vendo na tevê as mesmas caras de pau, com os mesmos bocas-duras, línguas de trapo, os mesmos partidos, com as mesmas cantilenas, como se não fosse com eles o assunto. Desmemoriados. Contra o soro da verdade que, parece, embebedaram os delatores executivos, um relaxante, antes que começassem a dar o serviço. Não posso ter sido só eu que detecto alegria e certo alívio nas declarações, naturalidade sincera, ironia cáustica e vingativa nos detalhes e nos apelidos. Ah, os apelidos! São um capítulo à parte. Definitivos. Eles pagaram, gastaram, mas também se divertiram. Extorquiram e foram extorquidos. Mas botaram no papel – até programa especial inventaram – tim-tim por tim-tim, até porque precisavam cobrar os préstimos. E negócio entre malandros tem leis especiais, fora dos círculos oficiais. Igual droga.

Uma amiga querida, muito querida, está tão indignada que não consegue pensar em outra coisa que não seja o degredo de todos eles, vejam só. Degredo. Lembra que há 500 anos Portugal mandou para cá tudo quanto é gente que não prestava, e que agora seria hora de devolver esses que parecem ser seus descendentes. Suei para explicar a ela que seria uma sacanagem com o local escolhido para largá-los. Como ela está muito brava, também deve ter pensado numa cela gigante, um dragão engolindo a chave.

O problema – e nisso ela concorda – é que nada disso resolveria a questão principal. Como salvar o país que derrete sob nossos pés? Esses envolvidos são lixo que não dá para ser reciclado, altamente infectados.

Como lidar com essa vergonha que nos assola diariamente, nos deixa tão atônitos que acabamos esquecendo que algo precisará mesmo ser feito qualquer hora dessas, e o momento é agora, now? As Organizações Odebrecht acabaram. O Rei pode ser deposto. Não sobrou nem a pedra fundamental.

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20170227_154333

Marli Gonçalves, jornalistaNão. Nunca vi nada igual. Hora que é bom ser como sou, sempre fui, meio do contra. Mas estou anotando todas as sugestões que me parecerem sérias, porque não dá para se acostumar jamais com tanta sacanagem. Lista delas.

Brasil, escandalizado, humilhado, na encruzilhada, 2017

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