ARTIGO – Pesadelos no país tropical. Por Marli Gonçalves

O Sol escancarado, o céu azul, a temperatura amena, as noites fresquinhas, quase tudo o que a gente poderia precisar para ser feliz. Mas quem consegue? Com sobressaltos de dia, de tarde, de noite… e de madrugada! Os sonhos são estranhos, os pesadelos reais. Os dias, o tempo, o futuro, alterados.

Mauvais rêve | Mon petit nombril

Nas ruas, um bando de gente louca continua andando pra lá e pra cá sem máscara, ou com ela, digamos, posta ou pendurada em lugares bem estranhos. Precisa dizer que não precisa tirar para falar ao celular? Que máscara é feita para cobrir o nariz e a boca, os principais meios de transmissão dessa doença maldita que veio bagunçar o coreto mundial coma música tenebrosa do terror? Que o horror é invisível?

O inverno deve ser longo: arrebatou o verão, o outono e já se anuncia na primavera do ano que não mais esqueceremos. Ultrapassamos oficialmente um milhão de infectados, quase 50 mil mortos. Por essas e outras que parece que a cada dia, as coisas pioram, e não é só no número, mas com o bagunçado afrouxamento das regras da quarentena, com a forma que as informações (não) são entendidas e em um momento tão delicado.

Pegam o mapa e colorem: vermelho, laranja, amarelo. Regras são baixadas alegremente como se nosso povo fosse suficientemente esclarecido para segui-las sem a devida fiscalização, que todos sabem que não haverá, ou se ocorrerem, só pescam as sardinhas tentando fugir de tubarões. Um dia se fala uma coisa; no outro, já não é mais. Fora as medidas que só podem nos fazer gargalhar, tipo aquela de que os ônibus só poderiam circular com as pessoas sentadas – e que não levou em conta, por exemplo, que ninguém anda querendo sentar nem ao lado, nem no quentinho de outras pessoas. Tem quem prefira só pegar nos ferros; depois limpar as mãos. Por aqui em São Paulo, já caiu essa medida também. Não, ninguém mandou aumentar a frota, para evitar aglomeração e gente pendurada; e os horários escalonados estão bem doidos. As portas se abriram, e as pessoas precisaram sair, com sua fome, seus medos, suas obrigações.

Outro dia, onde entrei, encontrei uma figura, uma mulher – que deixo pra vocês bem imaginarem suas divertidas formas e triste tipinho –  toda metida, sentada no meio de mais gente, sem máscara, e que ousou ficar toda irritada e emproada porque perguntei na hora a ela se era possível que pusesse, então, um farol verde sobre sua “linda” cabeça, já que, ríspida, disse que já tinha contraído o vírus e não precisava mais usar. Ela fechou a cara. Portanto…Volto a perguntar: e vocês acham mesmo que sairemos melhores dessa? Infelizmente o que tenho visto está na linha do “cada um por si”, e já nem falo em Deus, porque nem Ele deve estar acreditando o quanto seu Santo Nome vem sendo clamado em vão.

Meu lado diabinha tem pensado seriamente em começar a espirrar e tossir bem perto desses seres, só de sacanagem. Mas na verdade me sinto – e vejo muita gente que conheço da mesma forma – cada vez mais preocupada e isolada, até para evitar aborrecimentos, já que não tenho um pingo de sangue de barata em minhas veias.

O mesmo sangue que simplesmente ferve ao acompanhar a escalada vertiginosa da crise política. Que chega ao cúmulo do cúmulo, acumulando as digitais de um presidente cada vez mais insano e sua família e equipes envolvidos em tudo de ruim, perdidos, tentando justificar malfeitos diários, muitos até mais antigos, revelados pela imprensa que odeiam com todas as forças.

Dizer que o país está à deriva é pouco: todo o futuro está comprometido. Olha as áreas de Educação e Saúde, os desatinos da área econômica, o relacionamento diplomático, agora também estamos mandando lixo para instituições mundiais, como é o caso do ex-ministro Abraham Weintraub. Os poderes se digladiam entre si, as forças militares se assanham ocupando alguns postos chave. Saqueadores de outrora se aproximam, sedentos e cobrando caro para serem muletas e esteios de poder.

Enfim, um pesadelo, como os que vêm ocorrendo em nossas noites de sono e insônia, desses, que estamos caindo em um abismo, sendo perseguidos, gritando por socorro sem seremos atendidos, pendurados numa corda puxada de um lado e de outro.

O problema é que a tal corda puxada e que se estica está mesmo enrolada em nossos pescoços. O que descobrimos todos os dias, bem acordados. Apavorados.

– “Pamonhas, pamonhas, pamonhas” – um carro com alto-falantes passa agora aqui em frente, percorrendo as ruas. Essa realidade é mesmo muito dura em seus sinais.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Estamos todos ajoelhados? Por Marli Gonçalves

Ou estamos todos sufocados? No mundo inteiro, em fotos simbólicas, nas grandes manifestações contra o racismo, contra a morte, nos Estados Unidos, do negro George Floyd, sufocado pelo joelho de um policial branco por exatos oito minutos e quarenta e seis segundos, as pessoas vêm se ajoelhando.

E os joelhos que também podem matar adquiriram assim mais um sentido, o que não é de submissão a nenhuma autoridade, nem de humilhação. Ao contrário, são momentos de súplica para um basta. Resistência. Um basta ao desprezo pela vida humana, tão claramente exposto essa semana também pela morte, em Pernambuco, do menino Miguel, cinco anos, deixado em um elevador que o elevou, sim, mas ao nono andar de um prédio luxuoso de classe alta onde uma grade se desprendeu em sua procura pela mãe, e o projetou 34 metros abaixo.

Negro, criança, pequenino, havia sido deixado por minutos pela mãe sob os cuidados da loura patroa mulher de prefeito que a havia mandado passear com o cachorro da casa. Bastava que ela, a patroa, o tirasse do elevador para onde correu – mas ela, não, fez pior, apertou ainda o botão para que o elevador subisse. A mãe de Miguel, hoje com razão desesperada, pergunta: e se fosse ao contrário? Os joelhos da sociedade estariam sobre seu pescoço. Enquanto a patroa rica pagou uma fiança e está em liberdade.

João Pedro, 14 anos, negro, brincava dentro de uma casa em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, quando um tiro o atingiu pelas costas, vindo de mais uma desastrada operação policial, dessas que atira para todos os lados, especialmente em comunidades negras, pobres, e que tantas crianças matam, tantas pessoas matam.

Nós nos ajoelhamos para rezar por elas, sempre mais tarde de tudo que poderíamos ter feito.

Vidas negras importam, diz o movimento que se espalha pelo mundo. Vidas importam, todas, ainda não diz claramente o movimento que esperamos de joelhos aqui no Brasil. 35 mil mortos em poucos mais de cem dias da pandemia de Covid-19, negros muitas de suas principais vítimas. Um presidente que diz “E daí?”, que balbucia sem corar que “sente muito, mas todos vamos morrer”, como se essa frase fosse de alguma inteligência e não apenas demonstrasse o profundo desprezo pela população que governa e que é encaminhada para um matadouro, às vezes até com pauladas mesmo.

Como representante dessas vidas negras, é posto um ser asqueroso, que chama o movimento antirracista de “escória” e continua ali como se nada tivesse acontecido, sentado em sua cadeira na Fundação Palmares, talvez se achando de branca candura, sem se ver negro, sem se ver, sem fazer.

Eu quase já não consigo mais respirar esse ar nacional há mais de um ano e meio, desde que esse grupo chegou ao poder buscando asfixiar tudo o que é livre, sensato, conquistado. Que vem dando largos passos em direção a um abismo irracional e de ignorância aproveitando as mortes que incentiva em seus movimentos contra o isolamento social, aproveitando nossa perplexidade com atos e fatos que se sucedem dia a dia mais graves e cruéis.

Está tudo em vermelho e negro. A informação acaba sendo o vermelho sangue que corre nas veias do país que parece não mais querer acreditar nelas, as notícias, os fatos sendo revelados, como se estancar esse sangue com cegueira pudesse paralisar todo esse mal que nossos joelhos sangram de tanto que os dobramos para orar, com fé , em súplicas, pelo entendimento da importância de uma democracia, por Justiça e igualdade entre todos, raças, gêneros, classes, povos.

Ele implorava. Não consigo respirar. Não consigo respirar. Não consigo respirar. Por, repito, oito minutos e quarenta em seis segundos, ele implorou. Os joelhos que asfixiaram George Floyd, cena assistida, gravada, documentada, é muito mais do que apenas americana, muito mais do que apenas contra a violência policial ou o racismo. Ela é a forma sufocante da morte de quase meio milhão de pessoas em todo o mundo nesse terrível 2020.

Estamos todos já quase sem ar, e preocupados com o avanço do sufocamento democrático desse desleal grupo no poder. E o que parece é que esse poder já está tomado. Pelo fatos, posições, pelo silêncio nacional de um povo que se humilha, sendo que um percentual deles, infelizmente, se ajoelha paramentado em verde e amarelo por adoração a (mais um) ídolo de barro, onde ele apenas escorrega, sem cair de vez.

 

 

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