ARTIGO – Os broches da rainha e a “brochada” do presidente. Por Marli Gonçalves

Não há como não lembrar da rainha Elizabeth eternamente com suas roupas elegantes e coloridas – dizem, para que nunca fosse perdida em meio à multidão – adornadas com broches maravilhosos, joias de pedrarias mais do que preciosas. Não há como não lembrar, na mesma semana de sua morte, do vergonhoso apelo do presidente a si próprio puxando o lastimável coro de imbrochável em meio aos festejos dos 200 anos da Independência do Brasil. Um pequeno e significativo jogo de palavras.

Elizabeth ll: conheça curiosidades sobre os looks icônicos da rainha

Imbrochável. Deus está vendo, hein? Ops, God save the Queen, agora God save the  King Charles III. Que devemos todas as homenagens à mais longeva rainha da História, Elizabeth II, à mulher que soube honrar durante 70 anos seu reinado desde a sua tenra juventude, abdicando de um tanto incalculável de coisas e prazeres, entre eles, alguns até frugais e que de vez em quando ela recordava. Semana triste e emblemática para o mundo todo essa morte.

Do outro lado, na mesma semana, mais essa inominável grossura – mais uma de uma lista gigantesca – do presidente do Brasil conflita ainda mais, bate de frente, com a maioria da população do país, as mulheres que ele tanto tenta alcançar e cada vez mais de nós se distancia. E se distancia com o asco que, garanto, seu atos trazem às mulheres dignas de assim o serem.

Mas são os broches da rainha o tema, e que já estão sendo lembrados. Eu, que amo broches desde sempre, e quem me conhece pode atestar, a cada aparição sua esticava o olho, procurava ver com qual ela estava, cada um mais belo e significativo que outro, que usou durante toda sua vida como um canal de comunicação, informação, símbolo, homenagem, sentimento. Agora, informam, são 98 deles ao todo, heranças, de parentes, presentes que colecionou pessoalmente durante toda a vida, muitos assinados por renomados artífices e casas de joalheria. São além das joias da Coroa.

Seus broches transmitiam mensagens de amor, reinado, história, continuidade, gerando até estudos sobre isso. Em sua última aparição pública, estava usando o sapphire chrysanthemum brooch, que sempre adornava suas roupas em tons azuis ou pasteis. Foi com ele, inclusive, que recebeu a nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, ao empossá-la na rápida cerimônia no castelo da família real na Escócia, sua última aparição pública e mesmo local onde, dois dias depois, repousou. Seu cansaço já era evidente e nesse dia todos notaram o enorme roxo em suas mãos, provavelmente veias por onde eram aplicados os remédios para aplacar suas dores.

broches
Bottons criados por Yoko Ono

Moda absoluta durante anos, os broches foram caindo em desuso ou sendo substituídos. Para os mais jovens, em geral também para passarem mensagens radicais, por bottons, ou pelos pins, aqueles alfinetes menores que são espetados nas roupas e muito usados em solenidades, inclusive por altas autoridades masculinas, bandeirinhas de seus países ou instituições. Também sempre serviram como propaganda de marcas e produtos. Todo mundo tem ou lembra de ter tido ou visto um dia uma jaqueta ou um colete com uma profusão deles. Ambos, pins e bottons, comuns no mundo do rock e das artes, por exemplo. Destaco, de minha coleção, em especial dois que quando usamos, eu ou o meu irmão, causam certo furor. Criados por Yoko Ono, um, a partir da imagem de seu mamilo, outro, de imagem frontal de sua vagina. São discretos, beges, mas olhares atentos sempre os percebem, impressionante.

Embora não sejam joias, muito ao contrário, acredito mesmo ter ao todo mais broches do que a rainha, também lembrada pelos chapéus de formas e cores sensacionais, marca da nobreza britânica, desfilados nos grandes eventos que nos acostumamos a acompanhar nas cabeças coroadas, de ontem, hoje e de amanhã, como na da Rainha Consorte, muita sorte, aliás, Camilla Parker Bowles, a eterna rival da Princesa Diana.

Grandes mulheres da política mundial, provavelmente até inspiradas na rainha, os usam em seus trajes, ternos, vestidos, ou prendendo-os aos lenços de seda. Repare. Broches são versáteis. Com eles, além de mensagens que podem ser até do humor do dia, em segundos se produz uma roupa nova a partir de qualquer tecido, prende ali, fecha aqui. Também, aprendam, podem salvar em ocasiões difíceis, como o rompimento de um botão ou costura, em cima de uma manchinha persistente. Mil e uma utilidades.

Bom poder – mesmo que em meio à tristeza – em uma mesma semana lembrar das grandes mulheres que mudam o mundo, esquecendo o machismo e a grosseria de alguns homens que o atrasam, e que temos um tão perto aqui, que necessita alardear seus visíveis problemas sexuais e o desrespeito em suas considerações misóginas.

Pessoalmente para mim foi bom especialmente lembrar daquele dia em 1968 em que vi a rainha passar ao lado do grande amor de sua vida, o príncipe consorte,  muita sorte, Phillips, Duque de Edimburgo, quando da visita ao Brasil, e em São Paulo, saindo correndo da escola, me postando pequenina em meio à multidão que esperava vê-la ali numa esquina da Avenida Cidade Jardim. Retrato bem guardado na memória.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Gritos da Terra. Por Marli Gonçalves

Ensurdecedores, gritos vindos de todos os cantos, boa parte deles serão descritos agora em seus aterrorizantes detalhes durante a COP26, que acontece nesses próximos dias na Escócia. O Brasil tenta tapar os ouvidos, mas levará muitos puxões de orelha.

GRITOS

Vulcões eclodindo, tremores, tempestades vermelhas de areia e pó, incêndios, secas e inundações fora de época, temperaturas e fatos anormais, prejuízos nas lavouras, fome, miséria, pandemia, populações dizimadas, retrocessos políticos de toda a ordem, e uma lista interminável de gritos da Terra, em todos os idiomas. Milionários que antes queriam sair apenas de seus países, agora querem ver se arrumam até um outro Planeta para fincarem suas boquinhas, seus poderes e suas fortunas.

E nós? Diante do mundo todo em encontros anteriores prometemos e não cumprimos nem um pouquinho, até pioramos, as metas que ajudariam – a nós mesmos e ao planeta  – a baixar a temperatura e a rapidez do declínio trazido pelas mudanças climáticas a cada dia mais visível, sofrido, sentido, mortal. Ao contrário, nos últimos anos a tal boiada vem passando solene por aqui, matando, desmatando, queimando, derrubando, de forma devastadora. Agora, com uma pastinha vazia debaixo do braço, chegaremos lá no encontro para tentar dar alguma satisfação, autoridades contarão suas mentiras, com dados e percentuais que a gente nunca sabe bem como conseguem calcular de forma tão enviesada as suas desculpas esfarrapadas.

Passaremos com cara lavada pelos ambientalistas que com suas coloridas faixas, pedidos e protestos já ocupam as entradas e onde, também lá, o nosso atual desgoverno será achincalhado, e claro que ainda haverá quem ouse chamar isso de indevida interferência externa nos negócios nacionais. E, como estamos sendo desgovernados por um brucutu, nada surpresos ficamos em ver o machão marrento desistindo de aparecer, como se isso pudesse poupá-lo. O próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que  “jogariam pedra” em Bolsonaro se acaso ele aparecesse por lá, foi ele quem disse, justificando a ausência do ser não-vacinado, embora o presidente tenha mesmo viajado à Europa, mas para a Itália, receber uma homenagem que inventaram para ele numa cidadezinha governada pela direita, com… 4739 habitantes. Ah, sim, nós estamos pagando por isso. Bem caro.

Só gritando muito, mas em português, alto.

Nem precisamos esperar um encontro internacional tão importante para gritar, uma vez que por aqui todo santo dia temos o que lamentar, pisam sem dó em nossos pés e calos, nos dizem barbaridades, tomam decisões que lamentaremos por muito tempo ainda, e não vemos em qual direção apelar para que um mínimo de bom senso recaia sobre os dirigentes – e aí, ressalte-se, em todos os níveis.

Os próximas dias e tempos nos ameaçam com outros fatos perturbadores, fazendo com que nem adiante apelar aos celtas e suas simpatias de Halloween: inflação descontrolada, greve de caminhoneiros, aumento ainda maior do preço de combustíveis, desabastecimento, fim do Bolsa Família e desencaixe total do novo Auxílio Brasil, descrito por todos os economistas como uma bomba-relógio  que, se der algo a quem precisa, e excluindo muitos, o fará com uma mão e tirará solerte com a outra. O bang bang geral parece querer tomar as cidades de assalto.

No Dia de Finados choraremos os mais de 605 mil mortos, entre eles, certamente, pessoas que já fazem muita falta a mim, a você, a todos nós. E, no dia 15, quando deveríamos festejar a sonhada República, poderemos mesmo é estar nas ruas gritando porque diariamente só vemos serem praticados atos bem pouco republicanos.

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Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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