ARTIGO -O novo (a) normal. Por Marli Gonçalves

Ora, não me venham falar nesse tal de novo normal, que as pessoas vão mudar, que aprenderam, que daqui pra frente tudo vai ser diferente, que isso só é letra de música. A realidade é que a natureza humana gosta de viver seus conflitos e que a luta pela sobrevivência ainda é um pisando no pescoço do outro

O que é "normal"?: duração e variação do ciclo menstrual

O estouro da boiada. Como não vivo no campo, aprendi essa semana, vendo como as pessoas estão se comportando logo aos primeiros sinais de relaxamento do isolamento social, e compreendi a expressão – foi o que me pareceu um estouro da boiada. Vendo as filas horrorosas, os apertos e ajuntamentos, as burlas das leis ordenadas, mas sem fiscalização em um país onde faz tempo se aprende a viver ilegalmente. Parece que ficaram os quase 90 dias em casa esperando o sinal tocar, como esperávamos o sinal do recreio na escola, e que passaram esses dias anotando o que comprariam com o pouco que ainda lhes restou, se é que ainda restou. Ou se apenas o que aconteceu é que ficou mais escancarada a possibilidade do fim do mundo, ou da instantaneidade da vida. Partiram para o tudo ou nada.

Nos noticiários vi gente impaciente esmurrando a porta da loja que se atrasou para abrir. Vi também alguns comerciantes reclamando do horário limitado e do número baixo de clientes, como se isso já não fosse de certa forma normal até bem antes da pandemia. Gente atabalhoada tentando tirar o atraso, e esse atraso correndo deles.

Diferente das filas criadas pelo confuso e desatinado governo para dar o auxílio emergencial e quando muitos correram para portas de bancos para tentar garantir aquele trocadinho, o que até valeria algum risco, desta vez se aglomeraram para comprar nas ruas e shoppings populares, bater pernas atrás de presentes para datas que já não marcam é mais nada. Houve também muitos que vieram com sacolinhas e sacolões para comprar o que venderiam em outras filas e aglomerações, em outros locais, nos paraguaizinhos de todo o território nacional.

Máscaras foram o hit da vez nas barracas dos camelôs, mas nem todos as usam no lugar, ou mesmo as usam. Estão faltando beber álcool em gel, como se esse pudesse ser servido em copinhos e, espirrados, fossem mágicos seus respingos. O resultado dessa loucura estará no futuro logo ali, nos números de novos  infectados e mortos, como se não bastasse já termos ultrapassado a terrível marca oficial de 40 mil brasileiros mortos e de quase um milhão de infectados, números ainda acanhados perto da realidade, subnotificados de todas as formas possíveis, inclusive oficialmente, na cara dura.

Repito: e vocês aí achando que uma nova sociedade surgiria dessa experiência que, inclusive, não tem qualquer data para acabar, sem vacina, sem remédios, só desatinos e improvisos. Como? Com um dirigente máximo insano?, que pouco está se lixando para a vida, e que agora – dá até vergonha de falar – incentiva seus seguidores chucros (que certamente poderão, com razão, serem chamadas de gado, se o fizerem) a entrarem nos hospitais para registrar e “denunciar” (!) camas vazias… Qual o próximo passo?

Esse presidente e sua equipe, sim, podem ser chamadas de anormais por não pararem um minuto de multiplicar a ignorância e o perigo. Obrigaram até a oposição a tentar  se organizar e chamar protestos nas ruas, antes ocupadas apenas por uns seres estranhos e feios vestidos de verde e amarelo abanando bandeiras antidemocráticas ou desconexas, montinhos perdidos que podiam ser encontrados tentando  se acasalar e se multiplicarem lá na frente do Palácio da Alvorada; aqui em São Paulo, na porta da Fiesp e em frente ao II Exército.

E os ladrões, espalhados, enchendo os bolsos com o super faturamento de equipamentos e insumos hospitalares? Aumentando preços como se realmente não houvesse amanhã? Bancos posando de bonzinhos nas propagandas e ignorando pedidos de socorro por créditos a juros mais baixos?  A lista é enorme e você aí já deve ter lembrado de mais algum fato entre esses que assistimos estupefatos.

Daqui de meu posto de observação estou é vendo muita gente brincando com a morte, como se ela já não estivesse bastante visível. E fico, acreditem, cada dia mais preocupada e temerosa com a forma dessa abertura precipitada, sem conscientização, como se o vírus tivesse tirado férias. Mas ele ainda está lá escalando a montanha em busca de asfixiar e tirar o oxigênio vital, todo feliz com os pratos oferecidos para sua alimentação, especialmente os pobres.

Para finalizar, não me venham falando em percentual de ocupação de leitos estar folgado. Ninguém quer vê-los cheios. Ninguém quer ficar doente. Não é possível que esse tal novo normal seja tão burro que não possa entender isso.

Normal. O que é normal?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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Sempre alerta, que estado é este de viver? Por Marli Gonçalves

AlertaJá ia mesmo falar sobre isso. Sobre o medo, o estado constante de alarme, de alerta, de atenção, aqueles que decretamos por nós mesmos praticamente todos os dias. A sexta-feira de terror e sangue em Paris, no entanto, mostrou que os horizontes do perigo passaram a ser ainda maiores, mais mortais e complexos. Fica difícil viver em paz com tantos inimigos, inimigos gente, inimigos insetos, inimigos fatos, inimigos governantes, inimigos destinos, inimigas ideias, inimigos dia a dia. E nossos inimigos pensamentos

Parece paranoia, mas vou liberá-la porque entendo que você aí também pode ter algum aspecto desse problema. Chama temor. Toca o telefone. O coração dispara. Campainha toca e se pensa no pior do pior. Orelha em pé. Olhos bem abertos. Atenção aos cheiros. Um grito mais forte, a sirene intermitente, muitos helicópteros no céu. Alguma coisa está acontecendo, e enquanto eu não sei o que é não sossego. É uma agonia. Vivendo na região central de São Paulo está cada dia mais difícil encontrar algumas horas de serenidade.

Imagino quem tem filhos como é que se sente – hoje entendo as nóias de meus pais, as dores de minha mãe. Essa, entre outras, de tanto se inclinar no parapeito da janela para me ver voltar para casa, criou um calo, um machucado. Baixinha, precisava se debruçar. Esse pior foi quando eu resolvi ser motoqueira aos 13 anos de idade.

Não tenho filhos. Tenho meu pai, com quase 98 anos, meu irmão, minha gata e os satélites, amigos, famílias ligadas a mim de alguma forma, gente que gosto, gente que admiro e me emociona. Gente que nem conheço pessoalmente, mas que são importantes e das quais gosto sem elas saberem. Se acontecer algo com qualquer um deles serei também atingida duramente. Engraçado é que pouco penso em mim, e não sei bem em qual momento dessa vida virei assim protetora, pensando bem.

Pois vivemos assim. Há bêbados guiando por aí. As calçadas estão cheias de buracos. Árvores podres ruindo. Tem assalto, tem tiroteio, tem polícia, tem bandido. Tem gente do mal, tem homens perversos, psicopatas atrás de vítimas. Vítimas distraídas. Tem descaso e falta de fiscalização. Tem fogo, tem água, e agora tem lama. Tem El Niño, calor escaldante, ar seco, mudanças bruscas de temperaturas. Tem falta de saúde, de educação, de solidariedade, de bom senso.

Tem a barbárie. Sob um manto religioso e dogmático jovens se vestem de bomba para matar outros jovens porque dizem que queriam um mundo por eles idealizado como perfeito, mas ao qual jamais vão pertencer nem ver porque não estarão mais aqui. Só podem mesmo achar que há vida após a morte e que não irão para o inferno. Só podem estar loucos. Pior, loucos armados.

Apelam para que todos acabemos religiosos, rezando de manhã, de tarde e de noite para que celerados como esses não estejam entre nós. Foi Paris. Mas poderia ter sido qualquer lugar desse mundo. Eu poderia estar lá. Você poderia estar lá, ou alguém de sua família. Ou alguém que você ama.

bombaÉ chocante. Viver mais um fato que pode ser divisor de águas mundiais, que alerta que ninguém está mesmo seguro, nem nas grandes capitais, nem nas pacatas cidades que viraram lama arrastadas de um Estado a outro.

Estado de observação, estado de alarme, estado de alerta, estado de emergência, estado de sítio, estado de calamidade pública, estado de Defesa.

Estados são decretados. Quando chegam, determinam nossos passos, acabam com a liberdade. Muitos aparecem para nos proteger; outros para cercear.

Há o Estado de Direito. O Estado de Exceção. O Estado de Choque.

Agora há o Estado Islâmico. Aqui, o Estado inoperante que nos deixa em estado de insolvência.

Pior, vivemos ainda o estado de inércia, de torpor diante desses tempos difíceis quando os fatos se sucedem completamente fora de qualquer controle nosso.

Não há como se distrair diante de um estado desses de coisas.

countdown-contagem-regressiva

São Paulo, Paris, Mariana, 2015

  • MARLI GONÇALVES, JORNALISTA – Vive no Estado de Alerta -“on”

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