ARTIGO – Hospício Brasil ou Brasil, Hospício de todos? Por Marli Gonçalves

Será um plano maligno para que todos fiquemos totalmente insanos, e que acabemos por cometer alguma loucura para salvar o país deste hospício? Porque não é possível que a gente passe mais uma semana como essa, sem que a nossa sanidade seja comprometida

Segunda, terça, quarta, quinta…a pressão sobe e desce descontrolada, a ansiedade e a inquietude dominam. Uma hora a gente acha que o golpe vem aí, em outra, que o golpe até já foi dado. Minutos depois, o assunto é outro, e a avalanche continua. Você entra no chuveiro e quando sai já aconteceu ou ouviu mais algum desatino vindo lá de onde você sabe.

A pandemia se agravando, mais de três mil mortos por dia, vacina que não chega para todos, oxigênio e medicamentos que faltam. A miséria se espalha, e não há como sair, mesmo que apenas até ali, sem encontrar alguém mendigando, envergonhado, por fome. E um povo preocupado que os shoppings estão fechados, as festas rolando por aí, com gente jovem reunida rebolando funks, cassinos clandestinos sendo fechados todos os dias, revelando sempre um mesmo tipo de gente odiosa e uniforme.

No Rio de Janeiro, três crianças – pobres, pequenos, pretos, mirrados – sumidas há três meses, Fernando Henrique, 11, Alexandre, 10, Lucas Mateus, 8, saíram para brincar e não se soube mais deles, o tempo passa e eles não aparecem nem nos noticiários. Nos noticiários está outra criança, Henry Borel, 4 anos, morto. Como? Mais um caso envolvendo um político, miliciano, o tal vereador Dr. Jairinho, paidrasto, que pelo entendido até agora aterrorizava o menino nas barbas, ops, cílios, da própria mãe que com ele se juntou há alguns meses. Coitadas das crianças, e o que também devem estar sofrendo nesse hospício que se tornou o país, dominado no poder, ocupado na política por um bando dessa gente, repito, odiosa e uniforme, um padrão.

No país que este ano, ao contrário da tradição de só começar depois do carnaval, parou totalmente exatamente depois dele. E vai continuar parado e chorando se depender do real entendimento geral do que passamos, do que está acontecendo. Já é catastrófica a incrível normalização de tantas mortes diárias, de perdas, e o dia seguinte, o dia seguinte, tudo parecer normal até que novos números superem os anteriores e tudo se repita hora após hora, hora após hora, no seu tique-taque infernal e contínuo. Quando, talvez um dia, pudermos ver com clareza o saldo de vidas e histórias e futuros perdidos, esse saldo será julgado.

Comecei falando do temor, do golpe, vejam só a preocupação que temos de ter enquanto esse “ser” estiver no comando da Nação. Os militares mexeram suas pedras, e todos foram trocados de uma vez só de todos os poderes por, pelo visto, a sua maioria não aceitar o envolvimento das Forças Armadas nas pretendidas loucuras de um capitão descontrolado. Agora, sob novo comando, aparecem os substitutos, que entram mudos e saem calados. A apresentação para a imprensa me pareceu um desfile, sim, mas de moda, como se novas fardas estivessem sendo lançadas por manequins. Primeiro, postados de lado, um atrás do outro, os três. Quando seus nomes eram ditos, viravam-se de frente para a plateia por segundos, logo retomando uma dura e ensaiada posição inicial. Exatamente como nos desfiles de moda, assim que o “estilista”, o Ministro da Defesa, sai do ambiente, eles saem atrás, em fila, sumindo atrás de uma porta.

Mas nesse hospício todo, ainda há humor! O Datena há semanas em seu programa grita a tarde inteira “Só no nosso?”, mostrando vídeos do povo reclamando de preços, de tudo, e em clara referência que “nosso” é esse, a que parte do corpo se refere. Agora, até gostei, o governador João Doria resolveu responder também com humor ao ridículo apelido que os bolsonaristas insistem em usar contra ele, chamando-o de calça apertada, como se isso fosse grande ofensa. Doria prometeu vacinar todos eles, a começar pelo Eduardo Bananinha Bolsonaro, o filho 03; e com calça apertada, frisou.

Aliás, qual o problema desses caras com as calças do governador? Não é muita falta do que fazer? É ou não é um grupo que faz do país um hospício, que apenas faz mal e tenta nos enlouquecer? No mínimo, de raiva. Não estamos – ainda – com camisa de força, embora imobilizados; mas, sim, totalmente isolados, inclusive nas fronteiras, do resto do mundo, por sermos considerados bem perigosos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – O país precisa de você. E é agora. Por Marli Gonçalves

Atenda, por favor, ao chamado. O país precisa de você, precisa de todos. Rápido, antes que seja tarde demais. Participe. Atente. Comece já, votando, e de forma consciente. Lembra daquele famoso cartaz americano do Tio Sam com o dedo em riste? Lá, a convocação era para uma guerra. Aqui, não. A convocação é para a paz, para a mudança, para união, para melhorias, para o fim da insanidade que parece se espalhar como o rastilho da pólvora que não temos e nem queremos usar

PRECISA

Não é brincadeira de redes sociais que, tudo bem, nelas pelo menos ainda mantemos o humor nas piadas, memes, trocadilhos. E olha que não faltam assuntos, imagens, falas ou temas para esses chistes. Só nessa semana foi mais uma saraivada deles. Fomos chamados de maricas por não querermos morrer. Vimos a diplomacia morrer mais um pouco e a formiga chamando o elefante pra briga. Da boca do próprio, de onde jorraram impropérios, percebemos um presidente sem qualquer condição de governar, e que até admite isso ao se dizer sem sossego, satisfazer-se com a morte, negacionista, e a quem – parece – só resta apelar à violência e ao moralismo ignorante.

Mas ele imagina que está brincando, talvez, com soldadinhos de chumbo, uma armada Playmobil, joguinhos de tabuleiro, como parece ver as Forças Armadas; e esta já se incomoda clara e publicamente com essa forma de tratamento. Não é porque ocupou, loteou o governo como quis, com militares em postos importantes na administração, que todos se sujeitarão às suas ordens, deixam bem claro os principais comandantes, os mandachuva.

Não tem nada de normal em tudo isso. Precisamos refletir e falar sério sobre o que está acontecendo ao nosso redor, em nosso país, sobre as palavras que saem da boca do dirigente e de alguns de seus aliados pelo poder. O presidente aparenta não estar nada bem das ideias, para não falar outra coisa. A situação toda vem se degringolando com rapidez e é necessária mais rapidez na conscientização do que pode ocorrer se o tempo fechar.

A chuva será ácida. Há dois anos, desde a eleição de Bolsonaro, assistimos a uma escalada maliciosa, ignorante, e que não está levando o país a lugar nenhum, a nada melhor. Pensa. Aponte algo que melhorou. Não precisa pôr a culpa em pandemia, que essa só se agravou mais com as suas posições.  Ao contrário, diante do mundo, do qual cada vez mais há interdependência econômica em uma sociedade globalizada, viramos piada, perdemos respeito. Internamente assistimos apenas a retrocessos, à piora dos índices, todos, sociais, econômicos. Levados a um país dividido que precisa se unir rápido para não ver repetir-se aqui o que vemos ocorrer lá no mais poderoso do mundo. Para não vermos repetir-se aqui uma nova noite como a que já atravessamos, e que durou mais de vinte anos.

Ninguém ganha nessa situação. Ninguém. Para tudo há um limite, e ele parece se aproximar mais rápido do que os dois anos que ainda nos separam de novas eleições estaduais e federais. Daí, já, agora, nessa eleição, municipal, a mais próxima de nós, já precisarmos votar com mais atenção, informação, análise, percebendo a fragilidade e falhas das estruturas e programas dessa miríade partidária absurda com a qual convivemos, cheias de cacarecos.

Sinta-se importante. Não apenas mais um brasileiro. Pense com sua própria cabeça, acompanhe os fatos, não acredite nesse tanto de notícias falsas disseminadas para fazê-lo pensar até que há em andamento um ataque à sua família, que seria invadida e destruída por monstros terríveis, amorais. No fundo, você sabe que não é assim.

Respeite a inteligência, a imprensa séria, os movimentos sociais, as ideologias, a liberdade, a Ciência.

Todos nós somos diferentes entre si, claro. Mas há uma gama, uma base, comum a todos nós, e que já pode ser a plataforma para a união, por um país que aponta, aflito: precisa de você. De todos nós.

Rápido! Antes que realmente seja tarde demais e não possamos nem mais rir de nossas próprias piadas, que ficarão sem graça alguma.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Casa da Mãe Joana Brasil. Por Marli Gonçalves

Não é só por causa da paradeira dessa semana, dos caminhoneiros, que o Brasil virou o verdadeiro e único representante da Casa da Mãe Joana, aquela com uma porta onde todos podem entrar, conforme reza a lenda que Joana I, de Nápoles, decretou ao legalizar os bordéis de sua região no século XVI, numa história que envolveu conspiração, mortes e desejos de liberdade total.

 

A expressão Casa da Mãe Joana se atualizou total esses dias. Na verdade, se instalou de vez. Igual àquela que diz (ou pelo menos dizia, porque a coisa está tão preta que há muito não ouço nem ninguém citar) que Deus é brasileiro. Até Ele tem limites e deve ter se mudado de mala e cuia. Aqui não só entra quem quer, como faz o que quer e, enfim, quando tenta se impor, declara e manda fazer o que não tem a menor ideia de como será cumprido. Casa da Mãe Joana é uma expressão popular, “o lugar onde todos mandam”, sem organização, onde cada um faz o que quer, uma baguncinha, enfim.

Reuniões longas, horas, documentos e documentos, contas que depois se mostram absolutamente erradas, anúncios de decisões que na manhã seguinte não surtiram qualquer efeito. A paralisação dos caminhoneiros apenas nos demonstrou de forma radical e até cruel o desatino e despreparo que enfrentamos há anos, em todas as direções para as quais olhamos.

Em algum momento o trem descarrilou. Inclusive, trilhos dos quais agora nos lembramos saudosamente e que tanta falta nos fazem na logística de distribuição nacional desse país de dimensões tão complexas, e que se inclinou para a indústria automobilística, para a fonte petróleo, entre outros erros estruturais que vemos se repetindo anos a fio.

Na Casa da Mãe Joana todo mundo invade a cozinha e quer tirar um proveito, mexer na receita, tacar a colher na sopa, entornar o caldo. Se a comida sai ruim, os dedinhos de todos se apontam uns para os outros levianamente, não fui eu, foi ele. Como crianças birrentas e marotas. Esse é o cardápio completo que estamos vendo. Pratos postos numa mesa que ressuscita até os zumbis que já governaram e desgovernaram, e que voltam para nos assombrar com suas declarações toscas e buscando isentar-se do estado a que as coisas chegaram.

Em casa, seja da Mãe Joana ou de qualquer outra, onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão; imaginem quando falta pão, gasolina e vergonha na cara.

Surgem, de um lado, os salvadores da pátria e suas ideias birutas; de outro os vilões que não têm nome nem cara, mas sabem remarcar preços como ninguém para se dar bem, não poupar ninguém. Sabem fazer sumir e aparecer produtos, mágicos. Gasolina a dez reais o litro, alface murcha, 10 reais a unidade, batatas de ouro puro, todos viram aparecer. Mais os oportunistas políticos que surgem para o banquete onde esperam lugar à mesa, sentados na cabeceira, inclusive. Só que precisarão pagar a conta.

Mas não se preocupem. Como disse o presidente ao mandar as Forças Armadas acabarem com a movimentação dos caminhoneiros, falando do púlpito, sem combinar com os goleiros, agora “o Governo terá coragem”. Faz lembrar a coragem da intervenção federal do Rio de Janeiro quase esquecida nas calendas. Temer, inclusive, se mostrou bem preocupado com os frangos que, segundo ele, estariam já se canibalizando. Sem comentários, por favor.

De soquinho em soquinho, vamos indo esperando o próximo round, quem vai bater à porta, a próxima crise. Tanto falam em militares, tanto falam em intervir que conseguiram botar o bloco verde para dissipar o azul de nosso céu. Por enquanto, e espero que pare aí, para desobstruir os canais por onde corre o nosso sangue. Os combustíveis, os alimentos, e tudo o mais que nos mantêm vivos.

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 Marli Gonçalves, jornalista – Veio à mente uma música muito conhecida, de Vinicius de Moraes: Era uma casa/ Muito engraçada/Não tinha teto/ Não tinha nada/ Ninguém podia/ Entrar nela, não/ Porque na casa/ Não tinha chão/ Ninguém podia/ Dormir na rede/ Porque na casa/ Não tinha parede/ Ninguém podia/ Fazer pipi/ Porque penico/ Não tinha ali/ Mas era feita/ Com muito esmero/ Na Rua dos Bobos/ Número Zero.

marligo@uol.com.br/ marli@brickmann.com.br

Maio de 2018