ARTIGO – O frútil e as brincadeiras de criança. Por Marli Gonçalves

Não escrevi errado, não. É frútil mesmo. Adoro inventar palavras e essa já vai ser mais uma; assim, com acento, um misto de fútil, útil, frívolo, com umas pitadas de dislexia. Coisas fúteis são aquelas fúteis com alguma serventia, nem que seja a de fazer pensar um pouco sobre o nada

O frútil tem alguma valia. E nesse momento tão chato, triste, mal humorado, perigoso, precisamos de dar algum valor à quantidade de pessoas, artistas, personalidades, celebridades e subcelebridades que, de forma até impressionante, estão fazendo de um tudo para não submergirem. Nos mostram suas casas, seus sentimentos e acontecimentos mais íntimos, se abrem todos, mostram seus corpos (e isso é legal), se casam, descasam, saem dos armários, abrem seus armários. Cometem até ilegalidades, como dar festas em plena pandemia, como vimos algumas. Até o cancelamento promovido pelos interneteiros – quando ocorre – é bem-vindo – vira notícia, entra para o #trendtopics. Virou notícia? Tá bom para eles. E tá bom também para a imprensa que cada vez abre mais e mais espaços para esse mundo. O fútil vira frútil.

Nesse universo paralelo, colorido, quase todo mundo é bonito. Quando não é, se remenda, repuxa, corta aqui, ali, faz harmonização facial, o hit. Ou desfaz, que até isso a gente tem visto ir para o Fantástico – a desarmonização facial. Teve tempo que o quente era tatuar o nome do amado ou da amada, mas como cada vez as relações estão mais efêmeras e tirar as tais letrinhas da pele custa caro e dói, parece que passou essa onda. Já pensaram a Gretchen, que está no 18º casamento, se fosse adepta? O corpo seria uma lista, tipo aprovados do Enem, em ordem alfabética. Ou iria ficar buscando repetição. Josés! Joões!

Hoje mesmo li uma notícia bomba: Gracyanne Barbosa comeu mais de 8 mil ovos durante o isolamento social – anunciou a capa de um dos principais portais de informação do país. Nossa, mudou minha vida. Saber isso, capaz até de mudar a sua também. Predadora. Escondam suas galinhas. Cuidado com os ninhos dos passarinhos. Uma outra apareceu mostrando seu novo pet, um sapo de raça exótica, a quem deu o nome de Snoopy. Vou parar por aqui, mas se você rodar pelos portais vai se divertir.

Enfim, os frúteis, como dizia no início, têm uma função importantíssima nesse momento – a de nos fazer rir em meio a tantas desgraças e à proximidade de uma eleição, onde alguns candidatos, parece, resolveram entrar nessa onda. Assistam um pouquinho os hilariantes segundos eleitorais. Não perca a Joice Hasselman, dezenas de quilos mais magra, nos trinques, com a autoestima lá em cima, usando até a Peppa Pig (como era chamada pelo clã dos Filhos do Capitão), misturando desenhos animados. Uma coisa louca. Temo que não dê votos. Mas pelo menos suaviza nossa vida e nos faz executar o exercício que tira rugas – rir, sorrir. Não precisamos mais de usar tanto ácido hialurônico – quando rimos nosso corpo produz um pouquinho, diz a lenda. Brincadeirinha! É que rir/ sorrir faz bem de alguma forma. Isso é certeza. Nem precisa de cremes ou injeções.

Se fosse “só” a pandemia nosso problema… Ainda há – graças até à Nossa Senhora de Aparecida, que festejamos como a nossa Padroeira agora dia 12, junto com o Dia da Criança – uma parcela da população que pensa, e está aterrorizada com o que diariamente assiste, e que é sério. Não é frútil. Mas essa parcela – que esperança é a última que morre – há de florescer mais pós-vacina; agora está anestesiada, perplexa, ou sem condições de agir.

Comungo com essa parcela. Que se estiver fazendo o que estou pensando – e que eu aqui estou nessa – prepara quietinha a “Lista de Bons Motivos para ir à rua protestar”.

Já virei a página da lista que escrevia manualmente. E cada dia me preocupo mais e me pergunto se quando fizermos isso, ir às ruas, não será tarde demais, muito tarde demais. Já tem cargo praticamente vitalício sendo negociado, e o que em mais alguns dias, já era. Já foi. Entrou tudo.

Enquanto isso, ora, vá ser frútil na vida! É o que dá agora. Vai que de repente chama a atenção e consegue mudar o rumo das coisas.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Conga la Conga, Bunga-Bunga, yê-yê-yê.

Marli Gonçalves

Um passinho pra frente, dois passinhos pra trás. Avança no tempo. Nas descobertas. E retrocede na sabedoria e mínima noção. Assim caminha a humanidade. Ou melhor, assim dança a humanidade, conforme a música. A gente consegue até ouvi-la em determinadas ocasiões.  

“…Besame, besame mucho…Como si fuera esta noche la ultima vez”… O belo bolero que uniu em romance fugaz uma ministra da Economia e um ministro da Justiça chegou até nós na forma de planos mirabolantes e expropriantes do rancor de um amor perdido. O presidente bossa-nova JK nos lembrava e estimulava que criassem uma música doce, suave, cantada baixinho. Os hinos ufanistas nos torturaram por mais de duas décadas, interrompidos por rompantes do yê-yê-yê e protestos tropicalistas. Sim, nossa história é música, sim. E dança. Nossos quadris estão sempre rebolando, um bambolê danado.

Mas, convenhamos, há muito não aparecia algo tão ritmado e expressivo do que o nome da dancinha predileta do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi – a Bunga-Bunga. Detonou a nossa ingênua Conga la Conga, de Gretchen. Detonou a dancinha da descida na garrafa de Carla Perez e seus 105 cm de potência. Não sobrou nada nem para a coitada da eguinha pocotó. Rebolation!

Bunga-Bunga pode ser uma dança africana do começo do século. Ou será caribenha? Pode ser uma flor, uma ilha. Daqui para frente será o nome de muitas coisas, como de bares, boates, bronzeador, até uma cerveja cairia bem. Cerveja Bunga-Bunga, desce dançando. Excitante.

Mas hoje, na verdade, Bunga-Bunga é só a dancinha que enrascou Berlusconi. Segundo uma das bunga-bunguetes, Ruby, ele pedia que as meninas (variadas, várias idades e nacionalidades) fizessem tudo para ele, nuas, brincando entre si, e bem perto, como lhe teria sido ensinado pelo ditador líbio Muammar Gadaffi (é, essa bola da vez que está na berlinda agora, e se defende mandando matar e censurar). Acreditem. O italiano velhinho safo que vai se fritar na mão de três juízas ainda precisou aprender! Será que quando veio ao Brasil dançaram Bunga-Bunga para ele? Temos aqui formatos nacionalizados, variações bungais.

Brincadeiras e fantasias à parte, que o Carnaval vem aí, além de me divertir com o ritmo Bora-Bora da Bunga-Bunga, pensei como músicas e danças são marcantes em períodos e gerações. Como também podem ser marcantes na visão do relacionamento entre o homem e a mulher. Lembrei-me da valsa dos salões antigos. As mulheres de longos com anquinhas, o silicone da época; os homens, elegantes, com um braço para trás, em volteios, gentilezas, mesuras e salamaleques para as damas. É o mestre-sala e a porta-bandeira na avenida, o homem fazendo deferências, conduzindo a mulher, com respeito e paparicos. Lembrei-me também da exposição – até pudica das pernas no cancan. E revi os sonhos de liberdade expressos nos vôos de Isadora Duncan.

As mulheres vêm atravessando todas essas fases, em busca de seu lugar no palco, no tablado e no chão da fábrica. Cantaram e dançaram “as dores e as angústias de ser uma mulher”, de Atenas, ou Geni. Ou as que ganharam seus nomes eternizados em poemas de Tom, só pela graça que emanavam. A ovelha negra da Rita, e o auê de seu lança-perfume. Ao lado de tigresas, frenéticas, camaleoas olhando com seus peitos direitos, Marinas morenas. E Amélias. Os sertanejos voltaram com o amor em rimas fáceis para todos cantarem. E o axé, para levantar do chão, beijo na boca, seja lá quantos e de quem for.

Conseguimos. Estamos aí, inclusive cantando lindamente, com muitas cantoras que amam outras mulheres, mais livremente. Gretchen já casou um sei-lá-quantas, vezes, e ainda faz o chica bum, girar na Conga la Conga. Elza Soares dá entrevistas sobre sexo com o marido jovem como receita de vitalidade.

Presidentes mulheres mandam aqui e em outras plagas. Há juízas, ministras, governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas. Acaba de chegar uma maestrina para reger a maior orquestra. E no Rio a mulher com nome de miss põe a polícia na máquina de lavar e torcer corruptos. As mulheres estão chegando. Abram alas!

Mas, com tanta música que ainda há para inventar, cantar e dançar é terrível ainda precisarmos ouvir falar em algumas de nós tendo de viver de fazer Bunga-Bunga para ricos babões, político bundão, em troca dos trocados. Ou estrelato. Ou apenas pela submissão e pelo medo.

Pata-pata. Conga-conga-conga!
São Paulo, aberta a temporada de levar muitos rebolados na cara, 2011

  (*) Marli Gonçalves é jornalista. Há muitos e muitos anos uma senhora se aproximou de mim, pedindo um autógrafo. Como assim? Eu não era a Gretchen? Que absurdo você tão famosa mentir para não dar um simples autógrafo!- a mulher gritava. E realmente brigou comigo. Fiquei apavorada. Outras vezes também me confundiram. Eu tinha cabelão, os olhos fundos, grandes, e o nariz, digamos, expressivo, que aumentavam a confusão. Mas sempre fui mais rock n`roll. Melhor assim. Muito melhor.
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