ARTIGO – Ídolos e o sobe e desce. Por Marli Gonçalves

Ídolos sobem aos céus e descem ao inferno, na morte e na vida. Sofremos como se fossem da nossa família quando se vão; razoável, porque devemos a eles muitos aspectos de nossa própria existência construída pela admiração, exemplos bons ou maus que imitamos. Suas vidas se misturaram às nossas.

Ídolos

Para quem já viveu um pouco mais, os últimos tempos têm sido de grandes perdas de ídolos importantes que acumulamos, acompanhamos durante décadas e aprendemos a admirar e seguir. Não como se segue hoje qualquer babaca em redes sociais, muito mais especulando fotos ou fofocas, opinando em suas redes, cancelando-os quando decepcionam, tentando nos meter em suas vidas amorosas, na forma como se vestem e até em suas opções políticas. E eles, sempre, tentando nos vender algum produto.

Ídolos eram muito mais inatingíveis, íamos aos seus shows adorá-los, tínhamos meras esperanças de um dia encontrá-los pelas ruas, conseguir um autógrafo. Quiçá uma foto, um beijo, um abraço. De alguns eram arrancados pedaços de roupa, fios de cabelo, tudo guardado em caixinhas inconfessáveis. Para outros até se arremessavam calcinhas, bichos de pelúcia. Tentávamos saber onde estavam, e ali nas portas de verdadeiros plantões encontrávamos outros “iguais” para trocar figurinhas durante a vigília. Lembro de muitas peripécias feitas por alguns ao longo dessa longa vida. Há uma magia nisso.

A morte de Rita Lee esta semana abalou geral e o incrível é perceber que foram lágrimas de todas as gerações e que foi o seu histórico revolucionário em costumes o mais recordado, especialmente como mulher à frente de seu tempo, corajosa e libertária, abrindo caminhos. Teve gente que chiou muito porque nessa memória apareceram também aspectos como o uso de drogas e álcool, bobagem, como se na hora da morte devesse ser apagada a verdadeira existência de quem durante tantos anos seguimos, inclusive praticando os mesmo erros muitas vezes. A expressão “sentar no próprio rabo” cai bem nos puritanos.

Ídolos de verdade não são perfeitos, e creio que por isso mesmo é que os adotamos, quanto mais próximos são de nós mesmos, de nossas imperfeições ou desejos. Não são santidades puras e cândidas, que essas encontramos em igrejas. Nos nossos ídolos procuramos coisas externas, os escolhemos para ver até onde vão dar seus hábitos, esquisitices. Eles acabam avançando em paralelo às nossas vidas. Se fazem músicas, são elas e suas letras que marcam indeléveis fatos de nossas histórias, e ao ouvi-las não há como deter a memória, a emoção, a alegria ou mesmo a tristeza desses momentos. Podem passar décadas e isso acontece. Rita Lee e sua carreira longeva é um dos maiores exemplos de alguém que caminhou ao nosso lado, da rebeldia total ao amor, da juventude ao envelhecimento, da saúde invejável a como conviveu serena com a terrível doença até o fim. Ela nos contou sempre tudo. Escreveu tudo. Disse tudo.

Mais: pareceu deixar preparados também todos os aspectos de sua partida. Até a escolha do genial lugar para o velório, o Planetário do Parque Ibirapuera, ali, entre o céu e as estrelas. Evitando assim, além de políticos hipócritas presentes, o horror dos velórios no frio branco do mármore do gigantesco salão da Assembleia Legislativa, onde normalmente são veladas as personalidades em São Paulo.

À esta altura já perdi a conta de quantos de meus ídolos já se mandaram; alguns até hoje teimo em não acreditar e fazer de conta que ainda estão por aqui. Porque eu estou por aqui e trago em mim muitas das coisas que neles admirei, segui, aprendi, fiz bobagem junto, cantarolei ou dancei.

Daí não poder deixar de dar uma boa reclamada sobre essa mania cada dia mais insuportável de que todo mundo é “influencer”, famosinho, “mito”, etc. etc. porque têm alguns “seguidores”, entre eles muitos até com milhares de robôs ou nomes fantasminhas comprados de alguma agência de marketing de influência.

Ídolo, minha gente, é coisa séria, não dá em árvore como essas novidades que aparecem (e também na mesma desaparecem) todos os dias postando o que comem, quem beijam, os seus escandalosos recebidinhos que elogiam sem qualquer cuidado, como se eles próprios usassem mesmo aquelas coisas. Fazem boca de pato, posam ao lado de carrões, barcos e aviões, andam por aí com fotógrafos a tiracolo que registram seus passos como se fossem naturais, mucamas e escravos os servindo e abanando seus calores.  Podem ser perigosos, especialmente quando tentam acreditar que são ídolos. Ou mitos. Milionários e de pés de barro.

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Ídolo deixa história, é ícone. Mitos, a gente bem sabe o perigo que carregam.

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foto de @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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#ADEHOJE – LAMBANÇA GERAL

#ADEHOJE – LAMBANÇA GERAL

SÓ UM MINUTO – O site Chumbo Gordo hackeado e fora do ar, com ataques constantes. O celular dos caras, do presidente, de num sei mais quem hackeados. Estão transformando a vida digital em um inferno

ARTIGO – Limites terrivelmente irresponsáveis. Por Marli Gonçalves

 

Nossa paciência tem limites. O que podemos ou não fazer têm limites. Até a loucura tem limites. Nesse momento quem está dirigindo o país está brincando de testar os limites. E isso tem um limite. Não é política. É provocação.

Todo dia, toda hora, aqui, ali, em áreas técnicas, sociais, comportamentais: o presidente Jair Bolsonaro está abusando não só dos seus próprios limites, e ele têm muitos, limitado que é, como de nossa inteligência, paciência, honra e capacidade de suportar os ataques que desfere. Como se brincasse, parece. Como se não tivesse o que fazer e ficasse inventando. Como se estivesse se divertindo com nossa agonia. Não é agonia de ideologia, de direita, esquerda, de quem é a favor ou contra, esse insuportável debate no qual o país está mergulhado. Já são mais de seis meses que estouram em nós os limites do seu amadorismo, desconhecimento, pessoalidade.

Essas últimas dessa semana transbordaram. Primeiro, em encontro com pastores, a promessa verdadeiramente ameaçadora de indicação em breve de um ministro do Supremo Tribunal Federal, STF, “terrivelmente evangélico”. Como assim? Além de termos de buscar o máximo de laicidade nas instituições, o que isso significaria, especialmente na cabeça dele? Um ministro da Corte Máxima, seja o que for pessoalmente, homem, mulher, gay, católico, ateu, umbandista, evangélico, alto, baixo, magro, gordo, vegano, preto, branco, pardo, caboclo – o que for – deve seguir uma única luz: a Constituição Federal. O que é que Bolsonaro acha que alguém como ministro “terrivelmente evangélico” modificará? Descerá sobre nossas cabeças novas leis? Todas as imagens sacras serão execradas? Teremos de usar saias abaixo dos joelhos, como as mulheres-postes? Cortar cabelo nunca mais? Proibir unhas e batons vermelhos? O dízimo já pagamos.

Desculpem, mas respeito muito os evangélicos, e sei que entre eles há gente do bem, inclusive trabalhei com muitos que conseguiram que eu própria revisse meus preconceitos. Sei que até eles, em particular, não concordariam com muitos dos ideais e pensamentos bolsonarescos, porque sabem que estaria sendo celeremente criada mais uma terrível forma de discriminação contra eles próprios – aliás, já a caminho.

Para completar, o presidente resolveu dar um inesquecível presente de aniversário ao filho 03, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL/SP. Sua indicação à embaixada brasileira nos Estados Unidos, em Washington, o mais importante cargo da diplomacia nacional, de estratégica importância política e econômica. As qualidades do moço? “ele fala inglês e espanhol”, “não é aventureiro” … entre outras que é melhor nem citar para não nos aborrecer ainda mais, a todos nós.

Mas o próprio Eduardo Bolsonaro foi ainda mais longe na sua própria apresentação, acrescentou que fez intercâmbio lá, e que fritou hambúrgueres. Disse acreditar que será melhor visto por ser filho do presidente, que não é nepotismo e acena com a aprovação logo de quem? Do doido chanceler sabujo de Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo.

O prestigiado Instituto Rio Branco e o Palácio Itamaraty já devem ter começado a ter as paredes trincando, rachando, implodidas. Que o Senado nos livre de mais essa barbárie, recusando a indicação, furando bem furado mais esse balão de ensaio.

Não tem graça. Em seis meses está havendo um desmonte de toda uma organização, de todo um país, de conquistas fundamentais, qualquer coisa que se pergunte resulta em mostrar a total divisão do país, numa dialética maligna.

Mais: é cruel termos de dar atenção a assuntos de tanta ignorância em um momento do país em crise, com discussões envolvendo nossas vidas e nossos futuros, como a Previdência. Aliás, já fez os cálculos? Acha mesmo que será essa reforma que salvará a pátria? Só se a gente viver e sobreviver – e muito – para ver.

Isto não é política. É acinte. Passa terrivelmente de qualquer limite.

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Marli GonçalvesJornalista, Consultora de comunicação, Editora do Chumbo Gordo. Repara que a campanha presidencial já começou. E repara também que não é exatamente para a próxima eleição marcada para 2022. É para antes, bem antes.

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Brasil, quanto falta?

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ARTIGO – Nossos invernos infernos internos. Por Marli Gonçalves

Pode até fazer frio, mas o clima continuará bem quente por aqui no país do dedinho de arminha, da torneira que não vai parar de vazar e das falas, atos e decisões do homem que nos desgoverna sem ter ao que parece qualquer preocupação ou noção dos estragos que semeia com olhar tenso e sem brilho. Pare para pensar quem é que está se dando bem com tudo isso

O inverno é isso. O país tropical anda rendido. E absolutamente perplexo no dia a dia dos últimos meses assistindo a um espetáculo diário de besteirol sem qualquer graça, sem roteiro e com o apoio solene de comediantes medíocres de stand up. Sim, eles, de pé, em cima de palanques, tribunas, altares, púlpitos, onde quer que estejam, é só esperar, dali coisa boa é que não vem. O caso é pensar como chegaremos às próximas estações.

E, seja em quem foi que você, leitor, possa ter votado, não é possível que não perceba que estamos na famosa sinuca de bico, beira de precipício,  esquina do horror, e que não há reforma que resista a uma crise depois de outra, a tanta insanidade em verde amarelo, azul e branco – que agora aparece até na gravata que o homem coloca para anunciar  os amigos nos espaços vazios das crises.  O patriotismo é mais do que apenas refúgio; pode ser o biombo que esconde a incompetência ou algo mais que ainda não se revelou por completo. Apenas em parte.

Não adianta em público fechar os olhos, fazer marra, considerar-se feliz por tanta perturbação, pelo quanto pior, melhor, ou bater no peito, arrumar briga nas redes sociais, xingar a todos de comunistas ou “petistas”, dizer que “estamos” atrapalhando, e que não queremos o fim da corrupção, patati patatá. Esses discursos não cabem mais depois de 180 dias de sandices, isso sem contar todas que já foram disparadas durante o período eleitoral. O governo anônimo, sem marca, do Marcelo Álvaro Antonio e agora do Jorge Antonio de Oliveira Francisco, os nomes de nomes.

Tudo o que se poderia até ter acreditado que ocorreria, veja só, não ocorreu. Os índices continuam ladeira abaixo, nenhuma reforma, e agora até de reeleição já ousou falar, convencido, o mesmo que a negava. Se alguém ainda punha fé na ampla presença de militares de alta patente no sistema, apure seus ouvidos e ouça o burburinho que anda entre eles, tratados com desprezo, este sim, bem patente. No masculino governo sumiram até com as leituras de libras antes tão aplaudidas. Reparou?

Seis meses que se passaram de tal forma que até ser oposição tornou-se dispensável. Também … com essa que temos, desorientada, sem novos quadros, sem liderança. Ser imprensa acaba sendo apenas uma cruel repetição de gritos no escuro. Registra-se de dia o que à noite será mostrado nos telejornais, isso se não tiver havido algum recuo, uma dança sem par.

Depois eles se explicam lá no Programa do Ratinho. Em geral, gravado antes, bem editado. Não é sintomático?

Alguém, em algum lugar, nesse exato momento, deve estar se dando muito bem com isso tudo. É você? Temo que não.

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Marli Gonçalves, jornalista. Observadora.

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Os incríveis primeiros seis meses de 2019

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ARTIGO – Na Urbe: desorientados, desnorteados e largados. Por Marli Gonçalves

Não há batatinha amarrada na fronte que resolva. Calmante que acalme. Protetor de ouvido que dê conta. Se a pessoa anda armada é um perigo sair dando tiros. Se achar uma granada o perigo será destravar a rolha e mandar bem no alvo, virando um terrorista urbano. Morar em São Paulo está ficando a cada dia mais impraticável. E não é só o barulho.

Você vai ficando louco, começa a pensar em tomar as medidas mais drásticas, tem os pensamentos mais subversivos, terríveis, punks. Os instintos mais primitivos. O barulho vai corroendo as entranhas, tomando conta. Os obstáculos e situações estressantes se acumulam. Os problemas da cidade e a falta de controle e fiscalização chegaram a um nível insuportável e que afeta gravemente a nossa saúde. Que será preciso para que providências reais sejam tomadas para melhorar nossa qualidade de vida?

No momento, me perdoem, tenho dúvidas, inclusive, se a cidade está sendo habitada apenas por bananas; se ao meu redor só existem pessoas bananas, medrosas, já tão acostumadas a ser massacradas que ficam sem reação, não se defendem mais de nada, inertes, palermas.  Não reclamam, esperam que alguém o faça. A vida real está passando ao largo nesses tempos digitais.

Escrevo nesse momento com uma dor de cabeça daquelas, daquelas que irradiam, sabe? Se fosse uma sessão de tortura creio que entregaria até a minha mãe, confessaria coisas inconfessáveis, os segredos mais recônditos, desde que me prometessem o que venho considerando uma dádiva: o silêncio.

Estou, e claro não sou só eu, mas um monte de gente que mora aqui por perto, submetida a – escutem, por favor, tenham pena de mim – horas a fio, diárias, de uma britadeira em uma construção próxima. No meu prédio, mais próximo ainda, soma-se uma obra que já dura quase um ano e que alterna serra elétrica, bate-estacas e outros sons que vão se infiltrando na mente. Isso junto às sirenes de ambulâncias, buzinadas frenéticas, rota de helicópteros e aviões, latidos e ganidos de pobres cachorrinhos deixados sós o dia inteiro, criancinhas birrentas, funkeiros motorizados, entre outros sons, até como os vindos de revoadas de periquitos verdes chalreando.

Aí você sai de casa. Fora a vontade de usar colete à prova de bala, carregar arco e flecha, gás de pimenta e/ou outros apetrechos básicos para se defender, encontra a buraqueira nas ruas e calçadas. É tibum na certa. A falta de educação das pessoas que avançam como se você não existisse. Os motoqueiros que inventaram uma via imaginária entre os carros e querem que você encolha seu veículo como o daquela cena famosa do Gordo e o Magro. O carro fininho passando no cruzamento.

(Confesso: outro dia pensei seriamente em comprar uma máquina de choque elétrico para usar nesses casos. A ideia seria colocar a mão pra fora rapidinho no momento que um desses estivesse te apertando com aquela buzininha infernal. Bzzz, Bzzzz, fritado igual faz aquela raquete de pegar mosquito.)

Mas quero ainda focar em mais um detalhe: notaram como está (ou melhor, não está) a sinalização das vias? Quando há placas estão sujas, tortas, viradas, ilegíveis, cobertas, erradas. Tenta procurar um endereço. Um número na rua. Uma faixa pintada direito no chão. Não há Waze que resolva. Ao contrário, como aconteceu comigo esses dias, essezinho aí me fez andar inacreditáveis 35 quilômetros errados até um endereço que só achei quando o desliguei – um dos maiores alívios que senti nos últimos tempos. Até porque quem disse que ele funciona direito direto? Você está lá, seguindo, por exemplo, na frente de um viaduto que não sabe se é para pegar. E o que acontece? Zona morta, apagada, cinzenta, sem GPS, sem sinal, sumiu aquela vozinha para te orientar. Já era.

Ah, vá! Já aconteceu com você também, tudo isso, não é?

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 Marli Gonçalves, jornalista – Para que me entendam melhor, pelo menos uma parte do problema, gravei. Ouça. Quem sobrevive a isso, durante dias, o dia inteiro? https://soundcloud.com/marli-gon-alves/sets/barulhos-infernais

  SP, insuportável, especialmente em fim de um ano como este aqui.

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ARTIGO – Buuuú! Nossos dias assombrados. Por Marli Gonçalves

Andamos escabreados normalmente. Se fôssemos crianças pediríamos até para dormir com uma luz acesa no quarto, com medo de tantas assombrações rondando nossa paz. Esta semana teremos como afugentar, pelo menos as assombrações, de formas mais divertidas, e aproveitar para lembrar tantos que amamos e que já se mandaram desse plano

Temos um presidente bem parecido fisicamente com um vampiro. O que já é assustador quando lembramos que sobrevivemos a todo tipo de outras assombrações, de açougueiros cruéis na ditadura ao bonequinho de palha vodu do saco roxo, entremeados com bigodes vassoura de bruxa, seguidos de topete arrepiado e das profundas olheiras do intelectual. Depois foram anos do personagem fantasiado de operário, seguido pela bruxa do vento ensacado.

Não bastou. Não basta. Estamos todos apavorados com os outros muitos seres estranhos que ainda podem surgir, levantando-se de catacumbas, saindo da tela da tevê, ressuscitando de temporadas nas masmorras de Curitiba não descritas na obra de Dalton Trevisan ou mesmo dos freezers de onde ainda pretendem se descongelar.

O que pode nos apavorar mais do que isso? Ah, tá. Rever a gravação da votação no Congresso. Ouvir os discursos de uma tal caravana trôpega que anda por aí. Sentir o cheiro do Alexandre Frota por perto, brincando de cirandinha com o japoronga do MBL e seus amiguinhos, estes sim, todos completamente censuráveis.

Não serão gatos pretos, abóboras iluminadas, criancinhas gritando e pedindo doces no Halloween que também virou acontecimento no país que gosta de importar hábitos. (Se bem que as coisas por aqui andam tão pretas, se é que me entendem, que estou vendo os comerciantes já pularem direto para o Natal para ver se conseguem desovar e vender bugigangas mais funcionais).

Ainda bem que poderemos apelar a Todos os Santos, dia 1º, livrai-nos do mal! É um dia concentrado, para santo nenhum ficar com inveja dos que têm mais seguidores ou likes.

No dia seguinte, 2, acender velas e pedir aos nossos mortos que a tudo devem assistir, lá de cima ou lá debaixo, que nos protejam desses assombrosos seres que dominam o país, mais do que vivos, vivaldinos. Vigaristas, mesmo, para usar expressão mais clara.

Conta a História que os índios astecas acreditavam que as portas do céu se abriam na noite de 31 de outubro para que os mortos se reunissem com as suas famílias durante dois dias. Daí a tradição de em alguns países fazerem festas, comidas especiais, usar roupas coloridas. Por aqui, não, a Igreja sempre recomendou constrição, pesar. Podemos imaginar até que ultimamente nossos mortos não farão a menor questão de voltar – se estão vendo “de lá” o país andar pra trás desse jeito. Tanta violência, falta de senso.

Quanto mais vivemos, mais nos parece perto a tal hora da partida, e maior é a lista de pessoas que de alguma forma amamos e que nos deixam apenas com as lembranças e, agora, também, muitos registros na internet que independem de anúncio necrológico.

É mesmo difícil se acostumar com isso. É difícil não temer a morte, a mais inevitável das verdades sem data marcada no calendário.

E como não tem jeito, o melhor é fazer como no México com suas caveirinhas multicoloridas. Chegam a fazer caveiras de açúcar onde escrevem os nomes os seus mortos. Todas as formas possíveis de lembrar com carinho de quem já foi e que talvez reencontremos algum dia, quando aqui na Terra, por sua vez, estarão festejando a nossa memória e o que fizemos.

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Marli Gonçalves, jornalistaEsse ano perdeu um de seus bens mais preciosos, o pai. E lembra todos os dias tanto dele quanto da mãe que certamente está em algum céu junto com outros amigos, todos que já eram exemplos de vida com seus ensinamentos.

SP, fim de outubro, início de novembro, 2017

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ARTIGO – Estupefatices. Ou Ai, meus hormônios! Por Marli Gonçalves

angeldevilflash.gif~c200Por onde começar? Falando da inacreditável campanha e momento político pelo qual passamos? Da briga do vermelho com o azul? Com quem eles pensam que estão falando com esse linguajar? Ou começo por essa imposição do tamanho de um bonde que é o tal horário de verão? Não estou discutindo se você gosta ou não, antes que queira debater ou fazer a minha pressão cair. Mas é imposição, sim. E a gente não se rebela por mais nada, nem por isso, nem por aquilo.

ovelha_pulando_cerca2Ativem os carneirinhos! Embora carneirinhos sejamos nós, juntinhos, pulando miúdo para sobreviver a tanta insolência e manipulação, inclusive de nossas vontades. Repito: se você gosta, ótimo! Entra logo numa campanha para vivermos sempre no tal horário de verão, mas no país inteiro, o ano inteiro, porque até nisso estamos divididos em lá para cima e aqui para baixo. Lá para cima, em grande parte dos Estados não vai ter mudanças, por decisões inclusive governamentais. Aqui para baixo, nesse país que está ficando esquizofrênico, a maior parte tem uma hora tirada e depois posta. O que parece pouco, mas mexe com todo nosso organismo, principalmente com os hormônios melatonina, que regula o sono, o GH, do crescimento, e a leptina, que regula a saciedade, além de ser mudança que desregula até o mapa astral das pessoas.

Não é pouco. Claro, outra coisa: se fosse para melhorar, sei lá, a vazão da água, a paz mundial, a proteção à mulher, o fim do descongelamento da calota polar, eu seria a primeira a alinhar exércitos. Daria mais do que uma hora, daria até minha própria vida. Mas para uma economia de energia de quinta, pouca e inexpressiva coisa, num país despreparado para a importante questão energética, e que tem um ministério da área tão afeito a roubalheiras que o ministro, pasmem…sumiu!- não.

brasinhaDito isso, vamos à próxima: com quem os feios, sujos e malvados pensam que estão se comunicando? Peguei uma canetinha e anotei as pre-vi-si-bi-li-da-des dos últimos debates que me fizeram lembrar daqueles caras empolados que fazem cara de importante, de conteúdo, de conhecedor, mas que se você espremer não sai suco. Está pronto para mudar seu voto? Pois bem: os indicadores sociais dizem que a pavimentação asfáltica é um sofisma com déficit de singeleza, leniente e estarrecedor com relação à meritocracia e ao nepotismo, com mobilidade urbana e vulnerabilidade social. Só citando alguns, hein! Não esqueçam ainda a “pasta rosa”, que até agora deve ter muita gente pensando que é alguma coisa gay.vote

Essa campanha decretou a morte do marketing político feito de forma decente e profissional. Não sei se por idiossincrasias (é, aprendo com eles!) dos próprios candidatos que me parecem todos ou ir pela sua própria cabeça ou apenas com comandos de jornalistas malvadinhos, mas está lamentável. Vejam e relembrem as caras, os tiques, as roupas, as expressões corporais. No começo do debate no qual até passou mal no final, fiquei chocada com a cara da presidente Dilma, visivelmente irritada, doente de ter de estar ali, apertando os lábios, parecendo querer matar um, esganar alguém. E quando ela passou mal, juro que nunca vi coisa igual, foram muitos e intermináveis segundos até ser socorrida por alguma alma bondosa, além da repórter atônita e aflita segurando o microfone e o câmera, ligado em manter a imagem ao vivo. Onde estavam os assessores? Teria ela pensado em recorrer aos seus blogueiros progressistas amestrados e bem subsidiados? Ué, eles deviam estar por ali, atarracados ao seu saco vazio, como ela própria se definiu um pouco mais tarde, tentando amenizar o fato, afirmando que “ia comer arroz com feijão porque saco vazio não para em pé”.

hothotComo, inacreditavelmente, ainda tem gente que acha que foi teatro, vou tentar ajudar com a minha tese, já que para falsear daquela forma nem Bete Davis em seus melhores momentos. Quem conhece a gíria vai entender. Bolada não vem de grana, nem só de “bola”, de comprimido de tomar para ficar legal. É expressão também de terreiros, quando o santo incorpora, mas de forma pesada, e derruba o médium. Então, escolha: literalmente o personagem que ela tanto ama e agora até paga bem para existir, a tal Dilma Bolada, apareceu. Foi isso.

Calma que também vai sobrar para o outro lado, já que o mundo agora está pior do que os dois lados da moeda, tudo dividido; pior, dois sem grandes diferenças que entusiasmem e nos façam realmente nos digladiar nas ruas, perder amigos, fazer o diabo como estamos vendo, e fazendo um mal tamanho que acometeu agora até os nossos humoristas, entre outros profissionais que resolveram que são os heróis da resistência da esquerda-contra-o-conservadorismo-liberal-da-direita.O mineirim Aécio tomou chá de galo. Alguém garantiu a ele que sorrisinho irônico no bico ganha eleição, e que ele nem precisa falar do que realmente nos é fundamental.my-first-attempt-at-an-up-vote-gif

Assuntos ligados ao comportamento continuam trancafiados. O que pensam sobre o dia a dia, vida nas grandes cidades, drogas, violência, gestação precoce, aborto, ecologia, violência contra a mulher, situação dos presídios, como solucionar a inflação e a economia parada, só para citar alguns temas, nem com saca-rolhas. Fica um nhem-nhem-nhem, Pronatec pra lá, Enem pra cá.

Desculpem, mas estou – e sei que muitos aqui por perto estão também – estupefata. Posso quase garantir que o domingo de eleições realmente vai ser um dia de fortes emoções. Não só pelo pau a pau, cabeça a cabeça, mas porque vai ter muita gente que vai preferir ficar dormindo e coçando a barriga, até para amenizar os efeitos do tal horário veranil, do que ir até as urnas. Ou que, se empurrado for até a tal cabina (nunca entendi esse “cabina”) de votação, pode chegar lá e digitar qualquer coisa. Até o número 666.

Devilish_DevilNão, por favor! Senão o Lula volta.

São Paulo, que já está o inferno, 2014. Viva o Halloween.  

Marli Gonçalves é jornalista – Oposição no dia seguinte. Também anotei os verbos que andam super em voga em qualquer coisa que você vá ler: disputar, debater, rebater, contestar, acessar, revelar, investigar, prometer. E protestar!

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ARTIGO – Inverno, Inferno e calafrios.

 Marli Gonçalves

Crescemos com muita gente e toda sorte de pregadores nos ensinando que o Inferno é quentinho, com labaredas, cheio de devassos e fica nas profundezas, nos “lugares baixos” que originaram a palavra. A sensação era – pelo menos até agora- de um lugar bem distante, de desterro, de exílio final total para os maus, masmorra. Mas, então, por que é que toda hora aparece tanta gente vinda de lá só para nos atazanar?

O frio intenso gela os pés, as mãos, e mantém outras pontinhas e extremidades nossas permanentemente eriçadas. Tem dias que não adianta calçar meias, atarracar um gorro na cabeça, usar lã grossa ou tricô. Alguns desses frios a gente sente por causa do inverno; outros porque a gente fica com o coração frio, decepado, por sentir e pressentir tanta maldade entre os homens e por perto. São os calafrios.

Depende da sensibilidade de cada um, e do grau de “treinamento de identificação”. Já passei por tantas e tantas roubadas , mas ainda estou aprendendo a identificar um pouco mais rápido a aproximação de seres sem luz. Mesmo assim preferia já ter terminado esse aprendizado, e com a aula de “como mantê-los lá embaixo com a cabeça apertada” e “como evitar”. Então, nessas, esses seres a que me refiro ainda chegam perto, perto demais. Sinto os calafrios. São finos e arretados, pegam a base da coluna, sobem aqui na nuca e a gente treme, como quem leva um susto.

Assinalo que há diferença marcante entre pessoas-vampiro, encontráveis às dúzias e todos os dias em todos os lugares, e que sugam sua energia, e essas outras , mais cruéis, que vêm do inferno diretamente. Vivendo, posso agora perceber isso mais claramente. As “vampiro”, coitadas, muitas vezes não conhecem nem essa sua própria condição; arrancam energia por onde passam para continuar vivendo – numa espécie de sobrevivência desesperada. Você passa por elas e as encontra nas ruas. Também estão em reuniões de trabalho e em festas. Têm umas que são até famosas nos meios sociais porque vampirizaram suas presas (algumas também bem famosas e conhecidas) até secá-las, em geral com “amor”, em relações estáveis. Há muitos desses vampiros também no mundo empresarial – onde chegam secam flores, ficam as ervas daninhas, estabelece-se a discórdia. Costumam dominar o mercado de alguns setores, agindo com maledicência e dinheiro. Alguns outros, vampiros mais simplórios, conseguem até que os consideremos como amigos, que a gente tenha até vontade de ajudar, em certos casos.

Não é preciso acreditar muito “nessas coisas”, nem ver filmes, seriados de tevê ou livros de ficção para saber que existem sobrenaturais passeando por aí, se alimentando da luz alheia. Todo mundo tem uma história para contar. Do tropeção que levou ao trocar simples olhar, ou do cansaço extremo que acontece após o encontro. Outro dia mesmo me aconteceu, de forma banal. Fui descer do carro e, do outro lado da rua, uma desconhecida parada me passou um olhar tão ruim que senti um baque. Afastei a sensação, mas em seguida fechei a porta do carro no dedão – e não estava distraída, não, senhor. Ao contrário.

Mas descobri uma diferença entre os vampiros e os demônios do inferno quente. Na vida há momentos que essas biscas infernais emergem das trevas, de uma hora para outra. E elas têm planos e objetivos definidos – todos tendo você como vítima – tirar seu sossego, atazanar seus pensamentos, fechar seu sorriso, estancar sua alegria. Não chegam por acaso; premeditam. Pisam bem macio para chegar. E quando você vira, zás, o punhal traiçoeiro atinge suas costas.

Só podem vir desse inferno que digo que existe, reconhecido seja qual for a religião (ou sem uma) – nem que seja em tese ou lenda. Até para nos lembrar e nos ajudar a separar as ações de nosso dia-a-dia, queiramos ou não, e de forma maniqueísta. É essa visão do inferno o que nos dá um tom do que pode e do que não pode. Por isso (ainda) não nos matamos nas ruas, e vinganças nem sempre são levadas a contento, nem quando frias. Há limites.

Lá fora, nesse Hemisfério que habito, está frio.

Mas sinto minha cabeça quente e meu estômago arde, sofrendo com um baque de constatação que o calafrio que senti era real e mais poderoso, com capacidade de me desalojar. Que não era bobeira ou fantasia minha, e que eu tinha visto, sim, esses lampejos do mal em um olhar invejoso, frio. A diferença é que desta vez não foi por uma distração que o ser chegou tão perto. Esse encontro eu não pude evitar.

Escrevo sobre isso por vários motivos. Primeiro, para exorcizar. Xô! Segundo, porque acredito piamente que quando a gente toma consciência cria forças para enfrentar, como São Jorge e o dragão, como Davi e Golias. Já estou com a lança na mão.
Mas especialmente escrevo por obrigação assumida com você, de falar sobre o que encontro e me faz pensar, e que ficou ainda mais clara depois de ler essa frase de Dante Alighieri: “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”.

Eu não sou neutra. Toco a sirene para passar. E ultrapassar. Quero o céu.

Julho, de São Paulo, brrrrr.

(*) Marli Gonçalves é jornalista. Parece que não podemos mais hibernar em paz nem debaixo de nossas cobertas..

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Crescemos com muita gente e toda sorte de pregadores nos ensinando que o Inferno é quentinho, com labaredas, cheio de devassos e fica nas profundezas, nos “lugares baixos” que originaram a palavra. A sensação era – pelo menos até agora- de um lugar bem distante, de desterro, de exílio final total para os maus, masmorra. Mas, então, por que é que toda hora aparece tanta gente vinda de lá só para nos atazanar?

O frio intenso gela os pés, as mãos, e mantém outras pontinhas e extremidades nossas permanentemente eriçadas. Tem dias que não adianta calçar meias, atarracar um gorro na cabeça, usar lã grossa ou tricô. Alguns desses frios a gente sente por causa do inverno; outros porque a gente fica com o coração frio, decepado, por sentir e pressentir tanta maldade entre os homens e por perto. São os calafrios.

Depende da sensibilidade de cada um, e do grau de “treinamento de identificação”. Já passei por tantas e tantas roubadas , mas ainda estou aprendendo a identificar um pouco mais rápido a aproximação de seres sem luz. Mesmo assim preferia já ter terminado esse aprendizado, e com a aula de “como mantê-los lá embaixo com a cabeça apertada” e “como evitar”. Então, nessas, esses seres a que me refiro ainda chegam perto, perto demais. Sinto os calafrios. São finos e arretados, pegam a base da coluna, sobem aqui na nuca e a gente treme, como quem leva um susto.

Assinalo que há diferença marcante entre pessoas-vampiro, encontráveis às dúzias e todos os dias em todos os lugares, e que sugam sua energia, e essas outras , mais cruéis, que vêm do inferno diretamente. Vivendo, posso agora perceber isso mais claramente. As “vampiro”, coitadas, muitas vezes não conhecem nem essa sua própria condição; arrancam energia por onde passam para continuar vivendo – numa espécie de sobrevivência desesperada. Você passa por elas e as encontra nas ruas. Também estão em reuniões de trabalho e em festas. Têm umas que são até famosas nos meios sociais porque vampirizaram suas presas (algumas também bem famosas e conhecidas) até secá-las, em geral com “amor”, em relações estáveis. Há muitos desses vampiros também no mundo empresarial – onde chegam secam flores, ficam as ervas daninhas, estabelece-se a discórdia. Costumam dominar o mercado de alguns setores, agindo com maledicência e dinheiro. Alguns outros, vampiros mais simplórios, conseguem até que os consideremos como amigos, que a gente tenha até vontade de ajudar, em certos casos.

Não é preciso acreditar muito “nessas coisas”, nem ver filmes, seriados de tevê ou livros de ficção para saber que existem sobrenaturais passeando por aí, se alimentando da luz alheia. Todo mundo tem uma história para contar. Do tropeção que levou ao trocar simples olhar, ou do cansaço extremo que acontece após o encontro. Outro dia mesmo me aconteceu, de forma banal. Fui descer do carro e, do outro lado da rua, uma desconhecida parada me passou um olhar tão ruim que senti um baque. Afastei a sensação, mas em seguida fechei a porta do carro no dedão – e não estava distraída, não, senhor. Ao contrário.

Mas descobri uma diferença entre os vampiros e os demônios do inferno quente. Na vida há momentos que essas biscas infernais emergem das trevas, de uma hora para outra. E elas têm planos e objetivos definidos – todos tendo você como vítima – tirar seu sossego, atazanar seus pensamentos, fechar seu sorriso, estancar sua alegria. Não chegam por acaso; premeditam. Pisam bem macio para chegar. E quando você vira, zás, o punhal traiçoeiro atinge suas costas.

Só podem vir desse inferno que digo que existe, reconhecido seja qual for a religião (ou sem uma) – nem que seja em tese ou lenda. Até para nos lembrar e nos ajudar a separar as ações de nosso dia-a-dia, queiramos ou não, e de forma maniqueísta. É essa visão do inferno o que nos dá um tom do que pode e do que não pode. Por isso (ainda) não nos matamos nas ruas, e vinganças nem sempre são levadas a contento, nem quando frias. Há limites.

Lá fora, nesse Hemisfério que habito, está frio.

Mas sinto minha cabeça quente e meu estômago arde, sofrendo com um baque de constatação que o calafrio que senti era real e mais poderoso, com capacidade de me desalojar. Que não era bobeira ou fantasia minha, e que eu tinha visto, sim, esses lampejos do mal em um olhar invejoso, frio. A diferença é que desta vez não foi por uma distração que o ser chegou tão perto. Esse encontro eu não pude evitar.

Escrevo sobre isso por vários motivos. Primeiro, para exorcizar. Xô! Segundo, porque acredito piamente que quando a gente toma consciência cria forças para enfrentar, como São Jorge e o dragão, como Davi e Golias. Já estou com a lança na mão.

Mas especialmente escrevo por obrigação assumida com você, de falar sobre o que encontro e me faz pensar, e que ficou ainda mais clara depois de ler essa frase de Dante Alighieri: “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”.

Eu não sou neutra. Toco a sirene para passar. E ultrapassar. Quero o céu.

Julho, de São Paulo, brrrrr.(*) Marli Gonçalves é jornalista. Parece que não podemos mais hibernar em paz nem debaixo de nossas cobertas..

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