ARTIGO – Devaneios de Mafalda. Por Marli Gonçalves

Um mundo visto no globo todo emendado, machucado, enfaixado e problemático, com aquela menininha de ar rabugento diante dele, pensando, apontando, observando. Mafalda faz cada vez mais sentido, com suas tiradas, em tiras mesmo que, já antigas, continuam absolutamente atuais. Quem hoje, ontem ou sempre, não teve vontade de abrir o berreiro igual a ela? E quem não quis permanecer no tempo?

MAFALDA

O enorme pesar pela morte, esta semana, de Quino, genial criador de Mafalda, de sua turma e de suas lendárias frases, foi um dos temas que valeram parar um pouco para refletir. Inclusive sobre a atualidade dos seus desenhos, uma vez que doente há muito já não os produzia. Quem escreve gostaria sempre que seus textos fossem assim, perenes, não envelhecessem. Que pudessem atravessar o tempo, mostrando que o autor apontava seu olhar sobre os fatos corretamente. Que em cada um estivesse marcada a vitalidade de seus dias, preservando assim uma quase imortalidade.

Pena que seja tão difícil conseguir isso, principalmente em um tempo de tantas transformações digitais, velocidade, de inseguranças, de um dia após o outro ir apagando os próprios rastros – como se ninguém mais lembrasse do que já ocorreu, e sem qualquer romantismo como o daquele do filme onde o namorado todos os dias precisava reconquistar sua amada que dele esquecia ao dormir.

Todas as manhãs nos deparamos com realidades obrigatórias que nos fazem ou repetir ou esquecer até o que já escrevemos, ou até mesmo pedir que esqueçam, tal a frivolidade e rapidez com que se esvanecem, tanto como os amores vividos, as muitas juras eternas largadas no caminho, as  experiências de tempos atrás que recordamos, melancólicos. Lembrar de muitas nos faz até tachados de saudosistas, além de carregar irônica e pesadamente o envelhecer. De que servem?

Essa aceleração contínua não nos tem feito nada bem. Para cronistas como nós que se apegam aos fatos cotidianos para buscar lhes dar mais sentido, e quando possível até alguma poesia, é uma corrida insana. Sofro dela toda sexta-feira quando, em geral, busco um assunto para conversarmos. Quanto tempo vai durar?

A primeira ideia é sempre procurar algo positivo, que possa transmitir algum otimismo. Nem preciso dizer a dificuldade de encontrar tais fatos nos últimos tempos que nos tem trazido tantos dissabores, dúvidas, medos. Você olha, por exemplo, para a política e o que ela tem provocado, que descrevo como erosão de cérebros e de razão, além de retrocessos inaceitáveis – mas como protestar diante de tanta ignorância e no atual isolamento que nos é imposto em prol da vida?

Sou jornalista, vivo de acompanhar fatos, mas juro que também não aguento mais ler e ouvir comentaristas se repetindo. A melhor crítica, como vemos em Mafalda, ainda vem de programas de humor, eles podem literalmente escrachar situações e assim as mostram para um público mais amplo, o sonho de todo escritor, ir longe atrás de seus leitores, e que estes estejam em todos os cantos onde nem imagina.

Nesse campo da política é fácil fazer sucesso, acredite. Busque um lado, seja grosso, xingue, arrume tretas com Deus e o mundo. Mas para tanto precisa ter costas bem largas, patrocínios, proteção jurídica, o que não é bem o caso aqui no meu pedaço.

Sendo assim, caro leitor, cara leitora, hoje peço vênia apenas para o entendimento de minha perplexidade contínua. Dá vontade de escrever só contando casos que vi. Ou os casos que vivi. Sim, interessantes, mas talvez precisem mesmo esperar um pouco mais para não causar entre os personagens que envolvem. Dá vontade de escrever, claro, e até faço isso de vez em quando, sobre política, sobre esse governo desconexo, com seu conservadorismo burro e que, este sim, deixará marchas na história por longos tempos. Mas fazer isso sem tirar muito sarro deles, é chover no molhado – e eles estão no Poder. Queimando o que podem.

Vou precisar bater um bom papo qualquer hora com alguns amigos que resistem em seus espaços– como Ruy Castro ou o já imortal Ignácio de Loyola Brandão, e que conseguem inspirações de onde menos se espera, e com tanta classe e dignidade.

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MARLI GONÇALVES

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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ARTIGO – Tendências para a próxima estação. Por Marli Gonçalves

Fique por dentro. Vai fazer frio, vai fazer calor. Entenda isso também para o clima geral que impera na Nação, agora em dúvida real sobre o que será melhor. Passaremos mais uma estação querendo hibernar, ficar debaixo das cobertas, dormindo e acreditando que só pode ser pesadelo tudo isso

Faltam alguns dias para o inicio oficial do inverno 2017, mas ele já se desenha decisivo e em uma partida com os jogadores definidos, escalados. (Nós somos os escaldados). É um jogo novo no qual se engalfinham Três Poderes que avançam simultaneamente, em paralelo, cada um com as cartas que tem em mãos, e só se encontrarão no final da História – os que sobreviverem a este inverno – para a decisão final. Que poderá ser nossa Primavera, embora sinceramente pouco acredite nisso.

Inverno que se prenuncia quente. Escrevo agora ouvindo notícias de ataques, bombas, explosões, facadas, mais uma vez na Inglaterra, mais uma vez no coração de Londres. Mais uma vez retalhando o rosto do mundo, sempre ferido, porque onipresente em todos os atos de barbárie. E eles têm se acelerado de forma atroz, das mais variadas formas e atacando espíritos jovens e desprovidos de sentimentos de remorso que, solitários, dão suas pobres vidas para ser explodidos levando inocentes com eles. Tem também o Diabo Loiro em ação defendendo seus gases; o menino coreano e seus foguetes; os lugares todos onde vidas valem muito menos que bananas, aqui e lá.

Escrevo de São Paulo antes de um showmício marcado para um domingo de Sol que, para clamar por Diretas Já e #foraTemer vai novamente trazer artistas ao palco para tentar atrair alguma multidão, ideia repetida em um tempo que já não é mais o de outrora. Desta vez foram chamados por mais de 30 blocos… de carnaval! Quer coisa mais Brasil?

Embora admito já estar vendo esforços, de novo, já esteja até ouvindo aqui e ali clamores por união. Ouviremos muito falar em esquecer desavenças e eventos suprapartidários nesse inverno. Começam a acontecer. Me pergunto muito porque não consigo acreditar neles? Farejo uma insinceridade de propósitos. Uma falsidade nesses abraços.

Não, não sei qual a melhor opção. Outra tendência desses próximos dias será aproveitá-los para tentar chegar a alguma conclusão sobre isso. Aliás, creio que só depois dela, de alguma conclusão, as ruas assistirão novamente a grandes movimentos. No momento está todo mundo muito aturdido. Fomos roubados, ludibriados, usados, enganados. Em todas as ideologias e direções. Não sobrou um, mermão!

As cores da estação? A ausência. Intuo que deverá ser o branco, se é que se admite que a Paz ainda por ele seja representada. O vermelho tentará se infiltrar e torço para que não seja em sangue derramado que ele apareça.

A discrepância continuará forte nessa estação, com o país à deriva. Sem planejamento, as medidas não são anunciadas; são jogadas do alto dos gabinetes. Campanhas tentarão nos convencer de que o pior já passou e a gente escuta isso enquanto se defende das mordidas nas canelas.

Eles nunca decidem, e quando o fazem são desastrosos: mudam de cá para lá e de lá para cá os problemas. Para tudo usam força militar, policial.

Se sobra vacina, mandam que todos a tomem, para que a incompetência de suas sobras pareça menor. O dinheiro vivo é achado em armários e sai às ruas em malas e mochilas. Trocam seis por meia dúzia sem constrangimento, e conseguem piorar o que ninguém mais acreditaria ser possível. Vejo os olhinhos juntos do novo Ministro e me assusto com a prepotência de suas primeiras respostas e propostas.

Choques serão inevitáveis nesse inverno. As nossas originais tomadas de três pinos, exclusividade nacional, estarão ligadas em alta voltagem nas danças dessas quadrilhas, na cara-de-pau-de-sebo e nos balões de ensaio pela salvação que soltarão aos céus.

Seja o que Deus quiser.

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marli n a gabiMarli Gonçalves, jornalista Fechando mais um ano, você me dirá Feliz Aniversário! Obrigada. Mas me diga como é que se pode viver feliz nesse mundo? – pergunto com certa cara de menina Mafalda diante do que não gostaria de estar vendo.

Brasil, na fogueira, 2017

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