ARTIGO – Sobre o medo, bruxas e cozinheiros. Por Marli Gonçalves

brujanueva3  Seria bem bom se tivéssemos alguns poderes mágicos que nos dessem condição de mudar o mundo, ou ao menos controlar alguns de seus detalhes sórdidos. Crescemos sonhando com a magia, nas histórias que ouvimos, nos livros que lemos. Nas fábulas que acabamos depois vivendo de verdade quando adultos, lembrando daqueles bichos que falavam e que eram os seus personagens. Tudo feito, de um lado, para nos incutir o medo e o respeito ao limite; mas é esse medo que acaba nos tornando dependentestumblr_lqru9m6njS1qh59n0o4_250

Pode ser um esconderijo interessante para esses tempos difíceis. Rever alguns dos ensinamentos de nossos livros infantis, onde sempre existe alguma conclusão embutida, a tal moral da história – moral da história, vejam só. Quando um não quer, dois não brigam. Quando dois brigam, um terceiro tira proveito.

Sempre também nos contaram histórias aterrorizantes, embora muitas vezes sua carinha fosse doce e meiga, parecendo inofensivas. Não é cruel o diálogo da formiga e da cigarra? Não é triste imaginar a desilusão da tal menina do leite diante da jarra despedaçada?

Ah, não se lê mais fábulas para as crianças? Nem La Fontaine, Esopo? Elas agora vivem só de princesinhas patricinhas com seus enormes guarda-roupas e caixas de maquiagem? E os meninos? De heróis musculosos com roupas colantes ou seminus e viris? Ou aqueles de videogames que estão sempre desferindo golpes mortais e pulando obstáculos?

Como hoje se prepara uma pessoinha para a vida? Sem a sovinice do Tio Patinhas, sem a generosidade do Riquinho, o loiro garoto milionário meio socialista. Sem os trambiques da magra Maga Patalógica e da estrambelhada descabelada Madame Min, com suas sopas de asas de morcego, aranhas e pernas de sapos, que ambas mexiam e remexiam em seus caldeirões fumegantes.

Atualmente coelho não sai mais de cartola, nem pombo fica dando mole por aí. Podem virar iguarias cozidas em outras paradas. Pois sobre esses caldeirões tenho reparado muito nessa enxurrada de programas de culinária, por exemplo. Já me chamava a atenção o número de homens ligados em cozinha. Encontro e vejo muitos na feira mostrando suas habilidades para fazer compras, discutindo detalhes nas barracas com os comerciantes, coisa que não imaginava de forma alguma ver há alguns anos. Gastam muito, mais em suprimentos e em utensílios. Usam avental. Dali, emergem “panelinhas”- que falar em pratos pode ser desconsideração com os “chiquês” (chiliques também) deles.

Crianças se enfrentam em campeonatos, e os marmanjos em casa ficam postando suas piores fantasias. Na minha época não podia chegar nem perto do fogão, quanto mais poderia de um torneio sob mais pressão que a válvula da panela; era como se houvesse uma muralha que me mantivesse distante e a qualquer criança pelo menos a cinco metros dele. Minha mãe tinha um trauma: quando era pequena lá no interior de Minas teve uma amiga que virou uma chaleira de água fervente em cima de si própria; sobreviveu, mas pelo tanto que minha mãe sofria em lembrar creio que ficou realmente monstruosa.

Tudo isso para dizer que ando pensando se as pessoas não estão tanto nas cozinhas em busca de criar o elixir da vida, a poção da imortalidade, o néctar dos deuses, e extraem essa mágica nos pratos que fazem diante de plateias e torcidas. Vencendo limites.

Outros buscam nos esportes radicais o seu encontro particular com a morte. E há os que flertam com ela dia e noite em atitudes.

São as novas caras da morte. As das fantasias bonitas que vão aparecer nas inúmeras festas de Dia das Bruxas que também se comemora por aqui; são as cores vivas da festa mexicana que esse ano quase que um furacão com nome de mulher tornou ainda mais dramáticas.

É também esse bang-bang que enfrentamos nas grandes cidades, que nos fazem temer e tremer, nos afastando das ruas, assustados com qualquer estampido que pode selar nossas vidas.

São Paulo, sem moral nessa história, 2015

bruxa148MARLI GONÇALVES, JORNALISTA – Entre escolher doces ou travessuras, pode ficar com os dois?

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ARTIGO – A ilusionista e a corda bamba. Por Marli Gonçalves

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O pior é que essa nossa artista não é nem um pouco competente no setor e o truque se volta para a própria; quem se ilude é ela pensando que nos iludiu e que está tudo certo, arranjado, decidido, controlado, contornado. Até as ordens que dá crê estarem sendo cumpridas. Este circo está na lona.mago-e-ilusionista-imagen-animada-0009

Adivinha. Não se engana a realidade. Resultado: foi parar na corda bamba. Outra imagem seria dizer que a ilusionista está no ringue, nas cordas, onde um adversário encurrala o outro até o nocaute ou o soar salvador do fim do round. De qualquer forma, ambas as cordas tremem; uma bamba, a que pode fazer cair de lá de cima; outra, para onde está sendo levada, perdida, cercada e subjugada pelo adversário. Na verdade, um monte de adversários que brotam da terra que ela planta com total inabilidade. Parece que está mesmo todo mundo querendo desmascará-la, tirar uma casquinha, dar um sopapo, acertar alguma conta, apertar um certo pescoço, descontar alguma desfeita ou vendeta.

Era uma vez um país que vive um momento muito confuso, parece até que está em um muito longo inferno astral, aquele período amargo que antecede o aniversário – e está mesmo, já que comemora 515 aninhos agora, dia 22. Bateu um ventinho que está dissipando a areia que a ilusionista e seu grupo de mágicos jogaram nos olhos da população, que acorda num pesadelo e tanto, com a inflação latindo e correndo atrás dos calcanhares, economia parada e um mar revolto sacudindo a caravela. Uma terra na tanga com as partes à mostra, e com todas as mágicas que faz tempo estavam sendo feitas, os truques, falhando e sendo revelados a uma plateia atônita e neste momento muito brava, indócil, pedindo o dinheiro de volta.

Andamos em tempo de jogo de espelhos e ilusões, com vestidos azuis que podem ser dourados e gatos que ninguém sabe se estão subindo ou descendo a escada. Juízes com leis próprias. Panos sendo levantados e mostrando que cobriam buracos imensos, enormes labirintos de sucção de recursos públicos.

Esse é o momento do país da ilusionista. Nos centros de poder, ratos saem de caixas, em vez de coelhos saírem das cartolas. Cobras botam as manguinhas de fora, nem precisam mais de encantadores. Seus botes são precisos na direção das pombas brancas da paz e liberdade, escondidas acuadas nas mangas, com as cartas, os lenços, e suas cores de arco-íris. Tentativas brutais de retrocesso nos costumes que, ainda crianças imberbes no berçário atrasado, tentam caminhar em direção ao futuro, mas são obrigadas a tropeçar na escuridão da religião, dos dogmas, das proibições, da hipocrisia social.

Os que protestam também se dividem, como aquele serrote que corta a caixa onde a assistente esperneia. Essa assistente acorrentada nos representa – somos muitos de nós, também colados na parede, paralisados, esperando que aquelas facas que arremessam em nossa direção não nos atinjam e dependentes da presteza do atiradores escolhidos sabe-se lá de onde pela prestidigitadora chefe, e que vivem com as mãos tremendo.

2007bO ilusionismo é uma arte que deveria ser respeitada. Diferente do que poderemos classificar como compulsão – as mentiras constantes, tão constantes e tão mentiras que acabam virando a verdade para quem as cria. Assim podemos entender vários fatos recentes, tais como a conta da luz que baixou subindo, o crescimento que encolheu, as economias que gastam mais, as rigorosas investigações que não dão em nada, as ordens para não usarem mais aviões que continuam sendo usados, as críticas que na verdade eram elogios conforme se quis ouvir, os cortes que serão feitos e que cada dia os gastos aumentam. A Pátria Educadora sem escolas. A total transparência de dados que nunca podem ser vistos, como o uso de cartões, ou os contratos para construção de pontes que ligam o nada a lugar nenhum (e que, aliás, nem construídas são, apenas pagas). Exemplos não faltam.

Já que estamos nesse plano teatral e mágico, abrem-se as cortinas e entram os al(k)quimistas, aqueles que não vão racionar a água que é racionada com diversos horários, aqueles que dizem que não há greve de professores e aproveitam para pedir aos pais que não levem os filhos às escolas para que não vejam a greve que não há. Aqueles que não estão chegando, esses.

Para completar o circo, faltava – mas não falta mais – aparecer o homem barbado, o domador de pês, emes, debês e outras feras, além do pequeno aprendiz que decorou um truque de abrir ciclovias e não para de repetir o feito, apontando sua varinha de tinta vermelha para tudo quando é chão. Penso que a holografia possa ser usada no caso, criando também hordas de ciclistas.newman8_e0

Quando eu estalar o dedo, você sai desse estado hipnótico e cai na real. Combinado?

Agora, fica aí se perguntando qual seria o seu papel neste picadeiro. E essa bolinha vermelha no seu nariz?

 São Paulo, 2015hipnose
Marli Gonçalves é jornalista – – Acontece que a gente vai ter, mais cedo ou mais tarde, de trocar essa trupe. Faltam bons candidatos, gente que seja de circo, como diz aquela velha expressão popular. Equilibristas estão sobrando, porque aprendemos rápido.

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