ARTIGO – Fevereiro ferve. Por Marli Gonçalves

Olha aí. Já chegou. Fevereiro. Quando a gente olha adiante já sente até o seu calor, e não é só do verão, que tentamos a todo custo retomar e reviver depois desses anos de pandemia, perdas e horrores. Vai ter forçação de barra, sim, para que o Carnaval se sobreponha, que a alegria se espalhe, e por aí vai. Eis o temor.

FEVEREIRO - CARNAVAL

O Carnaval de 1919 após o fim da pandemia no começo do século passado entrou para a História. Era a praga da gripe espanhola que estudiosos calculam ter matado cerca de 35 mil pessoas no Brasil (e 50 milhões no mundo inteiro). Era, como hoje, um clima de fim do mundo, porque, claro, ainda havia dúvidas: acabou mesmo? Ainda podemos morrer?

A história e as farsas, bem sabem, se repetem. A Covid, desde 2020, e em números oficiais, matou até agora – só aqui – quase 700 mil pessoas, cerca de 15 milhões no mundo, onde nos inserimos tão fortemente logo nessa hora, maldita globalização! E não parou ainda não. A média de mortes nos últimos sete dias anteriores a agora quando escrevo foi de 131 mortes/dia, no Brasil. Chamam isso de estabilidade. Tudo bem, tudo bom, que a situação parece mais controlada, embora ainda haja a burra resistência de alguns milhões à vacina, incerteza sobre novas cepas e sua capacidade de transmissão.

Mas vamos para a festa, porque precisamos dela. Não só por conta da doença mais “estável” (vejam bem, estável), mas porque merecemos alegria – temos vivido meses bastante intranquilos, e em âmbito nacional e internacional, seja pela política,  pela(s) guerra(s), pelas visíveis alterações climáticas e desequilíbrio da natureza, pelas incertezas econômicas, que problemas não faltaram. E especialmente porque estamos como náufragos saindo desses tempos com nossa saúde mental alterada, com os nossos corpos alterados, assim como muitos costumes. Todos fomos de alguma forma marcados a ferro e fogo por esse período. E o Carnaval de 2023 deve passar à História, falta saber como, se será legal, positivo. Ou…

A guerra continua. As cada vez mais fortes e estranhas transformações ambientais também. Fora, por aqui, as estranhas e esquisitas manifestações golpistas, uma turma envolvida no verde e amarelo que acredita só no que quer, parecendo ter sido juntada por disparates, sem ver um palmo à frente. Ainda incapazes de perceber que quem não é “deles” pode mesmo não ser do “outro”, esse lado que tanto odeiam, e muitos nem sabem explicar por causa do quê. Incapazes de reconhecer qualquer realidade, nem mesmo a dos índios que vemos sucumbir diante de nossos olhos em imagens ao vivo, mas que juram ainda serem mentira, feitas em outros países. E, vejam, há muitos dessa turma sendo caçados diariamente pela Polícia Federal depois da invasão em Brasília no dia 8 de janeiro, e o que vem servindo para atrasar ainda mais o expediente da volta à alguma normalidade.

Por outro lado, há de se registrar, a bem da verdade, que o “outro”, o novo Governo, que embora novo já seja também nosso velho conhecido, está ainda encalacrado demais, patinando e escorregando nesse primeiro mês, perdendo desnecessárias batalhas de comunicação, com umas bocas que falam mais do que a língua alcança,  infinidade de decretos e muitas ideias de jerico, que não vão dar em nada, mas causam ruídos e maremotos consideráveis.  Repetindo erros, velhas cantilenas, simulando revanches ao mesmo tempo que mantém aqui e ali as mesmas discutíveis alianças e métodos de outrora.

No Carnaval – que aliás já começa a se mostrar que, convenhamos, só quatro dias é pouco, tem de começar antes – esqueceremos tudo, aí todo mundo se juntará, pelo menos espero, e que seja em paz.

Fevereiro tem muito a acontecer, além da festa para Iemanjá, o verdadeiro Dia dos Namorados, tem até Dia do Comediante. Dia 28 é o Dia da Ressaca, sabia?

Ali já começaremos a sentir até os marcos de março. É pau, é pedra.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – As agulhas de março. Marli Gonçalves

É tanta vontade de ser vacinada que até já sinto a penetração daquela agulha fina e enooorme – que diuturnamente vemos furando especialmente braços de velhinhos, mostrada nos noticiários – em meu braço esquerdo. Já até pensei em desenhar com caneta um alvo ali. Mas, março chegando e a confusão instalada me deixa apenas tamborilando os dedos à espera da vez, e essa vez toda hora muda.

Pois bem, março chegando, e já um ano dessa pandemia que desorganizou mundialmente nossas vidas, planos, instalando o medo da loteria macabra que atingiu – e isso só contando oficialmente, veja bem – mais de dez milhões de brasileiros, e se aproximando de 250 mil vidas perdidas. O estranho é que ainda fica a sensação de que, para quem é dado agir o mais rapidamente possível, parece que quem morreu não importa em nada; e que quem morrerá até que se consiga algum controle, e são milhares, não importará. “Eles” vão continuar com as suas brigas, turras, negações, politicagem, ignorância, apostas vis, desrespeito e ações criminosas.

Querem mais sacanagem do que as criminosas vacinas de vento, quando as agulhas furam e nada inoculam? Que obriga a que as simpáticas fotos e filmagens que estavam sendo feitas dos idosos felizes agora sejam mais atentas e foquem especificamente as seringas, documentando se nelas há o líquido tão aguardado? Querem mais sacanagem do que deixar velhinhos ao Sol em longas filas durante horas para lhes dizerem na porta dos postos que a vacinação foi paralisada porque acabaram?  Querem mais sacanagem do que ainda aturarmos um ministério e um ministro incompetente, as mentiras, a falta de organização, as mudanças no plano de imunização, e as filas de prioridades sendo diariamente furadas, com várias pessoas e “categorias” entrando na frente, vindas pelo acostamento? Calendários divulgados em um dia e jogados fora em outros.

As agulhas de março nos trazem águas de muitas lágrimas. À esta altura, pouco mais de 3% da população imunizada,  com a primeira dose, e ainda apenas com duas opções, a CoronaVac, do Butantan e a vacina AstraZeneca,  da Fiocruz, que reeditam a velha guerra entre São Paulo e Rio de Janeiro, e que nos fazem esperar chegar nos aeroportos aviões vindos de muito longe trazendo seus pedaços para que sejam aqui fabricadas, além de alguns pacotes com poucas doses prontas. Ainda por cima convivendo com as dúvidas que vem sendo interpostas sobre suas capacidades de conter as violentas novas cepas, e sobre suas eficácias em determinados grupos.

Nossos passos estão sendo, não sobre agulhas, mas sobre alfinetes pontiagudos, porque é cada vez maior a sensação de impotência, de tomar tapas no rosto, sem ter nem mais para que outro lado virar, fatos sobrepujando outros fatos. E ter de ver os rostos dos culpados, os mesmos, acrescidos ainda de outros piores, que ainda ameaçam nosso maior bem, a liberdade, como se a eles fosse dado esse direito, e tirados todos os deveres que um dia juraram cumprir.

Nas ruas, a miséria, o poço das classes sociais sendo cavado mais rápido e fortemente do que as covas rasas onde atônitos enterramos nossos amigos, parentes, sonhos, amores e esperanças. As espetadas atingem nossos sentimentos.

Agulhas são usadas para costurar, unir, penetrar nos tecidos para a criação de novas coisas, remendos de coisas mais antigas, costurar buracos.

As agulhas das vacinas perfuram nossos corpos com a esperança de volta de alguma normalidade. Mas esta volta – assim como o surgimento de um líder de verdade – está sendo como procurar agulhas no palheiro.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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