ARTIGO – Utopias, Distopias. Realidade. Por Marli Gonçalves

“O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável”.

[John Stuart Mill, 1868, em discurso no parlamento britânico]

 Que será de nosso futuro? Poderemos continuar sonhando os nossos sonhos ou seremos ainda testemunhas de horrores sem fim? O mundo todo se vê diante desse dilema. E são seriados de tevê que batem os sinos do perigo para acordar nossas mentes, em ficções que, mais do que científicas, são políticas. Já assistiu The Handmaid’s Tale (O Conto da Aia)? Pois fiquei apavorada com a clareza do seu recado, descrito como uma distopia.

Você também sabe e deve ter ouvido por aí. Verdade. Foi notícia. Já soube de mulheres apedrejadas até a morte? De outras que tiveram o clitóris extraído para inibir o prazer? De locais onde mulheres são obrigadas a gerar filhos, mesmo sem querer? Lugares onde só se toleram os padrões de gênero convencionais, e que penalizam com prisão e morte quem ousa o espelho? Sei que há quem pense que se armar é a solução. E que no mundo todo existe muita gente que escarafuncha na religião e na Bíblia até achar algum desígnio ou versículo que justifique qualquer de seus atos violentos.

Há quem queira uma sociedade organizada por líderes sedentos de poder, propondo sim um novo governo, mas militarizado, hierárquico, não laico e no qual as mulheres parecem ser vistas ou como erros ou como ideais para formar família com papai. Menino, menina. Rosa. Azul.

Já se chama Realidade.

Então é isso a distopia? Na definição: “lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; representação ou descrição de uma organização social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual”.

As aias da série baseada em romance escrito em 1985 pela canadense Margaret Atwood têm os olhos marejados com olheiras profundas que em si falam de uma tristeza universal. Andam em pares, sempre uniformizadas em candentes e longas vestes vermelhas. Um chapéu-touca branco, engomado, oculta os seus rostos e cabelos. Observadas por soldados fortemente armados vestidos de negro saem apenas quando mandam ou para fazer compras em lugares assépticos. “Aos seus Olhos”, como se homens pudessem ser os olhos de Deus.

Uma vez por mês, em seu período fértil, são encaixadas entre as coxas de suas senhoras que lhes seguram as mãos enquanto assistem silenciosas ao que chamam “Cerimônia”. As pernas das aias são abertas e elas estupradas até que fiquem grávidas. Então, por nove meses as tratam bem, depois as jogam fora. Ainda estão vivas, aliás, apenas porque são férteis. Ali são obrigadas a ter filhos, que logo lhes são retirados, e aí seu futuro fica ainda mais incerto. Se não o fossem, já teriam sido mortas ou logo morreriam em colônias de trabalho forçado e tóxico, o destino das infiéis, ou que tenham feito qualquer coisa não aprovada em sua vida anterior. A que tinham antes dessa “revolução”, ou golpe, que matou e mata ou tortura sem dó. Em nome do Senhor

Chama-se República de Gilead essa sociedade retratada na série. Em um futuro que não parece distante – porque há detalhes que neles nos reconhecemos – um grupo cristão fundamentalista toma o poder nos EUA e lá estabelece esse terrível e cruel regime totalitário. Embora texto escrito há mais de 30 anos aponta para o mundo onde já estamos de certa forma plantados.

Por que é que eu estou falando disso? Achei que talvez fosse bom sugerir que assista antes da eleição. Procure. Quem tem NET, no Now e na Paramount. É de uma beleza emocionante, não por menos tem ganhado vários prêmios. Está na terceira temporada (aqui, ainda na segunda). Sem spoiler. Não sei ainda no que vai dar, estou muito curiosa e ansiosa para saber. Igual a nós todos aqui por esses dias.

The Handmaid`s Tale vale – principalmente para as mulheres – uma reflexão e tanto, muito além de nossas utopias ou de distopias. Muito real. Já vimos algumas partes desse filme. E dessas guerras.

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Marli Gonçalves, jornalista – Gostei de escrever sobre um seriado de tevê. Mas não consegui deixar de pensar nos paralelos.

marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br

Brasil, 1,2,3…Era uma vez…

Achei uma linda foto da moralista Cristiane Brasil, a que quer fazer lei para regular roupas das outras mulheres. Veja só, a bisca é ousada. ( Em querer regular decote e minisaia, muito ousada!)

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PAULA SANTOS E NOSSA MORALISTA CRISTIANE BRASIL, QUE QUER REGULAR ROUPAS DAS OUTRAS

É verdade. Tadinha de nós, mulheres. Com tantas mulheres concorrendo, ninguém fala o que vai fazer por nossas causas

fonte: nota da coluna arquivo confidencial – AZIZ AHMED – O POVO /RJ

Uma verdadeira saia justa

femaleSaia justa é isso que vou contar: o Brasil tem 74,4 milhões de eleitoras, 52% do total e, pela primeira vez, três mulheres disputam a Presidência da República: Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro. Agora, a menos de um mês das eleições, movimentos e entidades feministas, mais blogs assinados por conhecidas figuras femininas, estão reclamando que, malgrado essa inédita situação, nenhuma delas até agora apresentou uma só proposta a favor da classe das saias, seja no emprego, violência doméstica, desigualdades, restrição de direitos sexuais ou de reprodução.

Pior: não há sinal de que, pelos menos, façam alguma proposta.

ARTIGO – Precaução, caldo de galinha e bola nas costas. Por Marli Gonçalves

voleurbroke_man_with_empty_pockets_md_clrPelas ruas veremos grupos de atônitos estrangeiros, andando com uma corda amarrada entre si ou de mãos dadas. Talvez com capacetes, uma roupa isolante, coletes à prova de bala, um escafandro? Luvas nas mãos. O álcool em gel numa moringa presa ao pescoço. Só gostaria de fazer uma pergunta, depois de ler atentamente as recomendações que os governos de vários países estão dando aos incautos que vierem à Copa do Mundo

Você viria?

Vou fazer um resumo das recomendações dadas pelos gringos aos gringos que se atreverem a chegar nesse país aborígine, cheio de macacos, bananas e perigos insondáveis: não compre camisinhas por aqui; aliás, nem remédios, porque devem ser falsificados. Não leve prostitutas ou prostitutos para o hotel, que pode ser perigoso. Não diga! Não se hospede em andar baixo, tipo primeiro andar, de lugar nenhum. Não desgrude o olho de sua bebida, para não virar, literalmente, Cinderela, e ainda porque do jeito que as coisas estão caras seus bons drinques valerão ouro durante a Copa. Cuida do dinheiro, cabeça, corpo, membros (todos!), cartões de crédito, chinelos, bonés e óculos de sol. Não bebam água. Não encostem o bumbum na privada.

voleurAndem sempre em grupos, e cada um de vocês carregue sempre duas bolsas – uma é para o inevitável ladrão. Ah, também há o risco de raptos e sequestros e, saiba, gringo, que os criminosos daqui são violentos, surpresa! Não deixe nada à mostra, nem câmeras, nem relógios, nem joias. Nem mostre a pele, porque talvez achem que nós, brasileiros, somos todos meio tarados. E somos.

Tranque as portas e as janelas. Como somos meio símios costumamos escalar grandes alturas sem problemas.

girl_cop_chasing_thiefNão participe de protestos, manifestações. Tem muita gente e é perigoso. Inclusive, se puder evitar ir aos estádios, evite logo – lá também vai ter muita gente e pode sair confusão. Sabe como é, né? Um monte de estrangeiros de nações que se odeiam… Uma dica: carregue outra moringa pendurada no pescoço, com vinagre, que a nossa violenta polícia costuma usar gases para conter tumultos. Mas isso também pode ser útil depois de vocês comerem nossa feijoada, ou uma moqueca quente. Riscar o fósforo também ajuda.

Só peguem táxis, e que estejam na porta dos hotéis. Não perguntem, não se façam de bobos, não mostrem que são de fora – um perigo andar de bobeira nas ruas. Nós, os brasileiros, podemos atacar a qualquer momento. Não relaxem! Olha a cobra!Travel_purse

Não relaxem com sua bolsas, malas, malinhas, frasqueiras, nem com suas mulheres, namorados, bofes ou assemelhados – brasileiros são meio priápicos e podem sumir com eles para alguma praia da Bahia, tipo Trancoso, onde várias e vários desses espécimes perdidos podem ser encontrados depois dando muito para os pescadores. Assim, repetimos, não peçam ajuda. Pode aparecer alguém a fim de dar.Tourist

“Ladrões” brasileiros em hotéis e restaurantes, os batedores de carteira, as estradas de má qualidade, o transporte público clandestino, o trânsito pesado, entre outras coisas, alguns dos alertas que os estrangeiros que virão de países que até agora eu considerava mais civilizados receberam; tipo Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Como se eles não tivessem problemas.

Outra coisa que está nesses alertas: nós, brasileiros, costumamos roubar o troco, tiramos pirulitos de crianças, roubamos a bola no meio do jogo, passamos a perna em vocês e empinamos papagaios.

journaux011E os outros perigos? Só de dengue, temos quatro tipos em franca circulação. Temos frieiras, chulé, sarampo, catapora, gripe, coceiras em geral, como sarnas. Assim, cuidado com nossos cachorros, gatos, aves, e – não esqueçam – macacos! Quer saber mais? Melhor esquecer os jogos realizados em Manaus. Lá é muito quente e perto da floresta de onde podem surgir até uns bois da cara preta que não gostam de gente de fora. Isso, claro, sem contar com os índios ainda não contatados que poderão querer contatar justo agora.

Quer saber? Melhor desistir de ir pro Rio também. Não vai ser bom andar na praia, nem visitar pontos turísticos e muito menos fazer graça e ir sambar ou funkar nos morros e favelflasheras. Estrangeiros: decorem essas letras, CV e PCC; suma onde elas estiverem marcadas. Enfim, pensando bem, também é melhor cortar São Paulo da lista. Tem uns manos por lá.

carnaval14Cuiabá é quente, a Bahia é lerda. Ceará? Antes de ir aos jogos verifique se o estádio está lá no local. Pernambuco? Atenção, tubarões e refinarias superfaturadas!

E os cremes? Protetor solar, desinfetante, repelentes. Mosquiteiros! Não tente comprar drogas – elas podem estar malhadas. Prefira vendê-las, talvez lucre mais.

royalty-free-robber-clipart-illustration-1088419Enfim, que povo horrível somos nós! Mordemos, roubamos, mastigamos, fornicamos, envenenamos. Ultimamente também amarramos em postes e soltamos buscapés. A própria FIFA, oficialmente, alertou que, entre outras coisas, não cumprimos horários, gostamos de apertar e chegar bem perto, bem suados, beijamos muuuuuuuito. Comemos muita carne nos rodízios, falamos português, não gostamos que nos confundam com argentinos, furamos fila, e a mulherada dá mole, mas não é bem assim.

Mas um dos alertas que fizeram é realmente importante: “No Brasil, as coisas são geralmente feitas no último minuto e, se existe alguma coisa que todos os turistas devem se lembrar, é: não perca a paciência e mantenha os nervos calmos (…) (…) a filosofia de vida dos brasileiros pode ser resumida com a seguinte frase: “relaxa e aproveita” (“relax and enjoy”)”. Uma ode à nossa Marta Suplicy. Mas notem bem: só se vocês, gringos, trouxerem as camisinhas…

Deixamos mesmo tudo para a última hora. Inclusive, para compensar o nosso complexo de vira-latas, só mesmo ganhando essa Copa na última hora. Para poder responder em alto e bom tom para quem chegar se achando por cima da carne seca, com graça para o nosso lado: precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Tomem bastante Chicken broth, De bouillon de poulet, Hühnerbrühe, Caldo de pollo.

São Paulo, onde fica o Itaquerão, e onde começará o show/dramatourist_kameraMarli Gonçalves é jornalista Nem eu sabia que o Brasil era tão ruim assim. Já pensou se os estrangeiros souberem mesmo como as coisas se passam por aqui? Alguém avisa para eles que também vai ter muito mais gente aqui do Terceiro Mundo?

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