ARTIGO – Laços de amizade. Por Marli Gonçalves

Sei, sei sim, Laços de Amizade, parece nome de novela mexicana, mas qual novela ultimamente que não é mesmo meio misto de mexicana, paraguaia, “guatemalteca” e afins?  A que termina essa semana, Lugar ao Sol, chega a ser surpreendente nisso – e não se trata de realismo fantástico, mas de como os assuntos se entrelaçam e são finalizados na maçaroca, na pancada, igual querem fazer com a pandemia

laços de amizade

Sempre tem um acidente de avião ou helicóptero que mata um, dois ou mais personagens, e como dali não sobra nada, nem precisa ser mostrado – economia boa de recursos; tem  a mãe que não é mãe, o pai que não é pai, muito menos o filho é filho, e suas variações; idas e voltas amorosas, casamentos, e revelações, muitas revelações,  como se os espectadores fossem todos obtusos e ficassem sempre aguardando as redenções, o maniqueísmo do bem e do mal, o expurgo das culpas. O cansaço dessa fórmula talvez demonstre a causa e o crescimento da loucura por seriados gringos e seus roteiros mais sofisticados.

Mas quero tratar da realidade, dos laços de amizade reais. Laços grandes, pequenos, médios, apertados ou frouxos, mas laços. De como é bom ter alguém para chamar de amigo ou amiga, tantas vezes laços maiores do que os mantidos com os próprios familiares. Com o advento das redes sociais, no entanto, o sentido da palavra amigo se modificou, ficou mais aberto. Temos milhares de amigos, que aceitamos, mas não conhecemos e, na maioria dos casos nunca conheceremos pessoalmente, mesmo que alguns até bem gostaríamos. Tenho seguidores, leitores, por exemplo, dos quais sei muito, fatos íntimos, converso e troco ideias, mas que de repente podem passar ao meu lado na rua sem que nos reconheçamos. Há, de qualquer forma, um bonito tipo de sentimento envolvido na relação. Oi, amigo!

Só que nada como o real. As pessoas que conhecemos, admiramos, com as quais percorremos alguns trechos da vida, com lembranças, aprontos, muitas vezes até atritos nos pensamentos discordantes um dia, mas resolvidos. Com essas pessoas nos preocupamos, ficamos apreensivos quando – mesmo que talvez distantes, e andamos um bom tempo distantes de tantas coisas! – delas não temos boas notícias. O que tem se tornado comum, inclusive, situações e desfechos alardeados via redes sociais. O Facebook tem dia que mais parece um obituário. E lá se vão os conhecidos, os amigos, pedaços de nossa histórias, deixando a sensação ruim daquele café combinado, do encontro, o telefonema adiado. Aquela pergunta não feita.

No momento, por aqui, a apreensão é enorme com um amigo ligado a uma máquina e aguardando  a chance de um transplante de coração, e outro com um diagnóstico terrível daquela doença para qual o mundo ainda não encontrou cura ou vacina, embora já ande passeando pelo espaço, até com venda antecipada de bilhetes milionários em naves particulares. Os dois são jornalistas, um mais jovem que eu, com 58; outro, já mais velho, por volta de 76. O que fazer nessa hora, a não ser orar, torcer? O que dizer para quem os acompanha, para suas famílias, como aplacar a angústia? Como apoiar, inclusive os seus outros amigos, alguns muito mais próximos deles ainda, que também quedam desnorteados?

Difícil. Não lembro se já contei que tenho muito poucos amigos reais – grande parte perdi, seja nas ondas terríveis anteriores ocorridas em outras décadas, seja nessa agora que nos devastou de tanta gente importante, e que só um dia mais lá para a frente teremos noção desse tempo de pandemia. Pandemia agora desmascarada e que tentam acabar a pauladas em ano eleitoral, embora esteja ainda tão presente, tão letal quanto a guerra. Quanto as guerras.

Há quatro anos não via um desses poucos amigos, do casal que mudou-se para Madri em busca de seus sonhos e de proporcionar ao filho adolescente a chance de como cidadão do mundo poder realmente fazer suas escolhas, meu afilhado postiço, hoje já com 19 anos e estudando em Haia, na Holanda.

Alexandre está aqui em casa, onde vai passar uma temporada, e essa convivência foi o que me fez lembrar mais uma vez do valor de uma amizade real, especialmente para mim que só tenho meu irmão nessa vida (e uma gatinha que aqui também habita, membra honorária da família). O tempo passou, mas a distância de continentes em nada alterou o respeito que mantivemos desde sempre, demonstrado inesquecível na solidariedade sem par que esses amigos também dedicaram à minha mãe e ao meu pai quando mais precisávamos.

Interessante.  Pois não é que nos conhecemos nus, despidos, em uma praia naturista do  Nordeste? Ainda hoje creio que foi esse conhecimento tão inusitado e natural, sem disfarces, que nos tornou tão unidos, diferentes de amizades outras em geral dependentes de recursos, interesses, e um enorme tempo necessário para se conhecer a essência de um e de outro até ganhar confiança.

Laços de amizade são fundamentais para contarmos. Para nossa sanidade mental, e até para orientar nossos caminhos – que não nos desviemos. Como diz a música, amigo é mesmo coisa para se guardar debaixo de sete chaves.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Nós, os cronistas tarados, abismados. Por Marli Gonçalves

Crônicas são pessoais, o que nos dá caminhos para conversar com os leitores sobre experiências, sentimentos, momentos, e de, ao fazer verdadeiras confissões, buscar companhia e alento. Cronistas observam e absorvem o cotidiano, o coletivo.

TARADOS POR VACINAS

E está tudo muito esquisito. Dito isso, pergunto como vocês estão se sentindo nesse momento? Quando começávamos a nos sentir aliviados, pelo menos um pouco com relação à pandemia, somos inundados por mais uma onda, e ela é alta, agressiva. Só não digo inusitada, porque o comportamento geral de fim de ano já antevia que coisa boa não viria, todo mundo tomado de vontade de se encontrar, abraçar, beijar, viajar, sair por aí. Soma-se ainda o vendaval do surto de gripe atacando nosso povo já doente de tantas coisas e que se espreme em filas e filas diante de postos de saúde e hospitais, necessitando serem atendidos e tratados por profissionais esgotados. Onda, bola de neve, avalanche, fora as enchentes. Mais um verão sem graça, e sem Sol, sem Carnaval, sem charme e até sem uma modinha para chamarmos de nossa.

Aqui, tenho sentido novamente algumas crises de ansiedade, dificuldades de segurar a cabeça, os pensamentos, a tristeza de já ter perdido tantas pessoas importantes e o alarme incessante que parece tocar novamente a cada informação sobre pessoas conhecidas infectadas aqui, ali e acolá. E, como tarada por vacinas, com as três doses, mais a de gripe tomada logo no primeiro dia da campanha, aguardo – eu e o meu braço – para o mais breve possível mais e mais reforços, ao contrário do que propaga o presidente insano que nos desgoverna. Se tivesse filhos ou netos estaria ainda mais revoltada com o descaso criminoso sobre a vacinação infantil.

Esse é o outro ponto. O presidente insano que nos desgoverna e não para de fazer e vociferar besteiras dia e noite, ecoado por militantes e por um ao redor cada vez mais agressivo, perigoso e ignorante. Ou, pior, cercado de aplausos vindos de quem pavorosamente pretende ou já está se dando bem com esses disparates vergonhosos. Esse momento é um dos mais deprimentes da história recente do país, e não há como se sentir confortável diante desses passos claramente em direção ao perigo total nesse ano eleitoral. Um pesadelo, que vivemos acordados; mas ainda inertes.

Isso não é normal. Não se pode normalizar a barbárie. Na contramão do mundo vamos nos esborrachar batendo de frente. Governo e Estado confundidos, achincalhados e comparados. Tudo fora da ordem. Estão rindo da nossa cara. Nos ameaçando, xingando, agredindo. Pior, matando. Inclusive o futuro, que vem sendo ferido continuamente.

Como estamos reagindo? Ah! – Fazendo piadinhas, memes, por aí tirando pelo da cara deles nas redes sociais, dando uns apelidos memoráveis (até concordo), mas dia a dia a situação só se agrava, como se todos eles estivessem gostando desse jogo, o incentivando. E precisamos correr dele, desse jogo que já comprovou ser ineficaz, perdendo a graça.  Sem opções, divididos, brigando entre nós mesmos, e entre os adoradores de lados opostos que acendem velas para perigosos e já traçados caminhos anteriores e que inclusive nos trouxeram até esse momento doloroso. Um ministro absurdo que declara que a primeira-dama, essa nada, simboliza nossa mãe. Deus nos livre! E um outro lado que clama por Lula pai, mestre, líder, no único colo de quem parece estarmos sermos obrigados a sentar a cada disparate proferido no Planalto. No meio de tudo isso só surgem os arrependidos de plantão, como o ex-juiz, alguns governadores e gente que sempre está e estará por perto seja de qual governo for, como camaleões. Ou carrapatos.

Nós, os cronistas tarados e abismados, adoraríamos mudar essa conversa, mas para isso precisaríamos sentir as coisas mudando. E, se tem coisa que tenho reparado – pior, a partir de mim mesma – é que o esgotamento geral tem levado muita gente a querer fugir correndo de todos esses assuntos, o que é quase impossível. Olhando para cima, para baixo, para os lados.

Já não sei mais onde procurar besteiras que possam me distrair, e isso inclui assistir uma novela das nove cada dia mais mexicanada, procurar por filmes e comédias que sempre detestei. Passar a testar receitas, talvez procurando uma que nos ajude a encarar o desenrolar de 2022.

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Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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#ADEHOJE – O ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOSSAS NOVELAS

#ADEHOJE – O ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOSSAS NOVELAS

SÓ UM MINUTO – Se pudéssemos gravar um ou dois fins para o desfecho de nossas vidas, como o fazem os autores das novelas! Estou muito triste hoje, apreensiva e ansiosa para saber notícias reais do Gugu, de quem gosto muito. Fico sabendo da morte, em Miami, do Rabino Henry Sobel, vítima de câncer de pulmão. Um herói de nossa história recente, que, com coragem, denunciou a tortura nos bárbaros tempos de ditadura militar que vivemos. Nossos dias têm sido difíceis, de apreensão, com destaque nossa apreensão política e no visível retrocesso que vivemos em questões morais, de comportamento, de crise de liderança.

Tem coisa mais absurda do que um presidente como este aí, ser horrível com sua equipe horrível, falar em criar um partido “Aliança pelo Brasil”, dar a ele o número 38 fazendo alusão ao armamento? Tem coisa mais absurda do que a tal excludente de ilicitude? Uma espécie de libera geral da morte.

ARTIGO – Reality Show de pobre. Por Marli Gonçalves

Não dá para escapar, tipo como a gente faz com os BBBs da vida. Não adianta trocar de canal. Na internet é a mesma coisa. Nem adiantaria mudar de cidade, Estado ou país. Não adianta. Espalhou-se. Não se fala em outra coisa. Todo mundo sabendo, o mundo inteiro está acompanhando, talvez nem com tanto interesse quanto a gente, mas está. Especialmente na América Latina, que está vendo por que esse continente nunca sai da miséria. Só entra nela, como no caso da Venezuela

Mais de dois anos. O novelo da novela começou a se desenrolar e agora parece que não vai acabar é nunca mais. Cada vez se embaraça, trança mais gente. Não me lembro de um dia sequer que não tenha havido notícias, mentidos e desmentidos. Depois, como agora, chegam na tevê mais elaboradas, com imagens, sons e até – pasmem – duas câmeras ambiente, como foi a gravação do depoimento daquele senhor arrogante e convencido chamado Lula e o seu séquito de advogados de uma família só. Pai, filha, genro. O pai, Roberto Teixeira, o compadre de velhas denúncias que jamais foram bem esclarecidas; por exemplo, a da nebulosa venda da Varig. O genro, o enjoado Cristiano Zanin, agora famoso, finalmente, figura tinhosa, casado com a empertigada Valeska, ex-gorda, como ela própria declarou à época dos embates com Denise Abreu, que foi quem em 2008 mostrou as provas do conluio e que já apontava que eles usavam Lula para tudo.

Se à época das denúncias sobre a venda estas tivessem sido levadas a sério como deveriam, babau. Não teria havido Dilma presidente, e o ciclo da lambança talvez não alcançasse em um estágio tão sério assim. Já havia mensalão, a maldição da Casa Civil, fatos questionáveis como os da área de energia por onde também Dilma passou. E passou Lobão, Os Três porquinhos, outros chapeuzinhos vermelhos. Mas o vento soprou e a casa caiu. Ou melhor, está caindo, lentamente, desmoronando, caçando um a um em todos os aposentos.

São capítulos imperdíveis, narrados com cenas pitorescas que atiçam nossa imaginação. Estamos assistindo diariamente a um seriado sobre como funcionam os intestinos do poder. O que comem, como processam, como se reproduzem, e o que regurgitam. Mais a parte que usaram para criar a gordura dos seus luxos, os excessos que os deixavam felizes e ao qual chamavam Projeto de Poder. Projeto de poder popular, alguns ousavam dizer. Pior, tem por aí quem ainda acredite nisso.

Quando pensávamos que Lula seria o ápice, surpresa! Tem mais. Vai ao ar uma descontraída Monica Moura que, ao lado do marido, João Santana, privou da maior intimidade com todos eles, já que foram os responsáveis, ao fim e ao cabo, por tê-los posto lá. Agora sabemos melhor o quanto custou sermos enganados durante mais de uma década pela propaganda. Vê-los ganhar mais de uma campanha presidencial mentindo, jogando areia nos olhos, prometendo mundos com nossos fundos.

Nesse reality só está faltando edredom. Quero dizer, está faltando que saibamos detalhes, porque no meio da história já apareceram vários casos bem amorosos, com apelidos bastante significativos.

Feche os olhos. Imagine que beleza o João Santana e o Delcídio do Amaral, nus, dentro de uma sauna, batendo papo e combinando ações. O Fernando Pimentel, atual governador de Minas, sempre suspeito, chegando com uma malinha recheada de dinheiro em um flat, e Monica Moura, linda e loura, lá, só esperando ele chegar para contar a bufunfa que lhe era devida.

Também gostei de imaginar a cena dela passeando com Dilma pelos jardins do Palácio, imaginar a confusa Dilma (no caso, Iolanda) escrevendo um e-mail em código tentando avisar algo. Adorando imaginar o Zé Eduardo Cardozo se contorcendo de ódio porque foi dito o óbvio sobre o vazamento (para os alvos) das operações. E o sisudo Franklin Martins? Até sumiu para não ter de explicar os milhões de dólares que cobrou para ir sacanear as campanhas lá na África.

Quanta coisa já vimos ou ficamos sabendo nesses últimos tempos, enquanto por causa disso tudo temos de tentar, com muita dificuldade, nos manter com a cabeça fora d´água.

A política toda está de cabeça para baixo e não sei se as pessoas se deram conta do significado disso e do quanto penaremos ainda para reconstruir o país e a confiança nesses tempos tão agitados. Como nos reality shows mais conhecidos, teremos de eliminá-los, um a um.

Mas sem vencedores, porque esses participantes já levaram escondido o prêmio de muito mais de um milhão, um milhão e meio. Pensam em dólares. E já ganharam casas, apartamentos, lanchas, sítios, viagens com tudo pago.

Deve ter sido tudo obra da Dona Marisa.

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marli em redMarli Gonçalves, jornalista – Mais matracas vão abrir a boca e essa novela vai bem mais longe que Redenção. Ainda vamos assistir a várias temporadas e vai ter muita malhação pela frente.

Brasil, 2017

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@MarliGo

ARTIGO – Novelos e novelas sem fim, por Marli Gonçalves

A novela sempre chega ao fim? Às vezes a impressão é que há algumas que nunca fecham e ficam ali, fazendo história, livros e tragédias. Tem as que já começam mal. As que ficam chatas, muito chatas. As danadas das repetitivas. As reprises. E as penico sem fundo, intermináveis. As que a gente já pega quando estão pelo meio. Muitas delas a gente vai indo, vendo, até que um dia deixa de lado igual livro começado, sanduíche mordido. Só que justamente quando perdem audiência é que mais personagens acabam mortos.

Nossa! Vou embaralhar. O novelo das novelas. Desenrola. Os autores pensam seus personagens, com suas bondades e maldades. Como bem resume um amigo, em todas tem sempre um filho que não é filho da mãe que não é mãe, ou do pai que não sabe que é dele o filho da mãe, e o filho descobre que não é o filho, tudo agora também em versão trans. Tem sempre uma vingança, núcleo pobre, núcleo rico, ou o rico que fica pobre enquanto o pobre sobe na vida. No caminho, um ou dois golpes de estelionato, uns crimes tipo assassinato, armadilhas, traições, empregados linguarudos, gostosas e criancinhas promissoras para o elenco do futuro. Animaizinhos são mais difíceis, tadinhos. Alguns somem. Aconteceu agora mesmo com os dois poodles da madame, o Dolce e o Gabbana. Escafederam-se. Devem ter sido torrados pela Teresa Cristina; não é, bebê?

Tradição nacional, novelas, novelos e novelas sem fim. Quer melhor do que um enredo que junta o filho de um bilionário com uma bombshell¸ que tem nome de deus nórdico e super-herói, cabelo de Príncipe Valente, pilotando quase que “um batmóvel” na estrada escura de um domingo, e digamos, “colhendo” e matando um negro e pobre transitando trôpego na estrada com sua bicicleta velha? Nossa fantasia vai lá em cima, e não há o que se diga. A história está carimbada. Com o detalhe: todos aguardam a fala da deusa mãe. E ela sumiu. Aí tem, vamos pensando, formulando as mais estapafúrdias teses, explicações e lendas, como se não bastasse a própria realidade mais dramática do que qualquer invenção.

Outro exemplo: dona de casa comum sai pé-ante-pé na madrugada de uma sexta-feira 13 e aparece morta, desfigurada, numa estrada, ao lado de uma pedra conhecida como da Macumba, sempre cheia de ebós, oferendas. Ouvi de tudo: de magia negra a vingança, oferenda humana, feitiço. Meses depois o veredicto finaliza o enredo: ela se matou, ingerindo chumbinho de matar rato. Caiu e foi mordida e desfigurada por cães vadios famintos.

Perícias demoram, investigações demoram (quando ocorrem, sempre só se a pessoa ou sua família é mais conhecida, senão vão direto para a gaveta). E mesmo assim, sabendo que tudo pode não ser o que aparenta, que circunstâncias são infinitas, ainda tem gente que não sabe ou entende a importância do direito de defesa, do julgamento até o final, de verificação completa. Gente que já pega o dedinho em riste e aponta os culpados. Deus me livre! Já pensou? Você está por ali, nem sabe que havia uma mulher, passou, sei lá, para acender uma velinha lá na pedra, alguém viu, misturou tudo e te acusa? Vai provar que a vela era branca e o pó era açúcar!

As novelas que vemos – algumas que acompanhamos – sempre têm vários lados. Muitas, tal como os truques dos escritores, acabam, mas sem fim, com personagens que eram dados como mortos aparecendo na última cena – embutindo dúvidas, primeiro sobre a possibilidade de continuação, 1, 2, 3 até que esgotem com algum título tipo “a Batalha Final”. Há ainda o truque do sonho, que eu pessoalmente detesto. A coisa vai indo, indo, até que a pessoa acorda e mostra que tudo não passava de um enorme pesadelo. Ou não. Tenho ódio desse recurso baixo e barato.

Na realidade está igual. Tem assistido a “O Mensalão?” “A Volta dos que não foram”. Em Brasília, inclusive, neste momento está em cartaz uma novela e tanto, romance com pitadas de documentário. Casos tão comuns que há muitos anos tenho amigos que mantêm quase pronto o esboço de várias outras histórias parecidas, que eles vão retocando, colhendo. O título: “A República de cuecas”, onde toda a trajetória nacional, política e econômica – eles mostram – pode ser reconstruída a partir dos lençóis e outros apetrechos e manhas institucionalizadas; um dos mais conhecidos poderia até ganhar um capítulo chamado “Contrato de Núpcias”.

No seu aparelho ou no pay-per-view diariamente, acredito, vêm sendo transmitidas muitas outras novelas sem fim. Não assiste a “As intermináveis mortes na Síria”? Em cartaz: “Nuclear e norte-coreana”. “Um presente de grego”, “Morte no Egito em chamas”, “A Copa do Mundo e o tempo”, “Retratos de um hospital”, “Beber, sim, jogar¸ jamais”, “Queda de braço no Planalto Central”.

Alguém aí sabe qual foi o “The End” das novelas “Choque na Austrália”, “Morte no parque”, “Jet-Sky assassino”?

Ah, ainda estão em cartaz!?! Plimplim.

São Paulo, “Amor de Candidatos”, 2012(*) Marli Gonçalves é jornalista. – De vez em quando brinca e se auto-intitula parte das brasileiras do momento, estrelando como “A abandonadinha do Ibirapuera”. Novamente vai tentar ficar sem assistir à nova novela de ficção das nove, e aproveitar o horário para ver e criticar as outras novelas sem fim que estreiam diariamente.

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