ARTIGO – Impaciência chata. Por Marli Gonçalves

daria-mtv-foot-tapping-waiting-impatientImpaciência chata

Por Marli Gonçalves

Está difícil não ter, não ser, não expressar. O tempo passa com a sensação de cada vez mais rápido, abrupto, e as coisas não mudam. Tudo o que queremos ver melhorado, tudo o que pensamos como futuro fica ali, minguando. Se fosse um bolo, diríamos que está encruado

tumblr_nsb9s5eets1s2wio8o1_500Mamãe sempre dizia que só uma pessoa podia bater um bolo; se entrasse outra, se outra mão pegasse a colher, a massa encruaria. Vejam só no que pensei. Espero sinceramente que isso não se aplique à política, já que um dos motivos detonadores de minha paciência é justamente a ladainha cegueta do lado de lá, que já se torna, inclusive, burra, porque incentiva o divisionismo. Quando o momento é de ficarmos todos espertos, de olhos abertos e com propostas realistas para tirar o país do buraco em que está metido, já nem importa mais quem foi – até porque a gente bem sabe.

Tenho sido acometida desse mal, e não gosto nada disso, dessa prima-irmã do estresse, mas me diga, por favor, se é impressão só minha verificar que há uma certa lentidão em determinados setores do dia a dia que enfrentamos.

Tudo é promessa, para amanhã, para depois, estamos fazendo, as providências estão sendo tomadas, serão feitas investigações rigorosas e análises profundas, e das quais nunca conhecemos o resultado.

O mundo tomou um chá de gerundismo, a melhor forma de expressar o não fazer como se estivesse fazendo.

É como se estivéssemos dependurados num precipício e alguém falasse calma que a corda já está chegando, só depende de conseguir que seja encontrada, comprada e trazida.

Como não ficar impaciente com a fila quilométrica, e você com uma senha na mão onde está escrito que a espera não ultrapassará os minutos que há muito já o foram? Como não ficar impaciente com quem, em dívida com você, promete pagar e não o faz, e você ainda tem de ser bom, calmo-paciente-compreensivo e pedir desculpas por ser tão insensível e ter de voltar a tocar no assunto tantas vezes? Inversão de papéis é coisa que puxa a impaciência de dentro da gente, por mais controlado que o ser possa ser.

Como não ficar impaciente com o tempo passando lépido e você ainda esperando que seja criada infraestrutura, que o progresso chegue, com Saúde, Educação e a realidade ser a gente ainda engatinhando nos preceitos básicos, e entre os mais atrasados do mundo?

Quando se é muito jovem temos muita impaciência, porque sempre haverá mil coisas a começar, a fazer, a conhecer, experimentar. Depois de uma certa idade, tudo isso volta – ok, talvez já não sejam mais mil coisas, mas aumenta a impressão de que o tempo se encurta à frente e ainda falta começar, fazer, conhecer, experimentar e, principalmente, aproveitar o que conseguiu recolher até ali. (E que ainda não tenha ido para o ralo).

Isso dá impaciência. Dá nos nervos. Nos deixa ansiosos. Não é por menos que explode no país o uso de medicamentos para amainar, e de distúrbios, como dizem, “ligados à vida moderna”. Essa inquietação toda, difícil de controlar.

É uma espera angustiante por compreensão vinda do outro, de pedido de respeito ao seu ponto de vista e ao que se passa que também quer falar, pôr na mesa, mas se não gritar, se não bater o pé, não será ouvido. Aliás, bater o pezinho é boa forma de demonstrar impaciência.

f950-22Sei só que isso não é coisa nada boa para a saúde, nem física, nem mental. Andei pensando em pedir a um amigo terapeuta floral uma boa indicação de “Impatiens walleriana” que dizem ser ótimo. Essa flor é aquela, a “maria-sem-vergonha”, porque dá em qualquer lugar, e que tem quem chame de beijo turco. Aí já não sei por que, embora imagine.

A impaciência é perigosa, pode levar a erros. Também dizem que ajuda muito mexer com terra, com plantas, para dar uma acalmada, tentar pensar em assuntos leves, caminhar 30 minutos três vezes por semana, manter o humor e principalmente, indicam os analistas, é preciso falar sobre isso.

O que estou fazendo.tumblr_ll8kuytvtd1qfqa3so1_500

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oculos fendiMarli Gonçalves, jornalista – Tem todos os motivos, isso é que é o pior. Mestre Drummond já dizia, em O Avesso das Coisas: “Não é fácil ter paciência diante dos que a têm em excesso”. E disse mais: “Se precisamos de paciência para nos suportarmos, quanto mais para suportar os outros”.

São Paulo, 2016, nos meses florais de primavera

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ARTIGO – Arrumação, por Marli Gonçalves

summerlondonwardrobesusseO tempo inteiro, o tempo todo, ou por conta própria ou porque alguém está mandando, estamos sempre arrumando alguma coisa, nem que seja alguma coisa para fazer ou reclamartumblr_m37evzt0ky1r113ww

Somos quase esquizofrênicos, temos algum TOC, mania? Pode ser, mas repara quantas vezes você pratica esse verbo por dia. Acordou? Arruma a cama. Arruma a mesa para o café da manhã ou arruma no espelho essa cara amassada. Arruma uma desculpa porque o despertador não tocou ou se arruma toda ou todo para sair.

Se bobear e estiver de mau humor logo pode arrumar uma encrenca – pode até ser enquanto arruma uma vaga para estacionar o carro ou arruma a bolsa que era tanta a pressa que deixou cair aberta, de boca para baixo. Arruma a gravata, dá uma arrumada no cabelo, joga para lá, joga para cá, passa a mão. Arruma essa postura.

Se está indo arrumar emprego, boa sorte, que a coisa está difícil, e neste país já são 12 milhões fazendo a mesma coisa – e taxa de desemprego só é contada em quem sai para buscar, acredita? Imagine se calculassem a realidade – quantas pessoas estão sem trabalho, coisa que também é preciso arrumar.

As mães arrumam seus filhos para mandar às escolas, pensando que depois eles poderão se arrumar na vida. Quando eles saem, elas ficam ali arrumando a cozinha, a coisas, as gavetas, pensando na vida que lhes foi arrumada, se o marido arrumou alguma amante. Ou como vão arrumar o dinheiro para pagar as contas do mês.

Pensa que deveria se arrumar mais, o cabelo, as unhas. Ou se deveria logo arrumar as malas, ou as suas para se mandar, ou as dele, se acabou concluindo que sim, ele arrumou uma amante. Ou apenas para arrumar algum lugar para ir. Arrumar um lugar ao Sol.

Arrumação é coisa contínua, demorada. Algumas precisam ser planejadas com mais tempo, para que não tenham de ser feitas de novo, desarrumadas. Pensa se tem exemplo melhor do que o país em que vivemos, onde esperamos que parem de querer primeiro se arrumar a eles próprios, os que podem mudar as coisas, dão as ordens. Onde arrumar paciência? Onde arrumar esperança?

A hora é essa, de arrumação danada. Fosse um jardim, e o caminho seria o mesmo, o de primeiro arrancar as ervas daninhas, depois limpar a área, preparar a terra, semear, adubar e regar.

É preciso arrumar tempo para pensar sobre isso e fazer pressão.

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oculos fendiMarli Gonçalves, jornalista – Tem de arrumar tinta para escrever muitas histórias. E forças para arrumar o prumo.

SP, 2016, onde o mais arrumadinho passou na frente

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ARTIGO – No limite, por Marli Gonçalves

no limiteComo diria uma amiga que nunca perdeu o forte sotaque alemão: “Estamos porrrrr aqui”, e ela colocaria a mão sobre a testa, riscando da esquerda para a direita, naquele gesto que fazemos quando tudo está mesmo “por aqui”: a água, a lama, o custo de vida, a bestialidade humana. Estamos todos porrrrr aqui. Porque estamos no limite de tudo, inclusive de nossa paciência, e – chato – não há mais como ser muito revolucionário, diferente

Não foi só aqui, ali, que os rojões estouraram e que vêm há algum tempo surgindo revoltas, algumas mais criativas, outras mais violentas, explicáveis ou não, atrasadas ou não. É tendência, certa modinha até. Coisas dos tempos, dirão alguns, coisas do fim dos tempos, dirão os mais pessimistas.

no limite 2A verdade é que há saturação – e cada vez mais rápida. E os nossos limites estão ficando a cada dia mais estreitos, basta se dar conta do que ocorre ao redor para perceber. Quando as coisas saem do limite, explodem. Daí uma manifestação que reclama de centavos se tornar um problema e ganhar o mundo, assim como uma tese no fundo maluca e inverossímil, a dos transportes coletivos gratuitos. Ou alguém aí acha que dá para acolher essa luta em sã consciência? Vamos tirar o dinheiro de onde? Do meu, não exatamente bolso, não, nem pense.

Mas pouco importa a lógica ultimamente. Jovens libertários fortemente armados com cartolinas coloridas e boas frases escritas com canetas hidrográficas, máscaras sofisticadas e se comunicando o tempo inteiro entre si, registrando cada segundo de seus próprios passos, são uma novidade por aqui e vão gostar da brincadeira, acreditem. Eles podem surgir apelando por qualquer coisa: inconscientemente estão tentando ir além dos tais limites.

no limite 3As cidades, especialmente São Paulo, travam até em dias ensolarados. Não há onde colocar mais carros nas descuidadas ruas e avenidas sem planejamento e que entram em obras contratadas e feitas igual ao focinho dos governantes. Tudo é superlativo: muita gente, muita confusão, muita emoção. Daqui a pouco seremos mesmo “potes até aqui de lágrimas”. Chorando, parados, em congestionamentos.

Vamos lá. Na moda não há mais o que inventar, a ponto de repetições surgirem uma atrás da outra, com nomes estilosos como vintage, releitura, inspirações muito próximas a cópias. Tudo tão antigo, mas que, como muitos não viram, as coisas são vendidas como o último grito, grandes rebeldias. Não é que tem até garoto de escola chique querendo andar de saia para zoar, sem tese precisa, e fazendo com que Flávio de Carvalho se revire no túmulo? Ele, sim, foi incisivo nos anos 50: “a saia e a blusa libertariam o homem moderno do calor”, levando ventinhos especialmente para as partes baixas.

chorandoE comportamentos, então? Vamos à questão dos gêneros. Não há mais nenhuma letrinha para chegar, pelo menos que eu saiba, ao LGBTS, gays, lésbicas, transgeneros, travestis. Só simpatizantes, o S, ou quem sabe, os discordantes, infelicianamente, que ocupariam o D. O que ainda pode surgir, uma vez que a religião, também no limite, tentará regrar? Incesto, zoofilia, nem precisa. O comportamento humano é o que nunca terá limites.

O ar que respiramos está no limite. A água que bebemos está no limite. As sacanagens que fazemos com a Terra já atingem o espaço, o infinito. Os oceanos já buscam ultrapassar os limites que lhes impusemos, e vêm lambendo nossas costas, o que é trágico, pouco sensual.

Tudo reflete na política, nessa aí onde não há mais nem direita nem esquerda, muito ao contrário, diriam alguns. Democratas viram ditadores em minutos. Modernos e queridinhos transformam-se em monstros com qualquer estalar. Gente boa aplaude espionagem de nossas vidas privadas. E tudo aquilo que nos juraram que jamais ocorreria de novo, os horrores de guerra, os líderes de turbas e métodos sanguinários, todos os dias estampam jornais e chegam mais perto de nossas portas.limitações

Estamos porrrrr aqui. Mas vamos tentar sempre ultrapassar os limites, porque ainda não os estamos vendo claramente.

São Paulo, flamejante, 2013 animated_fireMarli Gonçalves é jornalista– Assistindo ao transbordo. Porque o limite não é o fim.

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BudA