ARTIGO – Bubuias e cucuias. Por Marli Gonçalves

Vamos de bubuias e cucuias, assuntos aleatórios que descrevem bem muitas das situações que acompanhamos, ficamos e onde vamos parar. Palavras sonoras, claras, e de fácil entendimento. Principalmente para quem já ficou de bubuia e foi pra cucuia. Muitos, essa semana.

BUBUIA - CUCUIA

Há alguns dias foi o aniversário de meu pai, que, então, faria 104 anos. Mas ele resistiu só até os 98. Datas são sempre estranhas porque ou nos fazem festejar, ou lembrar de muitas coisas, muitas vezes sofrer dependendo do que marcam. Bateu uma saudade imensa do meu caboclinho amazonense, mas também veio, recorrente, acreditem, uma lembrança engraçada. E por motivos óbvios: as tempestades que abateram São Paulo, os carros boiando, e o Datena se esgoelando no Brasil Urgente, das tardes (tenho a impressão que ele fica feliz com esse assunto). Era um programa que papai não perdia, sentadinho na sua poltrona. E em dias de chuva ficava ali vendo, contando, os carros todos de “bubuia”, como ele se expressava, feliz de estar protegido.

Sempre fui encantada pela palavra bubuia, sonora, vibrante, boa de falar e de escrever. No Amazonas, estar de bubuia é estar à mercê das águas, entregue à própria sorte. Como tantos estiveram esses dias e como tantos estarão ano após ano com qualquer chuva mais forte na cidade total e cada vez mais impermeável. Por aqui tudo anda uma loucura. Onde havia um monte de casinhas, vilas, constroem prédios. Nas esquinas, prédios. Onde tinha mato e terra, prédios. Piscou, mais um prédio – parece epidemia, que apaga tudo por onde se instala. Tudo piorado ainda mais com a recém descoberta que muitas construtoras estão pouco se lixando e derramam, vejam só, sobras de cimento nas ruas, que se solidificam bem duras nos bueiros já sem ar de tanto lixo. Ainda tem canalização de córregos feitas ao léu, muros gigantescos represando a passagem – e não só da água, como das pessoas, na nóia da segurança ou mesmo da total falta de fiscalização ou corrupção de suas tentativas. Problemas crônicos que nos farão ainda ver não só muitos carros de bubuia, mas as mortes nas enxurradas.

Tudo indo pra cucuia, mas esta palavra você deve conhecer melhor, faz mais parte do vocabulário nacional e a gente está sempre indo para lá, para cucuia. Bem abrangente. Vivemos indo para a cucuia no que depende especialmente do Poder Público, esse que ainda tenta se explicar com notas evasivas depois que já fomos para esse lugar, a cucuia.

Nunca tinha pensado muito nisso até outro dia, quando um amigo, Alexandre, que hoje vive na Espanha, coach e músico, passava uns dias aqui em casa, e acompanhando o desespero das chuvas fortes me viu falando de tudo que estava de bubuia. Ele ficou fascinado pela palavra, e saiu musicando, balbuciando bubuia, bubuia… Fui fazer uma pesquisa que nunca tinha feito e descobri que há o fascinante verbo bubuiar, com todas as suas possíveis conjugações e tempos.

Contei para ele que logo – imagino – vai aparecer com uma composição nova que até já tentava ao violão, juntando as notas musicais às palavras e conjugações de bubuia, falando de tudo que vai para a cucuia. Não vão faltar argumentos e rimas, não só pelos acontecimentos do mundo, como do Brasil, onde está de passagem tentando entender como pudemos chegar nessas situações tão estranhas, que nos afundam mesmo quando estamos bem longe das águas das chuvas.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Papai faria 100 anos. Por Marli Gonçalves

Parece título de Gabriel Garcia Márquez, mas na verdade é porque andei lembrando que o meu pai completaria 100 anos nessa próxima semana. Chegou só aos 98, cansado da vida que viu.  Um Século, e a sensação que agora estamos voltando, mas a um tempo errado

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Que século foi esse! Visto 100 anos para trás poderia parecer que o mundo ali entraria apenas em desenvolvimento e progresso, com a arte imperando, invenções importantes, um ciclo de glórias, inovações. Em paz, depois da tristeza da Primeira Guerra Mundial que atingiu em cheio a Europa, e que buscava renascer de suas cinzas. Os “Loucos Anos 20” eram vividos com alegria, com importantes transformações de costumes, e a vida parecia ter adquirido novos sentidos. Os Estados Unidos tornara-se uma das maiores potências e era também centro de irradiação de novidades em todos os setores.

O cinema florescia, a música – o jazz e o blues envolviam a exuberante vida noturna, a moda libertava mais o corpo da mulher, que deixava de ser mera coadjuvante. Já votava, se fazia presente e atuante nos acontecimentos, na opinião, na literatura, na pintura. Espetáculos, movimentos como o Surrealismo, o Dadaísmo, na moda, Coco Chanel. Foi a era das inovações tecnológicas, da eletricidade, da modernização das fábricas, do rádio e do início do cinema falado, entre tantas outras descobertas e avanços.

No Brasil, os reflexos são simbolizados na Semana de Arte Moderna, embora sempre seja a política um fator de atraso, e aqui não foi diferente. Mas havia a reação, as pessoas estavam felizes e parecia que um mundo novo chegaria, com igualdade, deixando pra trás a crueldade.

Triste sina. Com a quebra da Bolsa de Nova York, a 24 de outubro de 1929, deu-se a Grande Depressão e uma nuvem carregada pairou, finalizando o período dos sonhos. De lá para cá, outros vieram, foram, vieram, insistiram.

Mas as promessas de que os horrores das guerras não se repetiriam, que o desenvolvimento acabaria com a fome e com a miséria, que a ciência triunfaria, que os homens e mulheres se respeitariam, tantas promessas… vêm ficando pelo caminho. Que cessariam as perseguições por etnias, credos, raças, gêneros, que direitos civis e humanos seriam respeitados, quantas promessas! Estamos no espaço, mas destruindo a Terra que habitamos.

Tudo isso e muito mais passa diante de meus olhos quando lembro de meu pai, com quem convivi bem de perto nos últimos anos de sua vida. Hoje vejo por que ele era tão cético – já tinha vivido quase um século para saber, ter certeza, que os “papagaios de botina”, só assim se referia aos políticos e líderes, não têm palavra e pouco pensam no bem-estar geral. Com sua pouca cultura, mas muita vivência, acompanhou as ondas do tempo que chegou aos nossos dias.

Tristeza de ver o país disputado por toscos, de esquerda, centro e direita, que nos deixaram completamente sem opções em todas as esferas. Angústia de assistir ao desfile de falsos e hipócritas buscando manipular a opinião pública com moralismos, como se ela própria não pudesse ver e sentir com clareza o ambiente em que vive, não tivesse discernimento nem carregasse de memória a enorme lista do que precisa realmente de atenção e de construção.

Estamos voltando, regredindo, e diretamente ao que de pior houve nesses últimos cem anos.

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 – Marli Gonçalves, jornalista – Como gostaria agora de ver os nossos Anos 20 com outro ângulo, para querer viver até os 100 e poder contar novas histórias de outras gerações.

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Brasil 2019, limiar

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#ADEHOJE – OS FILHOS DO CAPITÃO FAZEM DO PAÍS UM GRUPO BADERNEIRO DE ZAPZAP

#ADEHOJE – OS FILHOS DO CAPITÃO FAZEM DO PAÍS UM GRUPO BADERNEIRO DE ZAPZAP

SÓ UM MINUTO – Tenho de continuar fazendo perguntas. Até quando os desengonçados Filhos do Capitão vão ficar dando pitacos, fofocando, incitando e criando problemas – mais ainda do que os que já temos – no Governo do pai Jair Bolsonaro? E até quando vamos suportar as declarações dos presidentes da Vale e do Flamengo? Ou melhor, as não declarações, as não explicações. Aliás, eles ainda estão em seus cargos? Brasil, o país dos trapalhões?

E AINDA POR CIMA, PERDEMOS BIBI FERREIRA, A NOSSA DIVA. COMO JÁ DISSE, NÃO HAVERÁ UM DIA QUE PASSEMOS SEM ELAS, AS MÁS NOTÍCIAS?

 

ARTIGO – Ô Véi, vamos falar dos véios? Por Marli Gonçalves

peo-_dancer_old_dudeÉ véi para lá. Véi pra cá. Fala aí, véio! No pobre linguajar que se instala na nossa população o vocativo “Véi” virou uma daquelas pragas – de gíria e de muleta oral e verbal – que ninguém sabe onde começou nem quando vai acabar. O problema é que a rapaziada não sabe nem que o tal Véi/ véio que eles chamam significa velho: dito com uma certa preguiça, sarcasmo e ironia característica da geração net, velho virou véi. Todo mundo é véi hoje, sem lembrar que vai mesmo ser véio um dia e precisar de alguém, de algoAntes era tia/tio. Vá lá, mas se usam para me chamar já levam pernada. Agora é Véio, isso, Véio, aquilo. Eles – os velhos, os idosos, os anciões – portanto, estão na boca do povo. Não dá para dar um passo sem ouvir o Véio em alguma boca por aí, até nas entrevistas. Mas, véio, seria legal que também estivessem nas suas cabeças, com mais gente pensando sobre isso, cuidando disso, falando sobre isso. O Brasil tem mais de 20,6 milhões e já outros muitos quebrados de idosos, 13% da população. Em 50 anos, quando creio que não estarei aqui para contar e ser mais um neste número ao qual logo logo pertencerei, serão mais de 58 milhões de idosos. Cada vez mais vivendo mais, causando, consumindo, querendo votar, podendo ser votado. (Aqui eu estou tentando valorizá-los nesse aspecto, mais junto aos políticos, para que se voltem ao assunto, já que gostam de dinheiro, poder e …de votos! para ter dinheiro e poder).old people

Os velhos são fontes de luz e conhecimento, e podem colaborar com a sociedade até o finzinho de suas vidas, desde que ajudados, mais preservados, respeitados. E pode ter certeza: é o que querem fazer; até tentam, mas ainda são desprezados. Vejo casos de arrepiar de destratos, abandono e desinteresses por mais velhos, violência contra eles (outro dia um babaca universitário de merda quase matou um de porrada porque reclamou do barulho). Não há políticas públicas, atendimento. A maioria dos analfabetos vive no Nordeste e é idosa. Grande parte sem uma moradia adequada, sem recursos básicos e infraestrutura sanitária decente. Muita gente querendo beliscar seus caraminguás.

É difícil envelhecer. Sem dinheiro, então, mais ainda. Sem apoio, quase impossível. E estou afirmando com isso que não é só para eles que não há atenção. Cada vez é mais difícil para as famílias cuidarem de seus idosos. Remédios pela hora da morte. Planos de saúde sádicos e caros, muito caros. Mais fácil escalar uma montanha no Nepal do que poder pagar por um. Sem investimentos em casas de repouso, clínica para os que sofrem de males incuráveis, cuidadores bons, raros, caros e disputados, inflacionados. Não têm calçadas seguras para caminhar, equipamentos disponíveis, políticas públicas, orientação social, proteção legal, não têm, não têm, não têm também. É preciso tudo, mas principalmente com agilidade. O tempo urge. Carimba URGENTE no assunto.

Vivemos, nós, familiares, filhos ou filhas – e estou falando de muitas pessoas da minha geração que estão passando por esse dilema, um momento particularmente difícil, o fim, já que ninguém fica para semente e não inventaram a tal poção da juventude e nem ninguém aí tem pai ou mãe vampiro, imortal. Para nós, cada dia é uma surpresa, uma aventura, um compasso, um passo à frente na madeira do trampolim. A gente assiste (e ouve) dores, reza, sopra aqui e ali, ama, protege, chega a pedir a Deus que pare as tais dores, ou até, que se possível fosse, as transfira todas para nós. Por que não se fala nisso? Por que não somos notados? Nem os véios de verdade, nem nós, os que estamos com eles. Parecemos invisíveis, e muitos de nós cuidamos de idosos que já não sabem nem mais quem somos, ou são mais frágeis que louça fina. Sempre há um que fique com a responsa, carregue mais, se sacrifique mais, tente segurar o relógio do tempo.

oldsEssa semana meu pai fez 97 anos. 97. Tem noção? 35 mil, 405 dias. 849 mil e 720 horas. Começo do século passado, uma guerra mundial, várias revoluções e rebeldias, proibições e liberações, ganhos e perdas. Não, ele não fala sobre isso, porque o que passou de dificuldades para sobreviver desde a infância, vindo de paragens até hoje esquecidas do Amazonas, pulando de cidade em cidade, não mais o interessa. Ou prefere esquecer, o que compreendo porque foi uma vida toda difícil. O pouco que sei são informações esporádicas -só gosta de lembrar que comia jacaré e tartaruga, essa inclusive fornecia o prato com o seu casco. Da família, dos muitos irmãos, nada sobrou, que eu saiba. Minha avó, índia com nome dado de pedra preciosa, Esmeralda, morreu dando à luz a mais um caboquinho, que seria um tio se o tivesse conhecido, num barquinho no meio do Rio Negro. Do avô, o português, nada sei.

Com algumas capenguices, lúcido, mas com dores em todo o corpo e o constante lamento delas que não há como contornar a não ser com analgésicos paliativos. Trabalhou até os 90 anos de idade, desde os 10 anos, mas recebe hoje – e com toda sorte de obstáculos e dificuldades impostas por INSS e bancos – um salário mínimo. O mesmo que as parideiras do Bolsa Família recebem e, em geral, só começando nove meses antes pela parte boa.

Vivo o que falo. Mantenho meu pai vivo, da melhor forma que posso, me renegando outros prazeres; assim tentei manter minha mãe até o fim. Sobre o assunto, fui olhar o que o governo está fazendo e encontrei um mundo cor de rosa, cheio de cargos com nomes quilométricos, tipo “Coordenadora do Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso”, fora burocratas declarando que estão fazendo algo. Tive um ataque de riso quando li um desses burrôs do aparelhamento festejando estarmos na 31ª posição no ranking dos países que oferecem melhor qualidade de vida e bem-estar a pessoas com mais de 60 anos, segundo o Global AgeWatch. E enjoei de vez quando li um outro falando no programa de atendimento domiciliar e cuidado hospitalar garantido. Em qual país? – por favor, me diga!

Deus tá vendo. Deus tá vendo. E, como logo gírias e expressões são rapidamente substituídas e essa semana, Véi!, apareceu mais uma, acho mesmo que no geral, ainda, quando pensam nos mais velhos, pensam mesmo só como aquela fala do comendador no último capítulo da novela, ao balear seu inimigo:

– “Morre fela da pota!”

São Paulo, 461 anos de idade, muitas dores e decrepitudes, 2015.miror veioMarli Gonçalves é jornalista – – Depender da caridade alheia é mortal. Da boa vontade e compreensão dos parceiros e parceiras, então, chega a ser cruel. Acreditem. Vamos falar disso agora, porque todos estaremos chegando lá, juntos. Ou “juntos, chegaremos lá!” como diz sempre um político que hoje está aí no ministério das 40 cabeças.

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