ARTIGO – Retrospectivas e retroescavadeiras. Por Marli Gonçalves

Final de ano e elas, as famosas retrospectivas, já começam a pipocar, tenebrosas, tenebrosinhas, especialmente se lembrarmos o que passamos nos últimos quatro anos, somando o desgoverno, a pandemia, seus efeitos, as dúvidas que permanecem sobre o que vem aí, como vai ser

Hindsight Bias: Why You Make Terrible Life Choices - Nir Eyal

O sininho que toca é a música com os artistas saracoteando nos intervalos da programação. “Hoje é um novo dia” …Nas ruas, desta vez meio confuso até na 25 de Março e dividindo espaço com a Copa, o Natal tenta se infiltrar, misturando em pinceladas o seu vermelho com o verde e amarelo igual teve de ser nas eleições. Já não são mais muitas as luzinhas chinesas piscando nas janelas e que enfeitavam a cidade, as varandas e jardins, trocadas por bandeiras. Aqui perto de casa, a rua chique está enfeitada com uns parcos anjos com rabinhos em forma de sereia, até singelos perto das decorações que já vi. Uns carregam pacotes; outros, corações. Parecem tímidos, meio apagados. Econômicos, como sói ser nesses tempos bicudos.

Até o Papai Noel dos shoppings agora é mais magro, contido, rendido ao mundo digital e politicamente correto, sem crianças no colo. Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago, as graciosas renas, andam postas de lado, talvez até para não criarem mais polêmicas, a marca desses tempos, em que tudo é muito discutido, embolado, cancelado. Chato.

Não demora, ela vem, não tem jeito: ao lado do especial do Rei, a chamada para a retrospectiva jornalística, desconjuro! Mais perdas, mortes, acidentes e acontecimentos funestos a serem recordados em takes bem escolhidos, o que nos faz tentar ficar bem longe porque a memória recente é viva. Mas as quimeras todas, essas, as pessoais, as nossas retrospectivas particulares, começam a se apresentar. Nos cobramos por tudo, começamos a prometer fazer tudo diferente no ano que vai entrar, tentando planejar as coisas como se isso fosse possível.

Com elas, o medo, a lista de sonhos abandonados, e também chega o otimismo e crença que daqui pra a frente tudo vai ser diferente, “você vai aprender a ser gente, seu orgulho não vale nada, nada!” …

Ok, sei que retrospectiva é só do ano que se despede, mas no caso nacional ele soma os últimos, suas consequências, as quais infelizmente ainda sentiremos queimando na pele nos próximos tempos. Como vai ser?

E as retroescavadeiras? – você pode estar se perguntando. Apenas um registro. Aqui em São Paulo elas estão vorazes e barulhentas em todos os locais, bairros, esquinas. Derrubam o passado sem dó, com poucas tacadas, dando lugar a stands de venda tão luxuosos que a gente acha até que são eles os próprios imóveis que estarão no lugar. Impressionante. Não dá para ficar uma semana sem passar em um local – quando volta, a sua memória, sua retrospectiva, o que viveu ou viu ali, simplesmente sumiu, do dia para a noite, não precisou nem passar o ano. Meu medo é essa surdina. Essa transformação acelerada, sem eira nem beira.

Mas vamos que vamos. O show não pode parar. “…Bom é ser feliz e mais nada…”

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Recordações, referências e revisões. Por Marli Gonçalves

Recordações despertadas por gatilhos. São lances de memória que explodem junto com os fatos e as coisas do presente, esse momento que logo vira passado, tão efêmero que é. O passado é assentado em algum lugar da memória, volta em golfadas. O futuro, ah, este é sempre o daqui a pouco.

Deve haver alguma gaveta, caixinha, miolo, não é possível que não seja assim, onde guardamos algumas lembranças, as especiais, que ficam arrumadinhas lá dentro até que algo acontece no caminho da vida, vira a chave e a abre, de lá retirando e nos fazendo reviver vividamente o outrora, seja bom, muito bom ou ruim, muito ruim. Esse gatilho chega com tamanha intensidade que é incontrolável. E só seu.

Aí está a questão que me incomoda não é de hoje. De alguma forma estas lembranças estavam guardadas também com outra pessoa ou pessoas que as viveram ou presenciaram. Deveríamos poder sempre consultá-las quando vêm à margem, de forma que pudéssemos checar se na tal gaveta onde guardadas estavam se modificaram, perderam ou ganharam sentido. Daí necessitar de referência.

Estou perdendo todas as minhas referências, e esse vazio – com o passar dos anos – causa uma profunda angústia. Muitas dessas pessoas partiram, e levaram com elas a possibilidade de comprovação de muitas coisas que eu contaria, por exemplo, em uma autobiografia que um dia talvez ousasse escrever. Chego a ter um pouco de inveja de quem tem mais amigos das décadas de vida. Tenho muito poucos e os mantenho como se fossem joias, mesmo que distantes. Triste que em cada uma das décadas que vivi alguns dos principais coadjuvantes foram levados. Várias formas. Muitos, nas epidemias, de Aids; agora nesta que vivemos de forma tão dolorosa nos últimos três anos. E agora? Quem vai me ajudar a recuperar com mais precisão as aventuras de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos atrás?

Já os amores, alguns desses foram levados pelo vento, ainda nem lembro bem porque ficaram pelo caminho, por melhores que tenham sido no seu tempo. Os terríveis, e os vivi, sou eu mesma que tento assassinar de novo a cada lembrança nas vezes que chegam para a revisão. Alguns, muito bons, estão por aí ainda, mas não posso acioná-los, embora até devesse, por considerar que jamais deveriam ser esquecidos por nenhum dos lados como a mim parecem agora estar sendo – tal a intensidade, forma e o tempo de sua duração.

Tudo isso para dizer que também, igual você talvez, andamos perdendo muitos outros tipos de referências, Gal Costa, Erasmo Carlos, para citar algumas, e as suas mortes funcionaram como as tais chaves que guardavam as gavetas que se escancaram ao ouvir as melodias e letras que embalaram nossa existência em várias fases da vida. Elas escavam o passado sem qualquer controle possível.

Me vi esses dias com pouco mais de nove anos de idade, nas areias da praia de José Menino, em Santos, percebendo quando ocorreu o meu primeiro amor, e o quanto foi platônico. Lembrei o nome! Ivo. Vejam só. Era o namoradinho de uma amiga minha, mas desta não recordo de jeito nenhum como se chamava. Adivinhem, claro, qual música – aparecendo na biografia de Erasmo – despertou e resgatou esse sentimento com todas as sensações daquele tempo tão longínquo e esquecido até essa semana.

Não sei se já contei, também, que passei minha infância ali na Rua Augusta, que era o caminho dos ídolos da Jovem Guarda e todos seus amigos a caminho da então gloriosa TV Record. Quando podia, esperava na porta do prédio que eles passassem em seus carrões. Absolutamente apaixonada pelo Ronnie Von, “Meu bem” (Hey Girl), fazia questão de manter os cabelos lisos e compridos, com uma franja que jogava igual a ele quando cantava, alguns devem recordar exatamente esse movimento; era o príncipe dos sonhos naquele momento. Até há bem pouco tempo, inclusive, ainda me sentia intimidada quando – já bem crescida- o encontrava pela cidade.

Vejam só como eram belos e perenes os ídolos de outros tempos, e o que explica a comoção causada com as suas partidas. E como é grande o medo de continuar perdendo os meus próprios registros pelo olhar de outros. A torcida continua. Aquela. Vocês sabem qual.

https://youtu.be/_SpOyKv02rg

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MARLI GONÇALVES – Foi lindo respirar o ar da torcida pelo Brasil, a primeira vez em anos que pareceu todos torcerem em uma só direção, sem divisões. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Sonhos, quatro linhas e transição. Por Marli Gonçalves

Acordei esgotada de passar a noite inteira sonhando que estava arrumando malas e sei lá para onde é que era para ir. Vocês já tiveram sonhos desses, de noite inteira, de sonhar contínuo? Acordar, voltar a dormir e continuar com o mesmo sonho, quase um delírio?

SONHOS
 AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

Pois foi isso que me deixou encucada. Primeiro porque é bem difícil eu lembrar com o que sonhei; segundo, porque inacreditavelmente lembro de ter praticamente arrumado e repassado o meu armário inteiro – e isso é muito. Ou seja, tudo o que tenho passou na minha mente, guardados de décadas, outras para lembrar dias e emoções – sim, a roupa que estava em um dia ou outro importante, amoroso, quase um museu particular. Coisas para doar, cores, casacos, calcinhas rotas até. Eu ia separando e arrumando tudo num movimento sem fim. Não foi por menos que acordei cansada.

Aí me toquei: ressaca eleitoral, só pode ser. Fiquei muito traumatizada com uma pequena saída que dei dia 2 de novembro, no feriado, dois depois do término das eleições. Andei dois quarteirões até o supermercado e vi um monte de gente muito esquisita lá dentro e perambulando pela rua iguais aos viciados da Cracolândia. Zumbis. Não estavam enrolados em cobertas de lã, mas com a bandeira nacional, a coitada vilipendiada. Traziam pela mãos criancinhas, que depois vi também serem usadas como escudos nos bloqueios das estradas.

Já não estava com bom humor, admito, depois de ter passado a noite anterior inteira tentando dormir ouvindo estouros de rojões, muitos, centenas, um atrás do outro, som que vinha ali dos arredores do Parque Ibirapuera, de onde moro há uns três quilômetros de distância. A noite inteira. Se foi inferno para mim, imagino o que assustou a fauna do parque.  Pensei que tipo de comemoração seria aquela, até pela manhã saber que havia uma reunião desses zumbis pedindo intervenção militar, negando o resultado eleitoral, marchando e entoando palavras estranhas diante do quartel – o mesmo onde dezenas de pessoas foram presas e torturadas e mortas durante a ditadura militar. As bombas vinham de lá. Creio que eles tinham comprado para comemorar a eleição do coisinho e como ele dançou foram usar para gastar e perturbar. Mas devia ser um caminhão, um caminhão de pólvora. Quanta comida daria para ser comprada. Mas eles quiseram fazer barulho, perturbar, sentirem-se fazendo guerra.

Fiquei mal mesmo, de verdade. Doente, de cama. Depois acompanhando os movimentos pela tevê, os bloqueios e a violência, só piorei. E a pergunta que faço há meses continua. De onde saiu essa gente? Vocês devem ter visto nas redes os compilados e gravações desses movimentos em todo o país juntando grupinhos de alucinados quase se auto chicoteando, se imolando, alguns de joelhos rezando e gritando, outros marchando para lá e para cá irradiando ódio. Todos de verde e amarelo batendo no peito como se fossem só eles os patriotas. Um movimento claramente incentivado e organizado dias antes das eleições.

Porque natural, ah, natural não era! Natural mesmo foi o mar de gente tomando a Avenida Paulista cantando e dançando feliz durante toda a noite depois do resultado oficial, sofrido, mas vitorioso para quem não aguentava mais esses quatro anos de ataques e retrocessos.  Também moro perto, há um quilômetro, do MASP, na Avenida Paulista e daqui de casa ouvi a repercussão da festa. Depois, na madruga, dava pra escutar até o show da Daniela Mercury, de quem não gosto nada, mas achei até legal ficar ouvindo daqui da janela. Combinou com a festa toda. Natural também já tinha sido no sábado, e este movimento eu presenciei, dia anterior ao segundo turno, a mesma Paulista ocupada por milhares e milhares de pessoas de todos os tipos acompanhando o último evento da campanha de Lula e da Frente Democrática. Todos sorriam, se cumprimentavam, cantavam, num clima realmente de confraternização. Uma diferença enorme.

Começamos então a ouvir falar da transição de governo e agora entendi meu sonho desta noite. Simbolicamente estava arrumando minhas malas para esse novo tempo. Bem sei, nem vem! Não é que muita coisa vá mudar mesmo, estou acostumada com a política, e já dei muita risada com o Centrão imediatamente abandonando a barca e tentando subir nesse outro governo.

Mas outras cores – todas, na verdade, o arco-íris – chegam e podem ser usadas. Sem medo de ser feliz, sem o ódio e a ignorância que se incutiu nas mentes de forma tão deplorável e ignorante como o fez o tal bolsonarismo.

Ufa! No meu sonho, então, me preparava para outra viagem: a de novamente continuar a ser oposição, como já disse, a tudo o que for ruim, esse o papel da imprensa. Conheço bem os perigos dos tais ídolos de barro.

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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SONHOS

AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

SONHOS
AVENIDA PAULISTA, 29 DE OUTUBRO DE 2022

ARTIGO – No que é que você aposta? Por Marli Gonçalves

No que você aposta? A gente passa a vida apostando em algo, pode até ser com a gente mesmo, com o tal íntimo. Entre uma coisa e outra. Um caminho ou outro. Em alguém. Se vai conseguir ou não. Ganhar ou perder, eis a emocionante questão.

Administracion educativa: Proceso administrativo- Dirección

Não é por menos que nos últimos tempos têm proliferado, inclusive por aqui- e já era mania no exterior – esses sites e aplicativos de apostas, que ainda não consegui ter certeza se são bancos, se são sérios, se logo saberemos seus intentos. Por enquanto, ao menos que eu saiba, ainda só na área de futebol, mas não vai demorar muito para oficializarem apostas como esta que estamos fazendo agora em nosso futuro, quem vai levar o Brasil. Tudo virando um imenso sim ou não. Roleta russa, quase. Muita coisa em jogo.

O problema, e grande possibilidade, é que acabemos nos tornando completamente viciados nessas divisões, no país fragmentado de agora, aconteça o que acontecer. Já pensaram se a moda pega? Tudo dá aposta. Vermelho ou verde e amarelo? Já não é mais final de novela, ficção, o “quem matou Odete Roitman”? Tem reality pra dar e vender, e a cada dia sendo criadas novas formas de influenciar resultados.

Não vai demorar para que cheguem aqui as tais milionárias bolsas de apostas, aliás que por aí já devem estar bombando para a Copa do Mundo. Detalhada, não só para quem vai ganhar ou não. Quantas vezes Neymar vai cair em campo gritando e se contorcendo todo a qualquer esbarrão? O mais novo escândalo da FIFA (ou CBF)?  Alemanha? Argentina? Brasil? A Copa no Catar, com todas as idiossincrasias da região, vai dar certo? Mil possibilidades de apostas.

Fico imaginando também o número de apostas que vêm sendo feitas nos cantinhos, esquinas e mesas de bar sobre esse segundo turno presidencial, e acho até que não é por menos que a disseminação de fake news e tentativas de intimidação estão bombando, recordes. Obviamente que ninguém quer perder. E se for aposta a dinheiro, e quase todas as emocionantes o são, então, aí a coisa vai mais longe. Imaginem esses seres que apostaram milhões (contribuições eleitorais não deixam de ser apostas) nos candidatos, especialmente nesse aí que adoraria nos infernizar por mais quatro anos. Se ganharem, quem apostou espera ganhar muito – inclusive dentro do governo e se fazendo lembrar logo na hora seguinte. Ou acaso vocês pensam que essa loucura que vivemos é apenas ideológica? Aposte que não.

Apostar vicia. Perdendo, aposta-se até ganhar. Ganhando, se testa até onde vai a sorte. O Brasil tem amplo potencial apostador. Apostamos há décadas que um dia o país vai tomar jeito! Imagine se não. Aliás, aposta aqui é truco certo.

Conheço quem tenha muitas vitórias e acertos, mas eu nunca fui premiada em nada, pelo menos que me lembre. Ainda acho estranho passar na frente das lotéricas e ver aquelas filas enormes principalmente em dias que o prêmio acumulou. Gente que muitas vezes deixa de comer para apostar. A parte mais legal é quando essas pessoas são entrevistadas e começam a listar o que vão fazer com o prêmio. Ali, todo mundo é bonzinho e vai ajudar a família, os amigos. Deus tá vendo! Sonhar é bom, apostar nem tanto. “Não trabalha não pra ver”, cansei de ouvir de meu pai. Mais jovem, ele gostava de apostar em jogos de cartas. Um dia parou, completamente, creio que deve ter perdido ali algo pesado. Nunca soube o que houve. Mas deve ter sido sério.

Em geral apostas podem não ser nada saudáveis, inclusive para as famílias – muitas veem tudo ser perdido do dia para a noite em bancas. Melhor mesmo ficar só com as apostas bobinhas, que não fazem mal a ninguém, muito menos a nós mesmos. Melhor desafiar-se a si mesmo.

Pensando bem, nesse momento, e a esta altura do jogo, jamais apostaria de verdade em um ou outro, embora, claro, tenho minha preferência.  Acredito que não peguei esse hábito – pelo menos não a dinheiro, e menos ainda com outras pessoas – por causa da ansiedade que me abala muito, sempre, até que algo se decida.  Detesto perder. Já gostei muito mais de torcer pela vitória de uma coisa ou outra, mas na maturidade, e dependendo do tema, já vivi bastante para saber exatamente que nada – muito menos a política – vale a pena sofrimento, aposta radical, sacrifício, queimar meus lindos dedinhos no fogo.

E você, anda apostando muito? Par ou ímpar? #EleSim ou #EleNão? Vai ou racha?

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marli - apostaMARLI GONÇALVES – Oposição ao que é ruim, seja de que lado for. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Amigos, razão, sensibilidade, palpitações. Por Marli Gonçalves

Tudo bem aí? Tomara! Por aqui de vez em quando preciso medir pulso e pressão para ver se essa ansiedade que quase me tira o ar, faz ranger os dentes, esses medos repentinos e pensamentos atravessados, não são o meu corpo reagindo fortemente a esse tempo louco que passamos. Tempos estranhos esses em que não adianta quase nada ter razão. Tempos estranhos esses em que ser sensível à sua própria dor e a dos outros traz tantos dissabores.

palpitações

Só me sinto um pouco melhor quando vejo que não é sentimento exclusivo meu. Gente importante, famosa, rica, linda, resolvida, exemplos de equilíbrio que acompanho ou que mantenho entre meus amigos relatam sintomas muito parecidos aos meus. Alguns até descrevem situações ainda mais aterrorizantes e melancólicas. Creio até que meu bom humor e capacidade de adaptação me ajudam a que ainda não esteja tão atingida.

Antes de continuar, peraí! O que se transformou a eleição é só um item, antes que as defesas de todos os lados se armem e comecem a me mandar desaforos, que já ando cheia de receber e me controlar para não mandar uns coices de volta.

Muda de assunto um pouco que esse aí é pequeno diante da real e já encheu, se esgotou e nos esgotou profundamente, levando justamente mais pedaços de nossa saúde, especialmente a emocional. Falo do que restará após esse período tão longo, de anos, de dificuldades, destemperos, retrocessos, ataques, violência e desconsideração, doenças. Do que surgiu dessa situação pós pandemia, que tantos tentam resumir e afastar como se nada tivesse acontecido. Faltam assobiar para muito mais de meio milhão de mortos, cenas angustiantes, covas a céu aberto, aqueles números, gráficos, falta de assistência, remédios, ar, isolamento. Excesso de negação, ignorância, demora de tomada de providências. Muitos dessas consequências e reflexos, incluindo econômicos, só estão sendo sentidos agora, e o que até pode explicar um pouco da loucura, agressividade aflorada, da irracionalidade das discussões sobre qualquer tema; inclusive, a busca de mitos tão dispares entre si.

Por questão de dias, porque não tiveram tempo de tomar a vacina, perdi – aliás, o Brasil perdeu – enormes pedaços de nossa história, de minha história, amigos que por décadas as construíram e que perderam o tempo que tinham por aqui para fazer muito mais. Seus legados, suas obras, as lembranças e aprendizado dos que com eles conviveram. Não quero perder mais ninguém. E tem muita gente atingida.

Temos o dever de honrar a memória de todos e buscar que nada mais se repita assim.  Por conta da negação desenfreada e disseminada muitos outros foram embora, senão da vida mesmo, de nossas vidas, por não conseguirmos mais com eles conviver. Por mais que tivéssemos tentado alertar, eles acreditaram e, talvez, ainda acreditem nas mentiras, nas falseadas, passam por certa lavagem cerebral.

E mentiras matam. São insidiosas, convencem e comprometem o entendimento. Agora vêm revestidas, buriladas, maquiadas com ar tão inocente que conseguem provocar e escavar mundos sombrios, como a censura, o ódio e o confronto insuportável. Comprometem a liberdade.

Teremos de lidar com isso tudo ainda por muito tempo. Esse ar irrespirável. Pior, temos de nos preparar para isso como se em nossas vidas fossem estas as únicas preocupações, sendo que temos tantas outras que se aglomeram e nos pegam justamente tão frágeis, dificultando que possamos resolvê-las por não conseguirmos prever nem o que ocorrerá nos minutos seguintes.

Vocês entendem? Amigos, razão, sensibilidade e palpitações. E expectativas, muitas. Como sempre me aconselha um considerado leitor: “Tem calma, tem calma”

Difícil.

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MARLI GONÇALVES – Oposição ao que é ruim, seja de que lado for. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – 2022, que os patinhos na lagoa nos ajudem. Por Marli Gonçalves

2022, Dois mil e vinte e dois, dois patinhos na lagoa, como a gente chama o desenho bonito do número. Um ano que chega se arrumando, tentando se reorganizar, mas por mais otimistas que possamos ser, traz também tantas incertezas que os patinhos da lagoa estarão nadando em círculos

2022 dois patinhos na lagoa

2021 foi realmente um dos mais difíceis anos, e acredito que também deve ter sido o mais difícil de muita gente. O esgotamento geral após dois anos de pandemia; a sobrevivência física e financeira. O equilíbrio emocional perdido nos frangalhos, nos baques de perdas irreparáveis e notícias esquisitas todos os dias.

Difícil mesmo se situar em um planeta bolinha que parece ter sido sacudido por um chute tão certeiro que tantas coisas ficaram sem pé nem cabeça geral, e que já vamos para mais de dois anos de vidas modificadas.

Estamos fazendo um rescaldo e quando já estávamos até mais alegrinhos, boom, chega essa nova cepa ômicron – daqui a pouco, nesta toada, logo se esgotará o alfabeto onde se busca seus nomes para batismo. O fim de ano de todos está balançado, ainda inseguro com suas festas limitadas e o receio do que virá por aí.

Na verdade, já estamos sentindo muito claramente o que tanto temíamos, que essa coisa toda, e põe coisa nisso, não vai passar assim de uma hora para outra. Que as tais ondas ainda podem nos dar um caldo.

Outro dia, até fiz silêncio ao ouvir de um amigo que entende dessas coisas de medicina fazer uma observação pertinente, e que lembrou até de forma bem humorada: se nem os dinossauros resistiram aos primeiros seres da criação, as tais bactérias e vírus!

Com o tempo até desenvolvemos formas de lutar essa batalha, as vacinas entre elas. Mas ainda, infelizmente, não desenvolvemos formas de combater a ignorância que parece agora se alastrar de forma avassaladora sugando a energia de todos nós e, como nos mais terríveis filmes de ficção/ terror, tomando o corpo e a mente de alguns habitantes por ela contaminados e que passaram a circular no planeta disseminando não só a própria ignorância, como o ódio, aumentando todos os perigos enfrentados. Pior, alguns desses seres governam. Chegaram ao poder e nele efetivam como podem seu rastro de destruição.

O Brasil está contaminado, aqui aconteceu, e pelo pior tipo, o malvado, cínico, que se diverte enquanto a natureza queima, as pessoas passam fome, a violência se alastra. Agora, quer dizer, na verdade não só agora, porque as crianças sempre são as primeiras vitimas de tempos obscuros, até elas estão no alvo deste enredo fantástico, quando se pretende negar de todas as formas que possam ser imunizadas.

2022 bate à porta, e parece que não chega com roupa nova. Vem novamente acelerado, cheio de datas para as quais precisaremos estar bem preparados e, embora esgotados, buscarmos forças para o combate. Chega cheio de perguntas: vai ter Carnaval, vai ter Copa? – as mais inocentes delas.

Aqui teremos eleições, e cheias do dinheiro que tiraram do que nos seria mais importante, desviado para campanhas e partidos. Um país que já começa o ano num buraco danado, com crises institucionais, com uma inflação que corrói, ricos ficando mais ricos, pobres mais pobres, e os do meio achatados como sardinhas.

Um redemoinho que já faz com que aqueles dois patinhos na lagoa batam suas perninhas patinhas bem firmes para tentar parar de rodar e conseguir chegar em alguma margem segura. E que ninguém sabe onde está.

Até 2022!

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Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – O presidente boko-moko. Por Marli Gonçalves

Vamos relaxar, brincar um pouco, pensando no presidente boko-moko. Ele está fazendo tudo para o país, tal qual caranguejo, andar para trás e pros lados. Quer voto impresso e, entre outras, com a sua turma ataca nossas importantes conquistas. Só tirando muita onda com a cara deles, lembrando do que, então, poderíamos até querer de volta também.

PRESIDENTE BOKO-MOKO - FICHAS TELEFÔNICAS

Escrevo na máquina de escrever? Mando para vocês via telex, ou no teco-teco? Ah, já sei, enviarei um fax. Ou reproduzirei por mimeógrafo. Claro, só depois de comprar um pergaminho, que preciso perguntar onde tem. Telefonarei do orelhão com minhas fichas, que a fila da Telefônica lá da 7 de Abril está grande, dando voltas – muita gente querendo o plano de expansão. Mando um bip? Vou é jogar na loteria para ver se me arrumo na vida. Tem de furar o cartão da loteca.

Subo ou desço a Rua Augusta a 120 por hora? Olha só quantos Gordinis, Romisetas, que lindos SP1, coloridos, e cada cor tinha nome no documento. “Lanchas”, como o Galaxy, o Dodge, bancos de couro que a gente escorregava para lá e para cá a cada curva. O russo Lada, dizem, só vai aparecer quando cair uma tal de proteção nacional, de um tal presidente contra marajás, que também vai cair – pelo menos foi o que a vidente em borra do café disse.

Não, vou paquerar. Para achar os endereços, Guia de Ruas, aquele catatau. Qual tênis uso? Pampero, Conga, Bamba, Kichute? A bota branca, né? Olha só o cara com chinelo de borracha de pneu e bolsa com franjas. Cabelo Pantera ou capricho no laquê? Gente, olha aquele arrumadinho! Comprou na Ducal? Na Casa José Silva? Mesbla? Ah, aquilo no cabelo dele emplastrado é gomalina. Deve ter passado lá no Banco Nacional. Ou terá sido Sudameris, Bamerindus, Banespa, Real? A lista é grande dos bancos falecidos.

É, já tivemos mesmo muitos bancos, grandes, mas agora temos só uns três para escolher. Lembrei até de minha primeira conta, que abri no Sudameris, lindo o nome completo: Banco Francês e Italiano para a América do Sul. Achava tão glamuroso. E o talão de cheque, então? Era azul marinho, cheio de estrelinhas. É, talão de cheques é o nome daquele bloquinho que a gente recebia para usar, muitas vezes sem fundinhos. Sim! Tinha cartão de crédito. Era passado numa maquininha com papel carbono. Aliás, tudo usava papel para desespero das árvores.

Cadê os parques de diversões? Tinha um bem legal aqui na Avenida Santo Amaro, e o primeiro PlayCenter na Avenida Brigadeiro, com tobogã? Depois, foram morrendo também, ou ficando enormes e muito mais caros e inacessíveis. E a maçã do amor, os realejos com seus papagaios, tudo foi ficando distante.

Deu fome: o coquetel de camarão que era só pra quem “podia”. As panquecas do Rick Store. Oi, tempos do Hamburgão, Hamburguinho, Chico Hambúrguer, que era bom demais se lambuzar. De sobremesa, banana split. Ou, mais chique, mousse de papaia com pingadas de licor de cassis. Nossa, nunca mais os sonhos da doceira Abelha. A Dulca ainda existe, mas que decepção! Sem baba-rum, sem aquelas dezenas de opções, hoje sobrou só um mil folhas, mas sabe como é a economia, né? Agora dá pra contar as tais folhas. Cuba Libre (que assim seja! – logo, um dia!), Ginger Ale, Seven Up, Grapette, quem toma repete!

Mas a gente se divertia sim. Às vezes até cometendo pequenos crimes. Você teve o anel brucutu? O brucutu para fazer esse anel era uma peça, o bico do lavador do para-brisa dos Fuscas. Ah, era deixar o fusca na rua e lá ia embora o brucutu. Só valia se fosse assim, roubado.

Na moda não dá pra falar muito porque parece mesmo que tudo vai e volta. Tinha courvin, helanca, salto carrapeta. A revolucionária mini saia, usei muito, o que me valeu até a brincadeira à época de ser a jornalista com o cinto mais largo da redação, olha só! A calça de duas cores, a boca de sino, a cintura alta, a baggy. A modelo Twiggy, a mais magra da história, que era quase um olho com cílios, de vez em quando a gente vê alguma na rua. Hoje tem mais essas botocudas, com bocas que parecem ter sido picadas por abelhas selvagens, unhas em inexplicáveis e desajeitadas garras, com as quais devem até se flagelar em algumas horas, se me entendem.

Esses dias li por aí alguém falando sobre skates, como uma coisa de 20 anos atrás. Socorro, Revista Pop! Diz para eles que por aqui isso é coisa bem mais antiga, de quase 50 anos, madeira e rodas de patins o sucessor do rolimã. Eu estava lá, raras meninas, descendo as ladeiras de uma praça no Sumaré, tinha uma boa no Morumbi. Até que a polícia dava uma “batida” e a gente tinha de sumir.

Para finalizar, só tem uma coisa, importante: esse retrocesso todo que o presidente Boko-Moko insiste e está levando o país, além de querer a volta do voto impresso, não é legal, como essas lembranças. No passado tivemos mesmo coisas muito boas, sim, mas foi exatamente nesse passado que vivemos também uma ditadura, uma noite de 21 anos nessa tal pátria amada ao som de Don e Ravel, ame-o ou deixe-o.

Caiu a ficha?

*- Boko-moko: brega, kitch, cafona, ultrapassado, de mau gosto, fora de moda, gosto ou atitude duvidosa na estética. Gíria dos anos 60 e início dos anos 70.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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BOKO-MOKO

ARTIGO – Como você está? Na moral? Por Marli Gonçalves

Na moral, andamos há tanto tempo tão longe uns dos outros, sem encontros, sem calor humano nesse mundo digital tão frio e cheio de falsidades, que de vez em quando precisamos mesmo perguntar, inclusive a nós mesmos – e esta precisará ser a resposta mais sincera

MORAL
FOTO SPENCER TUNICK – BRASIL – PARQUE IBIRAPUERA – 2002

Aturdida. Assim eu responderia para você de como é que, pelo menos eu, me sinto no momento, e é difícil de explicar a extensão desse atordoamento. Nada muito sério a ponto de preocupar ninguém, acredite, até porque devo estar na inscrição de número bem mais de um milhão no Clube dos Atordoados, que pode me saudar em uníssono nesse momento. Demorei para achar uma palavra que expressasse esse meu sentimento de forma geral. Talvez você também estivesse procurando alguma definição, essa palavra, e daí revelá-la. Quem sabe ajude…Aturdidas e aturdidos, apresentem-se!

Calma lá que, claro, esse atordoamento tem muito a ver com os desatinos diários da política nacional, que mais para frente podemos dar uma comentada. Não só. Esta, ajuda, mas não é realmente a única razão. Até porque quem já viveu algumas décadas não se surpreende mais tanto com essa gente – só fica esperando o fim da história – e vai ter um fim, acredite. Está demorando, sei. Mas não há mal que nunca acabe.

O atordoamento passa pelo rolar ladeira abaixo que sinto com relação à caretização total que assola os mais variados segmentos da sociedade – o que inclusive explica essa gente do poder, seja de direita ou de esquerda. Quando penso que até em plena ditadura surgiram personagens tão interessantes, revolucionários, livres, como os que inclusive até hoje cultuamos e  alguns que já beiram seus 70, 80 anos (não apareceram muitos outros depois dessa geração), e não são poucos – Ney, Gabeira, Caetano, Lennie Dale, Gil, que a lista é longa.

Na moral? Essa semana foi censurada pelo Instagram uma foto do sertanejo Zé Neto, da dupla com o Cristiano. A foto? Ele, na praia, com a sua super normal esposa. Na praia; portanto, de sunga, e não com aquelas bermudonas horrorosas. Na foto, sem conotação sexual objetiva, posava na praia ao lado da mulher simples assim, transparecia o seu pênis, digamos, avantajado. O que houve?  Foi notícia a semana toda, ganhou 900 mil seguidores a mais. Isso, no Brasil, que eu saiba – se ainda é o mesmo país em que todos vivemos – um país de praia, de gente gostosa, desnuda. O pênis notícia. Melhor do que homem mordendo cachorro.

Acontece que a caretização, igual à pandemia, é mundial. Tem sido comum esse tipo de censura – tenho vários amigos fotógrafos sofrendo com cortes em seus trabalhos – alguns até pueris – nas redes sociais. Chocada fiquei – mais ainda, ao ver – e até fui verificar se estava assim mesmo na origem, também essa semana, fotos de Spencer Tunick, o fotógrafo americano famoso pelas suas fotografias de grandes aglomerações de pessoas nuas e que até já veio ao Brasil, onde fotografou no Parque Ibirapuera ( e eu estava lá, pode ter certeza). Nas fotos que fez em Londres (@spencertunick), as pessoas aparecem nuas, mas com tarjas na frente. Uma destruição do sentido de seu próprio trabalho. Bunda pode, ao que parece. Estas aparecem livres e soltas, gordas, magras, grandes, velhas, novas, bonitas, feias, empinadas, caídas. De frente? Proibido.    

Atordoada, só quero ver até onde vamos com isso. Com a criminalização do corpo humano. Mais, com a criminalização do comportamento humano, da liberdade.

Aqui, onde vamos? Um país que tem um ator do nada como Secretário da Cultura, revoltado porque se fala em vibradores, um religioso Ministro da Educação capaz de proferir (desculpem, mas não há palavra melhor) a seguinte declaração: “Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe”, disse. Sim, ele disse. Ao que se saiba, sem corar.

Cá entre nós, além de tratar a homossexualidade como doença, “opção”, já pensaram o número de famílias “desajustadas” que haveria, só nesse ítem?

Só rindo, tirando um pelo, como se dizia em gíria antiga, mostrando uma banana daquelas bem grandes, mandando-os se catarem. Sem censura.

moral?

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Mulheres, Uni-vos! Por Marli Gonçalves

Mas que seja para sempre, união além eleições, além luta contra o inominável abominável, contra os paspaqueras que pululam para nos destratar. Temos tantas coisas para lutar juntas e conseguir sucesso, oxalá ainda neste século, que nossas mãos dadas poderão realmente tornar esse mundo melhor. Fico orgulhosa de ver as novas gerações chegando com garra. Ou melhor, garras, afiadas, e coloridas com todos os matizes

turma de mulheresturma de mulheres

 

Mulher é tudo de bom. Mulher está na moda. Vamos aproveitar! Que foi assim, com perseverança, que o movimento feminista dos Anos 70 conseguiu tantas vitórias que talvez muitas e muitos de vocês que estão chegando agora não saibam o quanto tudo era ainda muito pior. Mulher não trabalhava fora, não tinha direitos reconhecidos, não tinha liberdade de escolha. Não tinha a quem recorrer. Mulheres não gostavam de trabalhar com outras mulheres, não se respeitavam entre si, era difícil juntar-se em grupos. Foi uma batalha danada, gente!

Vejo agora o reflorescimento vital de um novo movimento. Chamemos, sim, de feminismo, porque o é, embora ainda muitas teimem em não admitir, uma vez que tanto foi feito – e ainda tentam, mas não vai adiantar nada – para denegrir a palavra da qual devemos nos orgulhar. Feminismo. Agora é mais ainda, Feminismo 3.0, porque estamos mais adiante em nossas conquistas. O movimento hoje incorpora tranquilamente a sexualidade, o prazer. Prevê o combate ao racismo, à violência, à desigualdade, ao não pode isso, não pode aquilo.

Podemos tudo. E, juntas, poderemos mais.

Junte-se a todas as mulheres do mundo!

Bata no peito, empine os seios, com orgulho. Incrível que o mais novo motor tenha sido, pelo menos por esses dias, juntarmo-nos contra aquele ser que pretende ser presidente de nossa República. Pelo menos para alguma coisa boa servirá sua presença no cenário. Mesmo que ele – infelizmente, tudo é possível – consiga o seu intento, já é claro o suficiente que enfrentará uma mobilização muito especial, linda, ruidosa, cheia de vontade. Forte. As mulheres.

Que sejam de todas as classes. Que sejam de todos os credos, raças, posições políticas. As questões femininas são muito claras, devem sempre ter visibilidade dentro do cenário nacional; aconteça o que houver. Temos de ampliar, aumentar, agregar, conquistar – inclusive as desgarradas que ainda não perceberam a total dimensão que os novos fatos poderão tomar.

Em poucos dias formou-se um Grupo no Facebook – Mulheres Unidas CONTRA Bolsonaro, ao qual se agregou imediatamente mais de um milhão de mulheres, já prontas a ir às ruas. As hashtags só se avolumam. A geral é #EleNao.

mulheres, salvems nosso Estado!Mas quero dizer que é mais do que contra Ele. É a favor de tantas coisas que precisamos mudar, conquistar, conseguir visibilidade e respeito: Saúde, Educação, Trabalho, Direitos, dar um basta ao assassinato diário de mulheres apenas porque são mulheres.

Imploro que se mantenham unidas, ao contrário do país conflagrado e dividido. Que não seja para beneficiar um ou outro partido ou candidato. A maioria – repare – ainda são homens. O poder ainda é de maioria masculina; daí glorificarmos com razão muitas que estão ali no meio, levantando a voz. Que a união se mantenha além das Eleições – acreditem: vamos precisar disso, repito, haja o que houver.

Não se incomodem (!) com desaforos. Sim, sempre foi assim. Para nos combater nos xingam de um tudo. Falam até de nossas axilas! Se temos pelos aqui, lá, é um problema nosso. Se depilamos, se usamos calcinha ou não, se somos novas, velhas, gordas, magras, feias, belas, se umas amam outras, se queremos ou não casar e ter filhos é um problema nosso. Só nosso. De cada uma de nós. O corpo é nosso. E só quem é mulher sabe onde o sapato, sapatão, alto, baixo, rasteirinha, chinelo, chinelinho, aperta. Não é coisa para virem ordenar, nem com religião, muito menos com política e abuso de poder, mesmo inclusive que a tentativa venha de outra mulher que tente ter autoridade para tal. Nossas avós e mães já comeram o pão que o homem amassou, e agora é novo tempo, mesmo que muitas delas não entendam ainda quais foram as suas frustrações.

Salvem suas filhas desse tempo de horror, quando para onde a gente olha novamente está encontrando uma patente, coronel disso, general daquilo, olhos e caras duras, para os quais não bateremos nunca continência. Apenas, claro, se desejarmos, se quisermos. Hoje podemos também sermos militares, usarmos as roupas verdes e camufladas. Mandar e comandar.

Queremos é escolher. As lutas femininas começam, entendam todos, definitivamente, por uma palavra só: Liberdade. Essa é a palavra de ordem que nos manterá unidas cada dia mais.

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Marli Gonçalves, jornalista – Como disse, mulher está na moda, e já vemos até o marketing dando uma abusada nisso. Mas que essa moda não passe mais, nunca mais acabe. A propósito, em breve terei novidades para contar, e para as quais conto com vocês,  mulheres e homens de bem.

marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br

Beijo com marca de batom, 2018

ARTIGO – Conscientizadores digitais: onde estão vocês? Marli Gonçalves

Balela essa história toda de influenciadores digitais, além de ser muito chato ficar lendo quantas bobagens incutem na cabeça dos coitados e coitadas que os seguem cegamente. Ou melhor, vidrados nas telas das maquininhas que teclam desesperados e esparramam não sabem nem mais o que, para onde. Crias artificiais, espalham vento, à base de muita grana e contando que a internet aceita tudo. Quero ver nascer os conscientizadores digitais, fundamentais em um momento tão importante como esse agora

Você pega uma bacia, enche de água quente, joga umas ervas aromáticas. Chá? Para beber? Faz bem à saúde? Nãoooo! É para, digamos, sentar em cima, para fazer uma tal vaporização genital. Tem ainda quem pague até 50 dólares (o que na nossa moeda daria uns 200 contos) para que alguém faça para ela esse tal “tratamento”, já que deve ser mesmo muito difícil ferver uma água e jogar matinhos cheirosos dentro. Para o que serve além da chance de queimar os fundilhos ainda não descobri.

Isso é só um exemplo das bobagens indicadas pelos tais influenciadores, e que os portais ainda têm a pachorra de publicar com destaque e passar para a frente todos os dias, e o que é pior, tudo isso figura sempre entre os itens mais lidos – mesmo quando o mundo está se acabando. Reparou, né?

As tais blogueiras de moda, influenciadoras, por exemplo, essas então se divertem, ganhando muito dinheiro e tudo para indicar produtos, o que fazem com a cara mais lavada ou pintada do mundo. Uma hora dizem que o quente é usar maiô; depois o quente é usar de novo a asa delta dos anos 70 – mas que seja mais profunda, fique bem aqui em cima, tipo o estilo que o Borat usa. Não, esquece! Agora a onda já é usar a parte de cima do biquíni ao contrário. “As famosas estão usando” – é o mote. Peraí, que enquanto eu escrevia, mudou tudo: o legal agora é usar biquíni branco. Atenção, que isso também já pode ter mudado enquanto você lê. Quem paga mais?

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Papai, sábio papai caboclo velho, sempre dizia que tem otário para tudo. E dizia isso sem saber que as coisas na internet estavam muito piores do que as que via no mundo real. As pessoas gostam, praticamente pedem, imploram, para serem enganadas, ludibriadas, “influenciadas”, guiadas. Miolo mole, papai definia, seguido de um palavrão e um resmungo: “papagaios de botina” – já escrevi sobre essa expressão. (https://marligo.wordpress.com/2010/05/22/artigo-os-nomes-das-coisas-e-as-coisas-dos-nomes/)

Visto de forma um pouco mais poética, essas coisas me fazem lembrar de O Flautista de Hamelin, dos Irmãos Grimm. Contratado para acabar com uma infestação de ratos na cidade, o flautista os hipnotizou e os afogou, mas na hora de receber o que tinha sido combinado pelo serviço, desconversaram. Ele não teve dúvidas: tocou sua flauta de novo, só que desta vez hipnotizou e sumiu com todas as crianças da vila, que o seguiram la-la-lá alegremente, sendo trancafiadas numa caverna.

Aqui, os tais influenciadores – palavra que já está ficando chata de tanto ouvir – tocam suas flautas incessantemente. E o som se expande pelas redes sociais: são notícias mentirosas, pesquisas manipuladas, celebridades e subcelebridades fotografando, filmando e divulgando até os gases que aspiram. Centenas de agências juram que podem ensinar – com dicas óbvias, mas dadas como se fossem o maior segredo de Estado – a quem pagar, certamente, para também ser flautista. Mesmo que isso custe a própria dignidade como vimos essa semana em denúncia recente na área política. Já não são só mais robôs que manipulam informações; são gentinhas que recebem um trocado. Para trair atraindo.

O mundo verde e amarelo dos dedos tamborilantes precisa agora urgente da ação de um maior número de conscientizadores, didáticos, que falem sobre as histórias que viveram. Levante a blusa, mostre as cicatrizes se for o caso. Fale dos livros que não pôde ler, dos filmes e peças de teatro que não pôde ver porque tudo era proibido, censurado. Trate das dificuldades que enfrentou, e lembre principalmente do quanto isso atrasou a sua vida, tempo irrecuperável, quase tanto quanto o desse momento que agora nos castiga. Recorde a eles os planos econômicos enlouquecedores. Você pode provar tudo o que fala.

Recortes de jornais, velhas gravações, arquivos gerais. Muito bom espaná-los sempre com ares democráticos frescos. Só assim serão todos senhores de seus ouvidos. E de suas decisões.

Precisamos, agora, urgente, nos precaver: resguardar as nossas conquistas para que, aconteça o que acontecer, não mais sejamos atingidos tão brutalmente. Por ninguém.

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Marli Gonçalves, jornalista – Cadê vocês? – apareçam. Prometo: vou curtir, seguir, compartilhar.

marli@brickmann.com.brmarligo@uol.com.br

Setembro, finalmente.

ARTIGO – Espiral do Tempo e os dois perdidos. Por Marli Gonçalves

 

Não é sobre Lula e Aécio, fica tranquilo. Tudo girava. A ampulheta, e a espiral hipnotizante que rodava com os dois coitados lá dentro, perdidos no tempo, andando pra trás e pra frente, anos, séculos, participando de grandes eventos, se metendo em enrascadas, viajando no passado e para o futuro como imaginavam que seria. Nenhum fio de cabelo fora do lugar. Sapato social, um de terno e gravata e o outro com uma indefectível blusa com gola rolê. Imaginem só eles aparecendo nesta nossa época – iam achar que tinham finalmente conseguido retornar aos anos 60, de onde saíram.

Eu adorava. Puxa, valeria a pena uma refilmagem hoje de O Túnel do Tempo, seriado que teve só 30 capítulos. Era tosco, mas muito caro para a época. Se 52 anos depois ainda não conseguimos nem chegar perto de inventar a tal máquina do tempo, muito menos de evoluir, melhor mantê-la na ficção. Parece mais divertido. Os dois cientistas, Tony e Doug, enviados através da máquina que chamava Tic-Toc, eram daqui observados por uma telinha, como se fosse uma tevezona. Daqui, do lado de cá, bem atrapalhados, tinha um general, uma cientista, a Dra. Ann, com cabelo de laquê e que vivia desmaiando nos episódios, mais uns assistentes malucos e um segurança com capacete de guarda. A sala, escondida em um deserto no Arizona, era lotada de equipamentos e mesas, com fitas que rodavam, como fitas de rolo em gravador, e que toda hora davam algum tilt.  De vez em quando a tal sala ficava vazia – acho que os caras iam tomar um lanche. Em geral era quando os dois perdidos mais precisavam da ajuda.

Imagino como seria uma viagem deles aos dias de hoje aqui no Brasil. Iam se sentir em casa com tanta gente falando em esquerda e direita, invasão comunista, repressão, racismo, liberdade, golpe militar, cantando o Hino Nacional. Iriam ficar chocados como os costumes encaretaram de vez. E ficariam totalmente à vontade com alguns objetos de decoração e até com as vestimentas modernas, a tal modernidade que vive entrando na Máquina do Tempo atrás de referências.

Ficariam, no entanto, perplexos quando baixassem na Sala da Justiça 2018 onde se reúnem os vetustos e as vetustas, ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal. Iam pedir para sair correndo de lá, e a máquina poderia errar e derrubá-los em Curitiba, onde agora seriam confundidos com promotores, um deles pela aparência até com o próprio juiz Sergio Moro, ou apenas tidos como X-9 infiltrados se passassem pelo acampamento dos militantes pró-Lula liderados pela Narizinho Lula da Silva Gleisi Hoffmann e seus amigos.

Os cientistas se esconderiam atrás da porta para rir dessa “genial” ideia de acrescer Lula ao nome e tentariam entrar em contato com a base – primeiro para ser retirados daqui rapidamente logo que possível – bastante surpresos com os retrocessos que logo observariam – e para perguntar como de lá nos Anos 60 estavam analisando como que as mudanças não foram nada significativas nesse período. Utopias ideológicas, conflitos nas ruas, a tal esquerda infantil, militares dando pitacos na política, fora neca de saneamento básico, surtos de doenças tropicais, volta de outras tidas como erradicadas.

Sentir-se-iam bobos – e até um pouco frustrados – quando descobrissem que nesse meio tempo houve a criação da internet e das tais redes sociais. Uma espécie de túnel do tempo como previram e tanto desejaram criar, onde as pessoas ficam andando para frente e para trás, ou em círculos, perdidas, habitando estranhos mundos que imaginam viver na realidade, como guerreiros empunhando espadas que nada mais são do que pontas de dedo que digitam impropérios uns contra os outros, notícias falsas e verdades pela metade. Pontas de dedos que apontam inclusive para os amigos, e que justificam violências que poderiam ter sofrido anos atrás quando eram eles que estavam nas ruas trabalhando como jornalistas.

Nossos dois cientistas também ficariam abismados como nessa nossa época parece que nunca se entendeu tanto e se falou tanto de Direito e leis. Nunca se tentou tanto que as coisas fossem censuradas, se desrespeitou tanto a liberdade obtida a duras penas.

Como bons turistas, até que fossem resgatados pelos seus comandantes trapalhões lá do seu tempo, implorariam para ser transportados o mais rápido possível para um pulo no Rio de Janeiro, que nos Anos 60 já tanto ouviam falar como um lugar de beleza, samba, carnaval, praia, alegria.

Coitados.

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Marli Gonçalves, jornalista – “A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, bem pensou Albert Einstein.

marli@brickmann.com.br / marligo@uol.com.br

Brasil, 2018

 

Nosso blog também é memória. Lembra do Cornetto, o sorvete da Gelatto? Pois olha o cartaz da época que legal ( by casa do irmão Carlucho). Aproveitei e peguei o filminho do YouTube

REPAROU QUE NÃO TEM MARCA? A PROPAGANDA ERA MAIS LIMPA, CLEAN