ARTIGO – Você grita ou engole? Por Marli Gonçalves

BanditTambém poderia chamar algo como “Histórias e as normas internas”. Vocês também devem passar – ou passarão – por situações como essas, literalmente inacreditáveis e constrangedoras. Todos os dias ouço relatos parecidos. Eu grito, e alto, mas já estou cansada de tanto pelejar sozinha. E você? Engole? Sabia que uma tal “norma interna”, baixada por algum chispito do poder, faz com que essa gente se sobreponha às leis federais? Pois é.

Primeira segunda-feira do ano. Vou ao Banco do Brasil arrastando meu pai de 96 anos para revalidar a senha do INSS, dar prova de vida, e poder receber o salário mínimo que o humilha mensalmente, já que trabalhou dos 9 aos 90 anos. Levo-o à agência mais próxima, na avenida Nove de Julho, em São Paulo, e já preparada para uma guerra que, mal sabia eu, não seria a que enfrentaria e que relato a seguir, indignada. Aliás, toda a cena deste relato é acompanhada por dois seguranças olhando torto. O que fazem: olham torto e põem a mão na algibeira, como ameaça.

A tal agência do tal Banco do Brasil fica numa casa de três andares dos Jardins e não tem elevador, num bairro onde predominantemente vivem idosos, bem idosos mesmo. Para chegar ao caixa é necessário subir dois grandes lances de escada. O drama geral já começa na porta giratória – grossa, pesada, descalibrada, praticamente empurra a pessoa quando gira, principalmente os mais velhos. Entrei atrás de meu pai, segurando bem a porta para que ele tivesse tempo de dar os passos. É uma coisa inacreditável, gente!

hommes021Todo ano a situação se repete. Claro que ninguém nem é doido de sugerir que o meu pai suba – já chego preparada para reagir. Mas tem gente lá que, ou vai sozinho, ou é tão simples que não tem a menor ideia dos direitos que tem. Vou descrever o horror do que vi nesse dia: uma senhora muito velha e muito alquebrada e com muita dificuldade de locomoção, já descendo com todas as dificuldades do mundo esse lances da escada, e ninguém nem perto para auxiliar. Ela estava acompanhada de uma outra senhora bem simples, certamente sua cuidadora. Não sei ficar quieta e estrilei gostoso com os gerentes que confortavelmente se instalam no térreo, e que parecem mais um grupo de autistas do que de profissionais.

mz_08_10035659100Foi aí começou o meu drama: os caras não gostaram nada de eu ter chamado a atenção para o problema e o meu pai não estava com o RG original, tinha sumido. O que eu levei, no entanto, por favor, anotem: cópia autenticada do RG, o próprio pai, ao vivo e em cores, a certidão de nascimento dele, original, CIC e carta de motorista (que, no tempo dele, ainda não tinha foto). A cópia autenticada, inclusive, integrava um documento jurídico, inventário, totalmente legal, página por página. Fora isso eu estava com todos os meus documentos originais onde consta a filiação – e o nome completo do pai.

Acreditem: não aceitaram, impondo um constrangimento e humilhação indescritíveis ao meu pai e a mim. Ou seja, no fundo nos acusavam de estar tentando roubar ou enganar um banco, como se eu tivesse pego um velhinho qualquer no meio da rua. Meus nervos não são de aço e o forrobodó correu solto. Nessa hora, meu lado negro da força se manifesta e ele é muito feio. Normas, normas internas, ouvi.

Perguntei várias vezes onde estavam descritas. Nada. Enfim, no outro dia achei o RG e garbosos fomos lá esfregar na cara desses pequenos e podres poderes.18

Claro que busquei a Ouvidoria do banco. Na segunda, Dia de Reis, não tinha ninguém. Na terça consegui registrar a reclamação (número 29267474). Já recebi dois telefonemas que me fizeram contar toda a história de novo. Para, enfim, me darem – não por escrito – a resposta oficial do tal Banco do Brasil: normas internas.

São maiores que as leis do país onde documentos autenticados valem como originais.

Ah, você quer outra história? Pois bem: há dois meses acionei a Claro para mudança de planos porque a conta estava abusiva. Cortei isso, aquilo. Mês seguinte a conta tinha triplicado! Foram horas para corrigir o erro deles. Agora, segundo mês , quase tenho um ataque ao abrir a conta: 800 reais e lá vai pedrada. Tudo errado. Liguei, pronta a levar mais algumas horas e qual não foi minha surpresa? A atendente pediu um tempinho e retornou dizendo que já ia “estar mandando” a nova fatura para meu email: 211 reais. Ei, peraí, mas e o que aconteceu? Resposta: “Ah, houve um problema e vários clientes tiveram cobrados todos os seus procedimentos isoladamente”.

“Ah, e não podem avisar?”, “Ah, e não tem pedido de desculpas?”, “Ah, porque estamos tão desprotegidos cada vez mais, minha gente?”

Então, se você é um dos babacas que confiam em débito automático, fique esperto! Você certamente está sendo roubado nesse país onde é mais fácil ser ladrão do que honesto. Por isso, também, entre outras, andam fazendo tanta questão de só mandar as contas por e-mail ou que vocêzinho pegue na internet. Eles economizam. Você? Ah! Quem é você?

Grita ou engole?

Foram essas duas as minhas histórias de hoje. A da NET nem vou contar para não me estressar ainda mais lembrando. Mas tenho certeza de que você também deve ter algumas saborosas. Teve de lidar com atendentes ignorantes terceirizados, com o descaso, com o “sistema” e, agora, com mais um monstro: as normas internas do banquinho. Esse é o Brasil que estamos construindo. Não é BB. É BBB, Burocrático, Burro e Baleado.

São Paulo, o centro disso tudo. Imagine em outro lugar. Imagina na Copa. E nas Olimpíadas. 2014

Marli Gonçalves é jornalista – Para registro: atrás da Câmara Municipal de São Paulo, centro da cidade, tem uma praça, que se chama Vladimir Herzog, inaugurada com pompa, e pelo menos deveria estar sob os cuidados de alguém. Cena normal além de roubos: criancinhas pentelhas jogando bombas; Sim, bombas bem fortes e barulhentas, em cima das pessoas. Na direção do rosto. E aí? Aí nada. Capaz até de ser preso, mas você, se catar um coisico ruim desses para dar uns coquinhos.

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ARTIGO – Os poderozinhos de araque

Marli Gonçalves

Claro que você já se deparou com eles, já que se espalham como pragas por aí, principalmente nos serviços públicos e para o público. Esta semana enfrentei um, dos piores, daqueles dos quais a gente, bem ou mal, depende, e no fundo, exatamente o que me fez pensar duas vezes. A primeira, sobre o que a minha própria reação poderia causar a mim mesma e a outras pessoas. A segunda é que, coitados, deve ser apenas o pouco que eles têm para exercitar o ego, e a pouca autoconfiança, vamos falar assim, que deve ser “deste tamaninho assim”

Quase. Salva por pouco, um tantinho, por uma luz recebida de bom senso e controle que me surgiu na Hora H, por pouco que esta semana vocês não iam ter nem artigo para ler, turma! Tentaram me “ganhar” e, como certa de que, quando estou certa, não levo desaforos para casa, eu ia fazer aquele forrobodó. Ao tentar resolver um problema relacionado à aposentadoria de minha mãe – que morreu há exatos 9 anos – deparei-me com um cidadão, funcionário público, pago por nós para trabalhar por nós, mas com esse probleminha sobre o qual quedei meus pensamentos depois do ocorrido: os pequenos (e podres e pobres) poderes.

Olha isso: descobri agora, e porque fui cobrada, que há 9 anos, repito, 9 anos!, junto da batalha que eu levei durante meses contra a morte para que esta não levasse minha valiosa mãe, com uma UTI em casa, etc. e tal, problemas de toda a sorte, que alguém (eram dezenas de pessoas circulando) recebeu a pequena aposentaria dela por mais três meses e, claro, após a sua morte.

Para vocês terem o pano de fundo da conversa, venho encaminhando já há meses todos os documentos pedidos e possíveis para a defesa de que não fui eu, nem ninguém, os outros dois da família, e que tínhamos problemas bem maiores$$$$, mas muito maiores, à época.

O caso foi que respondi à altura a um servidor público que ousou se meter, de uma mesa do lado – não era com ele que estava tratando, mas deve ser o tal chefete – duvidar do que eu afirmava tranquila, em depoimento, inclusive oficial. Pior: duvidou do meu pai! Quando disse que não só meu pai até hoje, aos 94 anos, não sabe lidar com cartões magnéticos como que nem no fax chegou a mexer, o tal veio com suas falinhas irônicas, acompanhado de perguntas grosseiras e com pontas incidiosas.

Só que com esta “dúvida” dele, além disso, o tal me chamava – claramente para uma entendida em palavras – de mentirosa e/ou ladra. Pior: ladra de INSS, de caraminguás.

Quem me conhece pessoalmente já está imaginando o tamanho da encrenca, e da rapidez com que me levantei, chegando bem perto dele, para contrapô-lo. E da mesma forma que ele, minha voz subiu dois tons, em cima do “tamanco”, rodando a saia, fogo nas ventas.

Como o “cidadão”, vou tratá-lo assim porque sou boa, deve ser useiro e vezeiro em espezinhar pessoas simples, o bicho pegou. Vou contar: ele chamou a segurança (prefiro não comentar nem descrever o tal franzino que já chegou com a mão no coldre) para me retirar do recinto, e considerou desacato (existe, você tem obrigação, por lei, de aguentar firme as manhas de funcionários públicos, para o bem e para o mal!). Já escrevi aqui que ninguém põe a mão em mim sem motivo ou autorização expressa, que viro um bicho feroz, e me conheço. Foi aí que o tal bom senso me cutucou e eu “me acalmei” – porque se o franzino chegasse a relar em mim, ai, ai, ai. Voltei aonde tinha parado, e com o sapo instalado no fígado, terminei meu depoimento com a outra gentil servidora que me atendia, e fui embora. (O segurançazinho ficou ainda na porta uns dez minutos, olhando minhas costas, observando meu comportamento). O afrontador, esse, mostrou-se todo feliz com o exercício de seu pequeno poder.

Conto isso como registro e também como alerta, porque os pequenos poderes dessa gente que acha que os tem podem ser perigosos. E eles estão em toda a parte, revestidos de autoridade. Confundem tudo, e só “governam” com o autoritarismo, com a pressão, com o terror, com a imposição do medo e da ameaça. Quando mais patológica sua aplicação é considerada uma síndrome – a síndrome do pequeno poder. A psicologia define como uma forma de agir ou atitude de autoritarismo por parte de um indivíduo que, ao receber um poder qualquer, o usa de forma absoluta e imperativa sem se preocupar com os problemas periféricos que possa vir a ocasionar, mas sim com seu efeito de humilhação e em quem o sofre, subjugado.

Há profissões que vivem deles, sempre querem e precisam subjugar alguém. São os bozós das portarias. Os poderosos de crachá pendurado no pescoço. Alguns chefes. A dona de casa massacrada pelo marido que desconta na empregada; o segurança da casa noturna que tem três trabalhos e não dormiu; o homem que acha que dá tudo à mulher, põe comida dentro de casa, comprando sua alma. É o policial nas ruas diante de jovens. (Por favor, peço que entenda por esse ângulo a Rita Lee. Ela apenas tentou defender sua platéia. Mas ela é ela, ruivinha do balacobaco e boca grande, e acabou na delegacia. Foi o dragãozinho interior dela).

Depois desta que passei essa semana, realmente pensei muito no assunto. Até para me acalmar e sentir como a gente pode, sim, virar uma bostinha diante de gente tola. Por exemplo, se eu denuncio a pessoa em questão ao ministro, ao Ministério da Previdência, quem serão minhas testemunhas, já que não filmei os fatos? Os chefiados? E supondo que alguma sanção seja dada ao sujeito, como ele tratará sua família se for punido? Aliás, outra boa preocupação, que já deixo de antemão registrada aqui, e contando a vocês a história: o processo do meu caso deve estar nas mãos dele. O que me garante que ele não vai tentar usar mais uma vez esse seu pequeno poder? Bem, tenho nome dele bem guardadinho aqui comigo, caso tente.

Sabem como é, não? Papel aceita tudo. E nem sempre as pessoas têm consciência para por a mão.

São Paulo, onde brotam esses pequenos poderes, 2012.(*) Marli Gonçalves é jornalista. Não queria, ah, mas não queria mesmo, lembrar dessa forma da morte de minha mãe há 9 anos, que se completam agora, dia 9. Não queria ter de recordar o que passei. Muito menos saber que enquanto sofria tinha alguém por perto pensando só em se dar bem com um cartão magnético, para ganhar uns trocos.

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