ARTIGO – Primaveras que vivemos para ver. Por Marli Gonçalves

Primaveras que damos graças em estar aqui para ver em meio a tantas perdas, tristezas e apreensões – e essas não são só eleitorais, são de uma infinidade que a memória guarda e que se aviva a cada acontecimento presenciado, e eles se sobrepõem com assustadora rapidez. Alguns para o bem, mas muitos para uma acelerada piora.

PRIMAVERAS

Flores para que te quero. Clamemos pela primavera, a estação que chega precisa às 22h04 do próximo dia 22 de setembro. Também chamamos primaveras quando se consolida uma luta, quando muitas pessoas se unem em torno de mudanças, de alguma conquista, lembra? Primavera Árabe ficou bastante conhecida. Uma estação que renova, ou pelo menos tenta, nossas esperanças, o ar fica mais respirável, e até os animais mudam seu comportamento, saindo da hibernação, procurando parceiros, apresentando seus filhotes. Borboletas e abelhas se apresentam mais ativas, ajudando a colorir o mundo aos nossos olhos. Momentos únicos.

Pois bem, cada um guarda suas lembranças. Até quando fazemos aniversário, mesmo que em outras datas, completamos poéticas e marcantes primaveras. São tempos memoráveis e certamente a deste ano será recordada por muitos outros temas. Saindo aos poucos de uma terrível pandemia, nós, os que sobreviveram, pensamos em voar por aí como borboletas visitando o que restou, e quando então chegamos à conclusão de tudo e quanto muito se modificou nesses últimos anos, quase três da aflição mundial. Somados aos quatro da aflição nacional de um desgoverno agressivo também acompanhada pelo mundo, como o é a guerra, como são as guerras, a mais visível no momento, na Ucrânia.

A normalidade, como se costumava, essa não volta mais, dada a experiência vivida por muitas gerações eternamente marcadas, seja como órfãos, pelas sequelas, pelos novos hábitos, pelas vacinas que serão sempre reaplicadas, pelos cortes em áreas fundamentais à sobrevivência. Não há como entender experiências esquecidas que a ignorância leva a que novamente possamos sofrer, antes erradicadas; por exemplo, quem são esses os que não sentem o pavor da poliomielite que a tantos aleijou por toda a vida, não vacinam seus filhos?

As primaveras que vivi para ver incluem de um tudo, experiências seja na vida pessoal, profissional, amorosa, e na de ver um país que tinha tudo para deslizar suave pela História, mas sempre acabou tropeçando, virando mato, pisando nas flores, queimando suas largadas. O tal país gentil, tropical, quando conseguíamos achar graça até do horário eleitoral, nem isso hoje, que deu tiririca em tudo.

País que, a cada crítica que faço, daqui da realidade que vivemos, recebo de revide comentários que enumeram para que eu considere – nem sei bem como as acham – coisas boas, que deveriam ser mais que óbvias e obrigatórias. Às vezes penso se não há mesmo um monte de planetas diferentes aqui nesse mesmo lugar. Planetas e órbitas onde se isolam economia, riqueza, pobreza, alegria, esperança, ética e liberdade, comportamentos e conquistas que nos são tão caros. Cada qual com seus habitantes.

Esse meu mundo – e creio que da maioria – tem muitas flores, sim, que jamais me afastarei delas e de otimismo pelo seu florescimento, mas não há como negar os espinhos, os percalços, as pragas, os cortes, os perigos de alguns venenos.

O momento é agora. De plantarmos mudanças e primaveras, da forma que pudermos, com quem pudermos contar, e uma delas é extirpar o que nos causa tanta vergonha diariamente, principalmente a nós, mulheres, que atacam insistentemente. Desejam anular o tanto, mas ainda pouco, que alcançamos, nossa honra, liberdade, igualdade. O fazem semeando a discórdia, matando, queimando e envenenando os nossos corpos, fazendo surgir sementes do mal que considerávamos que jamais veríamos brotar novamente na História. E que sempre pergunto a mim mesma: de onde saiu essa gente tão pavorosa? Onde escondiam seus ódios, pensamentos sórdidos, qual foi a tampa aberta?

Uma delas, o resultado que levou à eleição de 2018, que agora temos o dever de fazer voltar de onde veio e de onde nunca deveria ter saído. Na época, confusa, muita gente não sabia mesmo quem era e o que significava o ser que acabou vitorioso, que tanto tentamos alertar, e ainda por isso somos punidos diariamente – tentam destruir o jornalismo, essa profissão fundamental e a qual me dedico há décadas, nunca tão menosprezada.

Agora, sabemos, todos, o que era aquilo. Não há como negar, a não ser os que ainda estejam com seus sentidos tapados por um torpor fétido e nauseante espraiado no ar que busca tirar nosso viço, que é muito além do que perfilam, esquerda, direita, e que nem de direita ou esquerda o são.

Que nosso campo seja o da esperança. Que façamos desta, agora, uma primavera mais do que especial. A do recomeço, até para que possamos poder colher as flores boas e desprezar novamente os musgos, se for necessário.

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MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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#ADEHOJE – OS OLHOS E ÓLEOS GRUDENTOS

#ADEHOJE – OS OLHOS E ÓLEOS GRUDENTOS

 

SÓ UM MINUTO – Não é só o óleo negro que invade as praias o que nos atinge. Não é só ele que é grudento. Grudentas são as declarações e a ignorância. Os movimentos políticos que, em um momento tão grave como esse, aqui e no mundo, parecem querer brincar com nossa paciência, nos fazem lembrar uma casa em que todos brigam e ninguém tem razão, nem aqui, nem lá no Japão.

Protestos violentos no Chile, agora também na Bolívia. Guerras, guerras comerciais. Lutas pelo meio ambiente, pela liberdade, democracia, Oriente e Ocidente conflagrados. Mas parece que nada importa a não ser as bobagens que brotam do presidente, seus comandados, a troupe que o segue alegremente, e que vai e que volta igual ao piche.

De bom mesmo, parece só que por enquanto nos livramos do Eduardo Bolsonaro como embaixador nos Estados Unidos. Por enquanto…

#ADEHOJE – PALHAÇADAS POLÍTICAS. E O MUNDO EM POLVOROSA

#ADEHOJE – PALHAÇADAS POLÍTICAS. E O MUNDO EM POLVOROSA

SÓ UM MINUTOÉ, NÃO É, É. Bem, enquanto gravo, o filhinho do Capitão, aquele ser Eduardo Bolsonaro, é líder do tal PSL, partido do presidente. Pode ser que daqui a pouco não seja mais, uma vez que o Delegado Valdir está tentando retomar. O jogo todo é pelos milhões do fundo partidário, não é por ideologia, ou porque alguém queira fazer algo por mim, por você, por nós. Uma palhaçada, mais uma, igual a que o governo federal está fazendo com relação ao óleo que não para de chegar às praias naquele que já pode ser considerado o maior desastre ambiental do litoral do país.

Qual é o remédio para nos livrarmos dessas pragas políticas que nos assolam há décadas? Não tem para onde olhar. Nos resta tentar algum humor para assistir a esse debate de baixo nível.

No mundo, os assustadores e inflamados protestos; aqui perto, no Chile; mais longe em Barcelona…e em muitos outros locais, somando-se a Bolívia se as eleições lá derem algum curto circuito. No Brasil as ruas ainda não estão falando. Temo o momento que começarem balbuciar o que se passa.
palhaçadaespalhando areia

ARTIGO – Carrapatos, por Marli Gonçalves

bugPulam, pulam, gesticulam e mexem as patinhas e as antenas. Dissimulados¸ são capazes de ficar muito tempo sem comer, alguns deles até quase um ano. Chegam magrinhos e sugam, sugam, até virar tipo bolinhas gordinhas. São arraigados, e o jeito é cortar pela raiz, mas sempre é difícil. Têm várias espécies, inclusive o carrapato-estrela, picadas particulamente dolorosas. Agora ainda por cima vem aparecendo um tipo novo: o carrapato tinhoso, que adora o calor das luzes das câmeras de tevê e se recusa a largar o corpo que infecta, desafiando as tentativas de exorcismo

Já matou a charada? Por que é que fui pensar e lembrar logo nesses serzinhos tão horrorosos, repugnantes e infectantes? Pois não que é só ouvir falar em (In) Feliciano, grudado justamente onde não poderia estar, ou nessa turma do Mensalão e companhia, ou no conjunto desmoronando da obra do país: lembro de como esses carrapatos estão disseminados, sugando o que podem e nem devolvendo o caroço.

Aterrorizante. Esses bichos, na verdade pragas, têm características muito comuns a grupos políticos de poder e pressão, entre elas a de ser completamente chupins, ou vira-bostas, como o pássaro que disfarça e deixa os seus ovos no ninho do tico-tico, que os cria inadvertidamente. Vivem às custas dos outros, os bichos; já os do gênero humano vivem da boa-fé, da ignorância, e da grande capacidade e abertura dos outros humanos para ser enganados quando sufocados por maciças propagandas coloridas e com artistas.

Mas não é só na política que esse universo paralelo pode aparecer. E nem foi só por isso que me lembrei desses parasitas que se atarracam. O nome desses insetos, aranhinhas, ácaros, para mim todos muito parecidos – carrapatos, percevejos, cupins, pulgas e demais minimonstros – viram palavras, excelentes descrições, inclusive passionais, emocionais. Muitas tristes demais.

tumblr_mekqriBhYh1r0f4vvo1_400Quantas vezes não nos envolvemos com pessoas-carrapato? Tão inseguras que grudam até nas nossas roupas, às vezes até nos cercam de tal forma que nos isolam? Note que são diferentes das pessoas vampiro, essas tiram e sugam a energia. Os carrapatos simplesmente não desgrudam.

É preciso estar atento e forte. Porque tem também o pensamento-carrapato, e é bom lembrar que o carrapato é bicho que não por menos costuma ser chamado de chato. Você começa a pensar numa coisa, aquilo vai crescendo, ficando mais dramático, tomando um vulto incontrolável, insano. Você sacode a cabeça, tenta mudar a rota, afastá-lo, e não consegue. Acontece muito quando a gente pensa que está doente, ou se sente ciúmes ou tem alguma cisma com a pessoa amada.

Mas, infelizmente, penso que o pensamento carrapato pode também ter uma forma ainda mais violenta e é quando se transforma também em uma das principais causas da depressão, um círculo vicioso, um redemoinho seco. Pode levar uma pessoa à loucura, à esquizofrenia, ou à procura da morte. Ao suicídio, esse tema tão pouco discutido mais abertamente, tão tabu.

Sou extremamente sensível a esse assunto desde que quando muito jovem, menos de 15 anos, perdi um amigo, garoto também, que meteu uma bala na cabeça. Surpreendi-me com a sua busca da morte – e era alguém que tinha tudo, pensava eu, especialmente tudo, inclusive beleza e riqueza. Depois, passados os anos, alguns outros casos bem perto, gente que buscou de mangueira de chuveiro a janelas, e em todos eles identifico hoje – que sei mais das coisas da vida – que houve o pensamento-carrapato.

Nessa semana a morte da estilista Clô Orozco me perturbou muito, e eu nem a conhecia. Mas sempre sabia dela, e sempre com informações sociais positivas. De repente, horas depois de sua morte, os mesmos lugares dessas informações mudavam o discurso, e falavam da verdade de uma mulher em crise, numa mulher triste, com problemas econômicos e um terrível desânimo. Falavam de mais um alguém com pensamento carrapato e que até já havia tentado se matar duas vezes, sugada de suas esperanças.

animated_fleasAparências enganam mesmo. Os carrapatos estão em todos os lugares. Viraram pragas da vida urbana. Pior: também viraram representantes dos Três Poderes.

São Paulo, abril, 2013Marli Gonçalves é jornalista– Não consegue parar de pensar e tentar advertir que alguns carrapatos humanos já estão tripudiando com a nossa cara, tentando se aconchegar nas nossas vidas para sempre!

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