Vi nascer a estrela hoje cadente, decadente
O broche do PT, na época de sua fundação, era com a estrela azul.
Assim era: tanta gente legal, militante, culta, vivida, intelectual, inteligente, criativa, guerreiros, todos, apoiando! Nesse ninho nascia o PT.
Foi como aconteceu. Assim, o assunto central desse artigo chega para se apresentar: eu sou uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Tipo ativa. Tipo eutavalá. PT: Eu fui, se tivesse sido show de rock. Ajudei a angariar assinaturas para o diretório de Cerqueira Cesar, região central aqui de São Paulo. Saía por aí, para lá e para cá, tipo vendedora porta em porta, com aquelas fichinhas de filiação na mão, convencendo gente da resistência, para podermos enfim fundar aquele partido dos sonhos – cada distrito precisava se firmar com um número de filiados para existir legalmente. Botei até minha mãe nessa, coitada. A estrela que até hoje se equilibra como símbolo do partido e que, 35 anos depois, parece cadente, estava em buttons, gadgets. Eu tenho um broche com a estrela azul; sim, azul, capaz até de tentarem negar isso hoje, se é que ainda tem alguém de bem dessa época lá atrás e que ainda não tenha percebido a roubada que o partido virou.
Um homem de boa lembrança foi um dos gurus dessa criação partidária na minha região: o sociólogo Vinicius Caldeira Brant (1941-1999). Ele tinha participado de organizações que, para mim, os nomes e letrinhas soavam como música atraente naquela época: Ligas Camponesas, MRT, AP, CEPAL, UNE, CEBRAP. Sua figura magra, inquieto, cabelos com brancos e fios longos e esganiçados, era enigmática daquele tempo de luta, quando ainda nos arrastávamos fora de um ditadura cruel de tantos anos, mas que botava as manguinhas de fora de quando em quando, se debatendo ainda mais alguns anos para não ir embora de vez oficialmente, o que só aconteceu mesmo lá pelos idos de 1985.
“Repito: minhas desculpas, nossas desculpas. Eu e milhares de outros não podíamos prever que o PT viraria o que mostra hoje ano após ano: sem noção e que envergonha não só quem acreditou no sonho, mas todo o país”.
Mas não era só ele. Tinha a Bete Mendes, atriz de sucesso, estrela global, ativista pela anistia e cultural, uma das primeiras a pensar numa lei que ajudasse a Cultura (depois a conseguiria, como deputada federal pelo PT, a Lei Sarney, que foi o primeiro “nome” da atualizada e sempre criticada Lei Rouanet). Bete Mendes foi uma das tônicas finais para que não só eu, como muitos outros, percebessem no que é que o PT já havia se transformado poucos anos depois de sua criação – fechado, monolítico, diversionista, careta do ponto de vista comportamental, atrasado com relação a qualquer amanhã. Bete Mendes foi expulsa do partido porque votou a favor da candidatura de Tancredo Neves, ainda indireta, mas obtida com esforços.
Aquele líder barbudo e corajoso de São Bernardo foi se transformando. Poderia fazer uma animação desta transformação, que começou nos charutos e whiskys tomados na Boite Gallery às inúmeras tentativas frustradas até que conseguiu a presidência, já neste século. Hoje vocês estão vendo. E o resto já sabem o que aconteceu.
Repito: minhas desculpas, nossas desculpas. Eu e milhares de outros não podíamos prever que o PT viraria o que mostra hoje ano após ano: sem noção e que envergonha não só quem acreditou no sonho, mas todo o país.
Meio por sacanagem minha (que a botei, mas nunca a tirei), mamãe, que já perdi há 12 anos, até o fim da vida reclamava muito a cada campanha daquelas porcarias que chegavam no nome dela pelos Correios, referindo-se aos panfletos do PT, santinhos e jornais. Eu só ria. “O que é que o pessoal do prédio vai achar de ver essas estrelinhas? O que vão pensar de mim?”, resmungava, rasgando tudo imediatamente.
Vejam que a coisa não era nem um quarto dos escândalos e do que é hoje. Nem um terço desse tipo rezado e guardado por eles nestes últimos anos no poder maior.