ARTIGO – Pescados e Pecados. Por Marli Gonçalves

Pronto, chegou. A santa Semana Santa começa agora, domingo, e vai até o outro, a Páscoa. Do jeito que as coisas andam, sem pescados, com pecados, e sem chocolate, tudo na hora da morte, sacrificados. Vai ter malhação do(s) Judas? Ideias de personagens não faltam. Tem muitas coisas em comum, ou para serem lembradas com o que vivemos hoje, e a celebração da Paixão de Cristo, sua morte e ressurreição

pescados e pecados

Conta a lenda que Jesus Cristo não aceitava o tipo de vida que seu povo levava, o governo cobrando altos impostos, riquezas extremas para uns e miséria para outros, e sua luta por justiça seria punida. Isso acaso lembra alguma coisa, algum lugar que conhece?

Momento sagrado que esse ano, ao contrário de todos, será subvertido ao bel prazer – normalmente tem Carnaval, 40 dias, quaresma, depois vem a celebração religiosa; agora é celebração, reza, reza, e depois, semana seguinte, Carnaval. Brasileiro não tem mesmo problema algum em mudar tradições. Vai por decreto. Piora em ano eleitoral, se pudessem distribuiriam ao povo saquinhos de bondades.

Mas mesmo agora nessa semana, ao que parece, ora, ora, muitas tradições serão afetadas. Por exemplo, na tradição católica, a Sexta-Feira Santa, a Sexta-Feira da Paixão, é dia reservado para a prática da abstinência. Uma tradição do catolicismo preconiza que não se coma nem carne vermelha nem frango nesse dia.

Silêncio. Não deveria conter ironia. Mas…já que faz tempo que esses itens sumiram ou escassearam na mesa dos brasileiros. Aí, é permitido se alimentar com peixe, ok? Claro que já viram os preços escalafobéticos, inclusive do desejado bacalhau, mas se não viram, deixe estar. Todos os noticiários repetirão as matérias sobre isso, sobre preços, sobre como comprá-los, verificar seus olhos brilhantes, suas guelras firmes, coisas assim. E que vivam as sardinhas que devem salvar alguns pratos!

Pessoas mais religiosas optam pelo jejum total, ou parcial, esse já disseminado na maioria da população que ou almoça ou janta, isso quando toma um café que vocês bem sabem quanto está custando. Tem o tal jejum intermitente que anda meio na moda para quem acha que assim emagrece. Ou se limpa de impurezas, coisa mais besta ainda. Má notícia: os médicos dizem que tal intermitência pode até fazer com que quem o faça engorde ainda mais!

Mas voltando à nossa celebração religiosa, feriado prolongado, que já deve estar assim de gente arrumando malas para cair fora para alguma gandaia. Não dá nem para ficar falando muito que, se não tem carne, não tem frango, não tem peixe, se opte por vegetais e frutas, produtos naturais. Não dá, inclusive, porque não quero arrumar encrenca com os pecuaristas que arrumaram treta até com o banco poderoso, e por muito menos que isso. Invocaram com o movimento dos vegetarianos que existe há anos – as “Segundas sem Carne”. Se bem que, em protesto, eles fizeram churrascos nas portas das agências, e vai que sobra uma picanha, uma maminha, uma costelinha… Mas ainda é melhor deixar para lá que encrencar com poderosos crucificou Jesus.

Desde menina, lembro, morria de medo de errar nesse dia e comer alguma carne – e sempre a gente ou esquece ou passa uma tentação pela frente. E claro que aqui ou ali quando se dá conta já está mastigando o proibido. A ideia do pecado, da punição, da culpa, sempre tão presente na religião. Oh, céus!

Aí chega o Sábado, de Aleluia. Dia de Malhação, que não é a da tevê. Malhação do Judas. Coisa até bem violenta. Tradição: juntar um monte gente para, divertindo-se, espancar, dar pauladas, arrastar por aí um boneco, espantalho, em geral primeiro dependurado, meio enforcado, do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos, qualquer coisa. Correr com ele, e depois tacar fogo, em geral ao meio dia. Aqui em São Paulo era até bem comum ver mais disso. Mas todo ano aparece algum, em algum lugar, algum bairro, já que sempre personifica, com placas ou máscaras, alguém malvisto do momento, políticos em geral, malfeitores do povo. Como disse, mais um ano em que a lista é enorme, difícil até de decidir, de candidatos. À eleição. E a virar Judas.

No domingo, os coelhinhos que se livraram de virar assado já que não temos o hábito de tê-los no cardápio normalmente, surgiriam como símbolo de renovação, ressurreição (quase virando lenda, dada a impossibilidade financeira e o oportunismo dos fabricantes), e trariam alegremente ovinhos de páscoa, de chocolate, para as crianças.

Como vemos, anda impossível até manter o mínimo de tradições. Pelo que parece a única mais garantida, que mudam até de data, ópio do povo sem pão, fora de época, é completamente pagã.

Assim vamos indo. De fantasia em fantasia.

E Evoé, Baco!

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Todos às ruas. Por Marli Gonçalves

EU PROTESTOEstamos gostando muito dessa brincadeira. Até porque é boa, barata, pode ser bem divertida e é essencialmente democrática. Social, colaborativa, associativa, participativa, diversificada. Estamos nos espalhando e nos esparramando pelas ruas e avenidas ora por tristezas, ora por alegrias, ora por reivindicações; e muitas, por birra. Vamos ocupar as ruas sambando e cantando a música que queremos que eles toquem

vamos todos protestar!Muito impressionante esse novo comportamento nacional que aprendeu o caminho das ruas e avenidas para demonstrar o esplendor do seu povo e a firmeza de suas opiniões. Isso quer dizer muita coisa e não é só Carnaval. Nem só futebol. É preciso estar mais atento porque só vai crescer, só vai acontecer muitas e muitas vezes, pelos mais variados motivos. Poderão ser grupos grandes, mas algumas dezenas que se unam já estão causando as transformações.

Também não é só aqui – é no mundo. As pessoas se enfeitam, pegam suas fantasias, inventam roupas, costuram uniformes, pintam a cara, produzem plaquinhas onde trazem suas reivindicações, fazem suas bandeiras. Eram só grandes eventos que mobilizavam; agora não, as pessoas estão nas ruas no mesmo momento – pode ser até a posse de um presidente; do outro lado já se movem pedindo logo a sua derrubada, como vimos nos EUA.

Parece bem claro que estamos vivendo tempos de mudança e os mocorongos precisam se dar conta disso rápido sob o risco de ser atropelados pela turba que está tornando a opinião pública algo bem visível, contável e palpável. Estivemos acomodados tempo demais e agora o mundo inteiro procura novas estações, uma Primavera para chamar de sua. É uma rebeldia represada.

Isso requererá preparo. Físico, para quem participa: que não é brincadeira andar quilômetros, concentrar-se em pé durante horas, tirar fotos para mandar para todo o mundo, se livrar dos chatos, bêbados e inconvenientes que sempre surgem, dos empurrões, pisões e cotoveladas. Em alguns casos, some-se o stress de não ser roubado, e nem que batam sua carteira, e que a polícia seja para quem precisa da polícia.

Mais do que isso, vai requerer preparo e treinamento dos governos, dos mandachuvas que deveriam até fazer promessa para ficar bem longe de ser o alvo dos protestos, dos levantes populares. Requererá um novo sistema de segurança para as massas, requererá recursos, novos equipamentos e treinamento do pessoal. Aliás, precisará de bem mais pessoal.passeio de hoje

Tá na moda. Ir para as ruas. E protestar. Chamar a atenção. Bater bumbo – que já não é mais hora de panela. Aqui no Brasil o atual governo parece não estar se dando conta de que está numa corda bamba toda rôta, super rôta, que tem muita gente sacudindo para ver se rompe. Não registra na cabeça que certo ou errado caiu mal na boca dos jovens e que estes não perderão nenhuma oportunidade que tiverem para esculhambá-los, além-PT. Aliás, esculhambar todos os governos, esferas, todas as formas de poder que puderem afrontar – uma vez que com eles não têm elos. Sem compromissos. Não sabem nem bem do que se trata. As notícias estão mal contadas.

Na era da informação digital está muito fácil criar grupos e grupos de maria-vai-com-as-outras. E todas irem para as ruas. Ninguém mais quer ideologias para viver.

O crescimento dos blocos nas ruas – inclusive na sisuda São Paulo – é sinal de que a Avenida Paulista e arredores terão um ano agitado com agenda cheia. Que vai ter bombas de efeito moral e de pimenta sendo acionadas contra pedras, pneus queimados, agências bancárias depenadas e ônibus em chamas. Que vai também ter muita classe média de volta para o asfalto se as medidas econômicas demorarem muito a fazer efeito e se não acabar esse desfile de larápios revelados à luz do dia com suas ideias estapafúrdias para o país.

passeatapasseataVamos todos gastar muita sola de sapato.

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20170225_003720 Marli Gonçalves é jornalista – Num lampejo de vidência prevê que essa Quaresma vai ser animada e vai ter muita gente pagando pelos seus pecados antes mesmo de se arrepender por eles.

SP, 2017 engatando o terceiro mês – Avoé! Aleluia!

marligo@uol.com.br

marli@brickmann.com.br

@MarliGo

ARTIGO – Quer tomar banho comigo? Por Marli Gonçalves

swimteamOlha só a atrevida! Pensou na água? Xuá Xuá. Já estou lá na frente, nas águas de março que espero que não nos afoguem, quando um monte de gente vai querer falar ao mesmo tempo nas ruas, as mulheres serão lambidas e homenageadas, e as contas reajustadas já terão passado pelo desvão de sua porta.sport-graphics-water-skiing-619865

Vamos aproveitar a Quaresma e nos purificar. Não pense mal de meu convite. Não sei se vai ter água na sua torneira ou chuveiro, mas resolvi molhar sua cabeça. É bom, refrescante. Tudo com muita economia porque fiz grandes descobertas para encher essa nossa banheira aqui de água boa. Descobri que tem muita água nesse mundo, até pedra, a água marinha, bela. Não por menos o talismã dos marinheiros e dos amantes, protegendo os primeiros, que recebiam as pedras dada por Netuno diretamente das mãos de ninfas que a eles chegavam, pelas águas, cavalgando cavalos marinhos, e servindo para reacender amor e fazer com que a gente se livre de tanta maldade existente nesse mundo. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Mas vamos mudar da água para o vinho, que águas passadas não movem moinhos.

Só percebemos o valor da água depois que a fonte seca, talvez por isso sempre disseram que não fôssemos com tanta sede ao pote. Seja qual for, podemos – sem querer- nos estabanar e deitar água na fervura, esfriar entusiasmos. Estamos fervendo com pouca água igual aos carros que lembro parados na subida da serra de Santos e que eu, pequena, achava que quando acabavam as curvas o resto da viagem até em casa já era bem garantido.

sport-graphics-water-skiing-342157Mas não pense que não há crocodilos só porque a agua está calma, diriam alguns sábios. No bicho, água é jacaré: grupo 15, dezena 60, centena 460, milhar 1460 que, se você joga, deve entender o que é isso. Para mim, lhufas, nunca joguei. Tem pra loteria também: Megasena: 08 – 15 – 16 – 31 – 37 – 39/ Lotofacil: 02 – 03 – 07 – 08 – 09 – 10 – 11 – 14 – 16 – 19 – 21 – 22 – 23 – 24 – 25/Timemania: 09 – 13 – 36 – 38 – 40 – 46 – 49 – 57 – 68 – 73/ Quina: 02 – 12 – 25 – 37 – 71. Melhor se prevenir e pensando na água de beber, camará, trouxe esses números que achei para você jogar quando sonhar com ela, coisa que já estamos fazendo. Ou melhor, tendo pesadelos com a água turva que os paus dágua deixaram para a gente, o abacaxi.

Se você ganhar, vamos meiar, hein? Toma água com açúcar. Nosso banho pode ser de águas termais, depois do banho de água com sal grosso. Depois a gente passa água de colônia, agua de cheiro, água de rosas, água de laranjeira. Podemos sonhar mais com água, com o banho na água do riacho, na cachoeira, no lago, na água do mar.

Cuidado só com a água viva e vivaldina. Você estava deixando eu delirar com o tal sonho de água, sombra e água fresca. Mas joga soro, água destilada, fria na minha cara! “Pau, pedra, fim do caminho/Resto de toco, pouco sozinho/Pau, pedra, fim do caminho/ Resto de toco, pouco sozinho/Pedra, caminho/Pouco sozinho/ Pedra, caminho/Pouco sozinho/Pedra, caminho/ É o toco…

Não se distraia. Água e vinho, não mistura. Água e óleo, não mistura. Água e esgotos se misturam, tem até departamento. Lava bem com a água sanitária, águas pluviais, fluviais, água de lavadeira, água de poço, quase água de lastro, a que leva e traz estranhos para os países, navegando águas territoriais, continentais. Pensa em como lavar a água para usar de novo. Potável. Informa aquela moça, que sabe o que é agua oxigenada, ah, isso deve saber. Cuidado que os imperialistas vão te botar água negra goela abaixo. É capaz de gostar, sabe como é. Passou o nome na água de calcinhas, na água de passar o café, na que tirou do joelho. Respire direito, para ela não ir aos pulmões, entrar no seu ouvido e em sua boca também.giphy

Põe mais água no feijão, para a gente comer com água de coco, ou fazer descer as bolinhas com água com gás; a água traz e leva, Iemanjá sempre disse, mas não sei se ela fala ou canta – apenas a sinto. Talvez passemos temporadas de água batendo nos joelhos, e começaremos a achar gostosa até a água da salsicha, a água do bacalhau. Depois correremos para nos borrifar com a água de toilette.

Para começar, o que precisamos que se faça o mais rápido possível, antes que vire gelo parado (ou vapor), é só um pouco de água de torneira para aliviar esse corado rubro de vergonha, ou beber um pouco da água de uma tal Melissa, que acalma estômagos e intestinos.

Para não chorar lágrimas cristalinas depois que a água tiver derramado. Nem se queimar com a água benta.

São Paulo, apavorada se ficar seca, e que queremos bem úmida, 2015

#Aninmated-corgi-Dont-drink-meMarli Gonçalves é jornalistaÁguas de Março é uma das mais belas e consideradas canções em todo o mundo. Mundo este que tem 70 % de sua superfície coberta por água. Nós mesmos temos 60 % de água no nosso organismo. Mulheres, pouco menos, até porque temos mais gordurinhas. Estamos rezando para as águas de São Pedro.

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