ARTIGO – Nós, os cronistas tarados, abismados. Por Marli Gonçalves

Crônicas são pessoais, o que nos dá caminhos para conversar com os leitores sobre experiências, sentimentos, momentos, e de, ao fazer verdadeiras confissões, buscar companhia e alento. Cronistas observam e absorvem o cotidiano, o coletivo.

TARADOS POR VACINAS

E está tudo muito esquisito. Dito isso, pergunto como vocês estão se sentindo nesse momento? Quando começávamos a nos sentir aliviados, pelo menos um pouco com relação à pandemia, somos inundados por mais uma onda, e ela é alta, agressiva. Só não digo inusitada, porque o comportamento geral de fim de ano já antevia que coisa boa não viria, todo mundo tomado de vontade de se encontrar, abraçar, beijar, viajar, sair por aí. Soma-se ainda o vendaval do surto de gripe atacando nosso povo já doente de tantas coisas e que se espreme em filas e filas diante de postos de saúde e hospitais, necessitando serem atendidos e tratados por profissionais esgotados. Onda, bola de neve, avalanche, fora as enchentes. Mais um verão sem graça, e sem Sol, sem Carnaval, sem charme e até sem uma modinha para chamarmos de nossa.

Aqui, tenho sentido novamente algumas crises de ansiedade, dificuldades de segurar a cabeça, os pensamentos, a tristeza de já ter perdido tantas pessoas importantes e o alarme incessante que parece tocar novamente a cada informação sobre pessoas conhecidas infectadas aqui, ali e acolá. E, como tarada por vacinas, com as três doses, mais a de gripe tomada logo no primeiro dia da campanha, aguardo – eu e o meu braço – para o mais breve possível mais e mais reforços, ao contrário do que propaga o presidente insano que nos desgoverna. Se tivesse filhos ou netos estaria ainda mais revoltada com o descaso criminoso sobre a vacinação infantil.

Esse é o outro ponto. O presidente insano que nos desgoverna e não para de fazer e vociferar besteiras dia e noite, ecoado por militantes e por um ao redor cada vez mais agressivo, perigoso e ignorante. Ou, pior, cercado de aplausos vindos de quem pavorosamente pretende ou já está se dando bem com esses disparates vergonhosos. Esse momento é um dos mais deprimentes da história recente do país, e não há como se sentir confortável diante desses passos claramente em direção ao perigo total nesse ano eleitoral. Um pesadelo, que vivemos acordados; mas ainda inertes.

Isso não é normal. Não se pode normalizar a barbárie. Na contramão do mundo vamos nos esborrachar batendo de frente. Governo e Estado confundidos, achincalhados e comparados. Tudo fora da ordem. Estão rindo da nossa cara. Nos ameaçando, xingando, agredindo. Pior, matando. Inclusive o futuro, que vem sendo ferido continuamente.

Como estamos reagindo? Ah! – Fazendo piadinhas, memes, por aí tirando pelo da cara deles nas redes sociais, dando uns apelidos memoráveis (até concordo), mas dia a dia a situação só se agrava, como se todos eles estivessem gostando desse jogo, o incentivando. E precisamos correr dele, desse jogo que já comprovou ser ineficaz, perdendo a graça.  Sem opções, divididos, brigando entre nós mesmos, e entre os adoradores de lados opostos que acendem velas para perigosos e já traçados caminhos anteriores e que inclusive nos trouxeram até esse momento doloroso. Um ministro absurdo que declara que a primeira-dama, essa nada, simboliza nossa mãe. Deus nos livre! E um outro lado que clama por Lula pai, mestre, líder, no único colo de quem parece estarmos sermos obrigados a sentar a cada disparate proferido no Planalto. No meio de tudo isso só surgem os arrependidos de plantão, como o ex-juiz, alguns governadores e gente que sempre está e estará por perto seja de qual governo for, como camaleões. Ou carrapatos.

Nós, os cronistas tarados e abismados, adoraríamos mudar essa conversa, mas para isso precisaríamos sentir as coisas mudando. E, se tem coisa que tenho reparado – pior, a partir de mim mesma – é que o esgotamento geral tem levado muita gente a querer fugir correndo de todos esses assuntos, o que é quase impossível. Olhando para cima, para baixo, para os lados.

Já não sei mais onde procurar besteiras que possam me distrair, e isso inclui assistir uma novela das nove cada dia mais mexicanada, procurar por filmes e comédias que sempre detestei. Passar a testar receitas, talvez procurando uma que nos ajude a encarar o desenrolar de 2022.

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Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – O tempo, os cabelos e a gente. Por Marli Gonçalves

Eles começam a pular igual a sapinhos na lagoa em noite de lua cheia. Dá a impressão até que espreitam, surgem justamente na hora que você vai olhar lá no espelho em busca de autoestima, saltam aos olhos só para aborrecer, destoar. Tóiiimm. Olha ele lá, branquinho, diferenciado, mais grossinho, mais seco, fica se mostrando como que fazendo careta, se joga pra fora em atitude suicida. Provoca. Cada cabeça, uma sentença. Eu arranco. Miro, cato, arranco.

Cabelos brancos nascem, são arrancados, voltam. São teimosos e obstinados. Alguns se organizam mais rapidamente, em multidões, para serem invencíveis e tomar posse de vez do que acham que lhes pertence, as nossas humanas cabeças. Sim, eles são ousados, aparecem muito também – e rapidamente – em áreas mais íntimas. No peito de alguns homens, por exemplo. Vamos ficar por aqui que vocês já entenderam. Pelos, cabelos. Trocadilho: será que pelos cabelos podemos mesmo saber quem são as pessoas? Os brancos sempre devem ser respeitados, me ensinaram.

Mas de repente passei a me perguntar: a que se relacionam, como vivem, como se reproduzem, do que se alimentam esses safados? Ah, outra coisa: estresse causa sim cabelo branco, nem vem que não tem – vocês estudiosos só não comprovam isso por preguiça. Em um dia daqueles de barra pesada já tive a clara impressão de ver que eles explodiram, alguns tomaram até fios longos, desafiantes; parecem dizer “Viu? Você não me achou e eu cresci!”. Já reparou nos charmosos cabelos brancos da Renata Vasconcelos no Jornal Nacional? Que assanhados para aparecer no horário nobre? Repara que tem dia que tem mais – certeza de que é dia dela dar notícia cabeluda.

Mas eles – esses branquelos – aparecem principalmente por causa do tempo, da passagem dele, dessa maluca medida de horas, minutos, segundos que é a nossa existência.

Daí, creio, costuma-se associar cabelos brancos à sabedoria, mas não é que esta semana vimos que nem sempre isso é verdade? Naquele balcão de julgamento no TSE algumas cabeças brancas luziam e nem tudo foi sabedoria ali. Teve até cabeça branca ameaçando degolar jornalistas e a coisa ficou por isso mesmo, como se uma fala dessas, vinda de um juiz (e juiz, repito, de cabeça branca de longos fios) fosse normal, aceitável. Napoleão Nunes Maia Filho, nascido em Limoeiro do Norte, Ceará, peixeira imaginária nas mãos, afiada em pescoços de jornalistas, praguejando a ameaça de vingança com a própria faca. Ainda não vi sanção. Nenhuma referência aos de Sansão, aquele que neles tinha a força, mas, traído por uma mulher, um dia acordou sem eles.

Fiquei em dúvida ainda se são ruivos naturais os cabelos do relator Herman Benjamin, o juiz que a mim pareceu até divertir-se nesses dias de julgamento da chapa quente e nos duelos com os demais. Talvez seja vaidosa tintura sobre cabelos brancos indesejados. Ao seu lado, a caudalosa, brilhante e admirável cabeleira negra de Luiz Fux – que certamente deve fazer igual a mim arrancando os teimosos que tentam se destacar mais do que ele. Aliás, que fogueira de vaidades, hein?!?

E teve a ministra Rosa Weber, versão loira, que não sei se é original ou se também encobre os malditos fios brancos. Olha aí, entendi agora o resultado final, foi decisão entre cabelos coloridos versus cabelos brancos que se aliaram a nenhum cabelo e a cabelos em ilhas. Uma questão de cabelos, assim decidida, batendo cabelo como roqueiros. Mostrando, todos, ter cabelinhos nas ventas.

Não riam. É sério esse assunto. Tão sério que numa pequena pesquisa descobri que tem gente que segue dicas engraçadas para acabar com eles. Uma delas seria passar cebola! Sim, cebola. Um suco de cebola, ou mesmo esfregar a cebola no couro cabeludo. Eles garantem que é tiro e queda. Queda de quem se aproximar, dado o cheiro do tal tratamento. Outros dizem que o legal mesmo é passar batata, mais especificamente as cascas, que virariam uma espécie de tintura quando fervidas com óleo de alecrim ou lavanda. Nessa aqui pelo menos indicam que se escolha um aroma do gosto para adicionar em tal poção. Outra coisa importantíssima que descobri: é mito que quando você arranca um, outros sete aparecem. Graças a Deus!

Bom saber que pode dar certo a gente sair por aí arrancando alguns deles de seus postos.

São as relações de tempo, de todo esse tempo que estamos perdendo vendo essas cabeças brancas se digladiando e os fatos se passando incólumes, impolutos, enquanto nos descabelamos para sobreviver.cabelos 2

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marli em redMarli Gonçalves, jornalista – E você, o que está achando de tudo isso?

Brasil, embaraçado, 2017

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