ARTIGO – Novelas sem fim. Por Marli Gonçalves

Tem umas novelas que nunca exatamente chegam ao fim. Se repetem, intermináveis. Os personagens reaparecem. Há os tais remakes. Os enredos se enroscam. Na política nacional vivemos um dos piores casos e parece que não tem jeito de a gente se livrar dos canastrões e canastrinhas

PROHIBIDO OLVIDAR - Recuerdos Reales Contados y Cantados en Castellano: TODOS LOS DÍAS LA MISMA HISTORIA (Parte 1): Yo veo telenovelas, y qué? (Dedicado a mi madre Norma)

Não há travessia que aguente. Não tem pantanal que se salve assim. Não tem terra nem paixão que resista. O Brasil virou uma novela interminável, sempre com a volta de personagens obtusos, suas falas truncadas e suas repetidas atuações abaixo de qualquer nível razoável. O último capítulo, aliás, se repete indefinidamente dia após dia e até já decoramos as falas de não fui eu, não sei de nada, isso é perseguição, as investigações serão rigorosas e providências serão tomadas. Pior é termos de reviver novamente todos os capítulos anteriores, no caso mais recente a revelação da falsificação dos comprovantes de vacina, os quatro anos do governo anterior e seus personagens entre caricatos, vilões, assistentes de mau caráter e atitudes insidiosas, tudo sempre envolvendo o ignóbil protagonista principal, seu núcleo e muitos figurantes fantasiados de patriotas. Todos ainda no palco, quando o que mais queríamos é que essas cortinas fossem cerradas, que tivéssemos o direito de esquecer deles e do mal que já fizeram.

Ah, bom, que bem sei que não é de hoje, com a reeleição corrente e possível, com o tal remake que repete a busca do sucesso da primeira versão sem levar em conta a passagem do tempo, as novas condições e  inclusive o envelhecimento dos atores principais, e até das suas ideias, textos e formatos. Fora os erros das primeiras edições nunca consertados ou revistos, muito menos assumidos e desculpados.

Tomo o Brasil como cenário, mas claro que as novelas também têm se repetindo no cenário internacional, muitas atravessando até séculos,  as guerras, desentendimentos por motivos religiosos, lutas pelo poder e territórios. E ainda  pandemias como a última que vivemos nos últimos três anos e dois meses que teve agora proclamada seu fim como emergência global, deixando o saldo subestimado de sete milhões de pessoas que deixaram de contribuir e continuar suas histórias –  e entre elas havia autores que ainda teriam muito a contribuir e se consagrar, em capítulos que não conheceremos, arrancados do roteiro da vida.

O Brasil é mesmo louco por novelas. Acompanha o desenrolar, participa como pode, comenta, aplaude e/ou cancela. As novelas lançam modas e comportamentos. Mesmo revivendo tempos antigos, de outras épocas, tentam trazer a discussão de temas importantes do passado, revistos, e da atualidade e sociedade; buscam a opinião pública, e pelo menos na tevê melhor se diversificam até o famoso último capítulo, disputado a preço de ouro pelas empresas e publicidade de seus produtos por conta da audiência que conseguem em seu desfecho. A partir daí certamente veremos os atores e atrizes novamente mais adiante, mas em outros papéis, outros personagens, construindo novas histórias, para os quais mudam aparência, estilo, cabelos e figurinos, e até seus sotaques. Ganham um tempinho para refrescar suas imagens, e até fazer com que esqueçamos seus inevitáveis fracassos de interpretação.Telenovela e Cultura Brasileira | Prof. Barbosa - Sociologia

Na vida real, não, e isso está ficando especialmente chato. Temos de relembrar os horrores, além de ver os mesmos personagens, vozes, aparência e cacoetes. Pior, se repetindo ao vivo, não são apenas flashbacks como os recursos que ajudam quem perdeu algum capítulo a entender as cenas.  Sempre são repetidas as cenas piores, as falas e subterfúgios, as reações às novas revelações que os trazem de novo às telas e noticiários. Imitando a ficção, quando perdem a audiência, tentam, rolam despenhadeiro abaixo tentando corrigir algumas cenas e tudo fica mais ainda sem pé nem cabeça.

A diferença é que quando é ficção a gente ri, corneta, desliga. Na real, como sempre, nessas novelas acabamos é envolvidos nas tramas, perturbados. Muitas vezes sem direito de nascer ou morrer, ao menos. Sem redenção, apenas percorrendo a perigosa Avenida Brasil.

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foto: @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Dias quentes do Verão de 23. Por Marli Gonçalves

Dias quentes, fervidos, ferventes, fervorosos, agitados. Precisamos justamente de um refresco; por favor, como conseguir? Ainda irão demorar nessa toada de justificativas, enganos, verdades, mentiras, idas e vindas. Agora até um robô entrou na parada: duvido que ele saiba das coisas que fizemos os verões passados

O bafo quente do verão que entra pela janela precede tempestades que a tudo alagam e a gente assiste, dia após dia, o terror de agitados rodos jogando a água para fora de casas e locais esquecidos. Córregos que transbordam sugando carros, casas, vidas. O choro doído das perdas de vidas inteiras de trabalho, esforços e prestações. Sabemos de árvores malcuidadas e constantemente cheias de lixo em suas raízes que despencam nos fins de tarde às dezenas, desverdejando ainda mais as paisagens já pobres das grandes cidades. A repetição é cruel, e tudo é muito próximo, real. Administrações municipais e estaduais se explicam através de notas, promessas, investigações das quais nunca mais teremos notícia e que devem se acumular empilhadas em algum arquivo por aí. Tudo vira rodapé de página, notícia de canto, cara brava de apresentador de tevê com comentário ácido. Quem se importa?

Os olhos se voltam, sim, para as tragédias. Lá longe, passam os corpos frágeis e desmilinguidos, mostrando até os ossos dos yanomamis dizimados por fome, pela contaminação dos garimpos, pela desatenção. E não só com essa etnia, mas com muitas outras que vão se apresentando, e não é hoje. A desgraça dos guaranis, as invasões de terras, o suicídio de seus jovens, o alcoolismo que abate. As meninas grávidas, a malária, o isolamento. Tudo se mistura na passagem do tempo sem alegria, inseguro, dominado.

Os povos originários, as minorias, todos agora ganharam ministérios das questões, encabeçados por aplaudidas personalidades, que sempre foi mais fácil criar cargos, conselhos, espaços e reuniões, muitas, do que objetivamente resolvê-las. Na linguagem atual, os corpos – indígenas, negros, trans, mulheres e mais – ocupam o poder – simbolicamente, mas poderemos ter soluções que se apressem?

Muito falatório e agora, depois da balbúrdia de 8 de janeiro, mais ainda na busca de punição aos responsáveis, seres esquisitos que nas manhãs ainda estamos vendo sendo conduzidos em camburões para se explicarem, como se isso fosse possível. Os maiorais entram e saem pela porta da frente, e continuam por aí disseminando, formando grupos da discórdia, e aparecem as conspirações e atrapalhadas tentativas de golpe, que chamam a atenção para o perigo que vivemos e que tanto pressentimos nos últimos anos. Aliás, muito admira que a palavra golpe ainda não tenha sido ungida a algum patamar, tantos são os que nascem, não só na política. Na vida digital, nos aplicativos amorosos, nos descalabros financeiros que atingem milhões de pessoas, bilhões de reais, nos roubam sossego. Nos roubam o precioso tempo.

O novo governo chegou, já faz mais de mês. Até tenta consertar malfeitos antigos, mas eles não param de surgir, exigir medidas, recursos, e para tudo é necessário negociar com as mesmas enferrujadas e divididas estruturas de sempre, legislatura após legislatura. O sistema. Não bastasse, o novo que não é novo, recomeça com seus velhos discursos, diz e se contradiz, muitas vezes na imposição de uma outra história, a tal da narrativa, a mais manipulada das palavras quando se refere à política.

Verão, veremos algum tempo bom, alguma moda divertida, ou seremos ainda encharcados não de suor, mas de lágrimas de mais perdas impactantes de forma que não sabemos nem bem como explicar, como a de Glória Maria?

Será que precisaremos perguntar como nos refrescar a esse novo monstro, o ChatGPT, que vem sendo cantado em verso e prosa, inteligência artificial, e que se grife continuamente isso: artificial?

Ok. Tentei, mas ele está doidinho da Silva e tem tanta gente – fora me perguntar umas cinco vezes se sou “humana” – fazendo isso no mundo, com alguma solicitação, que não consegui. Entrei numa fila. Fica, então, para uma próxima. Embora seja paulistana, detesto filas, qualquer fila, e muito menos essa agora onde nem ao menos vou ter com quem conversar para me distrair.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Fevereiro ferve. Por Marli Gonçalves

Olha aí. Já chegou. Fevereiro. Quando a gente olha adiante já sente até o seu calor, e não é só do verão, que tentamos a todo custo retomar e reviver depois desses anos de pandemia, perdas e horrores. Vai ter forçação de barra, sim, para que o Carnaval se sobreponha, que a alegria se espalhe, e por aí vai. Eis o temor.

FEVEREIRO - CARNAVAL

O Carnaval de 1919 após o fim da pandemia no começo do século passado entrou para a História. Era a praga da gripe espanhola que estudiosos calculam ter matado cerca de 35 mil pessoas no Brasil (e 50 milhões no mundo inteiro). Era, como hoje, um clima de fim do mundo, porque, claro, ainda havia dúvidas: acabou mesmo? Ainda podemos morrer?

A história e as farsas, bem sabem, se repetem. A Covid, desde 2020, e em números oficiais, matou até agora – só aqui – quase 700 mil pessoas, cerca de 15 milhões no mundo, onde nos inserimos tão fortemente logo nessa hora, maldita globalização! E não parou ainda não. A média de mortes nos últimos sete dias anteriores a agora quando escrevo foi de 131 mortes/dia, no Brasil. Chamam isso de estabilidade. Tudo bem, tudo bom, que a situação parece mais controlada, embora ainda haja a burra resistência de alguns milhões à vacina, incerteza sobre novas cepas e sua capacidade de transmissão.

Mas vamos para a festa, porque precisamos dela. Não só por conta da doença mais “estável” (vejam bem, estável), mas porque merecemos alegria – temos vivido meses bastante intranquilos, e em âmbito nacional e internacional, seja pela política,  pela(s) guerra(s), pelas visíveis alterações climáticas e desequilíbrio da natureza, pelas incertezas econômicas, que problemas não faltaram. E especialmente porque estamos como náufragos saindo desses tempos com nossa saúde mental alterada, com os nossos corpos alterados, assim como muitos costumes. Todos fomos de alguma forma marcados a ferro e fogo por esse período. E o Carnaval de 2023 deve passar à História, falta saber como, se será legal, positivo. Ou…

A guerra continua. As cada vez mais fortes e estranhas transformações ambientais também. Fora, por aqui, as estranhas e esquisitas manifestações golpistas, uma turma envolvida no verde e amarelo que acredita só no que quer, parecendo ter sido juntada por disparates, sem ver um palmo à frente. Ainda incapazes de perceber que quem não é “deles” pode mesmo não ser do “outro”, esse lado que tanto odeiam, e muitos nem sabem explicar por causa do quê. Incapazes de reconhecer qualquer realidade, nem mesmo a dos índios que vemos sucumbir diante de nossos olhos em imagens ao vivo, mas que juram ainda serem mentira, feitas em outros países. E, vejam, há muitos dessa turma sendo caçados diariamente pela Polícia Federal depois da invasão em Brasília no dia 8 de janeiro, e o que vem servindo para atrasar ainda mais o expediente da volta à alguma normalidade.

Por outro lado, há de se registrar, a bem da verdade, que o “outro”, o novo Governo, que embora novo já seja também nosso velho conhecido, está ainda encalacrado demais, patinando e escorregando nesse primeiro mês, perdendo desnecessárias batalhas de comunicação, com umas bocas que falam mais do que a língua alcança,  infinidade de decretos e muitas ideias de jerico, que não vão dar em nada, mas causam ruídos e maremotos consideráveis.  Repetindo erros, velhas cantilenas, simulando revanches ao mesmo tempo que mantém aqui e ali as mesmas discutíveis alianças e métodos de outrora.

No Carnaval – que aliás já começa a se mostrar que, convenhamos, só quatro dias é pouco, tem de começar antes – esqueceremos tudo, aí todo mundo se juntará, pelo menos espero, e que seja em paz.

Fevereiro tem muito a acontecer, além da festa para Iemanjá, o verdadeiro Dia dos Namorados, tem até Dia do Comediante. Dia 28 é o Dia da Ressaca, sabia?

Ali já começaremos a sentir até os marcos de março. É pau, é pedra.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Não chamem mais o seu nome. Por Marli Gonçalves

Passamos mais de quatro insuportáveis anos ouvindo todos os dias o tal nome falar alguma bobagem, fazer uma grosseria, atacar a inteligência, a Ciência, minorias, o que viu pela frente. Ouvindo o nome ser dito, denunciado, e nada ser feito. Chega. Não façam mais propaganda dessa marca. Estamos fazendo o jogo dele, que é manter o nome no ar, que se torna irrespirável a cada lembrança do tempo que destruiu, dividiu, atrasou, perturbou e arrasou a nação.

Ele vai tentar aprontar muito ainda. Não tem limites. Nunca teve, lembrem. O jogo é claro, e tudo o que está acontecendo parece exatamente na medida do que o tal nome pretende: continuar no Brasil sem estar no Brasil de corpo presente. Sendo citado, mesmo que atrelado ao pior, que é mesmo o que pensa e como age e manipula. Ele não tem escrúpulos, e isso é visível até mesmo entre os seus eleitores, ou apoiadores, digo, citando apenas aqueles que ainda merecem de nós algum respeito. Pessoas que existem e precisam ser respeitadas pela opinião; não são aqueles vândalos golpistas uniformizados de verde e amarelo que tentaram destruir a democracia a porrada, porretes, babas, nem foram acampar em quartéis. Apenas votaram e perderam a eleição, apostando no tal nome, em quem de alguma forma acreditavam, ou apenas não queriam o principal adversário. Devemos contar com eles para preservar a democracia. Nem sempre ela estará atrelada apenas a dois lados, como tão tristemente vem acontecendo há algum tempo. Haveremos de conquistar novamente a diversidade também nesse ponto.

Em comunicação isso é muito claro, repetição é marcante – alguém por favor alerte o atual presidente dia e noite sobre isso. O tal nome não quer sair do ar, e está provocando e conseguindo isso de uma forma inequívoca nesses primeiros dias de autoexílio, mais conhecido como fuga, nos Estados Unidos, onde até já montou um cercadinho no berço de uma terra onde a extrema direita tem a sua cara, seu jeitão. De lá, o tal nome comanda as suas turbas, se fazendo de inocente, comendo com as mãos alguma coisa gordurosa nas lanchonetes das esquinas. Cria as notícias. É claro que o tal nome está por detrás dos malfeitos e precisará ser punido, mas talvez a cilada seja citá-lo também em cada coisa que se tenta arrumar, melhorar, reorganizar. Frases nas quais nem precisa citar o tal nome – todo mundo já sabe de cor e salteado quem foi o anterior, o malfeitor.

Uma pesquisa rápida aqui – 45 segundos – feita no Google, apenas juntando o nome dele e o de Lula, trouxe 720 milhões de citações. Muita coisa para quem precisa não só ser esquecido, mas quando lembrado que o seja nas páginas mais tristes da história política nacional. E que está conseguindo um fantástico marketing ao ser citado em todos os discursos. O que acirra ânimos da sua turba, mobilizada principalmente nas redes sociais e no anonimato de perfis barulhentos que manipulam os algoritmos. Mesmo que lembrado negativamente, isso vira exatamente música para os ouvidos deles tocando a mesma cantilena que os mantém nesses tempos tenebrosos de veneração e defesa.

Ele sabe disso. A ponto de – planejadamente –  não deixar nem que o respiro que o país deu aliviado assistindo à posse, troca de comandos, alegria no ar, não passasse de uma semana, tudo substituído por um sem fim de problemas e espaços ocupados, ao fim e ao cabo pelo seu nome, ao invés de por avanços ou notícias diferentes. No noticiário, os espaços não se alargam – e o nome dele continua lá, todos os santos dias, e em todas as seções – ele se espalha ocupando todas as áreas.

Não digam, não chamem mais o seu nome, não o repitam a cada passo. Ou melhor, chamem-no somente pelo nome que lhe convém chamar – forma, adjetivo,  xingamento ou piada – e jeito especial certamente achado por cada um de nós que acompanhou o seu desgoverno, ficou doente, perdeu alguém amado por conta de seus atrasos e ignorância, e ainda viu muita gente ser perigosamente armada, esperou todos esses anos para vê-lo indo embora e para isso até votou no outro lado mesmo que de forma crítica.

A variedade é enorme. Todos saberão exatamente de quem estaremos falando.

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marli gonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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