ARTIGO – Estamos todos ajoelhados? Por Marli Gonçalves

Ou estamos todos sufocados? No mundo inteiro, em fotos simbólicas, nas grandes manifestações contra o racismo, contra a morte, nos Estados Unidos, do negro George Floyd, sufocado pelo joelho de um policial branco por exatos oito minutos e quarenta e seis segundos, as pessoas vêm se ajoelhando.

E os joelhos que também podem matar adquiriram assim mais um sentido, o que não é de submissão a nenhuma autoridade, nem de humilhação. Ao contrário, são momentos de súplica para um basta. Resistência. Um basta ao desprezo pela vida humana, tão claramente exposto essa semana também pela morte, em Pernambuco, do menino Miguel, cinco anos, deixado em um elevador que o elevou, sim, mas ao nono andar de um prédio luxuoso de classe alta onde uma grade se desprendeu em sua procura pela mãe, e o projetou 34 metros abaixo.

Negro, criança, pequenino, havia sido deixado por minutos pela mãe sob os cuidados da loura patroa mulher de prefeito que a havia mandado passear com o cachorro da casa. Bastava que ela, a patroa, o tirasse do elevador para onde correu – mas ela, não, fez pior, apertou ainda o botão para que o elevador subisse. A mãe de Miguel, hoje com razão desesperada, pergunta: e se fosse ao contrário? Os joelhos da sociedade estariam sobre seu pescoço. Enquanto a patroa rica pagou uma fiança e está em liberdade.

João Pedro, 14 anos, negro, brincava dentro de uma casa em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, quando um tiro o atingiu pelas costas, vindo de mais uma desastrada operação policial, dessas que atira para todos os lados, especialmente em comunidades negras, pobres, e que tantas crianças matam, tantas pessoas matam.

Nós nos ajoelhamos para rezar por elas, sempre mais tarde de tudo que poderíamos ter feito.

Vidas negras importam, diz o movimento que se espalha pelo mundo. Vidas importam, todas, ainda não diz claramente o movimento que esperamos de joelhos aqui no Brasil. 35 mil mortos em poucos mais de cem dias da pandemia de Covid-19, negros muitas de suas principais vítimas. Um presidente que diz “E daí?”, que balbucia sem corar que “sente muito, mas todos vamos morrer”, como se essa frase fosse de alguma inteligência e não apenas demonstrasse o profundo desprezo pela população que governa e que é encaminhada para um matadouro, às vezes até com pauladas mesmo.

Como representante dessas vidas negras, é posto um ser asqueroso, que chama o movimento antirracista de “escória” e continua ali como se nada tivesse acontecido, sentado em sua cadeira na Fundação Palmares, talvez se achando de branca candura, sem se ver negro, sem se ver, sem fazer.

Eu quase já não consigo mais respirar esse ar nacional há mais de um ano e meio, desde que esse grupo chegou ao poder buscando asfixiar tudo o que é livre, sensato, conquistado. Que vem dando largos passos em direção a um abismo irracional e de ignorância aproveitando as mortes que incentiva em seus movimentos contra o isolamento social, aproveitando nossa perplexidade com atos e fatos que se sucedem dia a dia mais graves e cruéis.

Está tudo em vermelho e negro. A informação acaba sendo o vermelho sangue que corre nas veias do país que parece não mais querer acreditar nelas, as notícias, os fatos sendo revelados, como se estancar esse sangue com cegueira pudesse paralisar todo esse mal que nossos joelhos sangram de tanto que os dobramos para orar, com fé , em súplicas, pelo entendimento da importância de uma democracia, por Justiça e igualdade entre todos, raças, gêneros, classes, povos.

Ele implorava. Não consigo respirar. Não consigo respirar. Não consigo respirar. Por, repito, oito minutos e quarenta em seis segundos, ele implorou. Os joelhos que asfixiaram George Floyd, cena assistida, gravada, documentada, é muito mais do que apenas americana, muito mais do que apenas contra a violência policial ou o racismo. Ela é a forma sufocante da morte de quase meio milhão de pessoas em todo o mundo nesse terrível 2020.

Estamos todos já quase sem ar, e preocupados com o avanço do sufocamento democrático desse desleal grupo no poder. E o que parece é que esse poder já está tomado. Pelo fatos, posições, pelo silêncio nacional de um povo que se humilha, sendo que um percentual deles, infelizmente, se ajoelha paramentado em verde e amarelo por adoração a (mais um) ídolo de barro, onde ele apenas escorrega, sem cair de vez.

 

 

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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#ADEHOJE – O BRAVATEIRO FAZ O BRASIL MENOR

#ADEHOJE – O BRAVATEIRO FAZ O BRASIL MENOR

SÓ UM MINUTO – O presidente Jair Bolsonaro virou foi um bravateiro barato. Quer dizer, barato, pela ignorância de seus comentários absurdos, declarações irresponsáveis e ações absolutamente despropositadas. Porque está saindo muito caro para a população, para o país com a imagem manchada – e até ridicularizada – em um mundo globalizado. Aí, quem ainda defende essa forma de governo vem falar de economia. Mas agora estamos até em risco eminente de entrarmos em recessão técnica – como se já não estivéssemos sentindo. Como a economia do país teve queda de 0,2% no primeiro trimestre deste ano, caso o resultado negativo se confirme – e parece que é o que vai ocorrer – no Produto Interno Bruto (PIB) que será divulgado no dia 29 de agosto — o Brasil entrará em uma “recessão técnica”, que é quando há resultado negativo por dois trimestres seguidos.

Que meses, que dias vivemos! No fim de semana chamou repórteres de urubus, andou irregularmente mais uma vez, com jet-ski falou mais bobagens sobre opções sexuais e ainda desafia a justiça no caso dos radares e equipamentos de controle de velocidade, que salvam vidas. Fora querer o filho como embaixador. Ah, e ainda disse que “quem precisa da Alemanha?”

Resistência? Oposição, como sempre, patinando, correndo atrás do próprio rabo.

 

Resultado de imagem para recessão técnica

Brasil, mostra sua cara. Mas com dignidade. Por Marli Gonçalves

Eleições, dias que deveriam ser de festa e hoje são de discórdia, como se os principais e visíveis problemas fossem sentidos só por uns ou só por outros. Violência e virulência, assuntos deslocados, mentiras pavorosas, egoístas hipocrisias religiosas e uma cordata ignorância entraram no campo onde todos perdem. E isso não é futebol que nos deixa tristes apenas por alguns dias

Eleições, dias que deveriam ser de festa e hoje são de discórdia, como se os principais e visíveis problemas fossem sentidos só por uns ou só por outros. Violência e virulência, assuntos deslocados, mentiras pavorosas, egoístas hipocrisias religiosas e uma cordata ignorância entraram no campo onde todos perdem. E isso não é futebol que nos deixa tristes apenas por alguns dias

Serão anos duros pela frente, haja o que houver, isso está muito claro nesse país que não só está dividido, mas cortado em pedaços arrastados e espalhados salgados e com gosto de fel pelos chãos de todas as regiões. As eleições deste ano marcam um dos períodos mais tristes que vivemos, pelo menos desde que vim ao mundo, e já são seis décadas. Ainda – ainda, repito, e que pare por aqui – apenas não comparável aos 21 anos de uma ditadura que nos feriu, censurou, torturou, matou, cortou as asas de nossa imaginação, deixando apenas um toco de esperança, e que mal ou bem vinha de novo se reconstruindo.

Está uma tristeza, um desalento. Mas do que isso, um processo de cegueira coletiva, surdez geral, insanidade e infantilização de costumes, busca de falsos heróis, falta de educação, gentileza, raciocínio, de comunicação interpessoal. Não tem graça alguma, mas tem quem se ache o máximo por apoiar uma pessoa que reúne as piores outras pessoas ao seu redor, com a pior família, além dos piores pensamentos, o despreparo, e que pode nos levar a situações insustentáveis inclusive diante do mundo hoje globalizado do qual dependemos economicamente.

Do outro lado, há os que surgiram impondo um candidato fraco, fracóide, querendo nos fazer de palhaços. E que não é ele, é o outro, mas o outro está preso, e ele atua por telepatia, sem vontade própria, sem segurança, sem qualquer condição. E sem pedir desculpas pelo mal que fizeram e nos levou ao ponto onde estamos. Para eles, a culpa é sempre “dos outros”, como sobreviventes de Lost. O avião caiu, mas eles o querem remontar só com peças velhas. Ainda assim batem no peito como vestais. Também são machistas e a real é que tratam questões de comportamento de formas muito duvidosas e claudicantes.

Onde foi que nos perdemos dessa forma? Para agora termos diante de nós duas forças tão perigosas? Para onde correr? Onde está a ponte?

Há quem diga que foi tanta corrupção aparecendo. Credite isso apenas à Liberdade, e jure fidelidade a ela. A corrupção sempre esteve aí, inclusive no tempo das fardas, mas não podíamos dizer, não podíamos saber, não podíamos falar, não podíamos escrever.

Há quem diga que a violência está espalhada. E está mesmo, de uma forma terrível, mas só piorará porque poderão ocorrer confrontos ainda mais violentos e não só entre bandidos e organizações criminosas, mas entre pessoas comuns babando de ódio como as que já estamos encontrando nesse momento, inclusive amigos que considerávamos e que agora vemos apoiando, aplaudindo a insanidade, de um lado e de outro.

Mas o Brasil não é uma laranja cortada, e nós não somos gomos. Aproveito esse espaço para um apelo emocional, de coração: não deixem imperar a ignorância. Nossos maiores problemas são comuns a todos. Parem de se infernizar e nos infernizar usando mentiras, desconhecendo a história, falando esse português ruim. Procurem saber mais sobre sistemas políticos antes de falar em comunismo, fascismo. Entendam melhor o que é a cultura, as características regionais, leis de incentivo, como funcionam. Abram os olhos, esfreguem bem, vejam: as mulheres e crianças vêm sendo as maiores vítimas da ignorância e do apelo à violência.

Mais: redes sociais não são a vida real. Não faça e não deixe circular informações falsas. A realidade já é bem terrível, não precisa ser piorada, e precisa da imprensa forte e livre para ser vislumbrada – não bata palmas para malucos dançarem. Sejam eles de esquerda, direita – não são socos de uma luta de boxe ou MMA.

Não podemos quebrar nossa cara, nem termos nossas orelhas deformadas fazendo ouvidos moucos para situação tão delicada.

Vivo dias angustiantes. Sei que não sou só eu que não sou nem de lá nem de cá, e que procura a tal saída dessa caverna pré-histórica em que nos trancaram. Para acharmos, o trabalho terá de ser coletivo, e teremos de nos dar as mãos. Firmemente. Sem traições.

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Marli Gonçalves, jornalista – Volto a repetir: solteira, sem filhos (e sobrinhos, etc.). E se me perguntar “E daí?” – direi que, veja só, estou me preocupando tanto com um futuro e que é meu por um tempo bem menor do que o das gerações que muitos de vocês estão criando nesses dias que se passam hoje e que por descuido estão esquecendo de ontem.

marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br

Brasil, outubro 2018

ARTIGO – Vamos todos virar cactos. Por Marli Gonçalves

Girl_cactusQue tal? A primavera vindo aí, mil flores, mil amores, mas a secura é tamanha que não há nada melhor do que esses espécimes para nos descrever de forma precisa, a nós e ao momento. Uma selfie especial para a tal secura desértica, não só de água, mas de inteligência, bom-senso, boa vontade, educação… assim por diante, que a lista é grande de tudo que anda faltando

Vocês aí me desculpem, mas é uma das únicas formas que vejo para nossa sobrevivência. Não precisamos exatamente virar cactos em toda a sua plenitude porque senão não poderemos mais nem nos esbarrar, e isso não seria nada bom. Não poderíamos mais nos abraçar ou fazer amor. Trabalhar ou outras atividades até que daria porque se você pensar bem já tem muita gente que bota casaquinho de espetos assim que sai da cama, e, pior, fica se aproximando, se encostando, cutucando e incomodando todo mundo que encontra durante o dia inteiro.

Nesta primavera, podemos só nos fantasiar de cactos, ou neles buscar referências sobre quais são as suas formas de resistência. Porque a gente vai precisar muito, de qualquer forma, aconteça o que acontecer, e o que não temos a menor ideia do que será – precisaremos resistir bravos, em pé, formando barreiras. Por exemplo, sabe por que os cactos têm espinhos? Primeiro, servem para se proteger de predadores, que é exatamente o que não falta nessa nação. Além disso, os espinhos são como folhas, mas no caso aparecem para que não haja desperdício de nenhuma gota além do necessário. E é melhor ser cacto do que porco espinho hão de convir.animated-cactus-image-0011

Ou seja, se fôssemos cactos conseguiríamos nos proteger de tantos predadores e situações que surgem todo santo dia, de todos os cantos, e que estão tornando difícil a vida aqui em nosso país. Adianto que gosto deles, esses negocinhos secos e misteriosos que podem ser tão diversificados como somos nós, ou muito feinhos e mirrados, ou belos, grandes, e botando belas flores para fora. Também são libertários, pouco dependentes de nossa benevolência e memória, aguentando firme quando esquecemos de lhes dar – até só uma vez por mês – aquelas gotas de água que já os saciam. Do jeito que a coisa anda, gota de água será item de primeiríssima necessidade, e nem gosto de pensar nisso.

Cactos também sempre me lembraram gente sofrida, que resiste. Coisas áridas, chão seco, terra batida, bichos como o calango, e pessoas tipo cangaço, Lampião, Maria Bonita. Sinto um ar de dignidade nos cactos, mesmo eles sendo amargos. Mas ao mesmo tempo são meio que irmãos das… suculentas! Suculentas: uma palavra que dá água na boca. Contradições são boas e eu gosto.

tumblr_mgg2xyzNvf1rjdnouo1_r4_400A imagem de nós, os cactos, como eu ia dizendo, chegou junto com o pensamento sobre a primavera, minha estação predileta, e o que sempre me induziu a fantasiar – devo ter lido livros infantis em excesso – vendo tudo frutificar, casais se encontrarem, acasalamentos, arrulhos de pássaros construindo ninhos, além de simbolizar o nascimento e a renovação. Só que a realidade me espetou. Falta tudo, faltam condições para esse mundo paraíso perfeito eldorado. Falta até a água. Não é hoje, não é amanhã, acaba.

Me toquei principalmente do deserto de ideias, do tamanho das indefinições que estão à nossa frente, e que não há bola de cristal translúcida o suficiente para arriscar um palpite por mais que a gente a esfregue sofregamente. Melhor mesmo ficar paradinho, se fingindo de cacto. Tô falando. Tô avisando.

Ando impressionada com a incapacidade vinda de tudo quanto é lado, tanto quanto a violência. Ando impressionada com o egoísmo que aqui em São Paulo escoa na forma da água das mangueiras com que se lavam calçadas, carros, ou mesmo é desperdiçada jorrando nos vazamentos ignorados pelo tais poderes públicos. Ando mesmo impressionada com a passividade de nosso povo, esperando um salvador ou uma salvadora, como é mais provável.animated-cactus-image-0016

Lembro – vejam só – de jacas, gordas, apáticas, que vão levando os galhos até o chão se não forem recolhidas. Ainda preferirei ser cacto.

Nessa indefinição toda, faria uma pesquisa especial sobre como as pessoas prevêem os próximos dias e meses. Tenho certeza de que o número de Não sabe/Não respondeu vai ser o maior de todos.

A gente pode ser cacto, mas não é burro; tem de aprender pelo menos alguma coisa com eles, que não sabem de nada, nem têm nunca nada a declarar.Imagen-animada-Planta-carnivora-03

São Paulo, lugar sem lazer que ganha agora quilômetros de uma pistinha vermelha, 2014Marli Gonçalves é jornalista – Pelo menos teremos um bom material para fazer nossa própria coroa, senão de flores, de espinhos.

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