ARTIGO – Brincando de Stop nos campos das cidades. Por Marli Gonçalves

two_wheeled_scooter_rOs temas estão na ordem do dia, sustentabilidade, mobilidade, acessibilidade, não sei mais o que “idade”. Temo que, tal qual o horroroso gerúndio, o sufixo esteja sendo usado mais para não fazer nada sobre o assunto, só fazê-lo parecer importante. Estamos mesmo insustentáveis, inacessíveis e imóveis. Pelo menos nos grandes centros urbanosbusinessman_walking_t

Para um pouquinho. Anda um pouquinho. Verde, amarelo, vermelho. Desvio. Homens trabalhando à frente, desvio. Proibido estacionar. Proibido parar e estacionar. Bi-bi-bi-bi. Os insanos acham que buzinar faz andar o trânsito, e não faz. Acelera! Para ganhar um a dois segundos e parar logo ali. Não reclama: ele parou no meio da rua, mas foi “só um pouquinho”, você não pode nem xingar que ele acha que está com a razão. Um por todos, salve-se quem puder.

Andei pensando na imobilidade urbana que essa semana chegou ao auge. Vias marginais da cidade de São Paulo pararam por causa de um avião. Sim! Um avião engastalhado entre postes, e que vocês devem ter visto pelos jornais que estava em cima de um caminhão que acredito alguém – alguém – “liberou” assim para que fosse passear de um extremo a outro da cidade, até uma feira de … Náutica! Alguém aí pode aparecer, mas para nos socorrer? Depois eu digo que estamos habitando a Casa da Mãe Joana e tem quem diga que sou contra o governo. Sou, mas não é isso que vem ao caso.

transport_24O que vem é que estamos parados, perdendo tempo. Mais, não é só no trânsito, fisicamente. Estamos parados no tempo, brincando de “Estátua!”, talvez? Pois eu brinquei e acho de bom tom voltar a brincar, até para passar o tempo, também, de Stop! Ensinem suas crianças. Ativa a memória. Espero que ainda lembrem como joga – cor, flor, fruta, cidade, país… A, B, C, D, E, F. Stop! Fúcsia, flamboyant, figo, Florianópolis, França.

dollz_busOcorre que estamos muito modernos, com ciclovias, ora bolas, numa cidade cheia de morros, deseducada e deselegante. Fizeram faixas de ônibus, onde andam também táxis, que em ano eleitoral tudo pode ser liberado desde que haja pressão de e com alguma categoria. Vans de transporte irregular pululam nas periferias, sem qualquer fiscalização, substituindo os furos do transporte coletivo, mas quem se importa, não é mesmo? Não querem acabar com os carros? Sim, aqueles carros que fizeram tudo para que fossem comprados aos borbotões para hoje saírem batendo no peito cacarejando como são bons para os pobres que viraram classe média. Tomem! Saiam de noite dependendo de coletivos! É, eles passam. Passam? De vez em quando vem um; ainda bem que botaram uns pontos todos de vidro, igual aos nossos telhados.

emoticon-transport-001Não, eu não uso, mas porque não preciso. A situação anda tal que nem se deslocar muito está sendo possível. Ando pouco de carro e gasto minha sola de sapato. E observo, muito, vocês já devem ter notado. Assim é que vejo de um tudo por aqui. Motos com três, cachorrinhos sendo levados em carrinhos de bebês, skates, patins, rolimãs, riquixás, tuc-tucs (ah, esse eu queria um!). Perto de onde moro é comum também ver pequenos caminhões e vans desafiando toda e qualquer lei da Física, como posso descrever? Lembram daquela cena da abertura de O Gordo e o Magro? Aquela que o carro deles passa num cruzamento se equilibrando, alto e fino? Aqui, os que recolhem lixo reciclável chegam a ter três metros de altura e sempre têm, ainda, um menino que fica lá em cima. Um outro, que fica embaixo, joga as caixas e ele pega. Tudo só no equilíbrio. Isso é que é sustentabilidade! (Fotografei um, VEJA MAIS ABAIXO  se não acredita!)as_alt_transport

Falta ver, andei pensando, gente brincando de pole dance no ferro dos ônibus, para passar o tempo que ficam parados. Metrô para poucos, e trabalhadores ainda ficam duas horas no trânsito para ir, e mais duas, três horas para voltar. Isso, se não tiver nenhuma manifestação, claro, porque agora elas andam espalhadas também nas periferias. Largaram um pouco da Avenida Paulista, pelo menos nos últimos tempos. Ah, isso também se não parecer ninguém querendo incendiar nada, o que também vem acontecendo com frequência.

bike_24A pé vamos indo, desviando dos buracos e crateras das ruas e calçadas, do cocô dos cachorros, dos chicletes que querem nos prender ou nos acompanhar grudados em nossas solas. Vamos indo, rezando para não cair nenhuma árvore em nossas cabeças, maltratadas que estão e sendo feitas de lixeiras. Rezando para que nenhum maldito fio desencapado nos torre, tantos que estão caídos e ali ficam dias. Esperando, esperando, esperando o sinal do pedestre abrir. Corre! Você tem só alguns segundos! Vai!

Os grandes centros urbanos estão ficando inviáveis, sem planejamento. Vamos arrastando nossas dores por aí, enfrentando atendimentos de mal a pior, desaforos, violência, descontrole de preços, cada um mais descabido que outro, tentando respirar, mas perto bem perto de ter de usar máscaras como aquelas que vemos nos filmes sobre Japão, China.

Anda tudo sem nexo. Não andamos exercendo muita cidadania. Baixamos a cabeça, imóveis. Parados, apopléticos. Esquecendo que atrás vem gente. Stop! Estátua!

1378706053-140.jpgSão Paulo, caos urbano, 2014 

Marli Gonçalves é jornalista – Paulistana, já disse. Se pudesse, investiria em estacionamentos, em poços artesianos, ou em laboratórios que fabricam bons remédios tarja preta, bem calmantes. É de criar fortuna, na certa. Fica a dica.

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CARRO DE COLETA DE MATERIAL DE RECICLAGEM – JARDINS, SP, SP. MELHOR DO QUE O CARRO DO “O GORDO E O MAGRO”

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ARTIGO – Começar. De novo e de novo. Por Marli Gonçalves

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Todo dia a gente não faz tudo igual, até porque estão tão rápidas as mudanças que 24 horas é tempo para chuchu, inclusive para mudar de ideia e rumo. Precisamos nos renovar e reinventar o tempo inteiro, e assim, aos soquinhos e pulinhos, vamos levando a vida. E tudo isso dá música, dá um samba danado, para vivermos dançandotumblr_lwm8c8h0gU1qg39ewo1_500

Começar de novo, cotidiano, superação, vida. De tudo quanto é jeito e ritmo, música e literatura já exploraram esses momentos sempre muito ricos. Há horas em que este assunto apenas se torna pouco mais aflitivo, quando a cobrança de todos os diabinhos e anjinhos que habitam dentro de nós vira uma espécie de guerra particular. Às vezes até bem violenta, quase mortal, sempre dilacerante.

Consegue se reconhecer? Como lida com isso? É fácil, difícil? Como faz quando precisa? Joga tudo para cima? Lamenta ou se arrepende? Faz que não é com você?

acid_eyeNuma semana de perdas importantes de pessoas marcantes, depois de um mês de agosto em que todo mundo tem um bom desgosto para contar, confesso, amigos, um cansaço terrível e até certo desânimo, principalmente nos assuntos que dependem da coletividade, da consciência social, do sentido de união e reconhecimento. O que fazem ao país acaba se refletindo diretamente no nosso mundo particular – mudando planos, impondo desafios e também muitas impossibilidades. Fatores externos atrapalham demais nossos movimentos, sonhos e planos – esses, para quem ainda consegue planejar, verbo que a cada dia acho mais lindo e distante.

A gente não sabe se vai ter Terceira Guerra, se vão continuar matando cruelmente, fuzilando, deixando criancinhas se debatendo, se ocorrerão tornados, terremotos, tsunamis ou ciclones. Se a gasolina vai aumentar ou se o dólar continuará subindo. Se o tal pré-sal sai lá de baixo, das profundezas. Se as manifestações e protestos surtirão efeito, ou se a coisa vai piorar. Se a nossa primavera aqui vai continuar esse inverno e secura. Não sei se eu estou pirando ou se as coisas estão piorando. O refrão continua o original, de Rita Lee: “Não sei se eu vou ter algum dinheiro ou se eu só vou cantar no chuveiro…”

Ligamos o velho foderaizer? Deixamos o vento bater nas velas içadas? Seremos mais um do rebanho?

Para quem tem inconformismos, nenhuma das opções anteriores. Só que não há outras opções em jogo.

O mundo gira e alguma coisa vai acontecer para nós lembrarmos da eterna namoradinha do Brasil, Regina Duarte, ou do chiclete de Ivan Lins – Começar de novo e contar comigo/ Vai valer a pena ter amanhecido / Ter me rebelado, ter me debatido/ Ter me machucado, ter sobrevivido/ Ter virado a mesa, ter me conhecido /Ter virado o barco, ter me socorrido.

animation-art-born-this-way-born-this-way-lady-gaga-gaga-Favim.com-298127_largeAmanhece e anoitece, invariavelmente. O tempo não se limita a existir; passa. O mistério está em como começar de novo sempre, driblando as nossas próprias certezas, aquelas que a gente pensava que existiam, derrubadas dia e noite.

Anda mesmo difícil até filosofar, jogar um pouco de conversa fora, nesses tempos de resistências minadas – e quando tudo o que se diz não chega aos ouvidos moucos.

“Você é tão velho como a última vez que mudou de ideia”.

É perfeita essa frase de Timothy Leary (1920-1996), adorável maluco que habitou a Terra propiciando milhões de viagens lisérgicas. Olha só um exemplo: quem provou dessa fruta, LSD, sabe que a viagem pode mesmo começar de novo a qualquer hora. Assim, de repente.

tumblr_lpoyl2SsNZ1qbsxmqo1_400Basta um clique, uma lembrança. No campo da realidade, coragem.

(Dedico esse texto à amiga Rosi Mallet, que era sempre a primeira a fazê-lo rodar o mundo quando os recebia, me apoiando com a sua enorme generosidade)

 

São Paulo, 2013

 

Marli Gonçalves é jornalista De vez em quando gostaria mesmo é de ter sido filósofa.

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