ARTIGO – Não tô gostando nada do que estou vendo. Por Marli Gonçalves

Não queria, mesmo, à essa altura da vida, assistir à essa despropositada série de ameaças e insanidades. Novamente, algumas; alguns fatos, na política, no país. Retrocessos em conquistas. Paralisação em progressos. Certamente se você já os viveu – acompanhou e fez parte de batalhas por mudanças – sente o mesmo; se for mais jovem, anote e acredite: o momento não é nada bom, já fomos melhores. Isso não é progresso.

Não tô gostando nada do que estou vendo

Na semana que estou fazendo um balanço, chegando aos 63 anos, os tais fatos que me surpreendem mal foram fortes. Por exemplo: pais e mães de uma escola de elite paulistana fizeram uma revoltinha. Acreditem, contra trechos do diário da adolescente judia Anne Frank que durante a Segunda Guerra, para sobreviver enquanto pode aos horrores, se escondeu em um porão onde achou forças para escrever o que passava, e um dos relatos mais pungentes sobre o Holocausto, publicado pela primeira vez em 1947. Que trechos chocaram pais em 2021, 74 anos após a divulgação do livro? Ah, o trecho onde ela expôs sua natural sexualidade. O livro estava sendo usado em aulas de inglês, leitura, para estudantes de 10 a 12 anos. Pasmem. Está o maior rebu por conta disso. Em que mundo esse povo vive?

Vejam só. Em 1966, aos oito anos de idade (e reparem que em plena ditadura), tive aulas na minha escolinha sobre todo o complexo sistema reprodutivo, tanto feminino como masculino, as transformações que logo sofreríamos. Explicações objetivas, com visuais explicativos. Lembro até hoje da minha alegria chegando em casa com um pacotinho de Modess. E hoje lembro que se não fosse isso não saberia nada, filha de mãe mineira e pai nortista, em vão ficaria esperando deles explicações sobre “essas coisas”, com as quais nunca tiveram tranquilidade em lidar.

Mas vamos lá, firmes, enfrentando esses dias que passam doidos, rápidos, lépidos, incontroláveis, atordoantes. Quando você se dá conta, pumba, já foi. Mais um ano. E que ano! Parabéns, conseguiu se esgueirar até aqui. Siga, firme! Todos os dias agradeço ao Universo essa chance, que tantos não tiveram – se você está aí lendo, creio que deveria fazer o mesmo, agradecer ao que tem fé. Vacinada, duas doses; entre os ainda apenas pouco mais de 10% da população desse país que claramente desanda, saiu dos trilhos, aparece descarrilado, sem rumo, tornando tudo mais difícil, mais custoso, conservador, burro, atrasado. Irritante.

Estar vivo. Isso hoje é honra valiosa. Mas não queria novamente estar vendo tudo isso acontecer, algumas coisas de novo, chatas, perigosas e repetitivas, e que agora chegam disfarçadas, embaladas em outros papéis, e o que as torna mais tenebrosas.

Estou, estamos, e como diz um amigo, a única alternativa possível ao envelhecer não é nada boa. Sendo assim, resta utilizar tudo o que se aprendeu nesse viver para seguir tendo consciência das mudanças, inclusive físicas, da responsabilidade justamente por isso, da vivência e experiência.

No geral, nós, mulheres, quando o tempo vai passando, vamos ficando cada vez mais invisíveis. Precisamos e continuamos a correr mais ainda atrás de esmolas emocionais, uma parte começa a se podar para se ajustar ao que a sociedade delas “espera”; essa sociedade que ainda hoje acha que tudo pode determinar com sua régua rígida, hipócrita e moralista. E quando, otimistas, achamos que isso estaria mudando, e estava, vem o tapa na cara. Percebemos que devemos continuar guerreando algumas das mesmas velhas lutas de mais de 50 anos atrás, brigando por condições no mínimo iguais, quando deveríamos ter até mais, respeito por direitos, pela liberdade de opinião e opções. Por uma educação decente que conduza as novas gerações aos desafios constantes, inclusive sexuais, e que vêm se impondo abertamente, desafiando limites.

Lá vamos nós, de novo, tendo de lidar com a ignorância, contra um emaranhado de atraso e no meio dessa pandemia que nos aprisiona e deprime. Nas ruas no último sábado, 29 de maio, embora muitos teimem não ter visto, sim, lá estávamos com as mais variadas bandeiras e a maioria não era partidária, vermelha ou verde e amarelo, essa que nos foi arrebatada. Éramos os mais velhos, muitos; os vi em cadeiras de rodas, com bengalas. Os vi, também, coloridos, com filhos e netos aos quais ensinavam cidadania. Todos conscientes, guardando distanciamento, certamente ali maioria já vacinada. Entre milhares, todos com máscaras usadas corretamente, conscientes do primeiro passo necessário para protestar. Também não estão gostando nada do que estão vendo.

Começamos a expressar mais claramente, nas ruas, o que se multiplicará nos próximos meses, esperamos de forma pacífica. O que renova a esperança e fará, com certeza, que se estanquem esses retrocessos. Que consigamos acabar com essa gente idiota, burra, cretina, nojenta que nos faz perder tempo quando tínhamos tudo para estar na vanguarda.

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Marli - foto Alê RuaroMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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#ADEHOJE – NEYMAR PISA FEIO NA BOLA

#ADEHOJE – NEYMAR PISA FEIO NA BOLA

 

SÓ UM MINUTO – Você já deve estar sabendo que o Neymar pisou, pisou bem feio no tomate, e ainda espalhou os restos pelo chão, ao gravar um vídeo para se defender da acusação de estupro feita por uma mulher com quem teria se encontrado em Paris. No vídeo no Instagram, de cerca de sete minutos, o jogador, sim, se defendeu, mas mostrando imagens e troca de mensagens íntimas que teria tido com a mulher – não identificada porque o caso corre em segredo – para quem teria inclusive comprado as passagens para que ela fosse encontrá-lo em 15 de maio passado.

O mundo já começou acusando a mulher, que vem sendo chamada de um tudo, que parece sempre ser a culpada, não adianta. Mulher não pode ter sexualidade, e parece sempre que é obrigada a ir até o fim em qualquer caso. Obrigação de “dar”. O jogador nega que tenha havido estupro e alega que estava sendo chantageado.

Vamos esperar as investigações. Mas, claro que isso vai dar pano para manga e atrapalhar muito Neymar ( e o time) na Copa América, para a qual já está no Brasil treinando com a Seleção. A última atualização é essa: Laudo relata hematomas e estresse pós-traumático de mulher que acusa Neymar.

ARTIGO – A moral alheia e os salvadores cheios de culpas. Por Marli Gonçalves

Tem tanta gente preocupada com a moral dos outros que acabamos tendo de nos preocupar com o que fazem para ter tanto tempo para isso. Será que agora estão desligando a tevê para não ouvirem as detalhadas descrições das denúncias das mulheres contra o médium João de Deus? Ou esse povo vive, se obriga e quer obrigar a outros a viver, em outro mundo, onde não há sexualidade, prazer, liberdade de escolha? Onde se acobertam desmandos?

mulher

É mão nisso, mão naquilo, vira aqui, ejaculação, levantou a blusa, abraçou por trás, “me levou para a salinha”, “foi no colchão no corredor”. Há uma que contou em detalhes até que ele chegou a lhe falar que ficasse tranquila: a ejaculação era santa, o líquido que saia do seu pênis era fluido espiritual, ectoplasma. Em uma semana centenas de mulheres de todo o país – e que previsivelmente aumentará quando começarem a chegar as estrangeiras – já procuraram os investigadores para denunciar o médium João de Deus por estupro e assédio sexual. No noticiário, todos os dias, mostrando o rosto, ou envoltas em sombras, brotam mulheres firmes, com depoimentos lancinantes, detalhados. Espero que os hipócritas assistam a tudo, estarrecidos. Horário nobre.

Muitas choram porque estão tendo de relembrar fatos que viveram há algumas dezenas de anos, muitas quando ainda eram meninas, adolescentes. Porque não falaram antes? – ousam perguntar os que ainda duvidam da culpa do homem João Teixeira de Faria, agora com 76 anos, o John of God, mais um que montou um império baseado na fé na pequena vila de Abadiânia, Goiás, onde atende desde 1976. Adivinhe por causa do que calaram; ou se falaram, porque não foram ouvidas. Santidades vivem acima dos mortais.

Calcula só o número de mulheres que literalmente passaram por suas mãos. Onze filhos reconhecidos, cada um de uma mãe. Outros tantos podem estar por aí – há denúncia, inclusive de uma delas que diz que foi obrigada a abortar; teria tomado um remédio que ele lhe deu dizendo que faria bem quando ela o procurou, grávida, “barriguda”, como descreveu. Para o povo ali é sempre receitada – e vendida – uma fusão de ervas, “passiflora”. Nada mais do que, pasmem, trepadeiras, como a flor do maracujá.

As grandes, muito grandes, personalidades que acabaram por ajudar a fazer sua fama estão em um silêncio cortante. A apresentadora Oprah Winfrey, a mais famosa do mundo, veio até aqui para vê-lo e dele fez e deu mais fama. João de Deus era “assim, ó”, unha e carne com o ex-presidente Lula. Viriam daí inclusive misteriosas negociações de terras, minérios, fazendas, que agora deverão novamente ser vasculhadas. A imprensa sempre lhe deu capas e capas, teceu loas, fotografou-o com as estrelas, filmou suas incisões e cirurgias espirituais. Xuxa, Dilma, Bill Clinton! Hugo Chávez, Shirley McLaine…

Ao mesmo tempo, aliás, a bem da verdade, posso até não ter acompanhado, mas honestamente admito que não lembro de ter sabido de alguém questionando o tratamento espiritual que recebeu do médium incorporado, ou que tenha piorado após consultar-se com ele. Conheço pessoas sérias que vêm ressaltando isso, embora abismadas com as revelações.

O problema é sempre o homem, o real. Assim acontece em outras crenças, devoções, lideranças religiosas de todos os credos. Excelentes comunicadores, hábeis negociantes, constroem impérios com tijolos da crença, que mantêm com financiamentos a pleno vapor. Tudo em nome de Deus, da criação, da Bíblia, das juras, imposição de pecados e culpas, de uma moral para os outros.mulherzinho paia noel

Tudo isso dito para questionar essa movimentação para cima da moral. Capaz de reclamar e blasfemar contra um programa de tevê, de variedades, como o Amor & Sexo, como se ele fosse a encarnação do demônio entrando nos lares e impedindo que as tevês sejam desligadas por quem não quer ver, e que esconde os controles remotos dos lares cristãos. Fernanda Lima, a bela apresentadora, personificando a bruxa má que ensina o óbvio: que existe sexo, nudez, diversas formas de prazer, várias formas de famílias e felicidade.

Enquanto esperamos uma ministra como a pastora Damares Alves, indicada para o Ministério dos Enjeitados (mulheres, minorias, índios, e muitos etcs que acabarão jogados para ela), que garante ter visto Jesus no pé-de-goiaba. Que quer mulheres estupradas obrigadas a ter os filhos ali originados, pretende tratar “os meninos como príncipes e as meninas como princesas”. Ela é contra tudo, sem entender de nada, despreparada na argumentação: contra o aborto, porque diz que a criança na barriga não pertence à mãe; contra educação sexual, porque erotizaria a criança; contra a ciência da reprodução humana porque congela os embriões, contra hábitos da cultura indígena, contra descriminalização das drogas…

Acho que vamos ter mesmo é que pedir a Deus para iluminar essa gente hipócrita, sem ter de esperar tantos anos para que revelem suas verdadeiras faces. Para que possamos logo lhes dar alguns tapas. Dos dois lados. E nos traseiros.

Marli Gonçalves, jornalistaVamos ter de retomar uma certa e antiga palavra de ordem: Pela Liberdade Geral e Irrestrita. Governem o país; não os nossos corpos.

Brasil, fim de ano, vem 2019!

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ARTIGO – Mulheres, Uni-vos! Por Marli Gonçalves

Mas que seja para sempre, união além eleições, além luta contra o inominável abominável, contra os paspaqueras que pululam para nos destratar. Temos tantas coisas para lutar juntas e conseguir sucesso, oxalá ainda neste século, que nossas mãos dadas poderão realmente tornar esse mundo melhor. Fico orgulhosa de ver as novas gerações chegando com garra. Ou melhor, garras, afiadas, e coloridas com todos os matizes

turma de mulheresturma de mulheres

 

Mulher é tudo de bom. Mulher está na moda. Vamos aproveitar! Que foi assim, com perseverança, que o movimento feminista dos Anos 70 conseguiu tantas vitórias que talvez muitas e muitos de vocês que estão chegando agora não saibam o quanto tudo era ainda muito pior. Mulher não trabalhava fora, não tinha direitos reconhecidos, não tinha liberdade de escolha. Não tinha a quem recorrer. Mulheres não gostavam de trabalhar com outras mulheres, não se respeitavam entre si, era difícil juntar-se em grupos. Foi uma batalha danada, gente!

Vejo agora o reflorescimento vital de um novo movimento. Chamemos, sim, de feminismo, porque o é, embora ainda muitas teimem em não admitir, uma vez que tanto foi feito – e ainda tentam, mas não vai adiantar nada – para denegrir a palavra da qual devemos nos orgulhar. Feminismo. Agora é mais ainda, Feminismo 3.0, porque estamos mais adiante em nossas conquistas. O movimento hoje incorpora tranquilamente a sexualidade, o prazer. Prevê o combate ao racismo, à violência, à desigualdade, ao não pode isso, não pode aquilo.

Podemos tudo. E, juntas, poderemos mais.

Junte-se a todas as mulheres do mundo!

Bata no peito, empine os seios, com orgulho. Incrível que o mais novo motor tenha sido, pelo menos por esses dias, juntarmo-nos contra aquele ser que pretende ser presidente de nossa República. Pelo menos para alguma coisa boa servirá sua presença no cenário. Mesmo que ele – infelizmente, tudo é possível – consiga o seu intento, já é claro o suficiente que enfrentará uma mobilização muito especial, linda, ruidosa, cheia de vontade. Forte. As mulheres.

Que sejam de todas as classes. Que sejam de todos os credos, raças, posições políticas. As questões femininas são muito claras, devem sempre ter visibilidade dentro do cenário nacional; aconteça o que houver. Temos de ampliar, aumentar, agregar, conquistar – inclusive as desgarradas que ainda não perceberam a total dimensão que os novos fatos poderão tomar.

Em poucos dias formou-se um Grupo no Facebook – Mulheres Unidas CONTRA Bolsonaro, ao qual se agregou imediatamente mais de um milhão de mulheres, já prontas a ir às ruas. As hashtags só se avolumam. A geral é #EleNao.

mulheres, salvems nosso Estado!Mas quero dizer que é mais do que contra Ele. É a favor de tantas coisas que precisamos mudar, conquistar, conseguir visibilidade e respeito: Saúde, Educação, Trabalho, Direitos, dar um basta ao assassinato diário de mulheres apenas porque são mulheres.

Imploro que se mantenham unidas, ao contrário do país conflagrado e dividido. Que não seja para beneficiar um ou outro partido ou candidato. A maioria – repare – ainda são homens. O poder ainda é de maioria masculina; daí glorificarmos com razão muitas que estão ali no meio, levantando a voz. Que a união se mantenha além das Eleições – acreditem: vamos precisar disso, repito, haja o que houver.

Não se incomodem (!) com desaforos. Sim, sempre foi assim. Para nos combater nos xingam de um tudo. Falam até de nossas axilas! Se temos pelos aqui, lá, é um problema nosso. Se depilamos, se usamos calcinha ou não, se somos novas, velhas, gordas, magras, feias, belas, se umas amam outras, se queremos ou não casar e ter filhos é um problema nosso. Só nosso. De cada uma de nós. O corpo é nosso. E só quem é mulher sabe onde o sapato, sapatão, alto, baixo, rasteirinha, chinelo, chinelinho, aperta. Não é coisa para virem ordenar, nem com religião, muito menos com política e abuso de poder, mesmo inclusive que a tentativa venha de outra mulher que tente ter autoridade para tal. Nossas avós e mães já comeram o pão que o homem amassou, e agora é novo tempo, mesmo que muitas delas não entendam ainda quais foram as suas frustrações.

Salvem suas filhas desse tempo de horror, quando para onde a gente olha novamente está encontrando uma patente, coronel disso, general daquilo, olhos e caras duras, para os quais não bateremos nunca continência. Apenas, claro, se desejarmos, se quisermos. Hoje podemos também sermos militares, usarmos as roupas verdes e camufladas. Mandar e comandar.

Queremos é escolher. As lutas femininas começam, entendam todos, definitivamente, por uma palavra só: Liberdade. Essa é a palavra de ordem que nos manterá unidas cada dia mais.

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Marli Gonçalves, jornalista – Como disse, mulher está na moda, e já vemos até o marketing dando uma abusada nisso. Mas que essa moda não passe mais, nunca mais acabe. A propósito, em breve terei novidades para contar, e para as quais conto com vocês,  mulheres e homens de bem.

marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br

Beijo com marca de batom, 2018