ARTIGO – Cala a boca não morreu. Por Marli Gonçalves

Inclusive anda melhor mesmo muitas vezes calar a boca, manter-se em sonoro silêncio, porque falar a verdade, dizer tudo o que se pensa em épocas estranhas e indefinidas como essa que atravessamos pode não ser o mais prudente. Pensar antes, sempre: “que vantagem Maria leva?”

Mas quem manda na minha boca sou eu, isso não muda. E por isso mesmo, controle é bom. Fora que ninguém pode abrir nossa cachola – a área mais livre que existe – para arrancar de lá o que realmente pensamos, achamos. E como assistimos – e não é só no camarote – a ordem do “Cala a boca” anda solta por aí, fresquinha, emanada até de onde jamais, nunquinha, deveria sair.

Pensa sempre, mesmo sem saber por que é que a tal Maria levaria vantagem e se não é só mais uma expressão que usa a mulher como bucha de canhão. Porque não o José, o João, o Filomeno?

Enfim, qual é o seu nome? Quando pensar, faz assim: “Que vantagem _____________ leva? (e aí preencha com o seu nome, ou mesmo o de quem quer saber por que calou, calou por que, e que tanto esperava que se manifestasse). É prudência, um cuidado, principalmente em tempos digitais onde tudo o que se fala não fica só em nuvens imaginárias, no espaço, palavras proferidas. Em segundos já pode estar no Google, gravado na vertical e na horizontal, registrado no telefone de alguém, sendo compartilhado. O que disse pode acabar fincado no coração de alguém, que sangra. Na memória de outros, em algum cantinho, do qual se deslocará assim que for acionado, e nem sempre essa hora será boa para você. Pode ter certeza disso.

Hoje, inclusive, o “Cala a Boca” não é só o que se diz, mas o que se escreve, o que se responde, aquele sincericídio que nos acomete quando ouvimos ou sabemos de sandices – e elas realmente vêm sendo numerosas, chegando aos borbotões. Ficamos pasmados ainda com as emanações vindas de amigos. Olha, já é difícil e eu não tenho família numerosa, parentes com quem me preocupar ou dar satisfação, mas imagino como deve andar irreal os encontros e as trocas de “gentilezas” entre quem as tem.

Muitas vezes tem ocorrido em conversas com amigos ou pessoas mais confiáveis eu mesma afirmar algo que penso, penso sim, tenho certeza, na verdade, mas não posso repetir “do lado de fora de casa”. Soubessem tantas verdades teria a dizer a uns e outros! E tão verdades seriam que estaria sendo cruel, pegando aquele ponto doloroso e irrefutável. Mas que vantagem a Marli levaria? Dá pra deixar o orgulho de lado? Deixar passar? Segurar o ímpeto?

Assim, temos nos livrado de inimizades, ódios e ressentimentos, problemas do presente e certamente do futuro. Às vezes, admito, a língua é maior do que a boca, mas ainda dá para frear no caminho e o estrago não ser tão total.

Creia: não é censura isso sobre o qual falo. Muito menos covardia. É prudência. Temperança. Cuidado com o próximo, que até sem você perceber pode ficar muito magoado, e anda todo mundo com os nervos à flor da pele, entendendo tudo de qualquer forma, e baseado em qualquer coisa.

Pode ser um limite entre o aborrecimento e o evitá-lo. Embora claramente esteja me referindo especialmente ao período político que atravessamos, aos fatos que acompanhamos boquiabertos (o que facilita que a boca às vezes emita sons), essa máxima pode ser aplicada em nome da paz, do convívio social minimamente razoável, do amor, e até da educação. Se vocês imaginarem o teor diabólico de mensagens que jornalistas recebem quando simplesmente reportam os fatos, compreenderiam imediatamente. Nenhuma resposta seria melhor do que a fala infantil, que tradicionalmente é recheada de palavrões, não sei se lembram: “Cala boca, mão na boca/ Cheira o *** da velha louca/Velha louca já morreu/ Cheira o *** do seu Tadeu/ Seu Tadeu viajou /Cheira o ***do seu avô/ Seu avô já morreu/ Quem manda na minha boca sou eu “

A instância máxima do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, STF, o garantidor da Constituição, e onde podem chegar um dia ou outro, hoje ou amanhã, processos, digamos, onde seu nome conste, está em guerra aberta. A gente bem sabe que lado está certo ou errado, mas que vantagem Maria leva? Acredite, eles vão se acertar, mas estamos vendo que não gostam que falemos deles, estão ali registrando tudo.

E a corda sempre arrebenta adivinhe para qual lado? O seguro morreu de velho, e o desconfiado ainda está vivo.

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Marli Gonçalves, jornalista – Pronto, falei.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Brasil, ***, 2019

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ARTIGO – Perdi. Por Marli Gonçalves

setimo-selo-gifA sensação louca de guerrear com um inimigo de que a gente não conhece o tamanho, mas sente a gigantesca dimensão, teme a força que se aproxima muito rapidamente de quem a gente ama, avança para levar esse ser embora com ela. A Morte nos deixa dialogar e faz queda de braço, mas também nos ensina muitas coisas para podermos seguir em frente

Não é tão elegante nem poético como no filme de Bergman no qual a Malvada joga xadrez com sua própria vítima. Aqui se trata de quando se aproxima como sombra para levar alguém que ama e você fica um tempo tentando negociar que Ela vá, desista, saia fora de mãos abanando. Uma vontade de mostrar uma placa “volte só quando for chamada”. Ou: “Não adianta bater, eu não deixo você entrar”.

Ela pensa, dá um tempo, você até chega a acreditar que desistiu e está dando uma chance. Mas, uma hora, Ela, traiçoeira, se volta e decide que não mais atenderá seu pedido. Positivamente, pelo menos, deixa a clara sensação de que estará aliviando o sofrimento daquele que você gostaria que não fosse embora.

Não é nem um pouco fácil, e sim muito doloroso, porque o filme inteiro passa em reprise e arranha a tela. Escrevo sobre isso, mas só porque acho que até poderei ajudar mais alguém que se encontre na mesma difícil situação em que me vi nos últimos mais de sessenta dias com o meu pai. Esta semana perdi a jogada, e a Morte deu a sua cartada.

É uma hora em que é difícil ser compreendido, mas mais ainda o é compreender suas próprias emoções. Olhar no espelho e aceitar quão egoístas podemos estar sendo quando acompanhamos alguém doente e queremos que ele continue com a gente.

Há poucas semanas escrevi o quanto a espera é difícil, associando-a a tantas coisas que todo o tempo aguardamos para o nosso país e em fatos do dia a dia. Percebia ali o quanto apenas o definitivo poderia cessar essa batalha. Que seria uma questão de tempo – quanto, como, o momento, a ação, reação é que eram as incógnitas.

– A espera não contém certezas – concluía. Mas o definitivo…

Esses dias não sairão da lembrança e sei disso até porque não é a primeira vez que me deparo com essa força no campo de batalha da vida. Teve amigo, teve minha mãe, e agora lá se foi meu índio véio. Cada um desses momentos trouxe uma condição, se deu em um momento ao longo dos últimos quase 30 anos, em alguma fase que se mostrou extraordinária.

Achei um paralelo entre essas situações. Em todas, fazer tudo o que podia ser feito, tentar aguentar firme, se dedicar com corpo e alma, e cercar de amor. Muitas vezes você se sentirá sozinho, deixará pedaços, outros serão arrancados, como quando nos enganchamos numa ponta de prego, ou damos uma topada bem na quina da mesa. Ficam cicatrizes.

Dessa conta vai sobrar paz depois do desfecho. A descoberta que quão maravilhosos podem ser amigos com os braços estendidos, prontos a socorrer a cada round, quando nos vemos nas cordas.

E a certeza de que tudo deve ser feito, reverenciado, amado, mas em vida. Porque aí você fica com a parte boa, a das lembranças e a do conforto. Seu travesseiro agradecerá.

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12032009510Marli Gonçalves, jornalista – Se alguém quiser adotar eu, meu irmão e a gatinha, inscreva-se.

São Paulo, verão de 2017

 

mao apontando direitaPS.: Só mais uma coisinha: não há ódio que possa aplaudir e escarnecer e se deleitar com a tristeza de alguém doente e seus familiares, desejando o mal e fazendo piada. Não há humanidade. Entenda que sangue ruim envenena a alma e você poderá um dia precisar da mesma transfusão. Você sabe bem do que estou falando.