ARTIGO – Dicas para parecer que está tudo normal. Por Marli Gonçalves

Só assobiar acho que já não adianta muito, e se todos nós começássemos a assobiar para parecer que está tudo normal, o barulho seria ensurdecedor. Imaginem cada um assobiando uma musiquinha diferente da outra, fazendo bico igual ao com o qual as minas sensualizam nos selfies. Vamos pensar em outras formas.

Também não sei se até já não andam por aí pondo em prática essa estratégia e por isso essa sensação de pasmaceira geral que nos rodeia. A não ser que seja isso. O povo fazendo de conta. Fechando os olhos esperando que quando abrir – pufff – as coisas terão melhorado. Pensando e reclamando “que absurdo, alguém tem de fazer alguma coisa, êta povinho!”.

Tive um amigo francês que veio ao Brasil passar um mês. Durante esse mês ele se virou maravilhosamente falando apenas duas expressões, juntas, assim: “Tudo bom, tudo bem”, o que fazia com charme indiscutível. Qualquer coisa que se falava com ele, acabava encaixada no “tudo bem, tudo bom” como resposta. Perfeito. Amigável, simpático, sem criar conflitos. Nunca esqueci e às vezes brinco disso para desanuviar, quando me perguntam “tudo bem?” É uma forma de levar a vida. ”Tudo bem, tudo bom”. Possível aplicar nesse momento.

Eu sei como é. Autoestima. Autoestima em tempos de crise é coisa que fica prejudicada por menos que se queira. É uma roupa nova que não dá para comprar, uma garrafa de vinho melhorzinho que volta para a gôndola, aquele restaurante, ou um banhinho de loja que precisa ser adiado e puxa, seria mesmo refrescante para o humor. Aprenda: seja criativo. Passeie por bazares e liquidações, tudo a partir de 1.99, junte alhos e bugalhos, uma peça mais pobrezinha com outra melhor, daquelas, dos tempos bons, que ainda está lá no seu armário. Conseguir um bom resultado assim vai demorar, mas fazer você esquecer a pindaíba por uns tempos. Distrai.

Fora isso, não duvide: é capaz de a loja, restaurante ou lugar que você pensou e tanto gostaria de frequentar nem exista mais, esteja entre as muitas atividades e empresas que quebram e fecham todos os dias, deixando espaços sombrios fechados, com placas de apelos para que alguém queira se aventurar e fazer alguma outra coisa no local. Aventura, e certamente radical no momento de tanta incerteza. Melhor você não ver isso para se aborrecer. Pensa bem.

O noticiário. Acha que eu falaria para você não assistir mais? Não! Mas deve ver como quem acompanha um seriado desses bem comentados, ficção braba, aquilo não é com você. Acompanhe os personagens, seus atos, torça pelos heróis, pragueje contra os bandidos. O legal disso é que pode produzir os spoilers, porque a gente, lá no fundo, bem sabe onde tudo isso vai dar, em algum final infeliz por aí na próxima temporada.

Mas tem também a parte comédia. Aí a dica é você prestar bastante atenção nas declarações. Todas, dos vários lados dos debates. Ouça direitinho e tente espremer, espremer: – ou elas não tem sentido algum, mas nenhum mesmo, só um amontoado de sandices sem sentido, pé nem cabeça, ou chegam a ser engraçadas. Outro dia mesmo ouvi uma coisa como “nosso governo só diz a verdade”, “o povo vai entender o aumento dos impostos”. Anote.

Juro que às vezes penso que calados talvez eles até sobrevivessem. Parece anúncio de recall de montadoras, que eu adoraria conhecer quem é o especialista que redige. O letreiro e a voz. Apresentam o problema, vão indo e dizem que não há problema, embora esse possa causar danos aos passageiros, inclusive a morte, e com voz monocórdica anunciam que adorariam que você levasse o veículo até eles o mais urgente possível só para darem uma olhada. Vaiqui. Ah, e que não precisará pagar nada! Na faixa! Agradeça: você comprou um carro zicado. O Brasil chama recall todo dia.

Tudo normal. Não tem mesmo nada acontecendo por aqui. Assobie. Faça que não está vendo. É esquisito, mas está todo mundo nessa. Deve ser tendência.

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20170617_130831Marli Gonçalves, jornalista – Cara de paisagem.  Afinal, o que é estar ou ser normal?

SP, 2017

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ARTIGO – Vamuquivamu. Por Marli Gonçalves

Walking graphicsAntes, quando me perguntavam se estava tudo bem, respondia habitualmente até sorridente: “Tudo sob controle”. Achava que definia bem, nem bem sendo a Poliana, nem bem sendo Cassandra. Um meio termo. Ultimamente não dá mais, porque não há nada nada sob controle a não ser a própria imprensa, de certa forma. Então passei a responder: “Vamuquivamu, vamuquivamu”. Diz tudo, né? Se quiser adotar também, fique à vontade. Não vou cobrar.Tudo bem por aí? Sinceramente estou aqui torcendo para que a sua resposta seja que sim, está tudo bem. Mas por mais otimista que eu seja – e sou – temo muito que a partir de agora você também vai é pensar bem e usar e começar a responder vamuquivamu. É educado, tem até certo humor, embute, mas não aceita, uma resignação do momento nacional. O “fazer o quê”? É o que temos no momento. Mudar requer esforço e está todo mundo cansado dos mesmos e mesmas, inclusive dos mesmos assuntos que parecem jamais ter solução – ano após ano. Parece que somos movidos a manivela. Quebrada. Descarrilhada, inclusive; tem coisas que, ao invés de melhorar, progredir, modernizar-se, estão andando para trás com assustadora rapidez.Walking graphics

Eu mesma me sinto a própria Penélope tecendo o pano da vida de dia e desmanchando depois, mas o meu próprio sudário, sempre à espera do grande amor, do meu “Ulisses”, enquanto isso mergulhando e emergindo de relações frustrantes, navegando. São muitas primaveras, verões, outonos, invernos, aguardando. Vamuquivamu, mas Vamuquivamus! Tem movimento. Ação. O ir. O mexer o traseiro, tirá-lo da cadeira, ligar o motor.

Nosso país, aí, sempre enrolado em sua própria história. À espera de que o bom senso recaia sobre a mente humana, e que todos se deixem ao menos viver em paz. Mas não param de surgir guerras, estúpidas, algumas íntimas entre quatro paredes, outras gritadas aos quatro cantos e sete ventos, tentando chamar a nossa atenção, nosso olhar.

Coisas assim. Não podemos calar sabendo todo santo dia que uma mulher, ou várias mulheres, porque agora tem dia de sabermos de mais de duas, três, foi assassinada com requintes de maldade porque disse não, não quero, vou embora. Esquartejadas, apedrejadas, espancadas, massacradas. O noticiário diariamente apenas chama de crime passional, ou seja, crime motivado pela paixão (e por total falta de controle emocional). Se esquece o assunto quase como se o crime então tivesse uma justificativa. Pergunto: que paixão é essa que extermina? Tanta luta pela independência da mulher, por busca de espaços, pela liberação da sexualidade, para ainda ver tanto sangue, tanto preconceito, violência, tanta discriminação, ouvir tantas bobagens? Como saber de homens achando que mulheres vendendo-se por moedas podem ser sinceras com os que as pagam para se submeter, e que isso seria ideal? A mulher ainda sendo vista como cidadã de segunda classe? Pior é que maio é mês de aguentar firme tudo quanto é tipo de pieguices à mulher relacionadas. Toma Dia das Mães e bochechas rosadas e risonhas; rios de perfume barato como sugestão junto com eletrodomésticos, para que ela se mantenha domesticada. Toma Mês das Noivas com todo aquele ritual que diz sim e casa junto com os nubentes, alegrias, gastos e gastos, finais nem sempre felizes.Walking graphics

Ter que aguentar tontas famosas – como é que é, mesmo dona? A tal Paglia que se diz feminista que não é feminista, coisa confusa parecida, vir falando em obrigatoriedades de ser mãe, carinhos, nheco-nheco, pi-ri-ri. Que mulher deve ser maternal e parar de culpar o homem? Essa estudou, estudou, para não entender é nada.

Isso é outra coisa que anda me enchendo. Os que acham que porque podem ficar praticamente a vida toda estudando, mestrando, doutorando, são melhores, superiores aos outros, que estão na prática, pisando no chão, e já quase respirando por aparelhos, com máscaras. Quantas vezes passam por mim insistentes teses, o que dá vontade danada de mandar, bem, deixa para lá, melhor não dizer para onde. No jornalismo que se esfacela a olhos vistos isso tem sido comum. Lindas “formulações” em inglês entre pessoas que mal sabem falar e escrever o português, mas ficam discutindo “a utilização racional da semiótica aplicada à convergência comum das mídias e à estratificação dos parâmetros para o tabelamento digital de tecnologias múltiplas e multifacetadas”.

Podiam catar coquinhos, ou se quiserem ser mais “internacionais” podem ser coquiles.

Mas vamuquivamu. O show sempre deve continuar. A gente tem de conseguir sair desse atoleiro gigantesco, providenciar soluções, executá-las.

Para poder logo, o mais rápido que nos for possível, voltar a responder ao cotidiano Tudo bem? – Tudo sob controle. Relativo. Mas sob controle.

E que possam começar a surgir novidades, aparecerem novas propostas e desafios, convites, para podermos voltar a usar o vamuquivamu! para algo bem melhor.

São Paulo, maio despontando, 2015

 Marli Gonçalves é jornalista – – Totalmente passional. Pela vida. Pela alegria. Pela liberdade. Por ideias arejadas.