ARTIGO – Os medos nossos de cada dia. Por Marli Gonçalves

Nossos medos, os meus medos, os seus medos. Todo dia ouvimos falar em retomada. Flexibilização. Dá uma angústia, ao invés de alegria, por não vermos o bicho totalmente dominado. Vemos as ruas cheias, inclusive de caras de pau sem máscaras gritando suas ignorâncias. Nas cidades, o som do burburinho, das buzinas. Vacinados, muitos, mas mesmo assim, vulneráveis; uma dose, duas, três, contando com a da gripe. Você já se sente seguro?

medos

Todos os dias ouvimos também os ecos das variantes e suas letras gregas mais transmissíveis e terríveis; sabemos de pessoas próximas doentes. Importantes, morrendo, mesmo depois de ter feito tudo certo. Como passarinhos que saem dos ninhos, e acabaram atacados por gaviões que os esperavam, silentes. Países se fechando de novo por muito menos do que o que ocorre aqui, onde ultimamente desgraça pouca é bobagem, a começar nas políticas, incluindo os malfeitos e a guerra das vacinas que não chegam aos braços, mal distribuídas. A tal média móvel que nos informam num sobe e desce infernal e ainda números absurdos de mortes e contaminações – registre-se, essas são apenas os dados oficiais desse Brasilzão de Deus, onde um grita e o outro não escuta. De dez mil em dez mil, fica mesmo difícil estar tranquilo.

Pouco se fala dessa angústia, não temos ajuda real que anime a sair por aí, o que torna difícil não cuidar apenas de um dia após o outro, e olhe lá. Medo, temor, receio, pavor. Ansiedade, insegurança. Tudo muito próximo.  Parece uma praga, uma tranca. Mais de um ano e meio depois, a estranha sensação de que o mundo não só mudou, mas que está travado, correndo atrás de seu próprio rabo, em círculos e ondas. Sem saber exatamente, e o que é mais estranho, de nada, nem do tempo que as vacinas protegem, nem de como controlar as novas cepas, o que pode vir por aí em novas ondas, muito menos como fazer o que nós, individualmente, já estamos sendo obrigados, a tal retomada, girar a roda. O nariz fora da porta, o pé na rua, a vida social, uma tal vida normal que, creio, para as gerações atingidas ainda por muito tempo de nada será normal, até que isso tudo seja pelo menos um pouco ultrapassado.

Aliás, e até mudando de tema, embora tudo pertença a um pacote só, os relatos sobre os problemas ambientais que ouvimos esses dias já é outro bom motivo para tremedeiras: aquecimento global, derretimento de geleiras, incêndios, enchentes, frios e calores intensos – já não são mais previsões, mas o que até já estamos presenciando e ainda há quem duvide.  Tudo muito interligado, as doenças, os fatos, a natureza. Nossa saúde.

Sou marcada, não por uma outra pandemia que não tenho século de vida, mas por uma epidemia, a da Aids, que nos anos 80 e 90 vivemos de perto e levou embora muitos amigos, e o meu melhor amigo. Ela nunca passou, apenas mantém-se controlada e como há ainda hoje quem não acredite que esta também afeta a todos, foi sendo deixada num cantinho, sem cura, sem grandes avanços na pesquisa, mais de 30 anos depois, empurrada com a barriga. Agora, inconformada, perdi de novo muitas pessoas importantes, trechos de minha existência, de nossa história, a minha e a do país.

Nessa realidade do coronavírus o mundo até levantou o bumbum da cadeira, aliás deve ter quem esteja ganhando muito com isso. Mas não é o suficiente para acabar com o medo. E em um momento que tudo quanto é tipo de maluco negacionista esteja aproveitando para angariar seguidores, aproveitando o progresso nas comunicações, especialmente a internet, para disseminar mais ainda mentiras e esse pavor que nos faz não reconhecer mais nem os próprios familiares, amigos, vizinhos, como no piores filmes de ficção: viraram seres possuídos por um mal para o qual, parece, não há exorcismo, informação, livro, atestado que cure.

Escrevo sobre isso, sobre esse sentimento que nos paralisa, porque estou vendo que pouco se fala sobre o que passa dentro de cada um de nós, esse mal estar, e que temos sempre tanta dificuldade para expressar. Sei que não estou sozinha e, como todos, reconheço que não temos mais muito tempo a não ser realmente enfrentar, fazendo tudo direito continuamente, e dando a mão a quem precisa – são muitas essas pessoas, em todos os locais,  ao seu lado – da forma que nos for possível.

Coragem. E terceira dose já!

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Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Fantasias nacionais. Por Marli Gonçalves

 

melindrosaVai me dizer que acha que só no Carnaval é que tem fantasia? Passamos o ano inteiro com alguma, seja nossa, ou a forma como parece nos veem. Aproveite, que agora é hora de retrucar. As ruas estão abertas e os blocos vão passar.

Em termos de fantasia original, os brasileiros têm usado muito uma que até seria meio erótica, se não fosse trágica: uma mão na frente, outra atrás. Lembra que fantasiar também é uma capacidade da imaginação do ser humano, sai da nossa cabeça, uma forma até de escapar da realidade seja ela qual for. Cada um tem as suas – tem as eróticas, em busca de prazer, as profissionais, muitas. Capriche, nem que tenha de usar algum nome fantasia para não ser reconhecido depois.

Mas a novidade é a cada dia estamos sendo vistos com elas, sem que queiramos. Não sei se percebeu, mas também há muitas fantasias que sentimos, e sem nem usar a roupa e os detalhes; não são espontâneas, mas impostas: quando você se toca já está nela, os fatos levaram a ela. O exemplo mais atual é fantasia de palhaço ou mesmo a de bobo-da-corte. Uma característica desse tipo é que são coletivas, fica menos mal. Todos ao mesmo tempo são feitos de palhaços/palhaças ou bobas e bobos-da-corte. Alguns, no entanto, não percebem e acabam batendo palmas para maluco dançar. Têm sido, inclusive, fantasias bastante frequentes no País do Carnaval.Imagem relacionada

Mas é época de festa. E com a proximidade do Carnaval pensei em ajudar – até enquanto ainda dá tempo de confeccionar – relembrando algumas das principais fantasias que grande parte de nós têm conhecido, imaginado, pensado, ou até desejado nos últimos tempos. Treinados nelas somos todos os dias do ano.

Fantasmas – Não precisa nem aparecer, a não ser para receber algo, conforme combinado antes. Essa é legal porque com o dinheiro dá até para sumir antes até mesmo do próprio Carnaval, viajar para onde não tenha nem cheiro de confete ou serpentina, se é que, pensando bem, alguém ainda lembre ou saiba o que é isso, essas coisinhas que faziam parte da festa, coloridas, arremessadas, em círculos ou espirais. Variações: vampiros, que tiram sangue e remédios dos hospitais; irresponsáveis, que deixam barragens, pontes, viadutos, centros de treinamento sem qualquer cuidado, mesmo quando avisados dos perigos.

Laranja – Outra fantasia bastante em voga. Assim como os fantasmas, também costumam sumir para não serem revelados, e quando o são fazem de um tudo para comprovar que foram espremidos para isso. E vejam que nem máscara para cobrir a cara é muito necessário. Há variações: cara-de-pau; rachadinhas de salários de governo; santinhos de eleição.

Melindrosa/ Melindroso – Caso a fantasia de laranja não funcione, pode-se usar a de melindrados, ofendidos. Usar principalmente perto da imprensa, que estará seguindo todos os seus passos atrás de entender qual é o enredo do bloco onde se meteu.

Presidente – Esse ano será muito usada pelo batalhão de gente que se auto nomeou sem ser eleito, mas só porque votou e se acha por isso um Salvador da Pátria. O próprio da vida real já deu uma ideia do modelo a usar: chinelão, camisa pirata de time de futebol, calça usada de agasalho e um paletó largo esquecido por ali por algum barnabé de repartição que, procurado, ou saiu agora mesmo para tomar um café, ou almoçar, não estava se sentindo muito bem e que “já deve estar voltando” assim que acabar o efeito da desculpa. Muito verde e amarelo na composição.

Há também a variação de vice-presidente, que passou a ter um papel na história nem que seja só o de aborrecer a família e os amigos do presidente, esses que inclusive também formam um bloco – todos falam bobagens, tuitam absurdos e acenam com uma bandeirinha. Para ser vice, um bom traje verde com insígnias impõe certo respeito aos foliões, assim como manter sempre um sorriso enigmático na cara, como quem está prestes a dar alguma declaração controversa que vai virar manchete.

Petistas – Nas ruas essa fantasia anda bem escassa. Pelo menos o bloco específico que usava muito aquele adereço de mão com plaquinha, ou mesmo só os dedinhos em “L”, de “Lula livre”, pra cima, levantados. Não têm sido avistados juntos, até porque estão sem direção.

passeataNova oposição – Torço por essa fantasia e esse bloco. Que se forme, e rápido antes que seja tarde demais. Que seja livre, diversificado, colorido, coerente, capaz de criticar o que é ruim, e aceitar o que poderá ser bom para todos, buscando caminhos de conciliação. Para fazer parte é preciso estar bem atento, acordado, bem informado.

Fantasia? Qualquer, desde que seja real, de paz, convivência, respeito e, claro, com humor e sátira. Afinal é carnaval!

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Marli Gonçalves, jornalista – Divirtam-se.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Brasil, de todos os carnavais, 2019

 

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Vai se preparando. O palco quente da Virada Cultural é esse: o Cabaret do Heitor Werneck

joshow1Heitor Werneck ousa mais uma vez no Palco Cabaré da Virada Cultural

O estilista e produtor de eventos Heitor Werneck, pelo terceiro ano consecutivo será o responsável pelo figurino e atrações do exótico palco Cabaré da Virada Cultural, que acontecerá nos dias 17 e 18 de maio na capital paulista.

De forma ousada, criativa e sensual, serão apresentados diversos estilos de dança, como: egípcia, árabe, tribal (africana), hula hula, burlesque chair dance e vampire belly dance. Além, das extraordinárias performances de contorcionismo (circense) e striptease burlesco.

Heitor, também idealizador e organizador da festa fetichista mais conhecida de São Paulo, o “Projeto Luxúria”, promete inovar mais uma vez e surpreender a todos com sua criatividade peculiar, salientando a força e o conceito da diversidade cultural.

Para saber mais informações sobre a Virada Cultural Paulista, acesse: www.viradaculturalpaulista.sp.gov.br

cabaret heitorFONTE : ASSESSORIA DE IMPRENSA DA VIRADA CULTURAL

ARTIGO – Inverno, Inferno e calafrios.

 Marli Gonçalves

Crescemos com muita gente e toda sorte de pregadores nos ensinando que o Inferno é quentinho, com labaredas, cheio de devassos e fica nas profundezas, nos “lugares baixos” que originaram a palavra. A sensação era – pelo menos até agora- de um lugar bem distante, de desterro, de exílio final total para os maus, masmorra. Mas, então, por que é que toda hora aparece tanta gente vinda de lá só para nos atazanar?

O frio intenso gela os pés, as mãos, e mantém outras pontinhas e extremidades nossas permanentemente eriçadas. Tem dias que não adianta calçar meias, atarracar um gorro na cabeça, usar lã grossa ou tricô. Alguns desses frios a gente sente por causa do inverno; outros porque a gente fica com o coração frio, decepado, por sentir e pressentir tanta maldade entre os homens e por perto. São os calafrios.

Depende da sensibilidade de cada um, e do grau de “treinamento de identificação”. Já passei por tantas e tantas roubadas , mas ainda estou aprendendo a identificar um pouco mais rápido a aproximação de seres sem luz. Mesmo assim preferia já ter terminado esse aprendizado, e com a aula de “como mantê-los lá embaixo com a cabeça apertada” e “como evitar”. Então, nessas, esses seres a que me refiro ainda chegam perto, perto demais. Sinto os calafrios. São finos e arretados, pegam a base da coluna, sobem aqui na nuca e a gente treme, como quem leva um susto.

Assinalo que há diferença marcante entre pessoas-vampiro, encontráveis às dúzias e todos os dias em todos os lugares, e que sugam sua energia, e essas outras , mais cruéis, que vêm do inferno diretamente. Vivendo, posso agora perceber isso mais claramente. As “vampiro”, coitadas, muitas vezes não conhecem nem essa sua própria condição; arrancam energia por onde passam para continuar vivendo – numa espécie de sobrevivência desesperada. Você passa por elas e as encontra nas ruas. Também estão em reuniões de trabalho e em festas. Têm umas que são até famosas nos meios sociais porque vampirizaram suas presas (algumas também bem famosas e conhecidas) até secá-las, em geral com “amor”, em relações estáveis. Há muitos desses vampiros também no mundo empresarial – onde chegam secam flores, ficam as ervas daninhas, estabelece-se a discórdia. Costumam dominar o mercado de alguns setores, agindo com maledicência e dinheiro. Alguns outros, vampiros mais simplórios, conseguem até que os consideremos como amigos, que a gente tenha até vontade de ajudar, em certos casos.

Não é preciso acreditar muito “nessas coisas”, nem ver filmes, seriados de tevê ou livros de ficção para saber que existem sobrenaturais passeando por aí, se alimentando da luz alheia. Todo mundo tem uma história para contar. Do tropeção que levou ao trocar simples olhar, ou do cansaço extremo que acontece após o encontro. Outro dia mesmo me aconteceu, de forma banal. Fui descer do carro e, do outro lado da rua, uma desconhecida parada me passou um olhar tão ruim que senti um baque. Afastei a sensação, mas em seguida fechei a porta do carro no dedão – e não estava distraída, não, senhor. Ao contrário.

Mas descobri uma diferença entre os vampiros e os demônios do inferno quente. Na vida há momentos que essas biscas infernais emergem das trevas, de uma hora para outra. E elas têm planos e objetivos definidos – todos tendo você como vítima – tirar seu sossego, atazanar seus pensamentos, fechar seu sorriso, estancar sua alegria. Não chegam por acaso; premeditam. Pisam bem macio para chegar. E quando você vira, zás, o punhal traiçoeiro atinge suas costas.

Só podem vir desse inferno que digo que existe, reconhecido seja qual for a religião (ou sem uma) – nem que seja em tese ou lenda. Até para nos lembrar e nos ajudar a separar as ações de nosso dia-a-dia, queiramos ou não, e de forma maniqueísta. É essa visão do inferno o que nos dá um tom do que pode e do que não pode. Por isso (ainda) não nos matamos nas ruas, e vinganças nem sempre são levadas a contento, nem quando frias. Há limites.

Lá fora, nesse Hemisfério que habito, está frio.

Mas sinto minha cabeça quente e meu estômago arde, sofrendo com um baque de constatação que o calafrio que senti era real e mais poderoso, com capacidade de me desalojar. Que não era bobeira ou fantasia minha, e que eu tinha visto, sim, esses lampejos do mal em um olhar invejoso, frio. A diferença é que desta vez não foi por uma distração que o ser chegou tão perto. Esse encontro eu não pude evitar.

Escrevo sobre isso por vários motivos. Primeiro, para exorcizar. Xô! Segundo, porque acredito piamente que quando a gente toma consciência cria forças para enfrentar, como São Jorge e o dragão, como Davi e Golias. Já estou com a lança na mão.
Mas especialmente escrevo por obrigação assumida com você, de falar sobre o que encontro e me faz pensar, e que ficou ainda mais clara depois de ler essa frase de Dante Alighieri: “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”.

Eu não sou neutra. Toco a sirene para passar. E ultrapassar. Quero o céu.

Julho, de São Paulo, brrrrr.

(*) Marli Gonçalves é jornalista. Parece que não podemos mais hibernar em paz nem debaixo de nossas cobertas..

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Crescemos com muita gente e toda sorte de pregadores nos ensinando que o Inferno é quentinho, com labaredas, cheio de devassos e fica nas profundezas, nos “lugares baixos” que originaram a palavra. A sensação era – pelo menos até agora- de um lugar bem distante, de desterro, de exílio final total para os maus, masmorra. Mas, então, por que é que toda hora aparece tanta gente vinda de lá só para nos atazanar?

O frio intenso gela os pés, as mãos, e mantém outras pontinhas e extremidades nossas permanentemente eriçadas. Tem dias que não adianta calçar meias, atarracar um gorro na cabeça, usar lã grossa ou tricô. Alguns desses frios a gente sente por causa do inverno; outros porque a gente fica com o coração frio, decepado, por sentir e pressentir tanta maldade entre os homens e por perto. São os calafrios.

Depende da sensibilidade de cada um, e do grau de “treinamento de identificação”. Já passei por tantas e tantas roubadas , mas ainda estou aprendendo a identificar um pouco mais rápido a aproximação de seres sem luz. Mesmo assim preferia já ter terminado esse aprendizado, e com a aula de “como mantê-los lá embaixo com a cabeça apertada” e “como evitar”. Então, nessas, esses seres a que me refiro ainda chegam perto, perto demais. Sinto os calafrios. São finos e arretados, pegam a base da coluna, sobem aqui na nuca e a gente treme, como quem leva um susto.

Assinalo que há diferença marcante entre pessoas-vampiro, encontráveis às dúzias e todos os dias em todos os lugares, e que sugam sua energia, e essas outras , mais cruéis, que vêm do inferno diretamente. Vivendo, posso agora perceber isso mais claramente. As “vampiro”, coitadas, muitas vezes não conhecem nem essa sua própria condição; arrancam energia por onde passam para continuar vivendo – numa espécie de sobrevivência desesperada. Você passa por elas e as encontra nas ruas. Também estão em reuniões de trabalho e em festas. Têm umas que são até famosas nos meios sociais porque vampirizaram suas presas (algumas também bem famosas e conhecidas) até secá-las, em geral com “amor”, em relações estáveis. Há muitos desses vampiros também no mundo empresarial – onde chegam secam flores, ficam as ervas daninhas, estabelece-se a discórdia. Costumam dominar o mercado de alguns setores, agindo com maledicência e dinheiro. Alguns outros, vampiros mais simplórios, conseguem até que os consideremos como amigos, que a gente tenha até vontade de ajudar, em certos casos.

Não é preciso acreditar muito “nessas coisas”, nem ver filmes, seriados de tevê ou livros de ficção para saber que existem sobrenaturais passeando por aí, se alimentando da luz alheia. Todo mundo tem uma história para contar. Do tropeção que levou ao trocar simples olhar, ou do cansaço extremo que acontece após o encontro. Outro dia mesmo me aconteceu, de forma banal. Fui descer do carro e, do outro lado da rua, uma desconhecida parada me passou um olhar tão ruim que senti um baque. Afastei a sensação, mas em seguida fechei a porta do carro no dedão – e não estava distraída, não, senhor. Ao contrário.

Mas descobri uma diferença entre os vampiros e os demônios do inferno quente. Na vida há momentos que essas biscas infernais emergem das trevas, de uma hora para outra. E elas têm planos e objetivos definidos – todos tendo você como vítima – tirar seu sossego, atazanar seus pensamentos, fechar seu sorriso, estancar sua alegria. Não chegam por acaso; premeditam. Pisam bem macio para chegar. E quando você vira, zás, o punhal traiçoeiro atinge suas costas.

Só podem vir desse inferno que digo que existe, reconhecido seja qual for a religião (ou sem uma) – nem que seja em tese ou lenda. Até para nos lembrar e nos ajudar a separar as ações de nosso dia-a-dia, queiramos ou não, e de forma maniqueísta. É essa visão do inferno o que nos dá um tom do que pode e do que não pode. Por isso (ainda) não nos matamos nas ruas, e vinganças nem sempre são levadas a contento, nem quando frias. Há limites.

Lá fora, nesse Hemisfério que habito, está frio.

Mas sinto minha cabeça quente e meu estômago arde, sofrendo com um baque de constatação que o calafrio que senti era real e mais poderoso, com capacidade de me desalojar. Que não era bobeira ou fantasia minha, e que eu tinha visto, sim, esses lampejos do mal em um olhar invejoso, frio. A diferença é que desta vez não foi por uma distração que o ser chegou tão perto. Esse encontro eu não pude evitar.

Escrevo sobre isso por vários motivos. Primeiro, para exorcizar. Xô! Segundo, porque acredito piamente que quando a gente toma consciência cria forças para enfrentar, como São Jorge e o dragão, como Davi e Golias. Já estou com a lança na mão.

Mas especialmente escrevo por obrigação assumida com você, de falar sobre o que encontro e me faz pensar, e que ficou ainda mais clara depois de ler essa frase de Dante Alighieri: “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”.

Eu não sou neutra. Toco a sirene para passar. E ultrapassar. Quero o céu.

Julho, de São Paulo, brrrrr.(*) Marli Gonçalves é jornalista. Parece que não podemos mais hibernar em paz nem debaixo de nossas cobertas..

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