Ministro relator do STF declara voto a favor do reconhecimento de direitos da união entre pessoas do mesmo sexo
DE O GLOBO
Carolina Brígido
BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) deve assegurar, em julgamento nesta quinta-feira, o reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo. O primeiro voto a favor dos homossexuais foi dado nesta quarta-feira pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator das duas ações que pedem aos casais homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais, como declaração conjunta de Imposto de Renda, pensão, partilha de bens e herança. No primeiro dia de julgamento, o ministro foi além e defendeu a adoção de crianças por casais gays. A Corte retoma a discussão nesta quinta-feira, com o voto de nove integrantes. A tendência do tribunal é reconhecer as uniões homoafetivas, mesmo que não haja lei no país para disciplinar o assunto.
As ações foram propostas pelo governo do Rio, em 2008, e pelo Ministério Público, em 2009. Há decisões pontuais de tribunais e juízes nos estados a favor e contra os direitos dos homossexuais. Com a decisão do STF, o entendimento será unificado.
O principal argumento dos opositores da causa é o de que a Constituição Federal, no capítulo da família, menciona apenas a relação entre homem e mulher. Para Ayres Britto, a Constituição só enfatiza o gênero feminino para extirpar o ranço no Brasil de que a mulher é inferior ao homem. E, como não há proibição explícita a qualquer outro tipo de união, os homossexuais devem receber o mesmo tratamento.
” O órgão sexual é um “plus”, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses “
Se a opinião do relator prevalecer entre os ministros, os homossexuais terão os mesmos direitos decorrentes de uma união estável entre homem e mulher – como declaração compartilhada no Imposto de Renda, pensão em caso de separação e de morte e herança. As ações foram propostas pelo governo do Rio de Janeiro, em 2008, e pelo Ministério Público, em 2009.
Na sessão, Ayres Britto ressaltou muitas vezes que a sexualidade das pessoas é assunto privado, e que o estado não tem o direito de arbitrar nesse campo.
– O órgão sexual é um “plus”, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses – disse, completando mais tarde: – Não há nada mais privado aos indivíduos do que a prática de sua própria sexualidade. A liberdade para dispor de sua própria sexualidade insere-se no rol de liberdades do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade. Esse direito de explorar os potenciais da própria sexualidade tanto é exercitado no plano da intimidade, quanto da privacidade, pouco importando que o parceiro adulto seja do mesmo sexo ou não.
Hoje, há decisões pontuais em tribunais nos estados favoráveis e contrárias aos direitos dos casais gays. Com a decisão do STF, o entendimento será unificado. A expectativa é de que os homossexuais saiam vitoriosos.
Antes de Carlos Ayres Britto declarar o seu voto, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu o reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo com base em diversos princípios da Constituição Federal: da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da vedação de discriminação odiosa, da liberdade e da proteção da segurança jurídica.
– O indivíduo heterossexual tem plena condição de formar sua família, seguindo as suas inclinações afetivas e sexuais. Porém, ao homossexual, a mesma possibilidade é denegada, sem qualquer justificativa aceitável. Não há dúvidas sobre a proibição constitucional de discriminações relacionadas à orientação sexual – disse.
Gurgel também ressaltou que, ao não reconhecer essas uniões, o estado priva os gays de uma série de direitos conferidos a integrantes de uma união estável. Para o procurador, a falta de legitimidade das uniões homoafetivas gera preconceito e reduz essas pessoas a uma condição inferior a das demais.
– É um estigma que explicita a desvalorização pelo estado do modo de ser do homossexual, rebaixando-o à condição de cidadão de segunda classe. Privar os membros de uniões afetivas desses direitos atenta contra sua dignidade, expondo-os os a situações de risco social injustificável, em que pode haver comprometimento a suas condições materiais mínimas para a vida digna – afirmou.
De acordo com a Constituição Federal, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. O procurador ressaltou que esse dispositivo não exclui outras opções:
” O fato de que o texto omitiu qualquer alusão a união das pessoas do mesmo sexo não implica necessariamente que a Constituição não assegure o seu reconhecimento “
– O fato de que o texto omitiu qualquer alusão a união das pessoas do mesmo sexo não implica necessariamente que a Constituição não assegure o seu reconhecimento.
Em seguida, o jurista Luis Roberto Barroso fez sustentação oral em defesa do governo do Rio de Janeiro.
– O que vale a vida são os nossos afetos. O amor e a busca pela felicidade estão no centro dos principais sistemas filosóficos e no centro das principais religiões – ponderou. – Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena. Ninguém deve ser diminuído nessa vida pelos afetos e por compartilhar os seus afetos com quem escolher.
Ele lamentou que, até hoje, não exista lei protegendo esse tipo de relação. E concluiu que cabe ao STF suprir essa lacuna.
– A homossexualidade é um fato da vida, é uma circunstância pessoal, é um destino. Mas a ordem jurídica não contém uma norma específica que cuide das uniões homoafetivas – disse.
Como Gurgel, Barroso também ressaltou o direito à liberdade:
” A liberdade significa poder fazer aquilo que a lei não interdita. E a liberdade é a autonomia privada, é o direito de cada pessoa fazer as suas valorações morais e fazer as suas escolhas existenciais. “
– A liberdade significa poder fazer aquilo que a lei não interdita. E a liberdade é a autonomia privada, é o direito de cada pessoa fazer as suas valorações morais e fazer as suas escolhas existenciais.
Durante a sessão, também teve a palavra o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, que também defendeu os gays. Ele lembrou que essa parcela da população é alvo de constantes discriminações. E defendeu que essa tendência seja cortada a partir do poder público.
– A discriminação à realidade de afeto existente nas relações homoafetivas é algo que persiste e deve ser tratada no nosso sistema jurídico de forma não discriminada – disse.
Oito advogados falaram como “amici curiae” – uma forma de participar do julgamento apoiando a causa. Os sete primeiros se manifestaram a favor dos direitos dos homossexuais.
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