ARTIGO – Marinheiro, marinheiro. Foi o tombo do navio. Por Marli Gonçalves

Ô, marinheiro, marinheiro, quem te ensina a nadar é o tombo do navio e o balanço do país. Às vezes nos imagino a todos no convés de um gigantesco navio. Vem uma onda, balança tudo; depois, a calmaria, o esquecimento e a não solução, até que a onda, inclusive pode ser a mesma, bata novamente e nos ative a memória.

marinheiro

Vira e mexe, remexidos estamos. Um assunto explosivo, alguma inacreditável ocorrência que por alguns momentos até pensamos: “Agora, vai! Essa é grave”. O navio balança de um lado, balança de outro, ficamos atordoados. Daqui a pouco tem mais e, como sempre, nada de planejamento, necas de cuidados, de vez em quando ouvimos falar em punições com multas que, aliás, nunca são pagas; algumas até “anistiadas” de vez. Calma, as suas, não. Se não pagar vai entender exatamente e na pele inclusive qual o significado de avalanche, de bola de neve de juros e correções.

Assim vamos levando a vida, enfrentando todas as marés em um aprendizado que independe até do que aprendemos com nossos pais. O da sobrevivência, e que sempre é muito particular. Caímos na água toda hora, na vida pessoal e profissional; na vida coletiva e como cidadãos. Precisamos bater os pés e manter o nariz fora d` água. Respire. Se conseguir, está vivo.

Uma sucessão e a cada passo aprendemos um estilo que é mais do que borboleta ou costas. Tem quem fique craque no movimento sabão, que escorrega. No movimento urubu, que se beneficia dos restos de quem submerge. No movimento oferenda, que joga tudo para Deus resolver. No movimento de apenas boiar, sem querer saber de nada, sem opinião, e o que anda bem comum, compreensível se ocorre pelo cansaço de querer chegar à margem e ficar ali só se secando. Precisaríamos nadar mais o nado sincronizado.

São mesmo inúmeras as formas. Mas nas pessoais estamos sempre dentro de um simples barquinho. Quando a gente se afoga por amor, esse sofrimento que parece jamais se superará, os soluços e as lágrimas precisam ser tirados com balde para não afundar. E tentamos tapar o buraco com outro e outro. Acho que não preciso ser mais clara.

Mas no dia a dia dependemos do navio geral da nação, essa atormentada nação que não sabe que rumo vai tomar. As investigações estão sempre em curso, e levam anos para chegar a algum destino, como no caso Marielle, agora com mandantes e idealizadores identificados, que esperamos não ter de ver logo nas ruas com adornos de tornozeleiras. Mais alguns anos – quantos? – e novos desfechos virão? Durante mais de um mês vimos centenas de homens procurando dois, os fugitivos de Mossoró. Nada. Deram entrevistas, desenharam círculos, andaram neles, perderam as pistas. Agora, tudo desativado.

Justiça seja feita. Ah, não está mais adiantando? Ordens judiciais só servem para poucos? Tenho visto muitas desobedecidas. E daí? Nada.

Para escrever toda semana faço tal qual os pescadores que sentem de onde vêm os ventos, as marés, a influência da Lua. Nem sempre é fácil, as pessoas leem o que querem, sempre, e agora querem que só haja duas versões e direções dos fatos, exterminando qualquer possibilidade de nuance. Eu ia escrever “Birutas e tapas na cara”, sobre birutas, os birutas-gente e as birutas de vento. Desisti. Achei melhor pensar só no marinheiro, marinheiro só, com seu bonezinho, todo faceiro. Um símbolo bem brasileiro.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Nós, os cronistas tarados, abismados. Por Marli Gonçalves

Crônicas são pessoais, o que nos dá caminhos para conversar com os leitores sobre experiências, sentimentos, momentos, e de, ao fazer verdadeiras confissões, buscar companhia e alento. Cronistas observam e absorvem o cotidiano, o coletivo.

TARADOS POR VACINAS

E está tudo muito esquisito. Dito isso, pergunto como vocês estão se sentindo nesse momento? Quando começávamos a nos sentir aliviados, pelo menos um pouco com relação à pandemia, somos inundados por mais uma onda, e ela é alta, agressiva. Só não digo inusitada, porque o comportamento geral de fim de ano já antevia que coisa boa não viria, todo mundo tomado de vontade de se encontrar, abraçar, beijar, viajar, sair por aí. Soma-se ainda o vendaval do surto de gripe atacando nosso povo já doente de tantas coisas e que se espreme em filas e filas diante de postos de saúde e hospitais, necessitando serem atendidos e tratados por profissionais esgotados. Onda, bola de neve, avalanche, fora as enchentes. Mais um verão sem graça, e sem Sol, sem Carnaval, sem charme e até sem uma modinha para chamarmos de nossa.

Aqui, tenho sentido novamente algumas crises de ansiedade, dificuldades de segurar a cabeça, os pensamentos, a tristeza de já ter perdido tantas pessoas importantes e o alarme incessante que parece tocar novamente a cada informação sobre pessoas conhecidas infectadas aqui, ali e acolá. E, como tarada por vacinas, com as três doses, mais a de gripe tomada logo no primeiro dia da campanha, aguardo – eu e o meu braço – para o mais breve possível mais e mais reforços, ao contrário do que propaga o presidente insano que nos desgoverna. Se tivesse filhos ou netos estaria ainda mais revoltada com o descaso criminoso sobre a vacinação infantil.

Esse é o outro ponto. O presidente insano que nos desgoverna e não para de fazer e vociferar besteiras dia e noite, ecoado por militantes e por um ao redor cada vez mais agressivo, perigoso e ignorante. Ou, pior, cercado de aplausos vindos de quem pavorosamente pretende ou já está se dando bem com esses disparates vergonhosos. Esse momento é um dos mais deprimentes da história recente do país, e não há como se sentir confortável diante desses passos claramente em direção ao perigo total nesse ano eleitoral. Um pesadelo, que vivemos acordados; mas ainda inertes.

Isso não é normal. Não se pode normalizar a barbárie. Na contramão do mundo vamos nos esborrachar batendo de frente. Governo e Estado confundidos, achincalhados e comparados. Tudo fora da ordem. Estão rindo da nossa cara. Nos ameaçando, xingando, agredindo. Pior, matando. Inclusive o futuro, que vem sendo ferido continuamente.

Como estamos reagindo? Ah! – Fazendo piadinhas, memes, por aí tirando pelo da cara deles nas redes sociais, dando uns apelidos memoráveis (até concordo), mas dia a dia a situação só se agrava, como se todos eles estivessem gostando desse jogo, o incentivando. E precisamos correr dele, desse jogo que já comprovou ser ineficaz, perdendo a graça.  Sem opções, divididos, brigando entre nós mesmos, e entre os adoradores de lados opostos que acendem velas para perigosos e já traçados caminhos anteriores e que inclusive nos trouxeram até esse momento doloroso. Um ministro absurdo que declara que a primeira-dama, essa nada, simboliza nossa mãe. Deus nos livre! E um outro lado que clama por Lula pai, mestre, líder, no único colo de quem parece estarmos sermos obrigados a sentar a cada disparate proferido no Planalto. No meio de tudo isso só surgem os arrependidos de plantão, como o ex-juiz, alguns governadores e gente que sempre está e estará por perto seja de qual governo for, como camaleões. Ou carrapatos.

Nós, os cronistas tarados e abismados, adoraríamos mudar essa conversa, mas para isso precisaríamos sentir as coisas mudando. E, se tem coisa que tenho reparado – pior, a partir de mim mesma – é que o esgotamento geral tem levado muita gente a querer fugir correndo de todos esses assuntos, o que é quase impossível. Olhando para cima, para baixo, para os lados.

Já não sei mais onde procurar besteiras que possam me distrair, e isso inclui assistir uma novela das nove cada dia mais mexicanada, procurar por filmes e comédias que sempre detestei. Passar a testar receitas, talvez procurando uma que nos ajude a encarar o desenrolar de 2022.

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Marli - perfil cgMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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