ARTIGO – Perigo, perigo. O XYZ da questão. Por Marli Gonçalves

“Perigo, perigo”, sairia dizendo o robozinho de Perdidos no Espaço, nervoso, se balançando agitado, correndo pelo mundo todo.  Alertas laranjas, de risco alto, nos céus. Se possível, alerta que deveria já estar apitando nos celulares das pessoas de bem do planeta.

perigo, perigo

Eles estão entre nós. Não, não são alienígenas, pelo menos a princípio, mas pessoas de carne e osso que estão se agrupando em todo o mundo num perigoso movimento de tomada de poder para a qual não medem esforços nem violentas formas de ação, entre elas, guerras sangrentas, bravatas, mentiras deslavadas, ódio, derrubada de líderes para a ascensão de seus ícones, ataques às conquistas e liberdades individuais. Não é necessário microscópio algum para avistá-los. São bem visíveis, até histriônicos, você já os está vendo em toda parte. Agem como se fossem legais, fazem de um tudo para que se saiba deles. Mas olhe bem, perceba o quão de estranho há em seus atos. Alguns já estão aí. Outros surgem do nada. Quando os percebemos já se desenvolveram e criaram tentáculos. Procriam rápido.

A lista é grande. O XYZ da questão é muito mais que este estranho Elon Musk, que agora sobrevoa o Brasil fazendo amigos, ou a cabeleira do Milei e do Trump. O bigodinho de um, a barba de outro coberto em trajes religiosos e armados até os dentes; esta família boba com ficha corrida daqui é só uma pontinha. Há outras se perenizando, o que talvez até explique a falta de reações adequadas e na hora devida. A coisa é internacional. Ocidente e Oriente. O cerco se fechando. O dinheiro, na frente. O moralismo, na rabeira. O poder como alvo.

Percebemos que não tem bonzinho nenhum, e tomara que antes que seja tarde demais como várias vezes dramaticamente ocorreu no século passado. Agora as armas são outras, e nos usam, somos parte delas na vida digital. Nela acrescentam robôs para alastrarem os seus esforços, exércitos invisíveis, que nada tem de bonitos, de engraçadinhos, muito menos inteligentes, embora artificiais – são humanos que os alimentam e guiam em máquinas.

Usam, principalmente, para sua expansão, as mentes jovens e ainda não formadas na vida, aproveitam sua inexperiência e desinformação da História. Apelam ainda aos mais velhos e rançosos que internamente por toda a vida não admitiram os avanços e agora imaginam que antes de morrer podem deixar o mundo no atraso que gostariam. Conseguem nos dividir em tudo que é tema que entre em discussão. Divididos, somos mais fracos, mais propensos à dominação.

Apelam para o que entendem como liberdade, e uma tal democracia deles, e muito longe do que é mesmo, democracia esta que em vários lugares e situações está atacada perigosamente. Na primeira oportunidade que conseguem, são os primeiros a cancelá-la: a liberdade de expressão que defendem, não se enganem, é só a deles, desses grupos que se juntam como vírus ou bactérias, e que mantidas as condições, criam a epidemia sem controle que nos afetará – e às próximas gerações – severamente.

Firmam-se no momento à direita – e à esquerda – em duelos, como se combates existissem, sendo que ambos estão no mesmo caminho onde, como numa balança, se alternam. É preciso denunciar todas as formações. O alerta de perigo é mais sério do que as bobagens locais que alimentam os comentaristas no dia a dia. Esqueça a pendenga, os peixes pequenos diante da organização que se avoluma aproveitando a nossa fragilidade e a pequeneza. São ousados, querem ser extremos: usam Deus, as religiões, suas canetas e fortunas, e até o espaço sideral, mesmo que entre eles há ainda quem acredite que a Terra seja plana, e como se fosse a pista do aeroporto daqui partam foguetes para colonizar o espaço. De um lado, o Estado é tudo; de outro, não é nada.

Não podemos nos distrair. Eles estão entre nós, muito próximos, em busca de cooptar mais corações, mentes e até almas, como se vê na violência crescente, espalhada, cruel. É realidade. Não é filme ou série. Não é caso para um herói ou salvador das pátrias.

As pátrias somos nós, os terrenos que pisamos com os nossos pés nesses tempos duros.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Os poderozinhos de araque

Marli Gonçalves

Claro que você já se deparou com eles, já que se espalham como pragas por aí, principalmente nos serviços públicos e para o público. Esta semana enfrentei um, dos piores, daqueles dos quais a gente, bem ou mal, depende, e no fundo, exatamente o que me fez pensar duas vezes. A primeira, sobre o que a minha própria reação poderia causar a mim mesma e a outras pessoas. A segunda é que, coitados, deve ser apenas o pouco que eles têm para exercitar o ego, e a pouca autoconfiança, vamos falar assim, que deve ser “deste tamaninho assim”

Quase. Salva por pouco, um tantinho, por uma luz recebida de bom senso e controle que me surgiu na Hora H, por pouco que esta semana vocês não iam ter nem artigo para ler, turma! Tentaram me “ganhar” e, como certa de que, quando estou certa, não levo desaforos para casa, eu ia fazer aquele forrobodó. Ao tentar resolver um problema relacionado à aposentadoria de minha mãe – que morreu há exatos 9 anos – deparei-me com um cidadão, funcionário público, pago por nós para trabalhar por nós, mas com esse probleminha sobre o qual quedei meus pensamentos depois do ocorrido: os pequenos (e podres e pobres) poderes.

Olha isso: descobri agora, e porque fui cobrada, que há 9 anos, repito, 9 anos!, junto da batalha que eu levei durante meses contra a morte para que esta não levasse minha valiosa mãe, com uma UTI em casa, etc. e tal, problemas de toda a sorte, que alguém (eram dezenas de pessoas circulando) recebeu a pequena aposentaria dela por mais três meses e, claro, após a sua morte.

Para vocês terem o pano de fundo da conversa, venho encaminhando já há meses todos os documentos pedidos e possíveis para a defesa de que não fui eu, nem ninguém, os outros dois da família, e que tínhamos problemas bem maiores$$$$, mas muito maiores, à época.

O caso foi que respondi à altura a um servidor público que ousou se meter, de uma mesa do lado – não era com ele que estava tratando, mas deve ser o tal chefete – duvidar do que eu afirmava tranquila, em depoimento, inclusive oficial. Pior: duvidou do meu pai! Quando disse que não só meu pai até hoje, aos 94 anos, não sabe lidar com cartões magnéticos como que nem no fax chegou a mexer, o tal veio com suas falinhas irônicas, acompanhado de perguntas grosseiras e com pontas incidiosas.

Só que com esta “dúvida” dele, além disso, o tal me chamava – claramente para uma entendida em palavras – de mentirosa e/ou ladra. Pior: ladra de INSS, de caraminguás.

Quem me conhece pessoalmente já está imaginando o tamanho da encrenca, e da rapidez com que me levantei, chegando bem perto dele, para contrapô-lo. E da mesma forma que ele, minha voz subiu dois tons, em cima do “tamanco”, rodando a saia, fogo nas ventas.

Como o “cidadão”, vou tratá-lo assim porque sou boa, deve ser useiro e vezeiro em espezinhar pessoas simples, o bicho pegou. Vou contar: ele chamou a segurança (prefiro não comentar nem descrever o tal franzino que já chegou com a mão no coldre) para me retirar do recinto, e considerou desacato (existe, você tem obrigação, por lei, de aguentar firme as manhas de funcionários públicos, para o bem e para o mal!). Já escrevi aqui que ninguém põe a mão em mim sem motivo ou autorização expressa, que viro um bicho feroz, e me conheço. Foi aí que o tal bom senso me cutucou e eu “me acalmei” – porque se o franzino chegasse a relar em mim, ai, ai, ai. Voltei aonde tinha parado, e com o sapo instalado no fígado, terminei meu depoimento com a outra gentil servidora que me atendia, e fui embora. (O segurançazinho ficou ainda na porta uns dez minutos, olhando minhas costas, observando meu comportamento). O afrontador, esse, mostrou-se todo feliz com o exercício de seu pequeno poder.

Conto isso como registro e também como alerta, porque os pequenos poderes dessa gente que acha que os tem podem ser perigosos. E eles estão em toda a parte, revestidos de autoridade. Confundem tudo, e só “governam” com o autoritarismo, com a pressão, com o terror, com a imposição do medo e da ameaça. Quando mais patológica sua aplicação é considerada uma síndrome – a síndrome do pequeno poder. A psicologia define como uma forma de agir ou atitude de autoritarismo por parte de um indivíduo que, ao receber um poder qualquer, o usa de forma absoluta e imperativa sem se preocupar com os problemas periféricos que possa vir a ocasionar, mas sim com seu efeito de humilhação e em quem o sofre, subjugado.

Há profissões que vivem deles, sempre querem e precisam subjugar alguém. São os bozós das portarias. Os poderosos de crachá pendurado no pescoço. Alguns chefes. A dona de casa massacrada pelo marido que desconta na empregada; o segurança da casa noturna que tem três trabalhos e não dormiu; o homem que acha que dá tudo à mulher, põe comida dentro de casa, comprando sua alma. É o policial nas ruas diante de jovens. (Por favor, peço que entenda por esse ângulo a Rita Lee. Ela apenas tentou defender sua platéia. Mas ela é ela, ruivinha do balacobaco e boca grande, e acabou na delegacia. Foi o dragãozinho interior dela).

Depois desta que passei essa semana, realmente pensei muito no assunto. Até para me acalmar e sentir como a gente pode, sim, virar uma bostinha diante de gente tola. Por exemplo, se eu denuncio a pessoa em questão ao ministro, ao Ministério da Previdência, quem serão minhas testemunhas, já que não filmei os fatos? Os chefiados? E supondo que alguma sanção seja dada ao sujeito, como ele tratará sua família se for punido? Aliás, outra boa preocupação, que já deixo de antemão registrada aqui, e contando a vocês a história: o processo do meu caso deve estar nas mãos dele. O que me garante que ele não vai tentar usar mais uma vez esse seu pequeno poder? Bem, tenho nome dele bem guardadinho aqui comigo, caso tente.

Sabem como é, não? Papel aceita tudo. E nem sempre as pessoas têm consciência para por a mão.

São Paulo, onde brotam esses pequenos poderes, 2012.(*) Marli Gonçalves é jornalista. Não queria, ah, mas não queria mesmo, lembrar dessa forma da morte de minha mãe há 9 anos, que se completam agora, dia 9. Não queria ter de recordar o que passei. Muito menos saber que enquanto sofria tinha alguém por perto pensando só em se dar bem com um cartão magnético, para ganhar uns trocos.

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