ARTIGO – Quero gente! Por Marli Gonçalves

Quero gente de novo no atendimento das empresas, pelo menos um pouquinho, alguém que possa compreender o mínimo quando mais delas precisamos de alguma resposta ou posição, ou que entenda uma reclamação. Praticamente não conseguimos falar com mais ninguém de carne e osso, tudo é máquina, respostas prontas, frias e comuns, alternativas que quase nunca são as que precisamos. Tá bem difícil essa vida digital.

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Não me matem, mas ando tendo saudade até do gerúndio pavoroso das mocinhas do telemarketing, daquela dificuldade de escutá-las no meio dos ruídos de conversas, do “vamos estar vendo”, “vamos estar ligando”.  Não sei vocês, mas estou bem preocupada porque quase não há mais formas de contato real, o famoso telefone, aquele numerozinho fixo – lembram?  Fazia trim trim – e a gente podia tirar uma dúvida rápida, falar com algum filho de Deus na hora do aperto.

E olha que eu conheço um pouquinho dessas coisas de computador, de acesso, de senhas para todos os lados que nos deixam doidos. Fico imaginando a dificuldade que mais pessoas devem ter ao lidar com essas inovações tecnológicas. Pela idade, pela visão, pelo conhecimento, pelo telefone celular antigo, tudo, até pelo fato de ter ou não internet. Lembro bem quando se dizia “… Ah, mas todos tem carro!…”. Nananinanão. Nem todos. E o acesso é caro.

Você pagou a conta, mas é quem tem de provar isso. Já tentaram? Enel, Comgás, falar com as robozetes, atendentes virtuais? Chamam chatbots. Ah, serviços públicos, operadoras. Protocolos infinitos. Orientações de contatar e-mails e números que não existem, ou que te deixam em looping, mandando você ligar para o que te mandou ligar lá. Prefeitura? Você até consegue denunciar, mas no que deu? Fora os 60 dias pedidos quando a providência era para ontem. Exemplos não faltam. Já estou até vendo você também fazendo a lista das vezes que também quis esganar os robozinhos mal treinados. E trucidar a empresa.

Claro que há empresas que funcionam bem nesse meio, como um reloginho. Posso até citar uma: a Porto Seguro. Tudo bem registrado. Que assim seja mantida. Mas que é uma raridade todos hão de concordar.

Para vocês verem, fui comprar ingressos em um desses aplicativos contratados pelas produtoras, que mataram as bilheterias. Ok. Preço, tanto. Todos os dados preenchidos. Ah, que bom, pode dividir em parcelas, até 12 vezes – está caro para burro, gente, mesmo a meia entrada para os idosos bem salgada, porque compensam no preço cheio. Pois bem. Tudo certo, consigo chegar ao final e o preço… subiu! Apareceu uma taxa, sem qualquer explicação, uma vez que até isso, os ingressos, agora são digitais, ninguém tem que imprimir, entregar nada em sua casa. Vasculhei e não consegui qualquer contato que pudesse explicar que raio de taxa era aquela: de sentar na poltrona? Ah, e sobre o parcelamento, nem conto os juros cobrados. Quem paga nas tais 12 vezes vai lamentar isso o ano todo. Comprei, em duas vezes, porque quero mesmo assistir esta peça, e para isso fiz uma coisa que, como geminiana, tenho enorme dificuldade: a antecedência. Nem penso em programar minha própria festa de aniversário. Não sei se no dia vou poder ir, ou mesmo se vou querer ir!

Estamos reféns dessa vida digital, e dos ataques cibernéticos, e golpes que não param, e não consigo deixar de imaginar esses novos ladrões virtuais roubando sentadinhos de casa, sem perigos, bebendo uma. Conto mais de dúzia de tentativas diárias por aqui – precisa ficar sempre com as orelhas em pé. Alerta.

A tal Inteligência Artificial, IA, AI, é a nova panaceia. Não andam pensando até em usá-la para pensar livros didáticos? Nem consigo imaginar o que isso vai dar. Mas, pior, é ela que agora guia guerras. Que comanda os drones e mísseis que viajam milhares de quilômetros para matar e destruir. Mas sabe-se lá se os humanos que os orientaram deram endereço certo. E se der bug? Cair a rede de controle? Fica sempre a dúvida.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Os Conformistas. Por Marli Gonçalves

Repito: ando pensativa. Creio que você aí também não deve estar muito diferente se tem acompanhado os acontecimentos. Ou a falta deles. Quando ocorrem, os fatos têm se sucedido com velocidade espantosa, vertiginosa e tudo parece muito pouco confiável. Mas ficamos calados, à espreita

BUDA

Falo globalmente, que ficar só nesse nosso quintal seria muito pobre em elementos para fazer uma análise convincente ou mais aproximada. Aqui, sempre digo que deve ser algo na água que bebemos, mas no mundo só pode ser, sei lá, os efeitos do Sol. O aquecimento global, o derretimento da calota polar, o sumiço das abelhas? O que tem de coisa acontecendo no mundo todo que é fora de uma ordem qualquer, sem sentido e insana, e que dá para todos os dias encher o balde dos noticiários e ainda transbordar, uma barbaridade.

Enquanto a chama olímpica passa de mão em mão há dias se aproximando conduzida por brasileiros de todos os tipos, quase nos distraímos e ela já se avista da reta final de sua pira final. Ouço que 45 Chefes de Estado estarão por aqui nesses dias olímpicos em que viraremos o hotel-creche do mundo, responsável por hospedar e cuidar do que todos os países têm como as suas pequenas joias, seus atletas, os seus campeões. Mais alguns mandatários e suas turmas. É muita responsa.

Pronto. Por mais que queiramos negar, não gostar e nem nos interessar, a realidade chegou e não é coisa igual foi a Copa, de um esporte só. Me parece mais significativo, mais simbólico, mais mensagem de paz mundial um evento com tantas modalidades envolvendo tantas nações, tantas raças, tantas histórias de superação.

E em cima da bucha, a pesquisa recente Datafolha mostra que mais da metade da população nacional está contra a Rio 2016; 63 % acha que, pior, trará prejuízos.

Agora? Tarde demais. Ouviram essa expressão, que foi muito comum nos anos 70 e 80? – “Já era!”

Seja o que Deus quiser. Vamos continuar nos conformando, e torcendo, mesmo que no íntimo, para que tudo saia como os conformes, embora estejamos pressentindo e vendo em todo o redor recorrentes pensamentos da temeridade do momento em que fomos lançados, sem querer fazer trocadilho.

Para completar, o que acontece? Exercícios simulados constroem na ficção várias formas de ataques, e como eles seriam enfrentados, o que – desculpem – acho muito louco. Qualquer um que já tenha participado de um treinamento de incêndio sabe do que estou falando. Não é sério. Lembro que trabalhava no último andar de um prédio muito alto e enquanto descia as escadas num treinamento desses não pude deixar de observar um certo absurdo naquelas cenas, as pessoas conversando, falando ao celular, com bolsinhas nas mãos, batendo saltinhos, passando batom. Realidade é sempre cruelmente inédita.

Pensava nisso quando prendem uma dezena de jovens acusados de conspirarem um ataque terrorista brasileiro e os mostram ao mundo como troféus. Vejam se não é nonsense – fale alto e tente não rir: terrorista brasileiro. Repita: terrorista; brasileiro.

Não combina. O vampiro brasileiro de Chico Anysio, creio, é mais possível. Esse fato ainda requer muita explicação e esmiuçamento; tem quem garanta até que a arma que compravam era só de paintball. Alguns parecem até caricaturas de Allah, com suas barbichas. E ministros aparecem batendo no peito, chamando-os de amadores e “porraloucas” (sim, saiu da boca de ministro). Tememos os profissionais.

Fosse só as Olimpíadas que tem nosso conformismo! Faz a lista.

When-We-Drag-Ourselves-Gym-Sunday-Closed

Marli Gonçalves, jornalista – Inconformada.

SP, 2016

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