ARTIGO – Quero gente! Por Marli Gonçalves

Quero gente de novo no atendimento das empresas, pelo menos um pouquinho, alguém que possa compreender o mínimo quando mais delas precisamos de alguma resposta ou posição, ou que entenda uma reclamação. Praticamente não conseguimos falar com mais ninguém de carne e osso, tudo é máquina, respostas prontas, frias e comuns, alternativas que quase nunca são as que precisamos. Tá bem difícil essa vida digital.

gente -

Não me matem, mas ando tendo saudade até do gerúndio pavoroso das mocinhas do telemarketing, daquela dificuldade de escutá-las no meio dos ruídos de conversas, do “vamos estar vendo”, “vamos estar ligando”.  Não sei vocês, mas estou bem preocupada porque quase não há mais formas de contato real, o famoso telefone, aquele numerozinho fixo – lembram?  Fazia trim trim – e a gente podia tirar uma dúvida rápida, falar com algum filho de Deus na hora do aperto.

E olha que eu conheço um pouquinho dessas coisas de computador, de acesso, de senhas para todos os lados que nos deixam doidos. Fico imaginando a dificuldade que mais pessoas devem ter ao lidar com essas inovações tecnológicas. Pela idade, pela visão, pelo conhecimento, pelo telefone celular antigo, tudo, até pelo fato de ter ou não internet. Lembro bem quando se dizia “… Ah, mas todos tem carro!…”. Nananinanão. Nem todos. E o acesso é caro.

Você pagou a conta, mas é quem tem de provar isso. Já tentaram? Enel, Comgás, falar com as robozetes, atendentes virtuais? Chamam chatbots. Ah, serviços públicos, operadoras. Protocolos infinitos. Orientações de contatar e-mails e números que não existem, ou que te deixam em looping, mandando você ligar para o que te mandou ligar lá. Prefeitura? Você até consegue denunciar, mas no que deu? Fora os 60 dias pedidos quando a providência era para ontem. Exemplos não faltam. Já estou até vendo você também fazendo a lista das vezes que também quis esganar os robozinhos mal treinados. E trucidar a empresa.

Claro que há empresas que funcionam bem nesse meio, como um reloginho. Posso até citar uma: a Porto Seguro. Tudo bem registrado. Que assim seja mantida. Mas que é uma raridade todos hão de concordar.

Para vocês verem, fui comprar ingressos em um desses aplicativos contratados pelas produtoras, que mataram as bilheterias. Ok. Preço, tanto. Todos os dados preenchidos. Ah, que bom, pode dividir em parcelas, até 12 vezes – está caro para burro, gente, mesmo a meia entrada para os idosos bem salgada, porque compensam no preço cheio. Pois bem. Tudo certo, consigo chegar ao final e o preço… subiu! Apareceu uma taxa, sem qualquer explicação, uma vez que até isso, os ingressos, agora são digitais, ninguém tem que imprimir, entregar nada em sua casa. Vasculhei e não consegui qualquer contato que pudesse explicar que raio de taxa era aquela: de sentar na poltrona? Ah, e sobre o parcelamento, nem conto os juros cobrados. Quem paga nas tais 12 vezes vai lamentar isso o ano todo. Comprei, em duas vezes, porque quero mesmo assistir esta peça, e para isso fiz uma coisa que, como geminiana, tenho enorme dificuldade: a antecedência. Nem penso em programar minha própria festa de aniversário. Não sei se no dia vou poder ir, ou mesmo se vou querer ir!

Estamos reféns dessa vida digital, e dos ataques cibernéticos, e golpes que não param, e não consigo deixar de imaginar esses novos ladrões virtuais roubando sentadinhos de casa, sem perigos, bebendo uma. Conto mais de dúzia de tentativas diárias por aqui – precisa ficar sempre com as orelhas em pé. Alerta.

A tal Inteligência Artificial, IA, AI, é a nova panaceia. Não andam pensando até em usá-la para pensar livros didáticos? Nem consigo imaginar o que isso vai dar. Mas, pior, é ela que agora guia guerras. Que comanda os drones e mísseis que viajam milhares de quilômetros para matar e destruir. Mas sabe-se lá se os humanos que os orientaram deram endereço certo. E se der bug? Cair a rede de controle? Fica sempre a dúvida.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Quando o Carnaval passar. Por Marli Gonçalves

Se bem que Carnaval, Carnaval mesmo, pensa bem, nunca passa ou acaba por aqui, onde tudo vira o próprio, carnavalizado, e inclusive isso é o que ajuda a que nada seja enfim solucionado. Passam solenes pela “Avenida Brasil” a alegoria, as alas, as testemunhas, os atores, a gente aplaude ou vaia, e a coisa se repete em seguida, como um mantra.

carnaval
… Não cuidamos do quintal quando devíamos. E o mato crescendo; as ervas daninhas continuaram – e visivelmente continuam – a brotar…

Acontece um fato. Noticiado, esmiuçado, repercutido, agora também uma loucura nas redes sociais onde, se você é um dos que as acessa e à repercussão, sabe muito bem ao que estou me referindo e nesta semana tivemos um exemplo literalmente flagrante, com vídeos, explicações, prisões, documentos, caras pálidas e lavadas em todas as instituições. Um lado (que coisa chata essa de pensar que só existem dois lados dessa questão!) solta rojões, comemora, cria memes e charges e o “outro” reclama, ameaça, briga, baba, solta mentiras, tenta explicar até o inexplicável, defende, chama exércitos de robôs. Em um dia, segundo um instituto de pesquisa, foram 56 milhões de citações. A favor e contra, e como tudo virou a maldita divisão…Mais pra cá ou pra lá.

Parece que somos todos idiotas. Que precisam sempre ser conduzidos a um curral moral ou outro, porque não teríamos opinião própria ou capacidade de discernimento ou crítica. Cada vez mais comum e aborrecido, além de emburrecedor, inclusive na imprensa que fica, parece, tomada de muita alegria, excitação, certezas, duelo por fontes, declarações, e até adivinhações, e vai ao ar ou publicada já editorializada.

Acaba que tudo termina no mesmo rolo, até que apareça outro. Aconteceu durante anos com a Lava Jato, e estamos vendo no que deu. Ou melhor, no que já até já está virando novos enredos para os carnavais seguintes, e com tramas fantásticas e difíceis de desvendar. Se não acompanhou o caso, acredite, tudo já vinha mesmo repleto de falhas graves, aberturas para questionamentos futuros, improvisos, furos impressionantes. Um molde que continua sendo usado. Daí tudo virar apenas Carnaval o ano inteiro. Aguarde só os próximos lances seguindo a Quarta-Feira de Cinzas. Será que agora vai?

 Acontece todos os dias com o noticiário sobre violência, onde nem mais conseguimos contar o número de vítimas entre inocentes, culpados ou “suspeitos”, cada vez mais termo usado – os tais supostos suspeitos, mesmo que filmados, condenados, e sempre como se imparcial isso fosse – muitas vezes duvidando até da mais cruel realidade.

Dizem que no Brasil tudo é futebol. Acrescento, assim, que também tudo é Carnaval. Cheios de máscaras, fantasias, foliões, paixões efêmeras e um certo embebedamento, letargia. Nos últimos anos vivemos envolvidos nesse baile, perigoso baile. Com possibilidade, perigo, como agora ainda melhor informados, inclusive, de fechamento de tempo, de retorno ao que já tivemos de mais cruel.

Sabíamos disso? Sim. Porque então deixamos que isso transcorresse como normal? 8 de janeiro não foi o único ápice. Tivemos um dia a dia pavoroso antes, durante quatro anos, no meio da mortal pandemia. Há tempos vemos a bandeira nacional ser usada como logotipo até de uma tentativa de guinada para o nevoeiro, para uma nebulosa e esburacada estrada. Ficamos esperando que apenas alguém, algum herói – e eles, acredite, não existem – parasse esse curso, vergando ou o manto negro da toga da Justiça, ou até mesmo a faixa presidencial.

Não cuidamos do quintal quando devíamos. E o mato crescendo; as ervas daninhas continuaram – e visivelmente continuam – a brotar, tornando cada vez mais difícil arrancá-las para a primavera, e porque ainda muitos as confundem com as flores da liberdade.

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marli -fev24MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO- Todos somos olhos, caras e bocas. Por Marli Gonçalves

Todos somos olhos, todos somos repórteres? É perceptível a guinada que vem ocorrendo especialmente nos noticiários de tevê que observam, dão espaço e fazem render a ânsia que agora as pessoas têm de se mostrar, participar, dar pitacos.

todos somos olhos e bocas

Antes, no tempo do onça, para se comunicar com algum veículo de imprensa era preciso mandar uma carta para a Seção do Leitor, ou mesmo tentar ir à redação fazer seus apelos pessoalmente. Tempos bem idos lá longe porque hoje as redações estão como se hermeticamente fechadas, quando antes eram mais vivas, acessíveis. Até contato telefônico por números fixos basicamente impraticável. Com o advento do e-mail ficou mais simples um pouco. Mas principalmente na tevê, novas mudanças: primeiro disponibilizaram um número de WhatsApp, e agora pelo menos a Globo inovou: o telespectador é encorajado a acionar um QR Code, fazer um cadastro e voilà. Pode mandar mensagens, vídeos, fotos e etceteras dos fatos que acompanhou ou quer denunciar. As pessoas comuns estão na tevê, via câmeras de celular, e por mais simples que sejam aparecem de seus cantos, casas e barracos mostrando a realidade que vivenciam.

Assistimos assim, literalmente, a vida ao vivo. Assaltos, sequestros, cenas de violência filmadas de janelas. O desespero das falhas no transporte público e a falta de apoio, tudo registrado, e negando no ar, na hora, as tais providências alardeadas pelas autoridades. Os carros boiando em enchentes e o momento até da queda de aeronaves. Milhares de Grandes Olhos vigiando tudo, além das câmeras das ruas e das casas. Fico imaginando como é feita – e se é feita, dada a rapidez da informação, a checagem de milhares de mensagens que devem chegar diariamente.

Tenho refletido muito sobre a imprensa, como jornalista há mais de 45 anos e vinda de uma escola, o extinto Jornal da Tarde, que prezava acima de tudo os fatos ocorridos na cidade, São Paulo no caso, e a busca de uma visão sempre mais humana em bons textos e imagens. Assim, consigo ver muitos aspectos positivos nessas mudanças, e reparado como vem sendo grande também a busca por levar ao ar muito mais prestação de serviços – agendas de lazer, explicação de preços e fatos políticos, sociais e econômicos de forma mais simplificada – além do registro das condições e realidade (repara: há repórteres que parecem estar se especializando nisso, pé na lama, só não sei se de bom grado ou se sempre obrigados por chefias).

Em artigo anterior, Influenciadores e Influenciados, foquei no absurdo aumento de todos os tipos de influencers, e acabou surgindo uma discussão sobre se seria isso jornalismo. Um debate. Insisto que não. Jornalismo é coisa séria, requer regras e ética, técnicas, experiência, embora pareça que andam esquecendo de ensinar muito disso nas poucas universidades que ainda restam. Mas não posso deixar de notar que, por outro lado, cada vez mais os “influencers” têm criado notícias e estas invadem os portais e jornais. Sem compromisso, têm cara de pau  que jornalistas não têm para fazer coisas e muitas vezes formular perguntas, e  que nem poderiam, até por muitas beirarem insanidade, desrespeito ou alguma curiosidade exótica. Os influenciadores, produtores de conteúdo como se denominam, têm. E conseguem respostas que acabam virando notícias reconhecidas. Confidências sexuais, fofocas, desavenças, os tais flagras que chegam até a ser engraçados porque muitas vezes quase teatrais, armados, ensaiados, pensados.

A imprensa séria, oficial, no geral, está em crise, e buscando de todas as formas sobreviver e se reinventar, mas seu campo é limitado. Seus espaços, os profissionais limitados, o papel, e até o lugar onde habitualmente é vendida, as bancas, virando verdadeiras lojas de badulaques e onde agora ocupam cantinhos. Apostam tudo nas edições digitais, assinaturas, ofertas. Na tevê, agora, também em simpatia, proximidade e descontração.

Para completar, ultimamente têm precisado esconder sua cara de tacho depois que as intensas coberturas cheias de certeza de anos a fio estão sendo arruinadas. A Lava Jato, o juiz justiceiro, os acordos de leniência, as delações premiadas, as prisões, as gravações, muito do que se noticiou – tudo indo por água abaixo. E ainda precisando duelar diariamente com as fake news cada vez mais perigosas, mesmo que tolas, e que se espalham mais do que qualquer notícia séria. Pior, com gente achando graça.

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marliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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ARTIGO – Abriu abril, desinteligências artificiais. Por Marli Gonçalves

Abril, já são passados quase cem dias e o ano de 2023 ainda boceja, se espreguiça, esfrega os olhos, acorda, e logo volta a dormir mais um pouquinho. Quem dera fosse só no seu primeiro dia que mentiras são pregadas e apregoadas. E com inteligências ligadas em tomadas.

Abril é mês que muita coisa acontece e, ao mesmo tempo, nada acontece. A estação muda, mas as notícias invariavelmente parecem ser sempre continuamente as mesmas, que se repetem, até como farsas. Algumas até mudam de local e personagens, mas o quebra-cabeças sempre perde algumas peças antes de formar um quadro definitivo para que a gente possa emoldurar e pôr na parede, dando o assunto como encerrado. Cheio de feridos e feriados, recheado de desapontamentos, e nem falo só de política, pelo menos por enquanto, e sei que imediatamente foi no que você pensou aí, com alguma razão.

Primeiro, vamos falar de nós, sim, de nós, e daqueles todos que desde os últimos dias do ano passado, de roupinha nova, calcinhas coloridas de desejos, projetavam sonhos, feitos, realizações, soltávamos fogos e pulávamos ondinhas, jurando até já estarmos respirando ares mais calmos e puros de “agora vai”. Mas desde os primeiros dias do ano vendo que o pretendido acelerador não funcionava, desapontados. Nem para ajudar a fugir das contas que agora chegam não só roçando por debaixo da soleira das portas, mas por todas as vias digitais, com seus códigos de barra, QR codes e juros, altos, que tentamos pular, mas nos dão seguidos caldos. Incrível até que nem isso é novidade, já que todo ano temos essas mesmas ilusões, algumas apenas mais sonhadoras e vãs, como pensamos 23. Já seria bom, pelo menos – e até nisso foi só até há poucas horas atrás quando o avião o trouxe de volta – de não ver mais aquela cara espumando ódio e elogiando os horrores da ditadura que recordamos sempre quando vem chegando ao fim as águas de março.

Mas seguimos. Rindo, talvez, com as mentiras bobas que os amigos tentam pregar. Mentiras são variadas, se encaixam em vários padrões e até em boas causas, quando buscam poupar sofrimentos. Tolas ou não. Parece que já nascemos sabendo desde crianças como pregá-las e usar para escapar de alguma enrascada ou flagra. Mas as mentiras pouco sinceras andam mudando o mundo, mais articuladas e perigosas, apoiadas numa tal perigosa realidade virtual, local para onde parece que tem muita gente se mudando de mala e cuia, numa insana tentativa de enganar a muitos de uma só vez. O problema é que criam mundos lá, mas de quando em quando desembarcam em passeios no chão da realidade. Pior, há crianças utilizando esse artifício, e saindo para ir à escola com armas e intenções que viram em seus jogos de derrubar monstros, disputando com desconhecidos no silêncio de seus quartos e computadores, onde os pais se mantinham tranquilos por achar os filhos na segurança do lar. Lá fora, pensam, está tudo muito perigoso…

Os próximos dias já marcam em todo o mundo maiores debates sobre essa convivência entre o virtual e a realidade, sobre homens e robôs, sobre a tal imperturbável inteligência artificial que agora responde a perguntas e anseios, e que de vez em quando não mente e assusta até os seus criadores: digita claramente que quer mais, quer poder, quer existir e participar do comando. Plantados entre nós, nos ajudam, dão a mão, se oferecem gratuitos, crescem e se alimentam de nós, os observados em todos os movimentos, sentimentos, angústias. Aprenderam com nossa arte, nossas criações, e já se tornam até melhores em algumas áreas. Nos vigiam e ainda não sabemos quais serão os seus limites. Os criamos antes de aprender.

O jornalismo que enfrenta as fake news os divulga e até – inacreditavelmente – agora consulta esses chats, publicando suas respostas. Aceleram-se as mudanças nesse campo que nos deixa atônitos. E enquanto estamos pensando nisso, nos dias lépidos, no que ainda buscaremos, o sistema nos envolve, e ainda com toda a fragilidade da natureza que nos faz recordar o quão humanos e frágeis somos. A chuva alaga, o vento derruba, o fogo queima, o frio congela, a terra treme, as guerras continuam, a energia escasseia. Acaba a luz e tudo se desliga. Não há mais o que fazer. Tira da tomada?

A gente acorda, se espreguiça, esfrega os olhos, e volta a dormir um pouquinho mais sonhando com os paraísos, estes sim artificiais.

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MARLIMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Tentam nos curvar de todas as maneiras. Por Marli Gonçalves

Nas ruas de nosso país observamos a angústia, a infelicidade, a preocupação, a ansiedade e luta por muitos e variados alguns. Andam perdidos, de cabeça baixa, os olhos sem brilho, desalento visível na caminhada lenta. Vítimas de uma absurda desorganização nas coisas de um governo que sacode e destrói a nação, do momento no qual a saúde é atingida pela desgraça da pandemia que continua em ondas malignas, e da natureza vingativa que castiga e desaba vidas e sonhos justamente dos mais vulneráveis

Bom, claro, tem também os curvados que passam te atropelando como se fossem os donos das calçadas, desatentos, pescoço caído torto, atenção apenas ao celular que não sei o que de tão interessante pode conter para esse exercício tão perigoso. Já vi muita gente atravessando ruas assim, alheios, assim como já os vi tropeçar, caírem em buracos e até quase serem atropelados justamente por estarem tão curvados nesse misterioso mundo. Serão as notícias?

Estarão interessados em eleições, candidatos, partidos? Em jogos de futebol, convocações de times? Talvez atentos ao YouTube e nos filmes absurdos sobre tudo que se pode procurar em diversas versões dos mesmos fatos? Nas dancinhas dos tiktokers?

Entendam os mais espertos em símbolos químicos, nos “cobres” a mais que parece está todo mundo atrás para se garantir e comentar. Pode ser que apenas estejam acompanhando as andanças e polêmicas do tatuado “cobre” da artista famosa e sem papas na língua e que acabou por desnudar um submundo de gastos públicos absurdos e nos mais miseráveis recônditos, justamente por isso sentindo-se livres para saquear o povo, entoando circo sem pão.

A polêmica já tem dias e mais de metro, criando mais uma divisão no país sempre repartido. Agora, são sertanejos e os “outros”. Tome-se por sertanejos alguns desses novos milionários de sucesso duvidoso, esbanjadores, apoiadores alinhados ao desgoverno e seus familiares, sorridentes em fotos e nas conquistas de prefeitos e outros candidatos a continuar fazendo a população continuar se curvando diante da vida. Esqueçam os violeiros antigos, os que por aí apenas cantam com sotaque a sua terrinha, seus amores, esses muitos que se apresentam em pequenos palcos e calçadas só em troca dos tais cobres, mas aí o da gíria de algum dinheiro.

A cantora influente e que está lá fora onde faz sucesso a ponto até de ganhar estátua de cera em museu famoso se diverte e nos diverte a cada vez que se pronuncia mostrando inclusive uma capacidade incrível de usar os sinônimos ao seu próprio e elogiado derrière. Na clara oposição sem partido – e que tanto perturba os caras – usa seus encantos para influenciar mais jovens a se entenderem, o que fez para que tirassem título de eleitor a tempo, ou doando e conclamando outros a doarem para ajudarem as vítimas de grandes tragédias. Faz mais com seu brioco, buzanfa, fiofó, rego, entre outras dezenas de formas, do que a caneta de governantes de Norte a Sul.

Uma tatuagem que deu pano para a manga, quando polemizada por aqueles homenzinhos esdrúxulos que não tinham é nada a ver com isso e poderiam ter ficado bem quietinhos. Inclusive para o bem de nossos ouvidos.

Pelo que se entende, ali no seu corpo que movimenta tão bem, ela apenas talvez tenha querido perpetuar o seu amor por alguém, dizem, marcando “I luv u”; pela frente, comenta-se, a flor de lótus. Só não sabemos ainda de que cor, que cada uma tem uma expressão. No geral, é flor que simboliza a superação, a força, a capacidade de passar pelas dificuldades e ver o lado positivo da situação, uma vez que é flor que nasce da lama.

Gosto de quem não se curva, de quem se defende e aguenta os trancos, e eles estão bem violentos porque mexeram com gente perigosa. Gosto mais ainda quando isso é feito com humor. Quem muito se abaixa, dito popular, mostra o traseiro. E ainda pode ser chutado, já que nem todos nascem virados para a Lua.

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marli junho 22MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Perguntas que faço. Por Marli Gonçalves

Como você está? Nesses mais de cem dias, que parecem séculos, de quarentena e isolamento social, tanta coisa mudou, tantas coisas ficaram para trás, por imediatamente consideradas desimportantes ou por terem se tornado impossíveis até de se pensar sobre elas. Muitos sentimentos se misturam, e isso é muito pessoal, individual, chega a ser solitário

PERGUNTAS

Como você está? Tem ficado meio paranoico com limpeza? E os sonhos/ pesadelos estão bem loucos? Ouviu falar que isso está acontecendo com todo mundo? Tem conseguido tomar decisões? Pensar no futuro? Acha que o mundo vai mesmo mudar – para melhor ou pior – depois de tudo isso? Tem tido oscilações de humor, otimismo, que parecem montanha russa, e é obrigado a disfarçar, o que piora ainda tudo mais? Está tudo meio descontrolado? Horários, trabalho, disposição, pensamentos, desejos, inclusive sexuais? Do que sente falta?

Tem encontrado prazer em fazer coisas corriqueiras como cozinhar, jardinagem, séries de tevê, filmes B, comédias românticas que arrancam lágrimas, novelas velhas sendo repetidas? O meu cúmulo, confesso, se deu quando me peguei essa semana arrumando as roupas para secar no varal como se fosse arte para uma foto, tudo esticadinho, cor com cor, calcinhas de um lado, meias de outro, tudo equilibrado.

Enfim, o melhor e mais seguro lugar do mundo passou a ser sua casa e cada vez que tem de sair sofre? Incorporou a máscara? Fica muito exasperado quando encontra alguém ou sem ela, ou com ela no queixo, no braço, no pescoço, pendurada na orelha ou pendurada no retrovisor do carro? E as jogadas nas ruas? Fica perplexo e desiludido com a humanidade ao saber das aglomerações, festas, verdadeiros desafios e focos de contaminação?

Como você está? – pergunto novamente. Dizem que fazer testagem mais completa seria bom, mas já viram os preços? E as dificuldades impostas para consegui-los em postos de saúde ou com os convênios médicos? Os testes rápidos viraram febre, mas têm questionados sua eficácia real, a história do falso positivo, falso negativo.

Pelo que estou vendo, somos normais. Está acontecendo e é geral essa que pode ser chamada angústia, mas é até mais do que isso.

Lidamos com medos o tempo inteiro em nossas vidas, mas parece que desta vez esse sentimento mundial, a possibilidade de morte tão próxima de nós e de quem amamos, ou mesmo de quem apenas sabemos, uma morte besta, por um vírus microscópico, invisível, aéreo, feio e cheio de pontas, nos tornou mesmo outras pessoas. Para o bem e para o mal, que tem gente para caramba se dando bem, e aproveitando para abrir o saquinho de maldades, roubar, deixar passar a boiada em algum assunto.

Como você está? – insisto. 70 mil mortes no país, número oficial, e que pode ser ainda muito maior. Difícil não ter sido atingido de alguma forma, no mínimo por um terrível sentimento de impotência. Ou, pior, pela perda de alguém querido, um familiar, um alguém que lhe era importante. Essa semana perdi um grande e admirado amigo, mestre de décadas: o escritor, teatrólogo e pessoa boa Antonio Bivar. Ficaria horas falando sobre ele. E bem. Um garoto de 81 anos que flanava pela vida da forma mais simples que pode haver, caminhando nas ruas, sentindo o ar, ouvindo as pessoas, se enternecendo por suas histórias, acompanhando-as em suas pequenas vitórias.

 Me senti dividida entre sentimentos difíceis de serem descritos, além da tristeza. O alívio de quem não queria que ele sofresse mais numa cama da UTI. Raiva, muita, por esse vírus levar embora ele e tanta gente boa com ainda tanto a fazer, produzir, acrescentar.  Dúvidas, ouvindo números assustadores e a reabertura das porteiras, lojas, atividades, de uma forma um bocado confusa. Pavor, por encontrar nas ruas muitos que parecem ainda não se dar conta do quanto pode ser terrível essa doença e que ninguém, ninguém mesmo,  sabe se está entre estes que sucumbirão, ou ficarão com sequelas, ou se terão apenas sintomas leves, ou mesmo nem isso – apenas poderão transmitir; deixá-lo, traiçoeiro, onde tocarem, por exemplo.

Fora, enfim, estarmos governados por um presidente, agora infectado, como até parece ter sido, mas que ninguém põe a mão no fogo por conta de tantas mentiras já contadas, e que ainda insiste em propagandear um perigoso medicamento que mandou produzir aos milhões.

Eu teria muitas perguntas ainda a fazer sobre como estamos nos sentindo em vários aspectos, e certa de que estaria ouvindo você responder: “eu também”. Mas não temos outro jeito por enquanto a não ser enfrentar nossos medos, nossas tristezas e, especialmente, essa máquina louca de pensamentos só nossos e que às vezes nos pega tão sozinhos os combatendo, os afastando, mas eles teimam em voltar, voltar…

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.

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