ARTIGO – Gritos da Terra. Por Marli Gonçalves

Ensurdecedores, gritos vindos de todos os cantos, boa parte deles serão descritos agora em seus aterrorizantes detalhes durante a COP26, que acontece nesses próximos dias na Escócia. O Brasil tenta tapar os ouvidos, mas levará muitos puxões de orelha.

GRITOS

Vulcões eclodindo, tremores, tempestades vermelhas de areia e pó, incêndios, secas e inundações fora de época, temperaturas e fatos anormais, prejuízos nas lavouras, fome, miséria, pandemia, populações dizimadas, retrocessos políticos de toda a ordem, e uma lista interminável de gritos da Terra, em todos os idiomas. Milionários que antes queriam sair apenas de seus países, agora querem ver se arrumam até um outro Planeta para fincarem suas boquinhas, seus poderes e suas fortunas.

E nós? Diante do mundo todo em encontros anteriores prometemos e não cumprimos nem um pouquinho, até pioramos, as metas que ajudariam – a nós mesmos e ao planeta  – a baixar a temperatura e a rapidez do declínio trazido pelas mudanças climáticas a cada dia mais visível, sofrido, sentido, mortal. Ao contrário, nos últimos anos a tal boiada vem passando solene por aqui, matando, desmatando, queimando, derrubando, de forma devastadora. Agora, com uma pastinha vazia debaixo do braço, chegaremos lá no encontro para tentar dar alguma satisfação, autoridades contarão suas mentiras, com dados e percentuais que a gente nunca sabe bem como conseguem calcular de forma tão enviesada as suas desculpas esfarrapadas.

Passaremos com cara lavada pelos ambientalistas que com suas coloridas faixas, pedidos e protestos já ocupam as entradas e onde, também lá, o nosso atual desgoverno será achincalhado, e claro que ainda haverá quem ouse chamar isso de indevida interferência externa nos negócios nacionais. E, como estamos sendo desgovernados por um brucutu, nada surpresos ficamos em ver o machão marrento desistindo de aparecer, como se isso pudesse poupá-lo. O próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que  “jogariam pedra” em Bolsonaro se acaso ele aparecesse por lá, foi ele quem disse, justificando a ausência do ser não-vacinado, embora o presidente tenha mesmo viajado à Europa, mas para a Itália, receber uma homenagem que inventaram para ele numa cidadezinha governada pela direita, com… 4739 habitantes. Ah, sim, nós estamos pagando por isso. Bem caro.

Só gritando muito, mas em português, alto.

Nem precisamos esperar um encontro internacional tão importante para gritar, uma vez que por aqui todo santo dia temos o que lamentar, pisam sem dó em nossos pés e calos, nos dizem barbaridades, tomam decisões que lamentaremos por muito tempo ainda, e não vemos em qual direção apelar para que um mínimo de bom senso recaia sobre os dirigentes – e aí, ressalte-se, em todos os níveis.

Os próximas dias e tempos nos ameaçam com outros fatos perturbadores, fazendo com que nem adiante apelar aos celtas e suas simpatias de Halloween: inflação descontrolada, greve de caminhoneiros, aumento ainda maior do preço de combustíveis, desabastecimento, fim do Bolsa Família e desencaixe total do novo Auxílio Brasil, descrito por todos os economistas como uma bomba-relógio  que, se der algo a quem precisa, e excluindo muitos, o fará com uma mão e tirará solerte com a outra. O bang bang geral parece querer tomar as cidades de assalto.

No Dia de Finados choraremos os mais de 605 mil mortos, entre eles, certamente, pessoas que já fazem muita falta a mim, a você, a todos nós. E, no dia 15, quando deveríamos festejar a sonhada República, poderemos mesmo é estar nas ruas gritando porque diariamente só vemos serem praticados atos bem pouco republicanos.

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Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Buuuú! Nossos dias assombrados. Por Marli Gonçalves

Andamos escabreados normalmente. Se fôssemos crianças pediríamos até para dormir com uma luz acesa no quarto, com medo de tantas assombrações rondando nossa paz. Esta semana teremos como afugentar, pelo menos as assombrações, de formas mais divertidas, e aproveitar para lembrar tantos que amamos e que já se mandaram desse plano

Temos um presidente bem parecido fisicamente com um vampiro. O que já é assustador quando lembramos que sobrevivemos a todo tipo de outras assombrações, de açougueiros cruéis na ditadura ao bonequinho de palha vodu do saco roxo, entremeados com bigodes vassoura de bruxa, seguidos de topete arrepiado e das profundas olheiras do intelectual. Depois foram anos do personagem fantasiado de operário, seguido pela bruxa do vento ensacado.

Não bastou. Não basta. Estamos todos apavorados com os outros muitos seres estranhos que ainda podem surgir, levantando-se de catacumbas, saindo da tela da tevê, ressuscitando de temporadas nas masmorras de Curitiba não descritas na obra de Dalton Trevisan ou mesmo dos freezers de onde ainda pretendem se descongelar.

O que pode nos apavorar mais do que isso? Ah, tá. Rever a gravação da votação no Congresso. Ouvir os discursos de uma tal caravana trôpega que anda por aí. Sentir o cheiro do Alexandre Frota por perto, brincando de cirandinha com o japoronga do MBL e seus amiguinhos, estes sim, todos completamente censuráveis.

Não serão gatos pretos, abóboras iluminadas, criancinhas gritando e pedindo doces no Halloween que também virou acontecimento no país que gosta de importar hábitos. (Se bem que as coisas por aqui andam tão pretas, se é que me entendem, que estou vendo os comerciantes já pularem direto para o Natal para ver se conseguem desovar e vender bugigangas mais funcionais).

Ainda bem que poderemos apelar a Todos os Santos, dia 1º, livrai-nos do mal! É um dia concentrado, para santo nenhum ficar com inveja dos que têm mais seguidores ou likes.

No dia seguinte, 2, acender velas e pedir aos nossos mortos que a tudo devem assistir, lá de cima ou lá debaixo, que nos protejam desses assombrosos seres que dominam o país, mais do que vivos, vivaldinos. Vigaristas, mesmo, para usar expressão mais clara.

Conta a História que os índios astecas acreditavam que as portas do céu se abriam na noite de 31 de outubro para que os mortos se reunissem com as suas famílias durante dois dias. Daí a tradição de em alguns países fazerem festas, comidas especiais, usar roupas coloridas. Por aqui, não, a Igreja sempre recomendou constrição, pesar. Podemos imaginar até que ultimamente nossos mortos não farão a menor questão de voltar – se estão vendo “de lá” o país andar pra trás desse jeito. Tanta violência, falta de senso.

Quanto mais vivemos, mais nos parece perto a tal hora da partida, e maior é a lista de pessoas que de alguma forma amamos e que nos deixam apenas com as lembranças e, agora, também, muitos registros na internet que independem de anúncio necrológico.

É mesmo difícil se acostumar com isso. É difícil não temer a morte, a mais inevitável das verdades sem data marcada no calendário.

E como não tem jeito, o melhor é fazer como no México com suas caveirinhas multicoloridas. Chegam a fazer caveiras de açúcar onde escrevem os nomes os seus mortos. Todas as formas possíveis de lembrar com carinho de quem já foi e que talvez reencontremos algum dia, quando aqui na Terra, por sua vez, estarão festejando a nossa memória e o que fizemos.

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Marli Gonçalves, jornalistaEsse ano perdeu um de seus bens mais preciosos, o pai. E lembra todos os dias tanto dele quanto da mãe que certamente está em algum céu junto com outros amigos, todos que já eram exemplos de vida com seus ensinamentos.

SP, fim de outubro, início de novembro, 2017

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