ARTIGO – Memória, para o que te quero. Por Marli Gonçalves

Memória, memórias, lembranças, às vezes acho que não damos a atenção devida a elas, ao valor, ao que significam de vitórias, e porque não dizer, também, de derrotas, que explicam como chegamos a hoje. Remexer o baú de fotos e coisas guardadas pode ser fascinante. Experimente.

MEMÓRIA
Convite GALLERY AROUND -FESTA VAGUE – AGOSTO DE 1982 – no Gallery, SP

Andei cavoucando coisas guardadas há tempos quase imemoriais. Me dei conta que essa escavação é quase igual à uma revisão da vida toda, e dependendo do tamanho desse tempo ou buraco do que procuramos não há como deixar de revisitar a própria vida.

Quem já viveu mais tempo tem mais noção do valor que pode ter uma pequena foto encontrada em papel em algum álbum, caixa, recorte, fundo de armário. Até se chateia com o vazio de um tempo ou outro sem qualquer registro. Nem todos tinham câmeras, nem tudo era fotografado como agora, essas milhares de fotos que tiramos loucamente por celular, a gente nem sabe para o quê, perdidas nas nuvens. Creio que foi por isso que a tal #tbt nas redes sociais às quintas-feiras ganhou algum sentido. Você sabe o que é, não? “Throwback Thursday”, #tbt, “Quinta-feira do Retorno”, é uma das siglas mais populares, marca publicações de imagens do passado, que deixaram saudades, boas lembranças. Mas há, primeiro, de achá-las. E depois que publica, sei bem que fica por perto acompanhando a reação, curtidas e comentários, em geral elogios ou até recordações de quem estava por ali também.

Tive um ataque de #tbt essa semana. Estava atrás de imagens que precisava para uma conversa numa roda de arte, sobre o movimento punk, coisa de 42 anos atrás, que tive o prazer de viver ao lado do mestre Antonio Bivar, considerado seu “pai” aqui no Brasil.

Pois bem, providenciei escada para subir em um armário e lá fui atrás de uma Revista Gallery Around, da qual fui editora ao lado do Bivar; mais precisamente de uma edição que marcava o início do movimento punk por aqui. Precisava achar.

A revista era do Gallery, na época o lugar mais chique, luxo, rico e up to date de São Paulo, alguns muitos lembrarão. Especialmente procurava a edição de agosto de 1982, que marcou uma festa histórica, a VAGUE, da qual boa parte dos registros foram apagados. Sim, salvei alguns. É que aconteceu. Imaginem uma noite daquele lugar cheio de jovens punks de verdade com alfinetes espetados no rosto e sangue nos olhos, em plena, ainda, ditadura. Inocentes, Ratos do Porão, Kyd Vinyl, tudo fervilhando. Coisa boa não saiu. Naquela noite, a “primeira dama” Dulce Figueiredo, esposa horrível do horrível João Figueiredo, apareceu sem avisar, cercada por seguranças. (Lembrou dela, você aí?) Pois bem, aí a coisa encrencou, e foi cusparada (punks cuspiam como arma, como o Bob Cuspe, do Angeli) para tudo quanto é lado. “Nossos” punks foram retirados sem muito carinho, digamos assim, do local. Um quiproquó. Literal.

Um corre, abafa, que nos valeu por um tempo o título de persona non grata no local, e risco à continuidade do trabalho na revista, mais “monitorada” a partir daí.

Contada a história do que buscava, nessa procura passei também por outras edições e publicações para as quais trabalhei naqueles tempos, antes de ir para o Jornal da Tarde. Foi uma viagem e tanto, reativada a memória. De coisas boas. De coisas más, bem más, também. Superadas, tanto que estou aqui para contar e provar essa história toda.

A memória se ativa quando nos procuramos e ao que vivemos, e creio até que nos faz querer viver mais. Rimos muito de nossas próprias aventuras, roupas, cabelos, poses, como engordamos, emagrecemos, como estamos envelhecendo. Um filme, muito particular. Como éramos felizes (ou não), quem tirou a foto em que aparecíamos na era quando não havia a fácil possibilidade das selfies, e dependíamos de alguém lembrar de dar o click.

As imagens, creio, tinham muito mais valor. A memória também.

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MEMÓRIA
convite GALLERY AROUND -FESTA VAGUE – AGOSTO DE 1982 – no Gallery
VERSO CONVITE FESTA VAGUE

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Na festa VAGUE, agosto de 1982

 – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Setembro e suas previsíveis previsões. Por Marli Gonçalves

Setembro é lindo. Setembro é quente. Florido e colorido, que lá vem a primavera. E previsível por aqui, como há muito andam as coisas, sem sossego, para o país sempre obrigado a perder tempo. Bem, sempre tem espaço para alguma novidade que o Brasil não é mesmo para principiantes

Setembro e suas previsíveis previsões

Já devo ter contado que durante um tempo – e há décadas – fui também Yazodarah, um dos pseudônimos que mais gostei entre tantos outros que utilizei para escrever em uma publicação que, digamos, não tinha muitos colaboradores, embora parecesse, tantas eram as páginas, os assuntos cobertos. Não recordo exatamente como cheguei nesse nome, mas certamente o foi com a colaboração e aprovação do genial Antonio Bivar, com quem dividia à época o trabalho de edição.

Você deve saber que pseudônimo é um nome inventado, atrás do qual a gente “se esconde” ou quando não podemos ou quando não queremos assinar com o verdadeiro o que escrevemos; ou mesmo para, como no caso, dar asas à imaginação em outros temas, assumindo como que uma personalidade inteiramente diferente. Yazodarah era mesmo quase um heterônimo, como os tantos consagrados por Fernando Pessoa. A diferença entre pseudônimo e heterônimo é relativamente simples: quando o assumimos, formamos toda uma outra personalidade. Yazodarah, na minha criação, buscava e detinha conhecimentos esotéricos, astrológicos e de previsões. Me sentia com um turbante na cabeça, visão aguçada e preparada que podia até ler uma bola de cristal ou as cartas de um tarot.

Nyoka, Princesinha da Selva, que hoje uso para o nome de minha gata, era uma personagem punk mal humorada, crítica, pegava pesado, aparecia quando falávamos mal de algo que não gostávamos, mas não podíamos perder os anúncios, nem a amizade dos alvos retratados. Melissa Manchester era uma boazinha, que via tudo cor de rosa, e que aparecia especialmente quando era praticamente obrigada – sim, acontece – a falar muito bem de algo. Tinha outras. Quando sentávamos para escrever com estes nomes éramos mesmo outras pessoas. O gênero não fazia diferença, como transformistas. Podíamos praticamente nos ver diferentes nos espelhos, como atores e atrizes, creio, fazem em seus espetáculos teatrais, área na qual Bivar, inesquecível como Aurore Jordan, mais um ser maravilhoso entre os que perdemos na maldita pandemia, se consagrou, premiado. Um marco em minha vida esse conhecimento usado muitas vezes nem só para escrever, mas para lidar melhor diante de algumas situações.

Mas falávamos de setembro. Chegou, e a gente já sabe – não precisa nem ter desenvolvido qualquer tipo de mediunidade –  que vamos diariamente ver cintilar o desenrolar do caso das joias com seus diamantes, rubis e muitas outras histórias mal contadas que poderão, enfim, com mais essa, e como se precisasse, provar o quanto passamos por poucas e boas com o ex-grupo do poder, que tanto pensou em nele se perpetuar até pela força com a qual se entranhou na população, encharcada em negacionismos, patriotismos e outros ismos.

Aliás, não vai ser pouca coisa também o que deve chegar vindo do atual grupo que voltou lá do início do século, mas não atualizou o modelo; só trocou um farol aqui, outro ali. Com comunicação impressionantemente problemática, ouviremos mais falas descontroladas, explicações absurdas, negociações esquisitas como moedas. Da área da Suprema Corte que hoje decide, impõe, restringe ou assegura mínimos detalhes ficaremos pasmos com os votos monocráticos. E com as opiniões do pálido, o mais novo e conservador agora ministro, agraciado com questionáveis louvores pelo grupo do presidente. O que não dá para entender é porque é que agora eles estão tão surpresos e indignados com os votos onde já se mostra. Exatamente o que era, sempre foi e será.

Aqui em São Paulo, o governador “Penélope” continuará a fazer de dia e desfazer à noite, ou vice-versa, anúncios, promessas, planos e garantias, tentando lidar com a corda bamba de ser ou não ser ligado que já foi a tudo quanto é lado. Seus secretários também marcam pontos de ruindade, prontos a ir para a prancha da demissão, vide o tal da Educação que já está na hora extra, socorro!

Ainda bem que esse mês tem também celebração da Independência, Dia do Irmão, Dia do Sexo, do Frevo, do Cerrado, tantos outros. E de Cosme e Damião quando todos podemos virar crianças e recordar a época que nos lixávamos para o que o futuro traria.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Morreu uma das ex-primeiras damas mais pimposas que conheci: Dulce Figueiredo

Tenho dela só lembranças de imagens fortes e de quem era famosa por se divertir com as lambanças do marido ditador João Figueiredo.

Na minha memória, a mais forte lembrança é a do começo dos Anos 80. Organizamos uma festa grande na Boite Gallery, a mais glamurosa que havia, e para a qual editávamos uma revista ( Gallery Around), eu, Antonio Bivar e a dona da editora, Joyce Pascowitch.

Era o começo do movimento punk e fizemos a VAGUE. Além de Kid Vinil, a festa – que teve todos (quase) os seus registros destruídos por conta exatamente da Dona Dulce, contou com ratos do Porão, Inocentes, e muitos punks – e todos de verdade. O Vinil era odiado. lembro até que ele foi armado, com medo dos punks…

Dona Dulce, na mesma noite, infelizmente, resolveu curtir a noite, da qual ela era famosa frequentadora, e cercada de seguranças.

Punk que é punk até hoje não respeita autoridade. Imagine em 1980 e pouco…
Ela passou. Eles cuspiram. O tempo fechou, com pancadaria ds seguranças em cima dos meninos, todos meio raquíticos, pobrezitos, com alfinetes espetados na cara e no corpo.

Foi um forrobodó para conferir. Nós viramos “personas non grata”  no local. Os caras exigiram que todos os filmes feitos fossem literalmente queimados ( eu devo ter uma/duas fotos disso, mas sem o registro do quiproquó).

Assim foi. Aproveito para registrar o acontecimento. Não é, Joyce?

RJ: Dulce Figueiredo é enterrada

Folhapress
Foto folha sp
DONA DULCE FIGUEIREDO FALECEU NA ÚLTIMA SEGUNDA, NO RIO

 Foi enterrado nesta terça (7), no Rio de Janeiro, o corpo da viúva do ex-presidente João Figueiredo, Dulce Figueiredo. A ex-primeira dama morreu ontem (6), após sentir-se mal e ser levada de ambulância para um hospital na zona sul da cidade. Dona Dulce tinha câncer e estava bastante debilitada. Segundo seu neto, João Baptista Figueiredo, ela faleceu aos 83 anos de idade.
 
FONTE: COLUNA CH