ARTIGO – Não tô bege e Madonna para dar e vender. Por Marli Gonçalves

Tudo bege, tudo nude, tudo nada. Tudo neutro. Mais uma vez uma onda para todo mundo parecer nada, e o “nada” tentando parecer como chique. Uma irritante tendência de neutralidade quando o que mais precisamos é de cores, significados, criatividade, personalidade, opinião, protestos, fazer alguma diferença.

bege

No meio de tantas tragédias, como a das destruidoras enchentes que assistimos no Sul do país e as outras tantas de nosso cotidiano nacional, imaginem o quão difícil é escrever sobre outros temas mais, digamos, diferentes. Mas de longe, individualmente – a não ser expressar total solidariedade e preocupação – pouco se pode fazer a não ser lamentar como tragédias anunciadas vão e vem, também em ondas, e pouco se age sobre elas, para evitá-las, no meio tempo. As grandes mudanças climáticas berram na porta do planeta.

É preciso agir, opinião. Mas o mundo, do meu ponto de vista, está tentando ficar bege, seguindo a moda que invade as vitrines e ruas e que transformará, se sucesso tiver, todo mundo em robôs amorfos, sem cor, sem luz, neutros, quase transparentes, sem graça. Tudo vendido como moderno, natural, sofisticado, sereno, como se esse momento do século fosse tudo isso. Pudesse ser assim. Bom se o nude fossem corpos nus, realmente livres.

Tô bege. A expressão, usada para exprimir surpresa ou ficar admirado por algo, sempre me pareceu estranha. Melhor seria outra cor. Um rubor, mais para o vermelho. Imposta pela indústria como “o novo branco”, ou “novo preto”, o bege é o novo nada, em suas variações de nada. Nesses dias de absoluta apoteose pela apresentação de Madonna nas areias de Copacabana, de bege por lá – espera-se – o mais próximo vai ser a areia. Lembrando que o dourado não é bege, claro, porque brilhos ali não faltarão, e o pop de sua rainha é todo bem colorido em figurinos, shows e luzes. Em propostas.

O Brasil, de um lado penalizado pela destruição especialmente no Rio Grande do Sul, de outro está mesmo alucinado com a apresentação espetacular de Madonna no Rio de Janeiro, praticamente dividindo o noticiário em todos os setores, além do musical, o econômico, social, turístico. Madonna para dar e vender, grátis para a população que acredita mesmo nisso, patrocinada por apoio de governo (e pinceladas eleitorais) e por um grande banco, e bem aproveitada para seus grandes negócios, inclusive no Hotel Copacabana Palace onde a trupe está hospedada, com estrangeiros fechando ali seus gordos negócios.

O bom é que nosso criativo povo também está fazendo a festa, e essa é bem colorida, com o turismo, ganhando algum com a venda de todo o tipo de objetos, com destaque para o uso das cores do arco-íris, nas bandeiras, nos “flaps” dos enormes leques, e mostrando a nossa verdadeira face e diversidade racial e de gênero em apresentações performáticas de todas as idades, afinal a musa comemora aqui o final de sua turnê de 40 anos de uma carreira gloriosa onde sempre esteve adiante do tempo e dos principais temas polêmicos dos quais nunca se esquivou. Ao contrário, os apresentou e garantiu inclusive que ela, hoje aos 65 anos, seja também um ícone contra o etarismo árduo e especialmente enfrentado por todas as mulheres. Nascida em 1958, assim como eu, sobrevivendo como camaleoa, e como diz a propaganda, ainda, pelos próximos 100 anos.

Saracoteando na cabeça dos beges. Dos neutros.

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marli goMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Memória, para o que te quero. Por Marli Gonçalves

Memória, memórias, lembranças, às vezes acho que não damos a atenção devida a elas, ao valor, ao que significam de vitórias, e porque não dizer, também, de derrotas, que explicam como chegamos a hoje. Remexer o baú de fotos e coisas guardadas pode ser fascinante. Experimente.

MEMÓRIA
Convite GALLERY AROUND -FESTA VAGUE – AGOSTO DE 1982 – no Gallery, SP

Andei cavoucando coisas guardadas há tempos quase imemoriais. Me dei conta que essa escavação é quase igual à uma revisão da vida toda, e dependendo do tamanho desse tempo ou buraco do que procuramos não há como deixar de revisitar a própria vida.

Quem já viveu mais tempo tem mais noção do valor que pode ter uma pequena foto encontrada em papel em algum álbum, caixa, recorte, fundo de armário. Até se chateia com o vazio de um tempo ou outro sem qualquer registro. Nem todos tinham câmeras, nem tudo era fotografado como agora, essas milhares de fotos que tiramos loucamente por celular, a gente nem sabe para o quê, perdidas nas nuvens. Creio que foi por isso que a tal #tbt nas redes sociais às quintas-feiras ganhou algum sentido. Você sabe o que é, não? “Throwback Thursday”, #tbt, “Quinta-feira do Retorno”, é uma das siglas mais populares, marca publicações de imagens do passado, que deixaram saudades, boas lembranças. Mas há, primeiro, de achá-las. E depois que publica, sei bem que fica por perto acompanhando a reação, curtidas e comentários, em geral elogios ou até recordações de quem estava por ali também.

Tive um ataque de #tbt essa semana. Estava atrás de imagens que precisava para uma conversa numa roda de arte, sobre o movimento punk, coisa de 42 anos atrás, que tive o prazer de viver ao lado do mestre Antonio Bivar, considerado seu “pai” aqui no Brasil.

Pois bem, providenciei escada para subir em um armário e lá fui atrás de uma Revista Gallery Around, da qual fui editora ao lado do Bivar; mais precisamente de uma edição que marcava o início do movimento punk por aqui. Precisava achar.

A revista era do Gallery, na época o lugar mais chique, luxo, rico e up to date de São Paulo, alguns muitos lembrarão. Especialmente procurava a edição de agosto de 1982, que marcou uma festa histórica, a VAGUE, da qual boa parte dos registros foram apagados. Sim, salvei alguns. É que aconteceu. Imaginem uma noite daquele lugar cheio de jovens punks de verdade com alfinetes espetados no rosto e sangue nos olhos, em plena, ainda, ditadura. Inocentes, Ratos do Porão, Kyd Vinyl, tudo fervilhando. Coisa boa não saiu. Naquela noite, a “primeira dama” Dulce Figueiredo, esposa horrível do horrível João Figueiredo, apareceu sem avisar, cercada por seguranças. (Lembrou dela, você aí?) Pois bem, aí a coisa encrencou, e foi cusparada (punks cuspiam como arma, como o Bob Cuspe, do Angeli) para tudo quanto é lado. “Nossos” punks foram retirados sem muito carinho, digamos assim, do local. Um quiproquó. Literal.

Um corre, abafa, que nos valeu por um tempo o título de persona non grata no local, e risco à continuidade do trabalho na revista, mais “monitorada” a partir daí.

Contada a história do que buscava, nessa procura passei também por outras edições e publicações para as quais trabalhei naqueles tempos, antes de ir para o Jornal da Tarde. Foi uma viagem e tanto, reativada a memória. De coisas boas. De coisas más, bem más, também. Superadas, tanto que estou aqui para contar e provar essa história toda.

A memória se ativa quando nos procuramos e ao que vivemos, e creio até que nos faz querer viver mais. Rimos muito de nossas próprias aventuras, roupas, cabelos, poses, como engordamos, emagrecemos, como estamos envelhecendo. Um filme, muito particular. Como éramos felizes (ou não), quem tirou a foto em que aparecíamos na era quando não havia a fácil possibilidade das selfies, e dependíamos de alguém lembrar de dar o click.

As imagens, creio, tinham muito mais valor. A memória também.

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MEMÓRIA
convite GALLERY AROUND -FESTA VAGUE – AGOSTO DE 1982 – no Gallery
VERSO CONVITE FESTA VAGUE

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Na festa VAGUE, agosto de 1982

 – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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ARTIGO – Consegui. Conseguimos. Lá vamos nós. Por Marli Gonçalves

Consegui. Conseguimos. Chegou! Chegamos, aliás. Que bom. Difícil ter ainda o que falar após mais um ano tão cheio de desafios, e até como se todos não fossem exatamente assim. Temos de olhar para o futuro nessa época, mas o engraçado é que o passado é que fica martelando. Será para nos prevenir de errar novamente?

Why Am I Having Weird Dreams? - Know The Reasons | DreamCloud

Tenho recebido verdadeiros tratados psicológicos sobre a “dezembrite”, que seria um estado de espirito que nos abateria no último mês do ano. Ok, vou ficar aguardando os tratados sobre a “janeirite”, “feveirite” e assim por diante, porque pensa se todo mês a gente não tem bons motivos de alteração para o bem ou mal. Janeiro tem o verão, para quem pode curtir; e as contas – IPTU, IPVA, outros is e aumentos –  anuais. Fevereiro! Tem Carnaval, tem Carnaval. E depois das fantasias a pressão novamente para se pensar no futuro, aquele mesmo que, admita, acaba esquecido logo após as promessas e planos que a gente sempre faz no final do ano, e que voltam a nos assombrar. Todo mês carrega suas características.

Mas essa coisa de balanço de final de ano é que é mesmo perturbadora, mais ainda com o passar do tempo, quando vamos acumulando o histórico do que já passamos, enfrentamos, conquistamos, nos safamos, desistimos, nos ferramos, levantamos e sacudimos a poeira dando a volta por cima, sofremos – e aí sentimos se tínhamos ou não razão – , ou tantas coisas que festejamos, o que devemos mesmo fazer a cada conquista, sem qualquer culpa.

Nos últimos dias parece até que quem (sempre muito curiosa sobre quem ou o que é que organiza essa fábrica na nossa cabeça) comanda meus sonhos noturnos está querendo que eu escreva uma autobiografia tantos flashes têm passado como um cineminha, uma série cheia de temporadas, lembranças. Anda bem legal dormir. O roteiro de cada noite/capítulo se mistura, fazendo lembrar até o excepcional formato da série This is Us, que vai e que vem, explica aqui o que aconteceu lá. Embora no meu caso não haja tantos protagonistas, ou filhos e gerações. Eu sou sempre a condutora. O formato é que desencadeia, por isso dou como exemplo. Se amei demais, de menos. Se fui fiel demais, e fui – o que pouco ou de nada valeu. O vácuo intrigante de certos rompimentos. Os momentos equilibristas sem rede de proteção. Quantas vezes precisei ser forte mais do que era; aprender a renascer, mudar a estrada por obstáculos, percorrer caminhos mais longos.

O estranho é que não tem tristeza, nem acordo me sentindo diferente. Não sinto nenhum problema em ter revisto até partes bem difíceis. Sem arrependimentos. Ao contrário, a sensação é boa, de vitória por ter tanto para contar, viva. Vem sendo como abrir um arquivo, rever álbuns de fotos, espiar o Google Fotos. Já foi. Já passou. Consegui. Conseguimos, aliás, porque imagino que você também tenha um bom livro da vida. Fico curiosa em saber como você lida com esse momento.

Fechando a temporada deste ano, não posso deixar de agradecer a companhia de todos, muitos, a força de cada recado, bilhete, curtida, comentário, resposta aos artigos e também o apoio à batalha que alguns conhecem e acompanham. Vamos todos sonhar, sim, com um mundo melhor, com liberdade, em paz, com espíritos de luz que nos protejam da insanidade, seja ela vinda dos poderosos ou dos que tentam justamente bloquear o futuro dos outros porque não conseguem nem ver a saída para o seu próprio.

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CONSEGUI. CONSEGUIMOSMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

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ATENÇÃO !Feministas e batalhadoras! 2 de dezembro nos encontramos para falar do que passamos nessa luta

capa NÚMERO 1 – NÓS MULHERES

Como feminista, integrante do Nós Mulheres, convido, peço para você ir, que vai ter boa conversa, com gente muito legal

Roda de conversa
FEMINISTAS RELATAM SUAS EXPERIÊNCIAS NA DITADURA

 

Realizada no Memorial da Resistência, a roda de conversa propõe um reencontro de mulheres integrantes de diferentes grupos feministas das décadas de 1970 e 1980 para compartilhar suas memórias e experiências do período, incluindo os Congressos da Mulher Paulista (1979-1981), os periódicos da imprensa alternativa, como os jornais “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”, e iniciativas como o Tribunal Bertha Lutz (1982). O bate-papo entre as presentes será guiado pela pergunta: Por que você virou feminista?

ONDE: Memorial da Resistência de São Paulo (Largo General Osório, 66 – acesso via Estação da Luz)
QUANDO: 02 de dezembro, sábado, às 15h

Não é necessária inscrição prévia, atividade gratuita e aberta ao público

IMAGENS DO GRUPO NÓS MULHERES – ACIMA, CARICATURA DE CONCEIÇÃO CAHÚ (Arquivo Pessoal)

ARTIGO – Barbie e a onda rosa chata-choque. Por Marli Gonçalves

Estou bem confusa com essa onda rosa do lançamento do filme Barbie, que nos encharca e busca trazer no rol de sua importância o empoderamento feminino para apaziguar – só pode ser – os interesses comerciais. Não, não vi o filme, nem é uma crítica a ele, mas à massacrante forma de massificação de momento de uma informação, de um produto que já já já vai estar passando na tevê, e outras ondas virão.

Susi, mais pobrinha…

Olhe ao seu redor. É cor de rosa-choque. Não provoque, diria Rita Lee. Tudo, vitrines, roupas, pessoas, cabelos, casas, exemplos, clones, sósias. E notícias. Chega a ser enjoativa a pressão para a aceitação atual da mocinha que, embora com mais de 60 anos não perdeu a forma, a cinturinha, o frescor da pele, a energia, não tem cólicas nem sofre com a menopausa como acontece às mulheres de pele e osso que talvez até um dia de suas infâncias tenham brincado com a boneca Barbie, desejado ser ela, assim, quando crescessem. Até andam tentando, com mil intervenções.

Antes, todas as bonecas eram personificações de bebês e crianças, para apenas desejarem ser mães, papel que ainda hoje é severamente imposto às mulheres. Barbie já era adulta quando nasceu, modelo, com seus seios firmes, pernas longas, intensa atividade social e até romântica quando inventaram o Ken, seu namorado plastilina. Chegou com vários cabelos, o armário recheado de roupas, os sapatinhos, a casa, os objetos, tudo que rapidamente virou o incrível e rentável Universo Barbie. Tudo rosa, tão rosa, a cor associada às mulheres, e ainda escolhida a mais intensa, o rosa-choque, cor criada em 1931 pela designer italiana Elsa Schiaparelli, magenta com poucas adições de branco.

Lá vem a magrela, seus vestidos, acessórios, tudo rosa e tudo muito caro para qualquer padrão e é assim desde o lançamento da Barbie, em 1959. No cinema agora, personificada literalmente e muito bem pela adorável e bela atriz Margot Robbie, o filme é um dos maiores golpes (no sentido de vendas) de marketing dos últimos tempos.  Mas incomoda a pressão para fazer descer pela goela que, além de tudo, Barbie é feminista. Desculpem, mas feminista não é, não foi, nem será. Ela é uma boneca. E, sendo assim, manipulável em tudo, atos e propostas.

A realidade é bem diferente. Até para a boneca que no filme um dia acorda alarmada com os seus pés no chão, retos, ao contrário daquele já moldado para os elegantes e variados sapatos de salto alto. Pressente que precisa ir ao mundo dos humanos dar uma olhada no que acontece e que a está transformando. Por aí, vai. Já pensaram se os brinquedos refletissem mesmo o que se passa no nosso mundo? As fábricas nem dariam conta, muito menos de acompanhar de verdade as vitórias feministas nessas décadas.

Bild Lilii, a boneca adulta alemã que foi inspiração para a Barbie

Barbie é realmente um fenômeno. Criada inspirada em uma boneca adulta feita, acreditem, para homens, a erótica alemã Bild Lilli, foi um sucesso estrondoso de vendas. Sempre envolta em críticas e polêmicas. Polêmicas que fizeram com que o seu fabricante ganhasse ainda mais ao desenvolver novos tipos de Barbies que ainda pipocam para a alegria dos colecionadores: pretas, profissionais da mais diversas áreas, não só loiras ou morenas, mais rechonchudas, baixinhas, por aí vai. Trocam suas roupas, mudam a cor do plástico. Já há Barbies com deficiência, adaptadas em cadeiras de rodas, yogis, maleáveis, e até já surgiu a Barbie trans. Fora as Barbies dedicadas a celebridades, e as muitas amigas da Barbie que foram aparecendo como coadjuvantes.

Susi, com i.

No Brasil, lembro bem quando em 1966 surgiu a sua “correspondente”, a Susi, mais barata, menos metida, com roupinhas mais simples, uma feição menos famélica. O namorado era o Beto, horroroso. Tive uma Susi. Até o nome Susi, assim, com i, mais simples. Se fosse com Y, creio, teria mais glamour. (Parênteses: sempre adorei o Y, com o qual achei que era o meu nome até os 17 anos quando descobri na certidão que havia sido registrada com “i”, Marli, e fiquei com medo de, aprovada no vestibular, não aceitassem minha inscrição com y, como meu pai sempre escreveu, nunca mudou,  até a sua morte, aos 98 anos. Já que sou Marli na vida, adoraria ser Marly, mas isso já é outra história).

Voltando à Susi, tadinha, viveu até 1985; Barbie decaiu, ela foi junto. Até voltou a ser relançada, anos depois, em 1997. Voltou mais magra, com peitos maiores e roupas mais chiques, mas nunca mais foi a mesma.

Enquanto isso, agora, vamos nadando no rosa-choque, nas fotos dos locais instagramáveis, no povo posando dentro de caixas gigantes da boneca. Pelo menos está engraçado. A Ana Maria Braga que apareceu toda de Barbie será uma imagem inesquecível. Até porque bem mais verdadeira como gente que passou mesmo por tudo nesses anos.

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MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

 marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Comoções. Com emoções. Por Marli Gonçalves

São verdadeiras comoções – e de emoções vívidas, fortes, emocionantes – as que infelizmente temos assistido com alguma perturbadora frequência nos últimos tempos com a partida de pessoas que, mais do que celebridades, personalidades, estrelas, se formaram em vida como símbolo, marca e representatividade de suas áreas de atuação. A transformação da tristeza da morte.

comoções emoções
José Celso Martinez Correa – celebração e o sentido da morte transformado

Cantos, danças, palmas, rituais, alegria e tristeza misturada em muitas horas, alguns dias até. A tentativa natural de transformar algo muito triste, perdas e despedidas, em algo maior, marcante em suas homenagens finais. Muitas vezes até divulgando melhor e espalhando o nome de quem se vai a esferas que em vida talvez não tivessem sido conhecidas ou alcançadas, todo um país, em longos noticiários e manchetes. A notícia e os fatos seguintes à morte essa semana do dramaturgo José Celso Martinez Correa, 86 anos, após não resistir às graves queimaduras de um incêndio dramático em seu apartamento em São Paulo foi, além de chocante, exemplo de como o fim de uma vida pode ser transformada em força para a continuação de feitos, como renovação de suas lutas e, especialmente, aconchego  e conforto de quem fica. Ele saiu de cena. Mas uma grande cena marcou a resistência, a existência.

Nos últimos meses não foram poucas as perdas dessa forma marcantes: Jô Soares, Gal Costa, Elza Soares, Pelé, Glória Maria, Rita Lee, e apenas para citar alguns de grandes brasileiros que se foram e momentos em que vimos milhares de pessoas acompanhando seus cortejos fúnebres, celebrados de diferentes formas e até em inusitados locais, além das ruas. Mais: novas histórias fantásticas foram contadas sobre eles, bons feitos descobertos (os malfeitos, se houver, vão para alguma vala escura), surgem seus descendentes indiretos, pessoas por eles influenciadas, algumas lançadas também ao sucesso, inclusive.

De cada um destes nomes ficamos sabendo ainda mais, e por mais que os acompanhássemos durante anos. De muitos acompanhamos, aflitos, a agonia final em leitos de hospital; para muitos rezamos em nossas fés reservadamente pela sua recuperação, algumas que sabíamos até impossível. De outros, a notícia chocante, repentina, que trouxe pontadas em nossas histórias, quando imediatamente lembramos de porquê gostávamos (ou mesmo, até porque não gostávamos) tanto delas. Se as encontramos. Se as conhecíamos pessoalmente. Quando suas histórias de alguma forma cruzaram com as nossas, e o que significaram.

Há décadas armei com amigos uma festa de arromba no Latino, um clube noturno do balacobaco, para homenagear um amado amigo, Luis Henrique Saia, que morreu em Paris, e que sempre foi só vida e contentamento. Não é de hoje que a transformação importante da visão da morte, das perdas, busca essa transformação que eu chamaria de apaziguadora e, até de certo alívio com o desfecho quando achávamos que aquela pessoa não merecia ter sofrido tanto em seu fim. “Quando eu morrer, não quero choro nem velas, quero uma fita amarela…”

Perdemos muita gente durante a pandemia, e que não pudemos estar lá para o aceno final. Eu perdi; e apenas aqui de meu canto pude celebrá-las. Mas, de forma muito cruel, este ano está sendo acelerado, e já estive em alguns velórios. Todos, já com essa transformação. O legado sempre maior do que o corpo que se retira desse plano. O fantástico Paulo Caruso, o incrível jornalista Palmério Dória (no velório dele teve roda de samba, cantoria boa e mais teria para celebrar sua verve, sua pena afiada, sua ironia fina, se ele estivesse na produção).

E agora mesmo, agora, esta semana, a perda da incrível Maria Luiza Kfouri, a Mana, amiga e admirada, jornalista, radialista, musicóloga, pesquisadora e conhecedora da música popular brasileira e que catalogou em seu site Discos do Brasil, um trabalho minucioso, a memória da discografia nacional. Divertida, agitada, comprometida com seu país, não poderia mesmo ter um velório triste. Também ali, ao lado de seu corpo inerte, as manifestações musicais, instrumentais, tocadas por grandes nomes, nos fizeram lembrar, aplaudindo, lágrimas escorrendo, que a vida continua, e levando esse alento aos familiares, amigos e admiradores.

Deve ter quem ainda fique chocado com a celebração da morte em festa, além da tristeza. Não fique. Acredite. Dessa vida nada levamos, deixamos. E isso pode sim ser celebrado de corpo e alma. Para sempre.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

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FOTO: @CATHERINEKRULIK___________________________________________

ARTIGO – Santos, Santos, Santos! Por Marli Gonçalves

Exatamente, exatamente, não se sabe quantos são mesmo os santos da Igreja Católica. Os números oscilam, tremendamente aliás, entre mil e oito mil reconhecidos oficialmente. Brasileiros, seriam 37, contando todos os que ou nasceram aqui, ou pelo menos deram uma boa passadinha por esta terra que já foi bem gentil. Agora em junho temos três santos bem populares, mais um que acaba meio esquecido. Aproveitemos para pedir aquela forcinha, com simpatias e alegria, e por todos.

santos
SANTO ANTONIO, SÃO JOÃO, SÃO PEDRO, SÃO PAULO

O Brasil é um país que reza pra tudo quanto é lado. Não dá para entender como ainda ocorre qualquer divergência entre as religiões, até porque muitos de nós professam bem mais do que uma só, seja por simpatia, tentativas, ou porque todas acabam levando a um só lugar, divergindo apenas em textos e formas de consagração; a gente tem um pezinho aqui, outro lá, até por garantia, que pulamos de galho em galho atrás de uma luz para seguir andando com fé, que a fé não costuma falhar – o que dizem. Eu acredito.

E como tudo aqui é gigante há épocas que a fé aflora para tudo quanto é lado. Milhares marcham por Jesus nas ruas trazendo no solado dos pés seus pedidos nas caminhadas evangélicas, religião que cresce, e a medida é o número de vezes que agora ouvimos alguém falar “misericórdia!”. Com maior visibilidade alcançada nos últimos tempos, os evangélicos se veem hoje melhor retratados (e aceitos) nas novelas, nas músicas, nas expressões e na representação. Obviamente falo do que é sério, não desses que nos atazanam a todos, líderes e pastores que se auto proclamam, perigosos, em busca de riqueza pessoal, poder político, de dízimos, e que ainda miseravelmente se aproveitam da inocência dos mais humildes para disseminar preconceitos, mentiras e brigas religiosas, inclusive entre eles próprios. É preciso, aqui mais do que nunca, separar o joio do trigo.

Nesta mesma semana quilômetros de arte da mais bela feita com amor e esforços, flores e serragens coloridas, formando tapetes maravilhosos com o retrato de passagens bíblicas e por onde passaram procissões celebrando o corpo de Cristo, numa festa que se espalhou em todas as regiões, como uma tradição católica de décadas, renovada todos os anos. Arte instantânea, volátil. E vivas sempre à Padroeira, Nossa Senhora Aparecida.

Nos terreiros se fecha o semestre com os orixás representando as forças da natureza, os lados da vida, as fraquezas e forças dos seres de todas as dimensões.

E, como é junho, chegam as grandes festas dos três santos mais populares e que juntam todo mundo no forró, no quentão, no bate-coxa, nos arraiais, nas danças das orquestradas e festivas quadrilhas. Santo Antônio, São João, São Pedro.

O primeiro, agora do dia 13, o santo casamenteiro, do amor, seja para conseguir um ou mesmo recuperar algum amor perdido. Coitado do Santo Antônio. O viram de cabeça pra baixo, o deixam afogado, sequestram o menino Jesus de seus braços, tudo para praticamente coagi-lo a agir. Só desviram o coitado e devolvem o menino se forem atendidos, esses fiéis. Um santo praticamente torturado, vejam só. Mas a fé é assim, bem doida.

São João, do dia 24, parece mais bem tratado nas suas festas. Padroeiro dos hoteleiros, hóspedes (e ajuda mesmo o Turismo) e prisioneiros, conhecido como protetor dos casados e enfermos, condições que às vezes até andam juntas. Acredita-se que cuida também dos que sofrem com dor de cabeça e de garganta.

Por último, o São Pedro, o Pedrão, do dia 29, danado, que tem as chaves do céu, e pode bater a porta em nossa cara quando tentarmos entrar lá,  além do poder sobre o tempo, as chuvas. “Eu te darei as chaves do reino dos céus e o que ligares na Terra será ligado nos céus”, proclamou Jesus, de acordo com os escritos. E ainda tem São Paulo, o santo “esquecido” e que se agrega ao Dia de São Pedro.

Seria bom mesmo é se todos os nossos pedidos – para todos os lados – fossem além dos pessoais. No coletivo, pela união de toda essa fé e forças, que pudessem ser convertidas para convivermos em paz tornando esse mundo que a gente vive aqui e agora, na real, um lugar melhor, respeitoso, mais seguro, e onde todos pudéssemos festejar as imagens geradas na alegria de cada uma das variadas consagrações.

Axé, Amém, Misericórdia. Santos, santos, santos e santas.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___foto: @catherinekrulik________________________________________

ARTIGO – Ídolos e o sobe e desce. Por Marli Gonçalves

Ídolos sobem aos céus e descem ao inferno, na morte e na vida. Sofremos como se fossem da nossa família quando se vão; razoável, porque devemos a eles muitos aspectos de nossa própria existência construída pela admiração, exemplos bons ou maus que imitamos. Suas vidas se misturaram às nossas.

Ídolos

Para quem já viveu um pouco mais, os últimos tempos têm sido de grandes perdas de ídolos importantes que acumulamos, acompanhamos durante décadas e aprendemos a admirar e seguir. Não como se segue hoje qualquer babaca em redes sociais, muito mais especulando fotos ou fofocas, opinando em suas redes, cancelando-os quando decepcionam, tentando nos meter em suas vidas amorosas, na forma como se vestem e até em suas opções políticas. E eles, sempre, tentando nos vender algum produto.

Ídolos eram muito mais inatingíveis, íamos aos seus shows adorá-los, tínhamos meras esperanças de um dia encontrá-los pelas ruas, conseguir um autógrafo. Quiçá uma foto, um beijo, um abraço. De alguns eram arrancados pedaços de roupa, fios de cabelo, tudo guardado em caixinhas inconfessáveis. Para outros até se arremessavam calcinhas, bichos de pelúcia. Tentávamos saber onde estavam, e ali nas portas de verdadeiros plantões encontrávamos outros “iguais” para trocar figurinhas durante a vigília. Lembro de muitas peripécias feitas por alguns ao longo dessa longa vida. Há uma magia nisso.

A morte de Rita Lee esta semana abalou geral e o incrível é perceber que foram lágrimas de todas as gerações e que foi o seu histórico revolucionário em costumes o mais recordado, especialmente como mulher à frente de seu tempo, corajosa e libertária, abrindo caminhos. Teve gente que chiou muito porque nessa memória apareceram também aspectos como o uso de drogas e álcool, bobagem, como se na hora da morte devesse ser apagada a verdadeira existência de quem durante tantos anos seguimos, inclusive praticando os mesmo erros muitas vezes. A expressão “sentar no próprio rabo” cai bem nos puritanos.

Ídolos de verdade não são perfeitos, e creio que por isso mesmo é que os adotamos, quanto mais próximos são de nós mesmos, de nossas imperfeições ou desejos. Não são santidades puras e cândidas, que essas encontramos em igrejas. Nos nossos ídolos procuramos coisas externas, os escolhemos para ver até onde vão dar seus hábitos, esquisitices. Eles acabam avançando em paralelo às nossas vidas. Se fazem músicas, são elas e suas letras que marcam indeléveis fatos de nossas histórias, e ao ouvi-las não há como deter a memória, a emoção, a alegria ou mesmo a tristeza desses momentos. Podem passar décadas e isso acontece. Rita Lee e sua carreira longeva é um dos maiores exemplos de alguém que caminhou ao nosso lado, da rebeldia total ao amor, da juventude ao envelhecimento, da saúde invejável a como conviveu serena com a terrível doença até o fim. Ela nos contou sempre tudo. Escreveu tudo. Disse tudo.

Mais: pareceu deixar preparados também todos os aspectos de sua partida. Até a escolha do genial lugar para o velório, o Planetário do Parque Ibirapuera, ali, entre o céu e as estrelas. Evitando assim, além de políticos hipócritas presentes, o horror dos velórios no frio branco do mármore do gigantesco salão da Assembleia Legislativa, onde normalmente são veladas as personalidades em São Paulo.

À esta altura já perdi a conta de quantos de meus ídolos já se mandaram; alguns até hoje teimo em não acreditar e fazer de conta que ainda estão por aqui. Porque eu estou por aqui e trago em mim muitas das coisas que neles admirei, segui, aprendi, fiz bobagem junto, cantarolei ou dancei.

Daí não poder deixar de dar uma boa reclamada sobre essa mania cada dia mais insuportável de que todo mundo é “influencer”, famosinho, “mito”, etc. etc. porque têm alguns “seguidores”, entre eles muitos até com milhares de robôs ou nomes fantasminhas comprados de alguma agência de marketing de influência.

Ídolo, minha gente, é coisa séria, não dá em árvore como essas novidades que aparecem (e também na mesma desaparecem) todos os dias postando o que comem, quem beijam, os seus escandalosos recebidinhos que elogiam sem qualquer cuidado, como se eles próprios usassem mesmo aquelas coisas. Fazem boca de pato, posam ao lado de carrões, barcos e aviões, andam por aí com fotógrafos a tiracolo que registram seus passos como se fossem naturais, mucamas e escravos os servindo e abanando seus calores.  Podem ser perigosos, especialmente quando tentam acreditar que são ídolos. Ou mitos. Milionários e de pés de barro.

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Ídolo deixa história, é ícone. Mitos, a gente bem sabe o perigo que carregam.

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foto de @catherinekrulik

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Molequinhos e molequinhas. Por Marli Gonçalves

Os tempos mudam o sentido até das nossas próprias lembranças divertidas quando, molequinhos e molequinhas, fazíamos – claro – molecagens, traquinagens, algumas inocentes e até outras nem tanto, admitamos, só que sempre ainda com aquele espírito infantil. Eram coisas de criança, perdoáveis, às vezes valendo um castigo, uma sova, um sabão. Ou uma suspensão na caderneta que precisava ser mostrada aos pais e voltar, assinada.

MOLEQUINHOS E MOLEQUINHAS

Meu irmão outro dia me chamou a atenção de que anda percebendo que tem muita gente aí pela rua fazendo pequenas molecagens, gente grande, ou maiorzinha. Às vezes em grupos de dois, três; outras, mesmo sozinhos. Tipo apontar o céu como se ali estivesse acontecendo algo, e fazendo todo mundo olhar para cima. Ou passar e apontar para o seu pé, sem parar, seguindo adiante como se nada tivesse ocorrido. Coisinhas bobas, que até arrancam um sorriso daqueles bons em dias que estávamos submersos e afogados na realidade dura. Ele próprio – vejam só – inventou uma graça, soltando de repente para alguém desconhecido na calçada um sonoro “oi, amigo!” e um aceno, quando passamos de carro. Muitos olham, sorriem, alguns dão tchauzinho. Outros, nem te ligo, continuam com a cabeça enfiada no celular, esse novo mundo particular que suga e entorta os pescoços.

Tentei rever algumas molecagens do tempo de escola, todas bobas que fazíamos até por alguma diferença com amiguinhos, e até com professores. O chiclete ou uma tachinha grudados na cadeira. Esconder alguma coisa. Não lembrei de muitas porque sempre fui boazinha, estudiosa, mas via outros aprontos, repito, se comparados, bem bobos, perto do que hoje denominamos bullying, capaz de gerar tantas tragédias. Hoje, na cultura do ódio que se espalhou pelo globo, no anonimato da internet e vias digitais, a coisa se escancarou, levando a suicídios, vinganças, planos de ataque e emboscadas. Não há mais graça, e é como se os jovens reproduzissem o pior do mundo adulto: misoginia, racismo, humilhações por diferenças de classes sociais, não entendimento de pessoas com necessidades especiais. O tempos realmente mudaram.

Tem se revelado que não é outro o motivo dos tenebrosos massacres nas escolas, jovens que voltam onde estudaram para revidar o sofrimento que ali lhes foi causado, mesmo que nem todos tenham se apercebido disso. Monstros criados pela própria sociedade, alimentados pelo descaso com que são tratadas as dores que sentimos enquanto crescemos, algumas que necessitavam de maiores cuidados. Todo mundo conheceu alguma peste na escola, sabe que crianças podem ser muito más. É de se notar que esses casos horríveis envolvem sempre meninos – não lembro de um desses ataques ter sido feito por alguma menina. O mais comum é que se atraquem tentando arrancar os cabelos umas das outras. Embora o noticiário traga sempre alguns casos terríveis de pequenas jovens assassinas, dando fim em outra, em geral por ciúmes.

Claro que, infelizmente como vimos esses dias, o ataque também possa vir de um adulto problemático e perturbado, em algum lugar que simbolize o que odeia, mas a análise quase sempre revela um problema de infância ou adolescência não resolvido, guardado. Uma maldade cultivada durante anos, agora adubada nas profundezas de grupos malignos que brotam e atravessam portas e janelas dos quartos onde solitariamente dialogam com o obscuro, incentivando entre si o estrelato de seus autores. Invadem as redes, as telas, formam grupos intolerantes. Aí as molecagens ganham outro sentido, desprezíveis, canalhices perigosas e perturbadoras.

Como eles sabem muito melhor do que nós operar esse mundo virtual, sem escrúpulos o fazem, agora aprendendo até a disseminar incontroláveis fake news, como muitas foram efetivadas essa semana, logo após o ataque mortal à creche em Blumenau. As redes nacionais foram invadidas por ameaças citando ataques que seriam realizados em escolas que citam nomes, endereços e até datas.

Precisamos muito falar sobre isso com nossos molequinhos e molequinhas, saber o que acontece nas escolas, atenção às formas de socialização nas escolas, impor esse assunto no tema geral Educação, com treinamento para os profissionais detectarem os primeiros sinais. Não basta botão de pânico, quando ele já está em curso. Não é mais brincadeira, traquinagem, nem infantil, nem inocente, nem boba, quando envolve incentivo de fora, de adultos, ou de quem quer só botar fogo na palha, provocar sadicamente a eclosão do inferno.

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MARLI CG ABRILMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon).

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ARTIGO – Fênix, o que todos nós somos. Por Marli Gonçalves

Tenho pensado – e, mais do que pensado, a tenho mesmo evocado – na fênix, essa bela ave mitológica cheia de mistérios, de penas vermelhas e outras de vários tons, douradas a sua longa e bela cauda e garras. Símbolo da vida, da morte, e dos inúmeros ciclos pelos quais sobrevoamos. Representa a esperança, e especialmente o fato de que é necessário dar a volta por cima nas situações adversas, e renascer. Nem que seja das próprias cinzas.

Conta-se que as lágrimas da fênix podem curar qualquer doença, ao contrário das nossas que às vezes apenas vertem sem parar, e já nem sabemos porque tão incontroláveis, se escoam para algum rio mágico que carrega nossas mágoas, os desconsolos. Cantada em verso e prosa desde a Antiguidade, desenhada pelos artistas mais requintados, imaginada com toda a sua mágica, a fênix traz em si o sonho da imortalidade, mas também as mudanças que passamos no decorrer dos anos. Nos lembra a vida marcada por queimaduras, os momentos que morremos internamente, e dali, assim como ela, saímos. Nós mesmos saímos daquele ninho em combustão. Ninguém mais. Todos somos fênix.

Ainda era muito menina quando soube dela, a vi em ilustrações e histórias dos livros de fábulas e mitos que acabaram por me ensinar muito da vida, e me encantei. Aliás, sempre me encantei por seres mitológicos, as sereias, as ninfas, Pégaso, os centauros, e até com as malvadas hidras e suas cabeças que renascem assim que cortadas. Gosto de pensar que há um mundo mágico onde as coisas funcionam diferente deste, terreno, trágico.

Tentei até contar quantas vezes até hoje eu mesma abriguei em mim uma fênix. Mas perdi a conta; foram muitas. Mesmo. Perdas, rompimentos, travessias, desilusões, cortes, saúde, amores, para em seguida ressurgir, mesmo que trazendo em minhas penas as marcas, até cicatrizes. Igual a ela, há o momento que paramos o canto feliz e entendemos a melodia triste que antecede o fogaréu.  Como disse, as fábulas muito me ensinaram, de fé, dos fatos, da vida, dos humanos, da moral da história. Das raposas, do coelho, da tartaruga, da coruja, dos sapos, do jacaré; da meninice da garota do leite às atitudes da gente simples capaz de carregar um cavalo nas costas.

Portanto, nada melhor do que a imagem da fênix para uma reflexão de fim de ano, de futuro, de ciclos, especialmente não só desse que estou particularmente passando, mas do que todos nós, enfim, estamos passando, finalizando, enfrentando adversidades nunca vividas, como a pandemia, morte de ídolos que considerávamos realmente imortais, tais os feitos, as marcas e o sucesso de suas vidas, reis e rainhas, com ou sem trono.

Falo ainda do ciclo tenebroso que se fecha com o fim do governo infernal, assombroso e cinzento que termina junto com este ano, deixando, inclusive, atrás de si, cinzas e muita destruição, ódio e divisões.  E governo esse que curiosamente será sucedido por uma fênix – um líder político renascendo de sua própria destruição e que precisará contar com esse aprendizado e com as forças do Universo para se recompor completamente e virar reconstrução, renascimento e a esperança de toda uma nação.

2023 chegando, e ao pensar numa mensagem positiva, me ocorreu apenas esta: que todos consigamos seguir como o fazem as fênix. Nesse eterno recomeçar, dando a volta por cima, voltando sempre a cantar bonito e a voar para o horizonte, lá onde o Sol nasce e morre todos os dias.

Feliz Ano Novo! Que, calorosos, sigamos juntos e misturados, em busca de nos eternizar, na fantasia e na realidade.

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MARLI - FÊNIX

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Não resisti a mais imagens:

ARTIGO – Carlos Brickmann. Por Marli Gonçalves

Carlos Brickmann: Ensinou muitos. Deu a mão a outros tantos, solidário. Confiou e empurrou para a frente jovens talentos que sabia reconhecer – muitos destes alçaram voos seguros para a fama, essa senhora egoísta a qual ele mesmo, Carlinhos, como era chamado esse desajeitado de mais de cem quilos, quase dois metros de altura, nunca deu bola…

carlos brickmann
Carlinhos, com nossa gata Mel

ARTIGO, A CONVITE DA DIREÇÃO,  PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S.PAULO, 
OPINIÃO, PÁG. A3, EDIÇÃO DE 23 DE DEZEMBO DE 2022

O legado de alguém é o que fica registrado. Temos sorte em preservar os escritos do jornalista Carlos Brickmann, que partiu dia 17, aos 78 anos, 59 de profissão. No Grupo Folha, onde chegou aos 19 anos, foi e voltou três vezes, e em todos os principais veículos de comunicação do país, jornais, revistas, tevês, rádios, sites. Seu Frias, Octavio Frias de Oliveira, sempre foi referência usual sua. Autodidata, leitor voraz, cuidadoso com a verdade, visão pluralista, bom amigo, colegas que há dias enchem as redes sociais de histórias deliciosas sobre esse convívio. As mãos suadas que secava nas laudas, a capacidade de escrever enquanto o mundo caía ao seu lado e sem olhar para o teclado. Textos enxutos, precisos, vocabulário impecável. Dono de um humor politicamente incorreto, onde se incluía como gordo, feio, judeu e o que mais pudesse, e que nunca vimos – por ser puro – nenhuma mulher, negro, deficiente ou gay se doer. Ao contrário, risadas eram sempre ouvidas, dos próprios.

Ensinou muitos. Deu a mão a outros tantos, solidário. Confiou e empurrou para a frente jovens talentos que sabia reconhecer – muitos destes alçaram voos seguros para a fama, essa senhora egoísta a qual ele mesmo, Carlinhos, como era chamado esse desajeitado de mais de cem quilos, quase dois metros de altura, nunca deu bola. Mauricio de Sousa, com quem trabalhou na Folha da Tarde deu ao simpático elefante de suas histórias que começavam a fazer sucesso o seu nome do meio: Ernani.

Carlinhos gostava disso. Era pura memória, aliás, de elefante mesmo, como se diz. Pura história. Aliás, fatos incontáveis, vividos por ele, e os da História mesmo, geral. Seu conhecimento era acima do normal dos fatos nacionais e internacionais. Da política desta nação que vive em círculos, de momentos históricos, das guerras, em particular da Segunda Grande Guerra, que levou seu povo ao extermínio do Holocausto. Tinha horror a guerras e armas. Mas, guerreiro, defendia sua gente onde e como pudesse, chamando para o debate, que sempre ganharia com Inteligência aguçada e argumentos imbatíveis, qualquer um que destratasse de alguma forma o povo judeu, fosse quem fosse. Judeu engraçado esse que não seguia nenhum rito, adorava uma boa costelinha, um torresminho.

Um grande cidadão em todos os sentidos. Além do jornalismo, sua trincheira. Corintiano roxo, democrata, adepto da liberdade de imprensa acima de tudo, contra a censura, contra ditadores de qualquer bandeira. Cutucou poderosos, enfrentou generais na ditadura, buscou justiça pelo primo Chael Schreier, assassinado torturado, despistou policiais e protegeu perseguidos políticos. Foi ainda um dos primeiros homens a desmistificar a adoção de crianças, agindo como divulgador da ação e anjo de muitas delas, que acompanhou à distância ver crescerem. Seus dois filhos são adotados. Amava os gatos que mantinha em casa e no escritório. Relaxava fazendo cosquinhas neles.

Amigo há 45 anos, com quem tive o prazer de trabalhar e aprender por 30, fico feliz em contar mais dele. Meu Natal ficou menos triste.

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Carlos Brickmann - CarlinhosMarli Gonçalves, 64, jornalista. Sócia e diretora do Chumbo Gordo (www.chumbogordo.com.br), o espaço livre para o pensamento e conhecimento, por ele idealizado.

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Leia também, mais sobre Carlos Brickmann

( 7 de outubro de 1944 – 17 de dezembro de 2022):

Carlinhos

Carlos Brickmann,Carlinhos, o Caco. Por Ricardo Setti

Carlos Brickmann

COM MARLI GONÇALVES

COM KASSAB

COM QUÉRCIA E CARLOS RAYEL

COM RICARDO KOTSCHO E JORGE ARAÚJO

COM JOSÉ DIRCEU

COM RICARDO KOTSCHO

COM MEL

BEBÊ

COM ULYSSES GUIMARÃES

carlos brickmann
Com nossa gata Mel

COM A AMIGA EVELYN SCHULKE

COM MARLI

COM A ESPOSA, BERTA

Carlinhos

Homenagem ao amigo, parceiro Carlos Brickmann

Carlos Brickmann - Carlinhos

Marli Gonçalves

Para mim vai ser sempre assim. Carlinhos. Muitos o chamavam só assim; outros desavisados bem que não entendiam como é que aquele gigante gentil podia ter seu nome conhecido no diminutivo. Mas nós que com ele convivemos bem, sabemos. Era um crianção, sempre com a aguçada inteligência acima da média unida a um humor mordaz, precisão e memória implacável. Senta que lá vem história!

Carlos Brickmann nos deixou. Me deixou. Amigo há 45 anos, e com quem trabalho há 30 anos, vocês conseguem imaginar como estou me sentindo? De antemão, aviso: este texto será todo em primeira pessoa. Sou eu que estou falando dele, da dor de sua perda, de um tudo que significou para mim e para a história da imprensa nacional. Afinal, convenhamos: 30 anos dos quais 27 em convivência diária não é para qualquer um. Tocávamos de ouvido, como se fala em orquestras; à distância; perto, por um olhar, uma sacudida de cabeça, uma “dormida” em pé rápida que dava quando fechava por instantes os olhos matreiros, eu podia com toda a certeza acertar o que estava pensando. Era difícil um dia em que eu não aprendesse algo, daquelas coisas que só ele sabia, lembrava, ou mesmo tinha acompanhado ou estado lá nos seus 59 anos de profissão, vejam só que beleza!

Não era bom fisionomista, mas era capaz de lembrar em detalhes cada frase sussurrada ao seu ouvido tenha sido por Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Jânio, Montoro,  Quércia, Paulo Maluf, Kassab, uns ou qualquer outro político com o qual tenha estado. Todos o respeitavam e admiravam muito suas observações – um ás da comunicação e marketing político de campanhas. Fato é que – daquelas formas idiotas dos burros pensarem, se é que pensam – pregaram nele um adjetivo, “malufista”. Ah, mas não era mesmo! Era apenas um vitorioso, para vocês verem que naquela época ele conseguiu melhorar até a imagem do Paulo Maluf, e isso não é pouco. Carlinhos era um profissional como muitos poucos, destes que a gente anda procurando sem encontrar, como agulha no palheiro. Dava de ombros ao ouvir isso, ser chamado, xingado, de malufista. Mas eu digo que por conta dessa pecha perdeu amigos (se bem que amigos não deviam ser) e clientes. Uns não o contratavam porque seria malufista; outros, os mais malufistas, digamos assim, não o contratavam porque seria amigo do “chefe”, não queriam desagradá-lo.

Bobagem. Entre as amizades, a gama do arco do pensamento democrático, políticos de quem espero lhe rendam devidas homenagens. José Dirceu, Genoíno, outros muitos do PT e partidos de esquerda; Haroldo Lima, que perdemos com covid, do PC do B, o adorava, impressionado sempre com a firmeza de suas críticas. Lula, não, que ele nunca foi muito chegado. Implicava mesmo – e aí tínhamos um divertido embate, porque nunca descobri exatamente por causa do quê – era com a Luiza Erundina, com quem eu tenho forte amizade e calorosa consideração (sou Marlizinha para ela, desde que fui a primeira jornalista a entrevistá-la quando eleita vereadora, seu primeiro cargo público, há 40 anos atrás).

Carlinhos enfrentou generais na ditadura, despistou policiais e protegeu perseguidos políticos, buscou justiça pelo primo Chael, assassinado torturado. Gostava demais de lembrar que da montanha de processos que enfrentou com as verdades de suas colunas nos principais jornais, nunca foi o PT a lhe processar. Já o PSDB… E vou dizer mais: político esperto não gostaria de estar no alvo dele, que o diga um certo secretário de segurança de grande queixo com quem duelou por meses. Carlinhos adorava o chamar de gordo, queixudo, e o que mais lembrasse, acreditem. Um dia os vi se esbarrarem pessoalmente em Brasília no saguão de um hotel. O queixudo ameaçador ficou quietinho, baixou o olhar, leãozinho amansado, rabo entre as pernas.

Nosso Carlinhos sempre disse que, como gordo e feio que era, podia falar isso quanto quisesse de outro gordo e feio. Eita humor refinado, ardido! Sabiam que Carlinhos trabalhou com o Faustão, logo ali no começo dele na tevê? Escrevia para o programa.

Gostava de contar uma piada, construir uma frase, definir alguém por algum detalhe que acabava virando até código entre nós – olha, que politicamente correto ele não era mesmo. Piadas de judeu, de gordo, de velho, com sexo ou não, uma coleção. Histórias divertidas de jornalistas e suas trapalhadas, inclusive as amorosas, uma atrás da outra. Sua passagem foi marcante em todas as grandes redações: Folha de S. Paulo, onde pela primeira vez chegou com 19 anos, Jornal do Brasil, Estadão, Jornal da Tarde (foi um dos fundadores),  Revista Visão, Folha da Tarde(Toninho Malvadeza!), Folha de S. Paulo novamente (foram três vezes por lá). Em 92 fundou a Brickmann, hoje Brickmann & Associados, B&A Ideias, para a qual colaborei desde 1993 até ir para lá em 1996 e ficar até hoje.  Juntos, também criamos em 2015 o site Chumbo Gordo, que farei de um tudo para honrar, continuar reunindo o melhor do pensamento, os amigos, aberto à democracia.

Quantos trabalhos maravilhosos fizemos juntos! Como gostávamos de uma encrenca boa, gerenciar grandes crises, acompanhar uma CPI, defender nossos clientes com provas diante da opinião pública. Trabalho esse hoje cada vez mais escasso porque depende de quem tenha reputação a zelar, alguma explicação a dar para se defender.

E nunca parou de escrever suas colunas fantásticas, duas vezes por semana, para o nosso Diário do Grande ABC e repicado em nosso site e em jornais de sites de todo o país. Foi durante muito tempo também um crítico da imprensa em coluna especial no Observatório da Imprensa, de Alberto Dines. Parecia prever a caminhada da imprensa e da profissão para o buraco em que está hoje, repleta de desinteligentes, jovens talentos de um talvez futuro, pouca afeição aos mais velhos. Mas a sua história está e ficará para sempre registrada em todas essas páginas, muitas das primeiras páginas, capas, em grandes reportagens, nas colunas que acompanharam o tempo e as mudanças em círculo de nossa nação. Textos perfeitos, duros, irônicos. Muito trabalho, sem esquecer as participações em tevês, debates, e o amor ao rádio (há anos participava religiosamente do programa Showtime, com João Alckmin, de São José dos Campos). Nunca deixou um amigo na mão, sem cobrar um centavo. Era só pedir. Entrevistas para teses, livros de amigos, sinopses de filmes sobre o Brasil.

Autodidata, culto, leitor voraz. Posso garantir ainda o quanto nos últimos tempos odiou profundamente tudo o que Bolsonaro e sua gente aprontou nesse governo que ele, pessoalmente, considerava de inclinação nazista, para vocês verem o que observava das tramoias que enfrentamos. O descaso com a Saúde, a Economia na mão do poste Ipiranga, o desmonte das áreas de Cultura e social, o descaso com a verdade, o violento incentivo ao armamento. Carlinhos era da paz.

Mas preciso voltar mais a falar do Carlinhos mench, em ídiche, gente, “alguém para admirar e imitar, alguém de caráter nobre. A chave para ser ‘um verdadeiro Mensch’ é nada menos que caráter, retidão, dignidade, um senso do que é certo, responsável, decoroso”, ensina o Wikipedia. Nossos escritórios sempre em casas de vilas prazerosas onde desde sempre criámos gatos e gatas, que inclusive chegaram na porta e ali passaram a morar. Morphy, Mel, Princesa… Na sua casa, o amado Vampeta, o negro de olhos amarelos, irmão da minha Vesgulha Love. Sempre tivemos bichos irmãos. Minha husky Morgana era irmã do Lobo. Carlinhos deixa órfãos, além dos filhos Rafael e Esther, os gatos, a branquinha Jade, que deu à esposa Berta, o Léo, o Chumbinho, a Laila. De um ano para cá a perda de Vampeta e da Mel o deixaram especialmente deprimido.

Não posso deixar de registrar que Carlinhos era corintiano roxo. Que Seleção, que nada! Futebol era Corinthians, sem mais conversas. Adorava mangar dos “porcos”, palmeirenses, e dos são-paulinos, salto alto, etc, etc… Times cariocas, ignorados, todos. Daí, claro, o corintiano gato Vampeta.

Telefone. Difícil encontrar alguém que gostasse mais do que ele de falar ao telefone, claro que se não fosse no horário do jogo do Timão – e a gente ao ouvir tocar e assim que ouvia sua voz já se preparava para no mínimo uma hora de variada e divertida conversa Vai ter um monte de amigos lembrando disso também. No telefone, enquanto falava, jogava paciência no computador, o único jogo a que se dedicou, se distraía assim, pensando no tema da coluna, quando dava uma parada. Computador que, aliás, que foi ele quem me apresentou à esta tecnologia e ensinou a usar pela primeira vez, aqueles ainda do sistema DOS, de letras verdes.

Tristeza é não escutar mais a sua voz cheia de planos mesmo lá no hospital, logo que deu a primeira melhorada. “Marlizoca…” Na recaída não ouvi mais esse chamado; não ouvirei. Como pode uma perda desse tamanho? Alguém com tantas dimensões na vida de tantas pessoas?

Ah, se for para escrever sobre ele! Muita coisa divertida também. Os mais próximos bem sabem as duas coisas que odiava, o-di-ava. Bacalhau. Palmito (achava que era crime de lesa humanidade). Em compensação, amava abacaxi. Mas que não viessem com nenhuma rodelinha branquela, desmilinguida, que ele fechava o tempo, senhores e senhoras. Até com o garçom, nas poucas vezes que o vi muito bravo. Tinha de ser amarelinho, lindo, daqueles que só se encontra lá pelos lados de Brodowski, perto da sua amada Franca, outra de suas grandes honras. Dividia São Paulo em Capital e “Grande Franca” no seu mapa particular. Ai de quem não reconhecesse isso, e os doces de lá – chegou a escrever colunas para o Jornal de Franca apenas em troca que lhe mandassem os doces e que quando não chegavam, reclamava o pagamento.

Vou parar agora, que está difícil demais conter as lágrimas. Quem agora vai me chamar de Marlizoca? Marli “Gançalves”? Definida por ele, sempre, como o cinto mais largo da imprensa brasileira por conta do meu hábito de usar atrevidas mini saias nos tempos do Jornal da Tarde, nos anos 80, onde infelizmente não cheguei a trabalhar com ele, nessa época já na Folha.

Galanteador, ah, jogava charme mesmo para cima das moças, mas isso vou manter entre nós as que assisti. Mulher feia? Não existia. “Não só não existe, como até já paguei por algumas”, brincava, maroto. Quantas confidências. Quantas coisas ele também sabia da minha vidinha, sempre apoiando minhas escapadas para encontros fortuitos em algumas tardes.

Chega. Tem uma coisa nessas lembranças e brincadeiras todas que agora vira terrível realidade. Qualquer coisa que ele tinha, tipo sei lá uma dor aqui ou ali, fazia um drama teatral e falava para eu já chamar a Chevra Kadisha, desde 1923 a instituição responsável pela administração e sepultamentos dos cemitérios israelitas do Estado de São Paulo e que oferece serviço funerário religioso para a comunidade judaica.

Sabem? – nesse momento em que escrevo, por incrível que pareça e nem sei como estou conseguindo, o coração de Carlinhos ainda bate, fraquinho, lá no hospital, nos seus últimos momentos de vida, anunciado no fim e desenganado pelos médicos aguardando o apagar de seu corpo na frieza de uma UTI. Será uma questão de horas. Amargas e incontáveis horas, depois de semanas de sofrimento e perdas no leito do hospital. E a Chevra Kadisha, então, será chamada.

Perdemos Carlinhos Brickmann. Eu perdi. O CB. Um irmão. Um amigo fiel. Com ele, se vai mais um pedação, quase uma vida, e de minha própria história.

SP, 17 de dezembro de 2022

p.s.: Acabo de saber que você se foi, às 17h30, enquanto eu escrevia totalmente ligada em você

Carlos Brickmann – Carlinhos

 

Farofa, Formiga, Medos. Por Marli Gonçalves

Sou boa na farofa, me garanto. Aliás, minhas comidinhas são bem boas – inclusive sempre foram – bem temperadas, tudo muito natural. Quem provou, aprova. O segredo é curtir gostoso o momento da mistura, a criatividade dos envolvidos. O momento da entrada de cada um, remexidos.

Sexy Cooking GIFs | Tenor

Nossa, como ouvimos falar de farofa essa semana! Eram os ecos de uma festa lá no Ceará e que ainda não entendo bem se é festa, se é festival, se é só zoeira, e que zoeira! Se é jogada de marketing, vitrine digital, uma animada, rica e safada festinha de aniversário. Ou, sei lá, se é tendência sair juntando tudo quanto é influencer e jogá-los juntos para ver se procriam com tantos hormônios e apelos sexuais. É like pra lá, like pra cá, like beija coraçãozinho, coraçãoozinho faz live contando detalhes, mesmo os que rolaram no tal quarto escuro, que essa moçada só descobriu agora. Mas que o dessa farofa aí deve ter sido bem decorado, e sem cheiros, preciso lembrar que grudam, sempre terríveis. Imagino seguranças à porta tentando conter o uso dos celulares, agora parte do corpo dessa geração. Cabeça, corpo, membros, celular.

Sobre a dona da festa, Gessica Kayane Rocha de Vasconcelos, que por motivos óbvios se encarnou como Gkay, até agora não consegui chegar a qualquer conclusão definitiva. Uma parte de mim se impressiona com ela e a sua capacidade de aparecer; a outra não gosta do humor, da voz, do tom, não conheço todos os apitos que toca.

Enfim lembrei muito da farofa, esta, da Gkay, que competiu – e ganhou quilômetros de espaços – até contra jogos da Copa, formação de novo governo, e a minha. A minha memorável farofa, nunca igual a outra; nem conseguiria.

Demorei muito tempo para me habilitar na culinária. Minha mãe, que nasceu e teve infância lá na cidade de Formiga, em Minas Gerais, então uma cidade de roça, pequenina, diferente do que me parece hoje, já acoplada à região metropolitana de Belo Horizonte, me afastava de qualquer tentativa. Pois bem, na sua infância lá na década de 30 do século passado, uma amiga foi brincar perto do fogão a lenha, a panela fervente caiu sobre ela e aí vocês já imaginam a sequência que a traumatizou durante toda a vida, como outros tantos traumas que a levaram, assim que pode, bem pra longe dali para nunca mais querer voltar. Dessa forma, passei pelo menos mais de 40 anos de minha vida com mamãe cercando mais o fogão do que o nosso goleiro cercou a rede. Com mamãe não sairíamos da Copa. Era marcação cerrada.

Isso só mudou quando ela começou a ficar doente, um pouco mais dependente e, pasmem, começou a adorar as coisas que eu fazia. Esses anos distantes do fogão não foram em vão: aprendia. A observava. E uma coisa acabamos tendo em comum. Nada de receita, vamos fazendo o que o coração manda, com o que tem por perto, tudo cortado na hora. Meu irmão odeia que eu diga isso: mas também não tenho o costume de provar antes. Gosto desse jogo arriscado (tá bom, ok, errei poucas vezes, servi um chabu, mas tudo bem porque, como acabamos de ver e tomar na cabeça, nem sempre a vitória é garantida).

Fora tudo isso, o duplo sentido usado aqui e ali, no fundo agora escrevo sobre o medo, esse sentir que nos estilhaça e muitas vezes detém por muito tempo. A farofa-festa mostrou, ao contrário, uma diversidade e até sem-vergonhice de encher os olhos, seja como for, o que dá esperança que essa geração que chega seja ainda mais ousada do que nós que abrimos a clareira.

Quanto à minha farofa… como disse, tem mais. As minhas comidinhas sempre foram muito boas. Pelo menos teve muitos que gostaram. Talvez ainda gostem. Vamos em frente.

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MARLI - FLORESMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Retrospectivas e retroescavadeiras. Por Marli Gonçalves

Final de ano e elas, as famosas retrospectivas, já começam a pipocar, tenebrosas, tenebrosinhas, especialmente se lembrarmos o que passamos nos últimos quatro anos, somando o desgoverno, a pandemia, seus efeitos, as dúvidas que permanecem sobre o que vem aí, como vai ser

Hindsight Bias: Why You Make Terrible Life Choices - Nir Eyal

O sininho que toca é a música com os artistas saracoteando nos intervalos da programação. “Hoje é um novo dia” …Nas ruas, desta vez meio confuso até na 25 de Março e dividindo espaço com a Copa, o Natal tenta se infiltrar, misturando em pinceladas o seu vermelho com o verde e amarelo igual teve de ser nas eleições. Já não são mais muitas as luzinhas chinesas piscando nas janelas e que enfeitavam a cidade, as varandas e jardins, trocadas por bandeiras. Aqui perto de casa, a rua chique está enfeitada com uns parcos anjos com rabinhos em forma de sereia, até singelos perto das decorações que já vi. Uns carregam pacotes; outros, corações. Parecem tímidos, meio apagados. Econômicos, como sói ser nesses tempos bicudos.

Até o Papai Noel dos shoppings agora é mais magro, contido, rendido ao mundo digital e politicamente correto, sem crianças no colo. Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago, as graciosas renas, andam postas de lado, talvez até para não criarem mais polêmicas, a marca desses tempos, em que tudo é muito discutido, embolado, cancelado. Chato.

Não demora, ela vem, não tem jeito: ao lado do especial do Rei, a chamada para a retrospectiva jornalística, desconjuro! Mais perdas, mortes, acidentes e acontecimentos funestos a serem recordados em takes bem escolhidos, o que nos faz tentar ficar bem longe porque a memória recente é viva. Mas as quimeras todas, essas, as pessoais, as nossas retrospectivas particulares, começam a se apresentar. Nos cobramos por tudo, começamos a prometer fazer tudo diferente no ano que vai entrar, tentando planejar as coisas como se isso fosse possível.

Com elas, o medo, a lista de sonhos abandonados, e também chega o otimismo e crença que daqui pra a frente tudo vai ser diferente, “você vai aprender a ser gente, seu orgulho não vale nada, nada!” …

Ok, sei que retrospectiva é só do ano que se despede, mas no caso nacional ele soma os últimos, suas consequências, as quais infelizmente ainda sentiremos queimando na pele nos próximos tempos. Como vai ser?

E as retroescavadeiras? – você pode estar se perguntando. Apenas um registro. Aqui em São Paulo elas estão vorazes e barulhentas em todos os locais, bairros, esquinas. Derrubam o passado sem dó, com poucas tacadas, dando lugar a stands de venda tão luxuosos que a gente acha até que são eles os próprios imóveis que estarão no lugar. Impressionante. Não dá para ficar uma semana sem passar em um local – quando volta, a sua memória, sua retrospectiva, o que viveu ou viu ali, simplesmente sumiu, do dia para a noite, não precisou nem passar o ano. Meu medo é essa surdina. Essa transformação acelerada, sem eira nem beira.

Mas vamos que vamos. O show não pode parar. “…Bom é ser feliz e mais nada…”

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Recordações, referências e revisões. Por Marli Gonçalves

Recordações despertadas por gatilhos. São lances de memória que explodem junto com os fatos e as coisas do presente, esse momento que logo vira passado, tão efêmero que é. O passado é assentado em algum lugar da memória, volta em golfadas. O futuro, ah, este é sempre o daqui a pouco.

Deve haver alguma gaveta, caixinha, miolo, não é possível que não seja assim, onde guardamos algumas lembranças, as especiais, que ficam arrumadinhas lá dentro até que algo acontece no caminho da vida, vira a chave e a abre, de lá retirando e nos fazendo reviver vividamente o outrora, seja bom, muito bom ou ruim, muito ruim. Esse gatilho chega com tamanha intensidade que é incontrolável. E só seu.

Aí está a questão que me incomoda não é de hoje. De alguma forma estas lembranças estavam guardadas também com outra pessoa ou pessoas que as viveram ou presenciaram. Deveríamos poder sempre consultá-las quando vêm à margem, de forma que pudéssemos checar se na tal gaveta onde guardadas estavam se modificaram, perderam ou ganharam sentido. Daí necessitar de referência.

Estou perdendo todas as minhas referências, e esse vazio – com o passar dos anos – causa uma profunda angústia. Muitas dessas pessoas partiram, e levaram com elas a possibilidade de comprovação de muitas coisas que eu contaria, por exemplo, em uma autobiografia que um dia talvez ousasse escrever. Chego a ter um pouco de inveja de quem tem mais amigos das décadas de vida. Tenho muito poucos e os mantenho como se fossem joias, mesmo que distantes. Triste que em cada uma das décadas que vivi alguns dos principais coadjuvantes foram levados. Várias formas. Muitos, nas epidemias, de Aids; agora nesta que vivemos de forma tão dolorosa nos últimos três anos. E agora? Quem vai me ajudar a recuperar com mais precisão as aventuras de vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos atrás?

Já os amores, alguns desses foram levados pelo vento, ainda nem lembro bem porque ficaram pelo caminho, por melhores que tenham sido no seu tempo. Os terríveis, e os vivi, sou eu mesma que tento assassinar de novo a cada lembrança nas vezes que chegam para a revisão. Alguns, muito bons, estão por aí ainda, mas não posso acioná-los, embora até devesse, por considerar que jamais deveriam ser esquecidos por nenhum dos lados como a mim parecem agora estar sendo – tal a intensidade, forma e o tempo de sua duração.

Tudo isso para dizer que também, igual você talvez, andamos perdendo muitos outros tipos de referências, Gal Costa, Erasmo Carlos, para citar algumas, e as suas mortes funcionaram como as tais chaves que guardavam as gavetas que se escancaram ao ouvir as melodias e letras que embalaram nossa existência em várias fases da vida. Elas escavam o passado sem qualquer controle possível.

Me vi esses dias com pouco mais de nove anos de idade, nas areias da praia de José Menino, em Santos, percebendo quando ocorreu o meu primeiro amor, e o quanto foi platônico. Lembrei o nome! Ivo. Vejam só. Era o namoradinho de uma amiga minha, mas desta não recordo de jeito nenhum como se chamava. Adivinhem, claro, qual música – aparecendo na biografia de Erasmo – despertou e resgatou esse sentimento com todas as sensações daquele tempo tão longínquo e esquecido até essa semana.

Não sei se já contei, também, que passei minha infância ali na Rua Augusta, que era o caminho dos ídolos da Jovem Guarda e todos seus amigos a caminho da então gloriosa TV Record. Quando podia, esperava na porta do prédio que eles passassem em seus carrões. Absolutamente apaixonada pelo Ronnie Von, “Meu bem” (Hey Girl), fazia questão de manter os cabelos lisos e compridos, com uma franja que jogava igual a ele quando cantava, alguns devem recordar exatamente esse movimento; era o príncipe dos sonhos naquele momento. Até há bem pouco tempo, inclusive, ainda me sentia intimidada quando – já bem crescida- o encontrava pela cidade.

Vejam só como eram belos e perenes os ídolos de outros tempos, e o que explica a comoção causada com as suas partidas. E como é grande o medo de continuar perdendo os meus próprios registros pelo olhar de outros. A torcida continua. Aquela. Vocês sabem qual.

https://youtu.be/_SpOyKv02rg

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MARLI GONÇALVES – Foi lindo respirar o ar da torcida pelo Brasil, a primeira vez em anos que pareceu todos torcerem em uma só direção, sem divisões. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Torcida. Por Marli Gonçalves

Torcida. Por isso. Por aquilo. A gente vive torcendo, uma loucura, nem que seja pra chegar ao fim do mês com as conta pagas. Pelo time, país, melhorias de vida, por amor. Torcida é difícil de ser medida, a não ser quando visível ou em movimento em estádios, nas ruas, nas redes. Mas quase nada é tão dilacerante e solitário quanto a torcida pela recuperação de um amigo ou ente querido.

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Vai ter torcida sim, claro, que o Brasil tem tradição e dias de Copa do Mundo costumam ser especiais, divertidos, diferentes, seja aqui ou lá no Oriente. É só começar, a bola entrar em campo, o primeiro gol. Lembra? O país é repleto de conhecedores, palpiteiros, críticos e técnicos de futebol. A Seleção entra em campo, o Hino Nacional vai ser entoado e aqui e lá estaremos nós, audiência alta, mão no peito, errando a letra, comentando o cabelo e as tatuagens dos jogadores, esperando refrões à capela dos que estarão presentes. Por alguns dias serão esquecidas as pendengas eleitorais, e até o enjoado sequestro do verde e amarelo nos atos antidemocráticos. Basta um golzinho. Um golzinho só.

Também ali não teremos, no fundo, exatamente como interferir. No dia, no calor, no humor dos jogadores, condições físicas, no time adversário, nas sacanagens, faltas, decisões dos juízes, escalações, VAR.  Se vai ter protesto, quem vai ser notícia se desrespeitar as rígidas leis e mandos da cultura local. O pacote completo entra em campo e minuto a minuto dos 90 regulamentares será o olhar a movimentação no campo. O time todo representará o país, juntando corintianos, flamenguistas, palmeirenses, vascaínos, são-paulinos, atleticanos, etc.  – trocam as bandeiras por uma só. O barulho da torcida será a motivação, o empurrão, e assim vamos até onde der.

Mas cada um de nós tem uma torcida paralela, além do futebol.  Um “tomara”. Algo que almeja, preocupa, pede aos céus. Algumas dependem de esforços nesse sentido, trabalho. Poucas, contudo, dependem tanto de fé quanto quando um ente querido cai doente, internado, dependendo de cuidados, eficiência de medicamentos, reação do organismo, controle de órgãos vitais. Dependem de Ciência, médicos e equipes, e enfim e ao cabo dos desígnios de Deus. Ou, do que seja lá de qualquer fé se professe.

Não é a primeira vez que me vejo nessa torcida por alguém fundamental em minha vida. Aconteceu com minha mãe, com meu pai, com o drama vivido no passado por alguns melhores amigos. Décadas de vida já me deram algumas vezes essa experiência difícil e  me fizeram entender o quanto somos nadas,  frágeis e incapazes nesse momento, para tudo o que apelamos, queimando velas, orando, enviando energias e pensamentos positivos que se renovam e se esgotam revezando no baile dos dias, das horas e minutos, em que cada vitória é comemorada mais do que gol; cada derrota, um pênalti perdido ali na boca do gol, e a gente xinga bactérias malditas de tudo o quanto é nome. A seleção em campo nessa luta trocada a cada plantão.

Seguir firme, ansiando e esperando informações que não chegam – e comemorando isto por conta da velha lógica de que notícia ruim chega logo, chega antes. Toda uma vida passa diante dos olhos nessa torcida que, embora individual, se soma de forma muito bela, emotiva e carinhosa a todos os outros amigos que estejam onde estiverem –  e são muitos – preocupados, querendo fazer algo, buscar o inatingível, emanar solidariedade, diariamente buscando a conquista da taça mais importante do mundo nesse momento: a alegria da volta do jogador ao campo de batalha onde os seus feitos e histórias marcaram ou modificaram profunda e particularmente a vida de cada um de nós, e que esteve ao nosso lado sempre que precisamos.

Todos, juntos, viramos Maracanãs repletos. Ou, melhor, no caso específico, um Itaquerão, torcendo por um de seus mais fiéis corintianos.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Amigos, razão, sensibilidade, palpitações. Por Marli Gonçalves

Tudo bem aí? Tomara! Por aqui de vez em quando preciso medir pulso e pressão para ver se essa ansiedade que quase me tira o ar, faz ranger os dentes, esses medos repentinos e pensamentos atravessados, não são o meu corpo reagindo fortemente a esse tempo louco que passamos. Tempos estranhos esses em que não adianta quase nada ter razão. Tempos estranhos esses em que ser sensível à sua própria dor e a dos outros traz tantos dissabores.

palpitações

Só me sinto um pouco melhor quando vejo que não é sentimento exclusivo meu. Gente importante, famosa, rica, linda, resolvida, exemplos de equilíbrio que acompanho ou que mantenho entre meus amigos relatam sintomas muito parecidos aos meus. Alguns até descrevem situações ainda mais aterrorizantes e melancólicas. Creio até que meu bom humor e capacidade de adaptação me ajudam a que ainda não esteja tão atingida.

Antes de continuar, peraí! O que se transformou a eleição é só um item, antes que as defesas de todos os lados se armem e comecem a me mandar desaforos, que já ando cheia de receber e me controlar para não mandar uns coices de volta.

Muda de assunto um pouco que esse aí é pequeno diante da real e já encheu, se esgotou e nos esgotou profundamente, levando justamente mais pedaços de nossa saúde, especialmente a emocional. Falo do que restará após esse período tão longo, de anos, de dificuldades, destemperos, retrocessos, ataques, violência e desconsideração, doenças. Do que surgiu dessa situação pós pandemia, que tantos tentam resumir e afastar como se nada tivesse acontecido. Faltam assobiar para muito mais de meio milhão de mortos, cenas angustiantes, covas a céu aberto, aqueles números, gráficos, falta de assistência, remédios, ar, isolamento. Excesso de negação, ignorância, demora de tomada de providências. Muitos dessas consequências e reflexos, incluindo econômicos, só estão sendo sentidos agora, e o que até pode explicar um pouco da loucura, agressividade aflorada, da irracionalidade das discussões sobre qualquer tema; inclusive, a busca de mitos tão dispares entre si.

Por questão de dias, porque não tiveram tempo de tomar a vacina, perdi – aliás, o Brasil perdeu – enormes pedaços de nossa história, de minha história, amigos que por décadas as construíram e que perderam o tempo que tinham por aqui para fazer muito mais. Seus legados, suas obras, as lembranças e aprendizado dos que com eles conviveram. Não quero perder mais ninguém. E tem muita gente atingida.

Temos o dever de honrar a memória de todos e buscar que nada mais se repita assim.  Por conta da negação desenfreada e disseminada muitos outros foram embora, senão da vida mesmo, de nossas vidas, por não conseguirmos mais com eles conviver. Por mais que tivéssemos tentado alertar, eles acreditaram e, talvez, ainda acreditem nas mentiras, nas falseadas, passam por certa lavagem cerebral.

E mentiras matam. São insidiosas, convencem e comprometem o entendimento. Agora vêm revestidas, buriladas, maquiadas com ar tão inocente que conseguem provocar e escavar mundos sombrios, como a censura, o ódio e o confronto insuportável. Comprometem a liberdade.

Teremos de lidar com isso tudo ainda por muito tempo. Esse ar irrespirável. Pior, temos de nos preparar para isso como se em nossas vidas fossem estas as únicas preocupações, sendo que temos tantas outras que se aglomeram e nos pegam justamente tão frágeis, dificultando que possamos resolvê-las por não conseguirmos prever nem o que ocorrerá nos minutos seguintes.

Vocês entendem? Amigos, razão, sensibilidade e palpitações. E expectativas, muitas. Como sempre me aconselha um considerado leitor: “Tem calma, tem calma”

Difícil.

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MARLI GONÇALVES – Oposição ao que é ruim, seja de que lado for. Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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ARTIGO – Os broches da rainha e a “brochada” do presidente. Por Marli Gonçalves

Não há como não lembrar da rainha Elizabeth eternamente com suas roupas elegantes e coloridas – dizem, para que nunca fosse perdida em meio à multidão – adornadas com broches maravilhosos, joias de pedrarias mais do que preciosas. Não há como não lembrar, na mesma semana de sua morte, do vergonhoso apelo do presidente a si próprio puxando o lastimável coro de imbrochável em meio aos festejos dos 200 anos da Independência do Brasil. Um pequeno e significativo jogo de palavras.

Elizabeth ll: conheça curiosidades sobre os looks icônicos da rainha

Imbrochável. Deus está vendo, hein? Ops, God save the Queen, agora God save the  King Charles III. Que devemos todas as homenagens à mais longeva rainha da História, Elizabeth II, à mulher que soube honrar durante 70 anos seu reinado desde a sua tenra juventude, abdicando de um tanto incalculável de coisas e prazeres, entre eles, alguns até frugais e que de vez em quando ela recordava. Semana triste e emblemática para o mundo todo essa morte.

Do outro lado, na mesma semana, mais essa inominável grossura – mais uma de uma lista gigantesca – do presidente do Brasil conflita ainda mais, bate de frente, com a maioria da população do país, as mulheres que ele tanto tenta alcançar e cada vez mais de nós se distancia. E se distancia com o asco que, garanto, seu atos trazem às mulheres dignas de assim o serem.

Mas são os broches da rainha o tema, e que já estão sendo lembrados. Eu, que amo broches desde sempre, e quem me conhece pode atestar, a cada aparição sua esticava o olho, procurava ver com qual ela estava, cada um mais belo e significativo que outro, que usou durante toda sua vida como um canal de comunicação, informação, símbolo, homenagem, sentimento. Agora, informam, são 98 deles ao todo, heranças, de parentes, presentes que colecionou pessoalmente durante toda a vida, muitos assinados por renomados artífices e casas de joalheria. São além das joias da Coroa.

Seus broches transmitiam mensagens de amor, reinado, história, continuidade, gerando até estudos sobre isso. Em sua última aparição pública, estava usando o sapphire chrysanthemum brooch, que sempre adornava suas roupas em tons azuis ou pasteis. Foi com ele, inclusive, que recebeu a nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, ao empossá-la na rápida cerimônia no castelo da família real na Escócia, sua última aparição pública e mesmo local onde, dois dias depois, repousou. Seu cansaço já era evidente e nesse dia todos notaram o enorme roxo em suas mãos, provavelmente veias por onde eram aplicados os remédios para aplacar suas dores.

broches
Bottons criados por Yoko Ono

Moda absoluta durante anos, os broches foram caindo em desuso ou sendo substituídos. Para os mais jovens, em geral também para passarem mensagens radicais, por bottons, ou pelos pins, aqueles alfinetes menores que são espetados nas roupas e muito usados em solenidades, inclusive por altas autoridades masculinas, bandeirinhas de seus países ou instituições. Também sempre serviram como propaganda de marcas e produtos. Todo mundo tem ou lembra de ter tido ou visto um dia uma jaqueta ou um colete com uma profusão deles. Ambos, pins e bottons, comuns no mundo do rock e das artes, por exemplo. Destaco, de minha coleção, em especial dois que quando usamos, eu ou o meu irmão, causam certo furor. Criados por Yoko Ono, um, a partir da imagem de seu mamilo, outro, de imagem frontal de sua vagina. São discretos, beges, mas olhares atentos sempre os percebem, impressionante.

Embora não sejam joias, muito ao contrário, acredito mesmo ter ao todo mais broches do que a rainha, também lembrada pelos chapéus de formas e cores sensacionais, marca da nobreza britânica, desfilados nos grandes eventos que nos acostumamos a acompanhar nas cabeças coroadas, de ontem, hoje e de amanhã, como na da Rainha Consorte, muita sorte, aliás, Camilla Parker Bowles, a eterna rival da Princesa Diana.

Grandes mulheres da política mundial, provavelmente até inspiradas na rainha, os usam em seus trajes, ternos, vestidos, ou prendendo-os aos lenços de seda. Repare. Broches são versáteis. Com eles, além de mensagens que podem ser até do humor do dia, em segundos se produz uma roupa nova a partir de qualquer tecido, prende ali, fecha aqui. Também, aprendam, podem salvar em ocasiões difíceis, como o rompimento de um botão ou costura, em cima de uma manchinha persistente. Mil e uma utilidades.

Bom poder – mesmo que em meio à tristeza – em uma mesma semana lembrar das grandes mulheres que mudam o mundo, esquecendo o machismo e a grosseria de alguns homens que o atrasam, e que temos um tão perto aqui, que necessita alardear seus visíveis problemas sexuais e o desrespeito em suas considerações misóginas.

Pessoalmente para mim foi bom especialmente lembrar daquele dia em 1968 em que vi a rainha passar ao lado do grande amor de sua vida, o príncipe consorte,  muita sorte, Phillips, Duque de Edimburgo, quando da visita ao Brasil, e em São Paulo, saindo correndo da escola, me postando pequenina em meio à multidão que esperava vê-la ali numa esquina da Avenida Cidade Jardim. Retrato bem guardado na memória.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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Há 29 anos perdi você, amigo Edison Dezen

…Mas você sempre estará comigo e da forma que gosto de lembrar e homenagear. Todos os dias, com anjos e flores.

Sempre te vejo assim em minha memória eterna de cada instante: feliz, elegante e passeando pela Londres que conhecia como a palma da mão.

Esses aqui foram aqueles momentos nossos, que captei, ainda bem, na nossa viagem mágica de 1990.

Obrigada por ter passado em nossas vidas.

25 de agosto, dia que você foi embora; 12 de dezembro, dia que você chegou nesse mundo

eu e meu grande amigo Edison Dezen, Londres, 1990

28 anos de uma saudade imensa: Edison Dezen, presente!

Há 28 anos sofro com essa data: 25 de agosto, o dia, em 2003. que perdi meu melhor amigo. Faço homenagem a ele sempre aqui, neste meu cantinho, onde já estou há 11 anos, com esse Blog, desde que ele foi criado. É o espaço que tenho para quem amo, inclusive.

Dizem que ninguém é insubstituível. Temo dizer que não é verdade. Algumas pessoas são joias raras e Edison Dezen era uma, de altíssimo quilate. Pergunte a tantos que o conheceram e verão que não exagero em nada. Eu, por exemplo, nunca conheci ninguém nem perto do tamanho de sua generosidade, criatividade, amizade e amor com os amigos, pessoas e animais.

Além da elegância particular que manteve até os últimos momentos de sua vida. Nunca se apagam as lembranças de cada dia que passamos juntos e que honro, como cada coisa que aprontamos, que combinamos, que viajamos, que vivemos. Estamos aí, meu amigo, na luta, como sempre.

Pela liberdade, pela diversidade, pela democracia que você ajudou a construir e que jamais deixaremos seja machucada.

De onde quer que esteja, creio, acompanha apreensivo os acontecimentos aqui da Terra. Mais uma epidemia/pandemia que leva embora tantos de nós. Ameaças e tanta ignorância grassando no país que você tanto amava.

Onde quer que esteja, saiba que nós, os amigos que você tanto amou, nunca o esquecemos. Aliás, também creio que ninguém que um dia tenha cruzado seu caminho pode esquecê-lo.

Meu beijo sentido. Sou eu mesma que te chamo para conversar como fazíamos em nossa Ilhabela, Banzai e Capitão ao nosso lado, fiéis, nos guardando, e tantas vezes esperando algum disco voador com respostas. Nunca mais pus os pés em Ilhabela, mas nossas pegadas ainda devem estar por lá.

eu e meu grande amigo Edison Dezen, Paris 1990
Em Londres, alimentando os esquilos
Na cidade que amava, Londres
Brincando em Ilhabela, com o amigo Ernesto que também nos deixou há 28 anos

Com o grande amigo, Milton Nascimento,sempre o “Bituca”

Cosme e Damião. Gosto muito. Fui buscar a história, porque hoje é dia deles. Bote fé!

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 FONTE:http://www.montesiao.pro.br/estudos/festaspagas/cosmedamiao.html
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Os gêmeos árabes Cosme e Damião eram filhos de uma nobre família de cristãos. Nasceram por volta do ano 260 d.C., na região da Arábia e viveram na Ásia Menor, no Oriente. Desde muito jovens, ambos manifestaram um enorme talento para a medicina, profissão a qual se dedicaram após estudarem e diplomarem-se na Síria.

Tornaram-se profissionais muito competentes e dignos, e foram trabalhar como médicos e missionários na Egéia.

Amavam a Cristo com todo o fervor de suas almas, e decidiram atrair pessoas ao Senhor através de seu serviço. Por isso, não cobravam pelas consultas e atendimentos que prestavam, e por esse motivo eram chamados de “anárgiros”, ou seja, “aqueles que são inimigos do dinheiro / que não são comprados por dinheiro”. A riqueza que almejavam era fazer de sua arte médica também o seu apostolado, para a conversão dos perdidos, o que, a cada dia, conseguiam mais e mais. Seus corações ardiam por ganhar vidas, e nisto se envolveram através da prática da medicina. Inspirados pelo Espírito Santo, usavam a fé aliada aos conhecimentos científicos. Confiando sempre no poder da oração, operaram verdadeiros milagres, pois em Nome de JESUS curaram muitos doentes, vários destes à beira da morte.

Também preocupavam-se em curar animais, pois sabiam que “toda a criação aguarda, com ardente expectativa, pela manifestação da glória de Deus em Seus filhos” (Romanos 8.18:19).

Manifestaram Autoridade do Alto, pregando o Evangelho com sinais e prodígios. Sua linguagem e sua pregação “não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do Espírito de Poder” (ICo 2.4). Desta forma, conseguiram plantar a semente da salvação em muitos corações, colhendo inúmeras conversões a JESUS. Cosme e Damião possuíam uma revelação clara do chamado que tinham como ministros do Evangelho, chamado que cumpriam no cotidiano da rotina profissional, ministrando Cristo através de seu trabalho.

Porém, as atividades cristãs dos médicos gêmeos chamaram a atenção das autoridades locais da época, quando o Imperador romano Diocleciano autorizou a perseguição aos cristãos, por volta do ano 300. Diocleciano odiava os cristãos porque eles eram fiéis a Jesus Cristo e não adoravam ídolos e esculturas consideradas sagradas pelo Império Romano.

Por pregarem o cristianismo, Cosme e Damião foram presos, levados a tribunal e acusados de se entregarem à prática de feitiçarias e de usar meios diabólicos para disfarçar as curas que realizavam. Ao serem questionados quanto as suas atividades, eles responderam: “Nós curamos as doenças em nome de Jesus Cristo, pela força do Seu poder”.

Eles conheceram os princípios da fé cristã quando ainda eram crianças, e por isso recusaram-se a adorar os deuses pagãos, apesar das ameaças de serem duramente castigados. Ante o governador Lísias, ousaram declarar que aqueles falsos deuses não tinham poder algum sobre eles, e que só adorariam o Deus Único, Criador do Céu e da Terra. Mantiveram a Palavra do testemunho de Cristo, impressionando a todos por seu Amor e sua entrega a JESUS.

Não renunciaram aos princípios de Deus, e sofreram terríveis torturas por isso. Mas mesmo torturados, não abalaram sua convicção e jamais negaram a fé. Em 303, o Imperador decretou que fossem condenados à morte na Egéia. Os dois irmãos foram colocados no paredão para que quatro soldados os atravessassem com setas, mas eles resistiram às pedradas e flechadas. Os militares foram obrigados a recorrer à espada para a decapitação, honra reservada só aos cidadãos romanos. E assim, Cosme e Damião foram martirizados.

Cem anos depois disso, iniciou-se uma terrível idolatria ao seus restos mortais e às imagens que foram esculpidas em sua homenagem. Dois séculos após sua morte, por volta do ano 530, o Imperador Justiniano ficou gravemente doente e deu ordens para que se construísse, em Constantinopla, uma grandiosa igreja em honra de Cosme e Damião. A fama dos gêmeos também correu no Ocidente, a partir de Roma, por causa da basílica dedicada a eles, construída a pedido do papa Félix IV, entre 526 e 530. A solenidade de consagração da basílica ocorreu num dia 26 de setembro e assim, Cosme e Damião passaram a ser festejados, pela igreja católica, nesta data.

Os nomes de Cosme e Damião são pronunciados inúmeras vezes, todos os dias, no mundo inteiro. Até hoje, os gêmeos são cultuados em toda a Europa, especialmente na Itália, França, Espanha e Portugal. Além disso, são venerados como padroeiros dos médicos e farmacêuticos, e por causa da sua simplicidade e inocência também são invocados como protetores das crianças. Por isso, na festa dedicada a eles, é costume distribuir balas e doces para as crianças.

Aqui no Brasil, a idolatria uniu-se à feitiçaria. A devoção trazida pelos portugueses misturou-se com o culto aos orixás-meninos (Ibejis ou Erês) da tradição africana yorubá. Cosme e Damião, os santos mabaças ou gêmeos, são tão populares quanto Santo Antônio e São João. São amplamente festejados na Bahia e no Rio de Janeiro, onde sua festa ganha a rua e adentra aos barracões de candomblé e terreiros de umbanda, no dia 27 de setembro, quando crianças saem aos bandos, pedindo doces e esmolas em nome dos santos.

Uma característica marcante na Umbanda e no Candomblé, em relação às representações de Cosme e Damião, é que junto aos dois santos católicos aparece uma criancinha vestida igual a eles. Essa criança é chamada de Doúm ou Idowu, que personifica as crianças com idade de até sete (7) anos de idade, sendo ele o protetor das crianças nessa faixa de idade. Na festa da tradições afro, enquanto as crianças se deliciam com a iguaria consagrada, os adultos ficam em volta entoando cânticos (oríns) aos orixás.

Triste é ver a total profanação dos Princípios Eternos pelos quais os gêmeos árabes morreram. Nunca Cosme de Damião deram-se aos ídolos e jamais praticaram magia ou ocultismo, embora tenham sido acusados de fazê-lo. Mas o pecado do homem e a maldade de Satanás, que distorce os padrões do SENHOR, fazem com que o engano se propague por gerações, através dos séculos, tornando o mal uma tradição cultural. Eles foram cristãos fiéis até o fim amaram o SENHOR sem medida e sem restrições manifestaram JESUS em suas vidas diárias e assim, ganharam inúmeras almas ao SENHOR, através do Amor e da Pregação.

É neste testemunho que nós devemos nos inspirar.