Artigo – Barulhos. Psiu, Feliz Aniversário, São Paulo! Por Marli Gonçalves

Barulhos tornam a cada dia mais insuportável a vida nas grandes cidades, São Paulo no topo da lista. Como não sofrer de estresse? Piorando sempre, agora em cada esquina mais uma obra, uma demolição, um prédio que sobe, mais pessoas, mais trânsito. Mais barulhos. Aproveitem o aniversário da cidade para pensar sobre este tema: poluição sonora.

barulhos

A poluição sonora altera a saúde física e mental das pessoas, o curso da natureza até na sua reprodução, perturba o cotidiano, a concentração, o sono. Porque ninguém cuida disso? Que falta faz um verdadeiro Partido Verde, atualmente enterrado e puxado por guinchos e interesses fisiológicos no esteio de tucanos e estrelas!

Uma britadeira contínua em algum lugar próximo, parecendo uma metralhadora sufocada. A buzina insistente de um apressadinho louco para furar o farol. Um entregador, de bicicleta alugada, se diverte raspando o asfalto com o pneu, e emitindo huhuus. Uma motosserra corta os troncos da tipuana da esquina.  O motoboy acelera ao lado do motorista da Ferrari que acha que precisa chamar ainda mais a atenção. No carro popular que passa, daqui de cima do sétimo andar onde moro escuto claramente a letra da pior música sertaneja, daquelas de dor de corno, com requintes de mágoa e misoginia. O alarme de um carro dispara com a vibração da estaca batendo no terreno onde daqui a pouco subirá mais um prédio aqui perto. O passeador de cachorros, de um lado com quatro deles, dos grandes, segura firme as cordas. Do outro lado da rua, outro passeador, com cinco daqueles cães pequeninos e irritadiços provoca os grandões com seus ganidos corajosos. Mais um jato passa na rota do aeroporto, e o helicóptero ronca e chega ao topo do hotel chique onde parece que mais hóspedes chegam pelo céu do que entram pelo térreo.

Juro. Descrevo o exato momento em que escrevo. Não gravo para vocês ouvirem porque ninguém merece. Só falta minha própria gata começar a miar aqui do meu lado; mas que bom, ela dorme tranquila e alheia. Daqui a pouco acorda, com os raios e trovões da chuva que se aproxima. Não vai demorar ainda, porque constantes, as sirenes, seja das ambulâncias, Samu, da polícia, os bombeiros – que de longe a gente escuta chegando perto, perto, e passando, deixando a sequência de suas ondas sonoras que gritam sai da frente! Ainda bem, nada pior do que quando qualquer um deles para diante do seu endereço. E as sirenes precisam mesmo gritar cada vez mais alto e forte para conseguir que lhes deem passagem, e só quem já precisou salvar alguém conhece esse desespero.

No calor intenso parece que tudo se intensifica. Essa semana, coincidentemente, recebi um press-release de médicos otorrinolaringologistas alertando sobre a misofonia, síndrome da audição supersensível: “forte reação a sons específicos, como gotas de água, mastigação, chiclete ou ruídos repetitivos, como batidas de lápis” …. imagino como lidam com a parafernália urbana prestes a piorar ainda mais com a criminosa mudança de zoneamento que aqui vem sendo perpetrada.

Não chego a tanto, e nem aqui trato desses “tiques”, mas sim de sons muito acima de 85 decibéis que, constantes, causam sérias reações físicas e emocionais, de aumento de pressão e ritmo cardíaco a ansiedade e depressão, fora aquela dor de cabeça tinhosa.

Sons irritantes como os terríveis do interior dos ônibus que circulam (salve a chegada dos poucos elétricos, os verdinhos). Os motores mexidos e nunca fiscalizados. Os caminhões que nas madrugadas arrastam correntes para pegar as caçambas e depois largá-las, jogando-as. Aquele agudo do sinal de marcha-a-ré de caminhões. A lista é infinita. Pamonha, pamonha, pamonha.

Aproveito mais um aniversário da cidade para implorar que seja dada mais atenção à poluição sonora, um crime ambiental bastante próximo de todos nós, que não estamos na Amazônia.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

ARTIGO – Os medos nossos de cada dia. Por Marli Gonçalves

Nossos medos, os meus medos, os seus medos. Todo dia ouvimos falar em retomada. Flexibilização. Dá uma angústia, ao invés de alegria, por não vermos o bicho totalmente dominado. Vemos as ruas cheias, inclusive de caras de pau sem máscaras gritando suas ignorâncias. Nas cidades, o som do burburinho, das buzinas. Vacinados, muitos, mas mesmo assim, vulneráveis; uma dose, duas, três, contando com a da gripe. Você já se sente seguro?

medos

Todos os dias ouvimos também os ecos das variantes e suas letras gregas mais transmissíveis e terríveis; sabemos de pessoas próximas doentes. Importantes, morrendo, mesmo depois de ter feito tudo certo. Como passarinhos que saem dos ninhos, e acabaram atacados por gaviões que os esperavam, silentes. Países se fechando de novo por muito menos do que o que ocorre aqui, onde ultimamente desgraça pouca é bobagem, a começar nas políticas, incluindo os malfeitos e a guerra das vacinas que não chegam aos braços, mal distribuídas. A tal média móvel que nos informam num sobe e desce infernal e ainda números absurdos de mortes e contaminações – registre-se, essas são apenas os dados oficiais desse Brasilzão de Deus, onde um grita e o outro não escuta. De dez mil em dez mil, fica mesmo difícil estar tranquilo.

Pouco se fala dessa angústia, não temos ajuda real que anime a sair por aí, o que torna difícil não cuidar apenas de um dia após o outro, e olhe lá. Medo, temor, receio, pavor. Ansiedade, insegurança. Tudo muito próximo.  Parece uma praga, uma tranca. Mais de um ano e meio depois, a estranha sensação de que o mundo não só mudou, mas que está travado, correndo atrás de seu próprio rabo, em círculos e ondas. Sem saber exatamente, e o que é mais estranho, de nada, nem do tempo que as vacinas protegem, nem de como controlar as novas cepas, o que pode vir por aí em novas ondas, muito menos como fazer o que nós, individualmente, já estamos sendo obrigados, a tal retomada, girar a roda. O nariz fora da porta, o pé na rua, a vida social, uma tal vida normal que, creio, para as gerações atingidas ainda por muito tempo de nada será normal, até que isso tudo seja pelo menos um pouco ultrapassado.

Aliás, e até mudando de tema, embora tudo pertença a um pacote só, os relatos sobre os problemas ambientais que ouvimos esses dias já é outro bom motivo para tremedeiras: aquecimento global, derretimento de geleiras, incêndios, enchentes, frios e calores intensos – já não são mais previsões, mas o que até já estamos presenciando e ainda há quem duvide.  Tudo muito interligado, as doenças, os fatos, a natureza. Nossa saúde.

Sou marcada, não por uma outra pandemia que não tenho século de vida, mas por uma epidemia, a da Aids, que nos anos 80 e 90 vivemos de perto e levou embora muitos amigos, e o meu melhor amigo. Ela nunca passou, apenas mantém-se controlada e como há ainda hoje quem não acredite que esta também afeta a todos, foi sendo deixada num cantinho, sem cura, sem grandes avanços na pesquisa, mais de 30 anos depois, empurrada com a barriga. Agora, inconformada, perdi de novo muitas pessoas importantes, trechos de minha existência, de nossa história, a minha e a do país.

Nessa realidade do coronavírus o mundo até levantou o bumbum da cadeira, aliás deve ter quem esteja ganhando muito com isso. Mas não é o suficiente para acabar com o medo. E em um momento que tudo quanto é tipo de maluco negacionista esteja aproveitando para angariar seguidores, aproveitando o progresso nas comunicações, especialmente a internet, para disseminar mais ainda mentiras e esse pavor que nos faz não reconhecer mais nem os próprios familiares, amigos, vizinhos, como no piores filmes de ficção: viraram seres possuídos por um mal para o qual, parece, não há exorcismo, informação, livro, atestado que cure.

Escrevo sobre isso, sobre esse sentimento que nos paralisa, porque estou vendo que pouco se fala sobre o que passa dentro de cada um de nós, esse mal estar, e que temos sempre tanta dificuldade para expressar. Sei que não estou sozinha e, como todos, reconheço que não temos mais muito tempo a não ser realmente enfrentar, fazendo tudo direito continuamente, e dando a mão a quem precisa – são muitas essas pessoas, em todos os locais,  ao seu lado – da forma que nos for possível.

Coragem. E terceira dose já!

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Marli GonçalvesMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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