ARTIGO – Passe de pólvora e cores. Por Marli Gonçalves

Passe de fogos de artifício. Não ria, por favor, mas quem não tem ondinhas pra pular tem de ter alguma criatividade para os seus rituais. Na passagem de ano mais uma vez fui à Avenida Paulista tomar um passe de fogos de artifício. Sim, foram mais silenciosos, se é que se pode definir assim os seus estrondos.

Passe de pólvora e cores.

Sem entrar na confusão, mas ficando lá atrás do palco cada vez mais pomposo, longe da muvuca geral na avenida, e em frente ao prédio da esquina de onde são lançados os tais dez minutos de saudação ao Ano Novo. Parece que no palco, naquele momento, Chitãozinho e Xororó cantavam Evidências, com acompanhamento da plateia. Mas isso não ouvi. Na hora da passagem, de onde estava, a viagem era outra. Acima da cabeça, as cores explodiam no anúncio da chegada desse novo tempo. Tempo que corre rápido. Os Reis Magos já marcam a volta à realidade, o desmonte dos enfeites, o sumiço das luzinhas nas janelas e das árvores de Natal, os pinheirinhos que  logo serão vistos abandonados nos lixos, árvores desmontadas e sinos, anjos, estrelas, papais noéis e renas guardados em algum canto, alguma caixa ou sacolinha, algum armário.

Sempre adorei ver fogos de artifício. Na urbanidade total, sem as sonhadas ondinhas, foi a segunda vez que faço isso – passar a meia noite sob os fogos – e com o céu limpo foi um espetáculo, como se fossem apenas para mim, consagrando o espocar do ano, brilhante, colorido, desenhando o céu. O cheiro de pólvora no ar queimando todas as mazelas, o baixo astral.  A união com a alegria do povo cantando e dançando ao lado. Um banho diferente de esperança para o bissexto ano de 2024, com seu dia a mais e que, pelo que vemos, já começou bem quente e cheio de tragédias além das muitas que já vêm sendo carregadas há meses. Fora as costumeiras e às vezes assustadoras (além de óbvias, muitas delas) previsões dos videntes, sensitivos e tal, anunciando os tempos futuros para o mundo e celebridades, sejam separações, mortes, encrencas de saúde.

Antes da badalada meia noite vi um retrato de nosso povo, entrando em fila na avenida que nesse dia recebe a festa, e durante todo o ano é palco da manifestação de milhões de pessoas o tempo inteiro, seja em passeios, corridas, trânsito, celebrações, ou em protestos de todo o tipo e direções. Estavam felizes em suas roupas novas. De branco pela paz ou hábito ou com detalhes em cores que informavam seus desejos mais íntimos: amarelo, dinheiro; verde, esperança; vermelho, amor; e muito, mas muito mesmo, brilhos, lantejoulas, as chinesas tiaras de luz ligadas na cabeça que se espalharam este ano, assim como a moda popular. Muitas croppeds para todos os sexos, muita pele de fora que São Paulo agora se mostra um lugar mais libertário do que no seu sisudo outrora. Muito tudo, como é São Paulo. Muito todas, como são todas as formas de expressão, seus povos, raças, idades. E o destaque para a cada vez mais visível presença de estrangeiros, de refugiados de nações em guerra e fome, da África e do Oriente Médio, agora felizes com a pátria que acharam, enfim, para chamar de sua.

Voltamos. Começar de novo, a sensação, embora de um minuto a outro nada realmente tenha mudado a não ser mesmo esse momento de alegria, esses minutos e horas de sincera celebração e de descanso, porque mesmo sem parar nesses tempos de fim de ano a gente se desliga um pouco da realidade.

Agora é esperar o Carnaval chegar. E depois, a Páscoa, as festas juninas, a primavera, o verão novamente, o Natal e o espocar de novos anos que queremos ver e viver, sempre o nosso maior desejo.

_____________________

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO – Consegui. Conseguimos. Lá vamos nós. Por Marli Gonçalves

Consegui. Conseguimos. Chegou! Chegamos, aliás. Que bom. Difícil ter ainda o que falar após mais um ano tão cheio de desafios, e até como se todos não fossem exatamente assim. Temos de olhar para o futuro nessa época, mas o engraçado é que o passado é que fica martelando. Será para nos prevenir de errar novamente?

Why Am I Having Weird Dreams? - Know The Reasons | DreamCloud

Tenho recebido verdadeiros tratados psicológicos sobre a “dezembrite”, que seria um estado de espirito que nos abateria no último mês do ano. Ok, vou ficar aguardando os tratados sobre a “janeirite”, “feveirite” e assim por diante, porque pensa se todo mês a gente não tem bons motivos de alteração para o bem ou mal. Janeiro tem o verão, para quem pode curtir; e as contas – IPTU, IPVA, outros is e aumentos –  anuais. Fevereiro! Tem Carnaval, tem Carnaval. E depois das fantasias a pressão novamente para se pensar no futuro, aquele mesmo que, admita, acaba esquecido logo após as promessas e planos que a gente sempre faz no final do ano, e que voltam a nos assombrar. Todo mês carrega suas características.

Mas essa coisa de balanço de final de ano é que é mesmo perturbadora, mais ainda com o passar do tempo, quando vamos acumulando o histórico do que já passamos, enfrentamos, conquistamos, nos safamos, desistimos, nos ferramos, levantamos e sacudimos a poeira dando a volta por cima, sofremos – e aí sentimos se tínhamos ou não razão – , ou tantas coisas que festejamos, o que devemos mesmo fazer a cada conquista, sem qualquer culpa.

Nos últimos dias parece até que quem (sempre muito curiosa sobre quem ou o que é que organiza essa fábrica na nossa cabeça) comanda meus sonhos noturnos está querendo que eu escreva uma autobiografia tantos flashes têm passado como um cineminha, uma série cheia de temporadas, lembranças. Anda bem legal dormir. O roteiro de cada noite/capítulo se mistura, fazendo lembrar até o excepcional formato da série This is Us, que vai e que vem, explica aqui o que aconteceu lá. Embora no meu caso não haja tantos protagonistas, ou filhos e gerações. Eu sou sempre a condutora. O formato é que desencadeia, por isso dou como exemplo. Se amei demais, de menos. Se fui fiel demais, e fui – o que pouco ou de nada valeu. O vácuo intrigante de certos rompimentos. Os momentos equilibristas sem rede de proteção. Quantas vezes precisei ser forte mais do que era; aprender a renascer, mudar a estrada por obstáculos, percorrer caminhos mais longos.

O estranho é que não tem tristeza, nem acordo me sentindo diferente. Não sinto nenhum problema em ter revisto até partes bem difíceis. Sem arrependimentos. Ao contrário, a sensação é boa, de vitória por ter tanto para contar, viva. Vem sendo como abrir um arquivo, rever álbuns de fotos, espiar o Google Fotos. Já foi. Já passou. Consegui. Conseguimos, aliás, porque imagino que você também tenha um bom livro da vida. Fico curiosa em saber como você lida com esse momento.

Fechando a temporada deste ano, não posso deixar de agradecer a companhia de todos, muitos, a força de cada recado, bilhete, curtida, comentário, resposta aos artigos e também o apoio à batalha que alguns conhecem e acompanham. Vamos todos sonhar, sim, com um mundo melhor, com liberdade, em paz, com espíritos de luz que nos protejam da insanidade, seja ela vinda dos poderosos ou dos que tentam justamente bloquear o futuro dos outros porque não conseguem nem ver a saída para o seu próprio.

__________________________________

CONSEGUI. CONSEGUIMOSMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________

ARTIGO- Por onde você começa? Por Marli Gonçalves

Por onde você começa quando tem de solucionar algo? Não, não precisa ser necessariamente um problema. Qualquer coisa. Digamos, sei lá, até para comer uma coxinha, tem de pensar: vai morder primeiro a ponta? Parece mesmo que tudo na vida começa por alguma decisão – não é por menos que vivemos tão cansados.

Festa Fácil

Vou por ali, por aqui, pelo meio, como chegar onde é necessário. O tal primeiro passo. O exemplo da coxinha, daquele formato que obriga a decidir por onde começar é só um deles, simplista, mas claro que a gente está falando de coisas mais sérias. Tudo parece que abre estradas à frente, à direita, à esquerda, ou mesmo ao recuo, voltando atrás.

Textos, como este, por exemplo, tem quem os comece pelo título. Há os que primeiro escrevem tudo. Ruy Castro me disse uma vez que sempre escolhe o título por último. Eu costumo pensá-lo antes, principalmente quando formulo uma pergunta. Mas também posso mudar tudo, rever, sem problemas.  De qualquer forma, assim é a essência da liberdade, o poder mudar, inclusive no meio do caminho. Um dia começar a coxinha pela ponta, outro pela parte gordinha. Não resistir e quebrar a casquinha do sorvete por baixo, mesmo sabendo que vai se melar e lambuzar inteiro.

Os começos são sempre horas de necessitar decisões. Sejam eles começos de semana, de mês, como o que já chega agora, mais um desse ano que parece estar correndo sob nossos pés como uma esteira em velocidade, ou de ano que já se anuncia, o 24. Tenho ouvido falar de Carnaval, adiantando-se até ao Noel. A movimentação eleitoral chacoalha cidades e poderes, começa até a tomar providências, movimentando os atrasados, enchendo as ruas de obras acumuladas, tudo para que a gente perceba o quanto querem permanecer, e como são eficientes; aceleram só ali perto da hora da chegada.

Em todo momento de alguma forma estamos ou começando ou pensando em começar algo, que também significa decidir. Desde o lado da cama que dorme, se vai agora ou depois, se aceita ou nega, se lê ou apaga, se revida ou não. Se busca alguma verdade que intui ou se deixa por isso mesmo. Tudo traz consequências e que só serão mesmo conhecidas depois – como seria bom se tudo pudesse ser planejado de verdade, como insistentemente nos fazem crer, que tudo é linear, que se formos assim, assado, assim será.

Temos visto constantemente o quanto não é bem assim, e invariavelmente nos pegamos perplexos por ter feito tudo direitinho, mordido primeiro tudo o que precisava, e sermos colhidos de surpresa. Observamos, então, o quanto a interdependência é cruel.

___________________________________________________

MarliMARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___________________________________________